Disponível no YouTube, documentário celebra os 90 anos de Gilberto Mendes. B6
LUIZA SIGULEM/FOLHAPRESS
MEMÓRIA. Mais do que o principal arranjador da Tropicália, Rogério Duprat foi o inventor da música popular brasileira, ou pelo menos do que ela tinha de melhor para oferecer. Lançando mão das mais ousadas experimentações sonoras, o maestro genial deu o impulso necessário para que o Brasil saísse da senzala e dialogasse com o que de mais moderno era produzido nos grandes centros culturais do globo. “Seus arranjos punham as canções em choque luminoso com o próprio campo convulsionado da música em mutação. Não se tratava apenas de ‘vesti-las’ com roupagens de estilo, mas de reinventar as linguagens, como autêntico criador. Ninguém fez isso melhor do que ele”, sintetizou o compositor José Miguel Wisnik. Nesta edição, a Gazeta resgata um pouco da história do artista que, se estivesse vivo, teria completado 80 anos. Vale a pena conferir
HOMEM DA INVENÇÃO
Domingo 04/11/2012
LUÍS GUSTAVO MELO REPÓRTER
AGÊNCIA ESTADO
O Brasil dos anos 1960 era um país muito atrasado, e um lugar muito, muito, mas muito chato para qualquer jovem imune à síndrome da ‘viseira de cavalo’ que acometia a maioria dos radicaizinhos de esquerda da época. No cenário artístico, especialmente na música, o maniqueísmo que assolava a nação chegava ao ponto de praticamente obrigar a audiência a optar entre o nacionalismo de Elis Regina, com o “samba coisa nossa” (houve até uma ridícula passeata contra a guitarra elétrica), e a “alienação” da Jovem Guarda, com sua linguagem musical importada dos EUA e da Europa. Esse bipartidarismo absurdo teria se tornado ainda mais asfixiante se num desses maravilhosos caprichos do acaso não tivesse explodido o período mais renovador da música popular no país, o tropicalismo. Com Caetano Veloso e Gilberto Gil como figuras centrais, o movimento promoveu a derrubada de muitos preconceitos, misturando num só caldeirão influências da música popular, de Luiz Gonzaga a Vicente Celestino, passando por elementos de música de vanguarda, referências cinematográficas, uma boa dose de ironia, aproximação com o que havia de mais moderno na música pop estrangeira e um justo elogio à cafonice. Mas para que essa fórmula explosiva funcionasse, era preciso uma mão segura para orquestrar o ‘caos’, e o responsável por essa façanha foi um maestro e arranjador de formação erudita cheio de ideias estranhas que respondia pelo nome de Rogério Duprat.
Sem ele, os baianos provavelmente não teriam obtido o mesmo impacto. Com Duprat à frente dos arranjos mais ousados e inventivos jamais compostos por aqui e um incrível manancial de ideias jorrando de uma sinergia de talentos sem precedentes, a música popular brasileira finalmente encontrou a modernidade. Foi também o maestro, com a luminosa participação dos Mutantes, quem introduziu, para desespero da esquerda festiva, a guitarra elétrica (símbolo máximo do imperialismo ianque) na MPB. “Nós sentimos que o uso da guitarra não era um negócio puramente musical e sim um novo tipo de comportamento pop que vinha envolvendo o mundo desde 1960. Decidimos incluir em nossas atividades musicais os elementos desse novo comportamento. Não usamos a guitarra simplesmente para irritar a Elis Regina, Edu Lobo ou qualquer um que pertencesse à ortodoxia musical brasileira. Queríamos mudar as coisas”, disse o maestro à revista Manchete, em outubro de 1975. Na concepção do músico, enquanto o mundo avançava, o Brasil permanecia alheio às mudanças. “Vieram os Beatles, os Rolling Stones, e o Brasil continuava tocando o seu pandeirinho. Nada contra, mas para se impor com algo mais moderno o Brasil tinha que mudar de instrumental e de composição. A despeito dos nacionalistas, isso representava uma internacionalização. E Roberto Carlos e Wanderléa já estavam fazendo sucesso. Trabalhei com eles antes de Caetano e Gil, como maestro de gravata borboleta no programa Roberto Carlos à Noi-
ROGÉRIO DUPRAT MAESTRO (19322006), EM ENTREVISTA À REVISTA MANCHETE, EM OUTUBRO DE 1975
“Nós sentimos que o uso da guitarra não era um negócio puramente musical e sim um novo tipo de comportamento pop que vinha envolvendo o mundo desde 1960. Decidimos incluir em nossas atividades musicais os elementos desse novo comportamento. Não usamos a guitarra simplesmente para irritar a Elis Regina, Edu Lobo ou qualquer um que pertencesse à ortodoxia musical brasileira. Queríamos mudar as coisas”
te, da TV Record. Lá também conheci Jorge Ben. Era inevitável que aqui se fizesse algo no nível do que acontecia no mundo. A Tropicália foi o único movimento que fez algo difícil de fazer no mundo, e com originalidade”.
‘ORELHUDO’ Carioca nascido em 1932, o maestro Rogério Duprat começou a se interessar por música muito cedo, tocando ‘de ouvido’. “Meus primeiros instrumentos foram gaita de boca, violão e cavaquinho; foi antes de eu saber ler música; eu era um ‘orelhudo’, não lia música, fui aprender a ler música depois.” É com a mesma simplicidade que ele explica como de fato enveredou profissionalmente pelos caminhos da música, no início da década de 1950, quando passou a estudar violoncelo. “Eu estava cursando Filosofia na faculdade, mas chegou o terceiro ano e não aguentava mais. Eu precisava trabalhar, minha família não tinha grana. Foi aí que eu desenvolvi a brincadeira de tocar violoncelo. Rapidamente estudei feito louco para que dois anos depois eu pudesse trabalhar”. Em meados de 1955, o músico mudou-se para São Paulo, onde obteve papel de destaque na Orquestra Sinfônica Municipal. Foi um dos fundadores da Orquestra de Câmara de São
Paulo. Ao lado dos amigos Julio Medaglia, Gilberto Mendes e Damiano Cozzella, concebeu o movimento de música erudita Música Nova. No comecinho dos anos 60, passou um ano na Alemanha, tornando-se colega de Frank Zappa, com quem assistiu às aulas do mestre Karlheinz Stockhausen. Em 1963, de volta ao Brasil, foi arranjador e regente da orquestra da TV Excelsior. Nos anos seguintes, buscou trilhar novos caminhos, compondo trilhas para cinema, sendo premiado por trabalhos em alguns dos filmes do seu primo Walter Hugo Khouri, a exemplo dos longas Noite Vazia, O Corpo Ardente e As Cariocas. Farto da caretice das orquestras, Duprat empreendeu uma aproximação gradativa com a música popular, cujo ápice se configurou na frutífera contribuição com os tropicalistas, onde pôde finalmente concretizar seus planos de radicalizar o conceito de uma orquestração absolutamente moderna no Brasil. A parceria com Gilberto Gil, ao assinar o genial arranjo de Domingo no Parque, ocorreu por intermédio do maestro Julio Medaglia. “Ele [Gil] e Caetano já estavam pensando que tinham que chegar à música pop. Era a última palavra, aquela coisa que estava misturando, comportamento diferente, não mais só musiquinha. Então o Gil, conversando com o Julio, perguntou quem ele achava que podia ajudar
no arranjo de Domingo no Parque. E ele me apresentou ao Gil. Aí, Gil disse: ‘Veja, o que você quer fazer?’ ‘Eu acho que o negócio é partir para o pau mesmo, botar rock, misturar com essa coisa baiana de vocês, e mandar o pau’. E ele: ‘Está bom, você conhece alguém?’. E eu disse: ‘Eu vou trazer as únicas pessoas que servem pra você... Dá um tempo, um dia ou dois...’ Então peguei Os Mutantes, porque eu já estava ‘mamado’ neles”, recordou. Nas décadas de 1970 e 80, Duprat montou um estúdio para produção de trilhas publicitárias e para cinema e TV. Produziu e arranjou discos fundamentais como os álbuns de estreia de nomes como Walter Franco e Arnaldo Baptista. Em 1987, ganhou um prêmio no Festival de Gramado, com a trilha sonora do filme A Marvada Carne, mas se recusou a recebê-lo, porque a música apareceu desfigurada. O volume do som dos estúdios o deixou quase surdo, o que o obrigou a exilar-se num sítio localizado em Itapecerica da Serra (SP), trabalhando com marcenaria e praticando ioga. Rogério Duprat faleceu há seis anos, na tarde do dia 26 de outubro de 2006, no Hospital Premier Residence, zona sul da capital paulista. O músico, que sofria do Mal de Alzheimer, não resistiu a complicações de um câncer de bexiga, morrendo em decorrência de insuficiência renal. ‡ Continua nas págs. B2 e B5
Duprat só passou a encarar a música de maneira profissional na década de 1950, quando foi estudar violoncelo
B 2 Caderno B
GAZETA DE ALAGOAS, 04 de novembro de 2012, Domingo
FOTOS: REPRODUÇÃO
CONTINUAÇÃO DA PÁG. B1. Convocamos uma turma da pesada para falar sobre o legado do artista que revolucionou a música brasileira – e em vários sentidos. Com a palavra, Bia Abramo, Rodrigo Carneiro, Ayrton Mugnaini Jr., Maximo Barro, Carlos Calado e Fernando Rosa
FOTOS: ACERVO PESSOAL
Rogério Duprat fez a conexão da Tropicália com a vanguarda musical daquele período. Ele assinou, ali, a relação daquilo que os tropicalistas iniciais, Tom Zé, Caetano e Gil, vinham informados da experiência dos Seminários Livres de Música na Universidade Federal da Bahia dados pelo Koellreutter. E em São Paulo, o par do Koellreutter é o Duprat, por um lado da música Duprat-Medaglia, mas ainda mais o Duprat, que era um cara mais radical e vanguardista que o Medaglia; mais informado e mais conectado com as relações entre a música erudita e o cenário da música pop internacional, pelo lado do discurso, das letras e da poesia com os concretistas. É o Duprat quem dá inteligência vanguardista para a Tropicália. A gente tem que lembrar que a Tropicália é um movimento cultural, ele tem essa característica de juntar gente diferente de áreas diferentes, fazendo coisas diferentes. Então você tem o pessoal das artes plásticas, o Oiticica, o Rogério Duarte, sai ali do cenário da arte contemporânea da época, das discussões do concretismo ou do não concretismo, e se aproxima ali da forma de expressão mais anárquica e vanguardista. Todo esse arcabouço relacionado
à arte contemporânea da vanguarda alimenta esses artistas pop que serão o Tom Zé, o Gil, o Caetano e toda turma que eles reuniram. Nesse sentido, o legado do Rogério Duprat é complicar a ideia da Tropicália – complicar para o bem e introduzir um ruído que até então a cultura de massa não conhecia. Quando você vê a imagem do povo entrando com uma informação restrita a círculos muito pequenos – da poesia, da música erudita e até mesmo da universidade – e faz essa informação circular na forma de uma canção pop quase perfeita que é Domingo no Parque na televisão... Como você faz música tão simples e tão complicada, tão linda e tão genial? Isso vai dialogando com linguagens muito diferentes e colocando todo mundo em confronto. E é isso que a Tropicália tem de inteligentíssimo, essa junção de gente maluca, pensando cada um na sua, mas numa única direção. Quarenta anos depois, você vê tudo isso reacontecendo em uma rede. Mas as ferramentas deles eram mais acústicas, as mais avançadas da época, mas parece heroico fazer o que hoje em dia nós temos na ponta dos dedos. Rogério Duprat estaria se divertindo hoje em dia com as redes sociais. BIA ABRAMO, jornalista
1959. Duprat (à dir.) acompanhado dos irmãos e dos pais Délio e Olga (centro), em Moema
1957. Inquieto, o jovem Rogério Duprat trocou o curso de Filosofia pela música O Rogério tinha uma área de atendimento muito ampla porque os ‘vestidos’, para ele, duravam seis meses. Ele era uma pessoa ávida por novas coisas, então a gente vê perfeitamente isso no que ele pensava quando foi professor em Brasília. Dois anos depois, possivelmente no momento em que ele começou a trabalhar com cinema, seu estilo mudou bastante, ele tinha posições novas em cada canto. Em cinema isso foi muito útil, porque logicamente o músico pega filmes substancialmente diferentes – como no meu caso, que sou montador, também pego a comédia, o drama, um filme de cangaço, um filme policial, um filme histórico, e o músico passa pelo mesmo processo. O
Rogério Duprat tinha humildade, sabendo que ele era o último técnico de cinema a trabalhar num filme e que ele deveria trabalhar para o filme e não para ele. É por isso que a gente vê essa mutação, onde ele faz uma música avançadíssima como no caso da música dos filmes do primo dele, o Walter Hugo Khouri. O Rogério foi o maior músico de cinema que o Brasil teve nos anos 1960 e 70, exatamente por causa dessa maneira humilde que tornava sua música sempre funcional; ele fazia uma música para o filme, e não uma música para ser ouvida na sala de visita. MAXIMO BARRO, professor da Faculdade de Cinema da FAAP
Rogério Duprat foi o George Martin brasileiro. É clichê, porém verdade. Tanto Martin com os Beatles quanto Duprat com Os Mutantes melhoraram o que já era excelente. A diferença é que Martin acumulava as funções de músico auxiliar, arranjador complementar e produtor dos discos dos Beatles, enquanto Duprat fazia ‘apenas’ os arranjos para orquestra – mas que arranjos! E, assim como seu colega inglês, Duprat merece ser lembrado por muito mais que seus serviços para Os Mutantes. Basta lembrar seu arranjo dissonante e
aflitivo para Construção, de Chico Buarque, idem com os LPs Tropicália e o de Nara Leão de 1968, seus LPs solo A Banda Tropicalista do Duprat (sucessos do momento) e Nhô Look (canções caipiras), seus discos de modinhas dos séculos 18 e 19... Duprat pode ser ocasionalmente tão “esquecido” quanto, mal comparando, Thomas Edison ou Santos Dumont, mas suas invenções continuam sempre presentes e inspiradoras. AYRTON MUGNAINI JR., jornalista, compositor e pesquisador de música popular
O grande público brasileiro sabe, no máximo, que Rogério Duprat foi uma espécie de maestro erudito do movimento tropicalista, na década de 1960, mas o legado desse grande artista é bem maior. Com seus criativos arranjos musicais e ideias sonoras, Duprat colaborou ativamente para derrubar as supostas fronteiras entre o erudito e o popular, no universo da música brasileira. Diferentemente de alguns de seus colegas, não foi por narcisismo ou esnobismo que Duprat se envolveu com algumas correntes da música contemporânea de vanguarda, como o dodecafonismo ou o serialismo. Duprat era um artista inquieto e fascinado pelo novo, pelo inusitado, com um humor rasgado e iconoclasta que marca grande parte de sua obra. Mesmo depois de já ter lido algumas entrevistas dele, ao conhecê-lo pessoalmente, na década de 90, quando o entrevistei
para os meus livros sobre a Tropicália e Os Mutantes, fiquei impressionado por sua simplicidade e bom humor, mesmo que ele já estivesse quase surdo. Costumava dizer que não via diferença entre sua obra musical e a de um Zé das Couves qualquer. Hoje, poucos sabem que foi Duprat quem apresentou o trio Os Mutantes (formado por Rita Lee e os irmãos Sérgio e Arnaldo Baptista), quando escreveu o sensacional arranjo para Domingo no Parque, em 1967, preconizando a estética sonora tropicalista, em cujo desenvolvimento teve um papel essencial. Menos gente ainda sabe que Duprat também deixou sua marca nos arranjos de alguns dos melhores discos de Chico Buarque, Gal Costa, Nara Leão, Walter Franco e Erasmo Carlos, entre outros. Assim como a Tropicália, a música popular brasileira de qualidade deve muito a Rogério Duprat. CARLOS CALADO, jornalista
DIVULGAÇÃO
LEMBRANDO A GENIALIDADE DE DUPRAT
O trabalho de Rogério Duprat fez toda a diferença na modernização da música popular brasileira. O maestro, que já havia assinado arranjos para bossanovistas de primeira hora, vinha do movimento vanguardista Música Nova e de estudos, na Europa, com Pierre Boulez e Karlheinz Stockhausen, ofereceu uma inestimável e anárquica contribuição erudita ao tropicalismo, que por sua vez retomou os preceitos do antropofagia modernista de 1922. Uma retomada em plena revolução comportamental, política e estética dos anos 1960. A ideia de juntar Os Mutantes e Gilberto Gil na defesa de Domingo no Parque, no III Festival de MPB da TV Record, em 1967, foi dele. Aliás, por esse arranjo Duprat sagrou-se o melhor da categoria naquele ano. Duprat é o elemento da maluquice com estofo de alta vanguarda na geleia geral. Um desses acontecimentos monumentais da arte brasileira. Nos anos 70, Duprat trabalhou como arranjador de outras obras-primas (vide Construção e Deus lhe Pague, de Chico Buarque). A atuação do criador no cinema de Walter Hugo Khouri, por exemplo, também é notável. Filmes como Noite Vazia, Ilhas, O Corpo Ardente e As Cariocas têm trilhas sonoras assinadas por ele. Trilhas devidamente premiadas. RODRIGO CARNEIRO, jornalista e músico
Rogério Duprat é um dos nomes mais importantes do mundo da música, não apenas brasileira, mas mundial. A sua genialidade alinha-se a gente como George Martin, Frank Zappa ou, em menor escala, Esquivel. O tropicalismo é invenção de Gil & Caetano, mas sem Rogério Duprat não existiria na forma que conhecemos. Seu trabalho com Os Mutantes também transformou a banda em fenômeno mundial, até hoje capaz de surpreender as novas gerações. A obra de Duprat, mesmo não sendo autoral, inscreve seu nome entre os grandes gênios da música brasileira como Villa-Lobos, Pixinguinha, Antonio Carlos Jobim e Roberto Carlos, entre alguns outros. FERNANDO ROSA, jornalista e produtor cultural
Caderno B 5 B
Domingo, 04 de novembro de 2012, GAZETA DE ALAGOAS
CONTINUAÇÃO DA PÁG. B1. Escrita pelo professor Maximo Barro, a biografia Rogério Duprat – Ecletismo Musical revê a trajetória do maestro carioca que fez sua história em São Paulo
UM PERFIL À ALTURA DO ARTISTA REPRODUÇÃO
1978. Duprat em sua chácara, em Itapecerica da Serra (SP)
Trecho da obra As obrigações familiares o obrigam a uma definição de vida profissional. Já gozando de algum respeito como celista opta em definitivo pela música participando nas Sinfônicas da Prefeitura, do Estado e das três emissoras de televisão além de gravadoras de disco e música para filme que por vezes o ocupam 24 horas seguidas, porém, não o impedindo de avidamente atirar-se nas especializações de harmonia, história, regência e coral formando-se no Conservatório Carlos Gomes em 1958. Em pouco tempo, e ainda jovem, abarcou conhecimento que outros só conseguiriam quando idosos. A insatisfação de que é tomado sempre que atinge a plenitude do que pratica naquele momento será a marca principal de Rogério. Isto vai torná-lo um garimpador do futuro, um apreciador das extremidades, dos que buscam a radicalidade não só da composição mas, também, voltadas para as responsabilidades sociais inerentes a todo verdadeiro artista. Ele e alguns colegas e amigos, que não partilhavam do acomodamento musical em que vivíamos nos anos 50, pretendem confrontar-se com o ramerrão. Se a Sinfônica do Estado, onde ele toca ao lado de Corazza e Varoli, insiste em só programar Mozart, Beethoven e Chopin, por que não fundar outro grupo, menos ortodoxo que tocasse de Monteverdi a Schöemberg? A Orquestra de Câmara de São Paulo, regida por Olivier Toni, é filha desses ideais, mais tarde ampliada pelo Grupo de Música Experimental, onde até o Concertino para Trompa, Oboé e Cordas, de sua autoria, é lançada mais o Ricercare para Duas Trompas, de Gilberto Mendes. Entre todos os colegas deste momento será com Damiano Cozzella que manterá os laços mais fortes de amizade, parceria e fraternidade política. A esquerda e a pauta os unirão e, por longo tempo, a influência de Cozzella sobre Rogério será preponderante. Ironicamente seria o mesmo Claudio Santoro, que dividira ao meio a Música Viva para preservar o Brasil dos discípulos de Schöemberg, será agora, em 1958, como professor de composição de Rogério, quem o irá iniciar na técnica serial, mas com laivos nacionalistas. (págs. 43, 44 e 45)
É tudo culpa dele A Gazeta selecionou dez álbuns essenciais arranjados pelo genial maestro tropicalista. Confira
TROPICÁLIA OU PANIS ET CIRCENCIS Ano de lançamento 1968
OS MUTANTES Ano de lançamento 1968
GILBERTO GIL Ano de lançamento 1968
A BANDA TROPICALISTA DO DUPRAT Ano de lançamento 1968
NARA LEÃO Ano de lançamento 1968
GAL COSTA Ano de lançamento 1969
CAETANO VELOSO (DISCO BRANCO) Ano de lançamento 1969
RITA LEE – BUILD UP Anos de lançamento 1970
ERASMO CARLOS – CARLOS ERASMO Anos de lançamento 1971
WALTER FRANCO – OU NÃO Ano de lançamento 1972
Lançada em 2004 pela Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, a Coleção Aplauso já chegou a mais de 200 volumes. Só que até 2009 as publicações da editora eram voltadas apenas para atores e diretores de teatro e televisão, retratados em perfis sempre completíssimos. Há três anos, porém, a música também passou a desfrutar de espaço da coleção – com títulos igualmente disponibilizados de forma gratuita na internet. É o caso de Rogério Duprat – Ecletismo Musical, que faz justiça à importância da obra do maestro Rogério Duprat na história da músi-
ca popular brasileira e, principalmente, na criação de trilhas musicais inovadoras para o cinema. Escrita pelo amigo e professor Maximo Barro, a biografia conta a história deste carioca radicado em São Paulo, de formação erudita, membro-fundador da Orquestra de Câmara de São Paulo. Até hoje é mais conhecido por seu envolvimento com o movimento tropicalista no final da década de 1960. Duprat arranjou canções de Gilberto Gil (em particular Domingo no Parque, no famoso Festival da Record), Caetano Veloso, Gal Costa, Nara Leão e Os Mutantes. Não à toa, mui-
tas vezes foi chamado de o George Martin da Tropicália (referência ao homem por trás dos Beatles). Em 1979, trabalhou com Walter Franco e o grupo O Terço. Fez mais de 40 trilhas para o cinema, em particular nos filmes do diretor Walter Hugo Khoury (Eros, Convite ao Prazer, O Anjo da Noite, As Deusas, Noite Vazia, O Corpo Ardente, A Ilha e outros). Mas também Roberto Santos (O Homem Nu, Um Anjo Mau), Ramalho (Anuska, Filhos e Amantes), Fernando de Barros (A Arte de Amar Bem), Rodolfo Nanni (Cordélia, Cordélia) e Anselmo Duarte (Um Certo Capitão Rodrigo).
Serviço Título: Rogério Duprat – Ecletismo Musical Autor: Maximo Barro Editora: Imprensa Oficial do Estado de SP/ Coleção Aplauso Música Preço: R$ 15 (264 págs.); disponível para download gratuito na internet, no site aplauso.imprensa oficial.com.br