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MÚSICA. Um dos nomes mais emblemáticos da cena musical sulista desde os tempos em que cuspia sarcasmo no grupo punk Os Replicantes, Wander Wildner mantém a mesma atitude desencanada de outrora, e com um violão nas costas, segue destilando seus versos pelo mundo. Um dos últimos roqueiros brasileiros que, de fato, pode se reconhecer como alternativo, o compositor acaba de lançar em parceria com o selo recifense Assustado Discos, a compilação de raridades Rodando el Mundo, disco cujo material dá a exata medida de seu legado
Cineasta Nara Normande exibe Dia Estrelado em Maceió e escala atores locais para seu novo filme. B2
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O ÚLTIMO DOS
MOICANOS
Quarta-feira 20/02/2013
Foi revirando seus baús que o cantor gaúcho Wander Wildner recuperou registros inéditos e raridades acumuladas ao longo de sua carreira
LUÍS GUSTAVO MELO REPÓRTER
Personagem seminal da cena musical surgida nos pampas na primeira metade dos anos 1980 e ícone do punk nacional desde os tempos em que assumia a linha de frente dos Replicantes, Wander Wildner ainda hoje personifica a integridade roqueira ao manter uma ética de trabalho voltada pura e simplesmente para a sua verdade. “Não faço música pensando no público. Faço para mim”, afirma ele. “Na verdade sempre foi assim. Desde os Replicantes, em todos os meus discos. Faço música porque gosto de fazer música”. Um dos mais autênticos e originais compositores do cenário pop brasileiro das últimas décadas, Wander é autor de algumas das canções mais insólitas do rock nacional, capaz de criar versos como “meu cachorro vênus foi roubado/ fiquei um pouco preocupado” (Bebendo Vinho) ou “dois por dois mede o quarto da empregada/ para mim ele vale muito/ para outros não vale nada” (Empregada) e fazê-los soar como pura poesia. É nesse espírito que o autor de clássicos como Eu Tenho uma Camiseta Escrita Eu te Amo, lança o seu novo disco Rodando el Mundo, antologia de raridades garimpadas no baú do artista e editada em vinil pelo selo Assustado Discos, do Recife. Comandada pelo produtor musical Rafael Cortes, a gravadora tem como premissa básica lançar materiais raros de nomes de destaque do cenário alternativo. “A seleção dos artistas que laçamos pelo Assustado Discos, passa muito pelo meu gosto musical e pela possibilidade de uma boa relação profissional e de interesse mútuo de fazer um projeto com tesão”, esclarece Rafael. “O artista gaúcho Wander Wildner é um dos maiores representantes da música independente no Brasil, sua obra tem identidade e verdade. Esses elementos aliados ao bom relacionamento e vontade de produzir uma grande obra fonográfica resultaram no LP Rodando el Mundo. Os discos têm tiragens reduzidas e são quase como objetos de arte, já que além do conteúdo, as capas recebem um tratamento especial, sendo desenvolvidas por artistas plásticos”.
O PRINCÍPIO DO NADA Com três décadas de carreira, Wander Wildner realmente tem muito história para contar e, portanto, é uma escolha acertada para esse tipo de projeto. A saga do nosso herói teve início no quente verão porto alegrense do
ano de 1984, quando um grupo de amigos resolveu formar uma banda para espantar o tédio daquela região tão afastada dos grandes centros culturais. Inspirados em bandas como Sex Pistols, The Clash e Vibrators, os garotos passaram a se chamar Os Replicantes e juntos começaram uma pequena revolução. Com uma acentuada visão de futuro, Os Replicantes montaram seu próprio selo, o Vortex e fundaram a Subterrâneo Produções Musicais, para empresariá-los. Por volta de 1989, Wander decide deixar o grupo para seguir carreira num esquema mais livre e desencanado, em formações como Sangue Sujo, Máquina Melequenta, Los Encarnados e Kadafi. Na metade da década de 1990, seguiu como solista e criou para si o termo ‘punk brega’, cristalizado em clássicos como o álbum Baladas Sangrentas. Em suas doze faixas, Rodando el Mundo traça um belo perfil da carreira solo do artista num lançamento cuja cuidadosa concepção visual do produto merece destaque. Entre as faixas selecionadas por Wander, estão uma versão de Eu Tenho uma Camiseta Escrita Eu te Amo com a Orquestra de Câmara da Ulbra, uma antiga gravação da banda Sangue Sujo, registrada em demo tape, em 1990, e o soneto Ensaístico do poeta Glauco Mattoso, musicado por Wander e gravada originalmente para o CD Meloéia: Sonetos Musicados, de Glauco Matoso. “O Glauco me escreveu perguntando se eu gostaria de participar deste projeto e me mandou vários dos seus livros. Levei muito tempo para sacar qual era a musicalidade do soneto. Mas quando descobri, a música veio. Liguei pro Flu e pedi ajuda para gravar”, lembra o cantor. No pingue-pongue que você confere a seguir, Wander conta um pouco de sua história, fala sobre suas andanças e o novo álbum. Com vocês, o bardo punk Wander Wildner.
Entre as faixas há uma que registra uma apresentação no Festival de Inverno de Garanhuns, ao lado da extinta banda recifense Paulo Francis Vai pro Céu. Você ainda viaja, apresentandose nesse esquema? De vez em quando ainda toco com bandas locais, vai muito da situação, e porque fica difícil no circuito alternativo viajar com a estrutura de banda, pois fica caro, e o pessoal também não conhece as músicas mais novas.
Gazeta. Antes dos Replicantes você trabalhava com teatro, cinema, televisão, e na área da música sua experiência, até então, tinha sido a de correr o Nordeste trabalhando na equipe de iluminação do show de Alceu Valença, não foi? Como o lance do punk te contagiou a ponto de você seguir uma carreira com Os Replicantes e em formações posteriores, como Sangue Sujo, Máquina Melequenta, etc.? Wander Wildner. Éramos parte de uma geração muito atuante cultural e politicamente em Porto Alegre, e seguimos até hoje criando o que queremos. Em 1983 fui para o Rio fazer um estágio na TVE, mas acabei trabalhando na Companhia da Luz e participei de uma tour de quatro meses pelo país com o show Anjo Avesso, do Alceu. No final desse ano em Porto Alegre uns amigos estavam começando uma banda, eu cheguei no verão e acabei fazendo parte do que veio a ser Os Replicantes. Com eles, ouvi todas as bandas punks e tomei gosto pelo estilo. Uma característica muito marcante em sua trajetória é essa imagem forte do viajante. Do artista que roda o mundo levando sua música a qual canto for. O quanto essas andanças contribuíram para a formação de sua identidade musical? Sou descendente de austríacos por parte de pai e português por parte de mãe. Os Wildner, no século 19, eram ciganos na Europa. Nasci em Venâncio Aires e com quatro anos fomos para Porto Alegre.
Morei em muitos lugares diferentes, fui escoteiro durante 10 anos da minha vida, com muitos acampamentos no currículo, e sigo desse jeito, tá no sangue. E viajando você conhece muita gente e tem muitas experiências distintas, o que é legal.
Seu novo álbum Rodando el Mundo acaba de ser editado pelo selo pernambucano Assustado Discos. Como rolou o contato que resultou neste lançamento? O convite partiu do Rafael Cortes que comanda o selo Assustado Discos e tem por objetivo só lançar vinil com material raro. O disco reúne desde antigas gravações de bandas como Sangue Sujo até canções mais recentes, compostas nos últimos dez anos. Qual foi o critério utilizado para montar o repertório? Eu tive que revirar meu baú de prata procurando gravações desse naipe. Selecionei algumas, mostrei pro Rafael e juntos nós selecionamos essas doze que compõem o álbum. Optei por gravações as mais distintas possíveis, independente da qualidade [da gravação] e de erros ou coisas do tipo.
“Em 1983 fui para o Rio fazer um estágio na TVE, mas acabei trabalhando na Companhia da Luz e participei de uma tour de quatro meses pelo país com o show Anjo Avesso, do Alceu. No final desse ano em Porto Alegre uns amigos estavam começando uma banda, eu cheguei no verão e acabei fazendo parte do que veio a ser Os Replicantes”
No início da tua carreira solo, suas composições eram marcadas por temas românticos, sob o rótulo de ‘punk brega’. Depois sugiram canções como Onthe Road, entre outras, que aludem a esse aspecto estradeiro da sua trajetória. Houve uma decisão deliberada de mudar um pouco a temática de suas canções? Me dei conta de que a forma romântica de amar não era bacana e com o tempo fui aprendendo o que é o amor verdadeiro, e isso se refletiu nas músicas. Eu tenho falado muito das aventuras de andar pelo mundo, dessa história de está descobrindo o novo, conhecendo pessoas, lugares...
Você sempre transitou pela via do cenário independente, mas prefere usar o termo ‘alternativo’ para definir sua posição como artista. Por quê? Porque dependo dos amigos para formar uma banda, gravar e lançar discos, e em todo trabalho de produção que isso envolve. Por isso não sou independente, e o termo alternativo é mais bacana, pois mostra que existe alternativas diferentes da via convencional. ‡
Serviço Disco: Rodando el Mundo Artista: Wander Wildner Gravadora: Assustado Discos Preço: R$ 60 (mais o envio pelo correio via Pac ou Sedex) Onde comprar: pedidos podem ser feitos pelo e-mail assustadodiscos@gmail.com