Revista +Cristão Edição05

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ENTREVISTA

Ano 02 – Nº05 | Março 2014 | R$6,90

Uma conversa franca e reveladora com o cantor, compositor e arranjador João Alexandre, que fala de sua ruptura com a música gospel e defende que as letras das canções devem ir além do espiritual e fazer da pessoa um melhor cidadão.

+Cristão Ano 02 – Nº 05

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MARÇO 2014

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Editora Millibros

SOFRIMENTO UM DOS TEMAS MAIS DELICADOS E DE DIFÍCIL COMPREENSÃO DA FÉ CRISTÃ. SE DEUS AMA SEUS FILHOS, POR QUE ELES SOFREM?

Intolerância

Com facilidade, pessoas se zangam e não aceitam pontos de vista diferentes

Jipeiros de Cristo

Eles levam a mensagem de Deus e assistem comunidades carentes

Na contramão do mundo Jovens que não bebem, não frequentam boates e evitam o sexo antes do casamento


Em 2009 não existia nenhuma UPA no DF. Hoje são 4 UPAs funcionando dia e noite para atender os casos de pequenas emergências e, assim, desafogar os hospitais: Samambaia, Recanto das Emas, Núcleo Bandeirante e São Sebastião. Até o final deste ano serão mais 4. Cada UPA atende em média 450 pessoas por dia. Em 6 meses são mais de 160 mil atendimentos feitos por médicos, radiologistas, pediatras e dentistas. É, a grande transformação na saúde do DF já começou.

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as o os

SABE COMO O GDF ESTÁ MUDANDO O ATENDIMENTO DE EMERGÊNCIA NO DF? ASSIM.

4 UPAS FUNCIONANDO DIA E NOITE.

Secretaria de Saúde Governo do Distrito Federal

18/02/14 10:03


EDITORIAL

A Revista +Cristão é uma publicação da Millibros Editora CNPJ: 03.640.579/0001-07

Contatos 61 9129-0990 jerrygaspar@revistamaiscristao.com redacao@revistamaiscristao.com

Expediente +Cristão Diretor Executivo Jerry Gaspar Diretor-Editor Jairo Cesar Diretor Comercial David Malafaia Direção de Arte, Design e Diagramação Aeroplano Comunicação Jornalistas Mércia Maciel Carmen Fortes Colaboração - Hosana Seiffert Revisores Eleazar Araújo (Zazo) e Josué Silva Articulistas Ana Celia Bomfim, Daniel Castro, Estevam Fernandes, Hosana Seiffert, Junior Sipaúba, Walter da Mata , Zazo, o nego. Fotografia Cristiano Carvalho e Thimóteo Soares Impressão Gráfica Brasil Distribuição / Periodicidade A Revista Mais Cristão é mensal. É distribuida em várias igrejas, livrarias evangélicas e bancas de jornais do Distrito Federal. Tiragem 10.000 exemplares

por Jairo Cesar

“No momento em que a fé é mais difícil e menos provável, então ela é mais necessária.” Phillip Yancey

A

leitura do livro Decepcionado com Deus, ainda na minha adolescência, fez-me mergulhar em muitos questionamentos sobre o tema. Confesso que até hoje não tenho todas as respostas. Talvez tenha mais perguntas que certezas. Aliás, é o mesmo que parece acontecer com o autor Phillip Yancey, em sua busca como jornalista investigativo, em um trabalho denso e com muitos personagens reais. Inúmeros teólogos, psicólogos, escritores e pensadores debruçam-se sobre a questão do sofrimento, e não há respostas satisfatórias que façam diminuir a dor de quem sofre. Continuam atuais questões como “Se Deus existe e é amor, por que permite tanto sofrimento no mundo?” “Por que pessoas boas, santas e fiéis a Deus passam por tantas dores?” “Por que coisas ruins acontecem a pessoas boas, ao passo que o castigo não vem para quem pratica o mal?” Um dos textos bíblicos que expõe esse drama é o Salmo 73, de Asafe, que chega a questionar, nas entrelinhas, se vale a pena servir a Deus e guardar-se do mal. Na reportagem de capa da presente edição, a repórter Mércia Maciel encontrou inúmeros personagens e líderes dispostos a tratar do tema e compartilhar suas experiências. O difícil foi resumir o assunto em poucas páginas. É impossível não se emocionar com os casos reais que nos permitem ver quantos fiéis viveram ou estão vivendo situações de sofrimento. Mais desafiador ainda é perceber que, por mais que nossa história pessoal seja marcada por muita luta, sempre haverá alguém que viveu ou vive algo muito mais difícil. A reportagem ainda aponta para respostas, sugeridas pelos entrevistados na intenção de ajudar o leitor a lidar com as perdas e prosseguir. Uma boa notícia é que, a partir desta edição, a equipe da Revista Mais Cristão conta com a participação de mais uma colaboradora: a jornalista Carmem Fortes, que estreia com uma ótima matéria sobre os jovens que vivem na contramão do sistema mundano. Na outra reportagem de sua autoria, somos levados a uma aventura radical com os Jipeiros de Cristo, pessoas que curtem a vida desbravando o interior, evangelizando e praticando ação social com muita adrenalina. Teremos ainda uma ótima reflexão sobre intolerância, que deve render bons comentários, além dos artigos e outros + serviços. Então, sente-se e aproveite a leitura!

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Jireh Publicidade & Marketing Contato: David Malafaia 61 9188-6948 / 61 9652-2321 e-mail: davidmalafaia@revistamaiscristao.com

Os artigos publicados nas seções “Pastoral”, “Casamento e família”, “Política”, “Direito e Cidadania”, “Dicas de Saúde”, “Qualidade de vida” e “Contos e Crônicas” são de inteira responsabilidade dos seus autores.

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+Agenda por Thimóteo Soares

SABADORAÇÃO - ADAC DIA 05 DE ABRIL - 19H

O Sabadoração é um culto especial voltado para jovens, realizado pela Igreja Assembleia de Deus de Águas Claras. O Ministério Geração Eleita, Ministério Agnus, Ministério de Louvor e Teatro da ADAC e pastor Mazinho fazem parte desse culto especial. Local: Av. Araucárias, Lote 405, Águas Claras, ao lado do Posto Ipiranga Entrada: Gratuita Info.: (61) 3027-2600 / www.adacdf.com

QUINTA AUMENTADA - BENÉ GOMES DIA 03 DE ABRIL - 20H30 “Ao Único que é digno de receber...”, um marco na história da música cristã que iniciou em Brasília (gravação Ministério Koinonia) e que se expandiu para o mundo. Bené Gomes, cantor e compositor, vem ao palco do Quinta Aumentada e te convida para relembrar grandes canções que marcaram gerações.

Local: Espaço Nova Vida, QS 05, Lote 03, Lojas 1 e 2, Águas Claras/DF Entrada: Gratuita Info.: 61 3967-6292 / www.facebook.com/quintaumentada

LIVRES - JULIANO SON DIA 10 DE ABRIL - 20H A sede da Embaixada da Sara Nossa Terra em Brasília, vai receber a banda de rock cristã Livres para Adorar. O grupo vai comandar o louvor do Culto Conexão, a partir das 20h. Liderada por Juliano Son, a banda apresentará músicas do DVD Mais um Dia – Ao Vivo, além de seus grandes sucessos. Local: Sara Nossa Terra Sede QMSW 4, Lote 7/8, Sudoeste, Brasília – DF Entrada: Gratuita Info.: (61) 3035-9000 | www.saranossaterra.com.br/noticias

ESSENCE PRIME MUSIC DIA 19 DE ABRIL - 22H Uma nova tendência musical vem ganhando um grande e expressivo espaço no meio cristão; trata-se da música eletrônica. E para celebrar esse grande movimento, o DJ PV estará em Brasília, tocando canções como Som da liberdade e Tu estás comigo, que estão entre as mais tocadas das rádios brasileiras. Além do DJ PV, o evento conta com vários artistas e DJs da cidade. Local: Vila Brasil - EPTG Entrada: R$30,00 Info.: 61 8244-3397 / http://goo.gl/XQo3Wa

Divulgue o seu evento na Revista +Cristão. Envie um e-mail para: agenda@revistamaiscristao.com; coloque no campo assunto: Divulgação Evento e nos encaminhe todas as informações necessárias para a publicação

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SUMÁRIO

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| EDITORIAL

| ARTIGOS

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Agenda

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Pr. Walter da Mata

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Entrevista

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Hosana Seiffert

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Intolerância

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Ana Celia Bomfim

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Pr. Estevam Fernandes

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Daniel Castro

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Zazo, o nego

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Zazo, o nego

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Junior Sipauba

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Eventos e congressos João Alexandre em uma conversa franca e reveladora Com facilidade, pessoas se zangam e não aceitam pontos de vista diferentes

Jovens na contramão do mundo

A Jovens que não bebem, não frequentam boates e evitam o sexo antes do casamento

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Jipeiros de Cristo

Eles levam a mensagem de Deus e assistem comunidades carentes

Palavra Pastoral Política

Dicas de Saúde

Casamento e família Direito e Cidadania Contos e Crônicas Dicas de músicas Qualidade de vida

| CAPA por Mércia Maciel / foto Cristiano Carvalho SOFRIMENTO Um dos temas mais delicados e de difícil compreensão da fé cristã. Se Deus ama seus filhos, por que eles sofrem?

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PASTORAL

por Walter da Mata

Walter da Mata Pastor presidente da Assembleia de Deus Manancial

FERIDAS ABERTAS Ez. 22.25-35

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unca haverá sociedade perfeita, pois a imperfeição é inerente aos homens. Não serei utópico imaginando um espaço social, seja nação, estado, cidade, igreja ou família, no qual os erros sejam inexistentes. Mas, nem de longe, vou me conformar com a anarquização em nenhum desses lugares. O profeta Ezequiel apresenta um Deus inconformado que sai à procura de um agente de salvação para o reino de Judá, representado por sua capital, Jerusalém, pois uma brecha fora produzida em sua muralha, cujo reparo não seria feito com argamassa e pedras, já que a ruptura física apenas revelava o caos ontológico. A muralha da cidade são os seus homens. Havendo homens, haverá segurança, confiança, alimento, água, saúde, educação, igreja e família; mas, quando nos desumanizamos, seja pelas vias da divinização ou satanização, tornamo-nos a brecha por onde os males entrarão. Então, Deus começa a procura entre os grupos representativos da sociedade organizada dos dias de Ezequiel. Primeiro foi ao grupo dos profetas, pois, sendo eles responsáveis por sentir a dor do coração de Deus, haveria em sua coletividade um homem do tamanho da brecha da muralha, alguém que se manifestasse de forma barulhenta, gritando pelas ruas, encenando o final da história, caso a cidade não se arrependesse. Não havia esse homem entre os profetas, pois estes, como leões famintos, roubavam as pessoas e devoravam suas almas. Eram hábeis para mentir, assassinar e inventar profecias que funcionavam como anestesia para a ferida do povo; falavam em nome de Deus, sem que tivessem ouvido a Deus.

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Então os olhos do Senhor se voltam aos sacerdotes, visto que na aplicação da Lei estaria a salvação do povo. Que frustração: o juiz tornara-se profano, era o primeiro a tratar a Lei com desprezo, sem discernimento, interpretava seus preceitos pela conveniência; cego, não no sentido de isenção, mas de omissão; e, desobediente, seu principal transgressor. Os responsáveis pela aplicação da Lei faziam parte da ferida, alimentavam-se dela e em nada podiam acrescentar para a cura. Deus se volta aos príncipes, líderes políticos, maiorais das cidades. Quem sabe, estes se interessassem pela causa da cidade, pois dela vinha sua sobrevivencia. Mas eles também estavam comprometidos com os roubos, homicídios, extorsão, enriquecimento ilícito e opressão ao pobre. Se os profetas comportavam-se como leões famintos, os príncipes são caracterizados como lobos, predadores traiçoeiros. Deus, num último lance, volta-se para o povo, gente comum, mas este, por sua vez, reproduzia os costumes de seus líderes religiosos, jurídicos e políticos e, no contexto de suas famílias, filhos eram educados pela cartilha da liderança. O fato é que a cidade estava caindo, e uma comissão mista dos notáveis de cada grupo reuniu-se para encontrar uma saída. Lá, o profeta acusou o sacerdote de ter-se enriquecido violando a Lei, o sacerdote denunciou as obras “pilantrópicas” do profeta, implantadas com a verba iníqua vinda dos príncipes, para que ele não os denunciasse. + Pouco tempo depois, a cidade caiu.



Foto: Arquivo Pessoal

ENTREVISTA

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JOÃO

ALEXANDRE “Eu tento ser o louco no meio dos que se acham sãos”

por Jairo Ribeiro e Mércia Maciel

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róximo de completar cinquenta anos, João Alexandre Silveira continua dando o que falar. Sua mais recente polêmica é a declaração de uma espécie de “ruptura” com a música gospel. Ele agora que ser chamado simplesmente de João, um músico cristão.

Fazendo parte de um seleto grupo de relevância no meio evangélico, com seus quinze álbuns e inúmeras produções e arranjos, João Alexandre é violonista de muita qualidade, dono de uma bela voz e compositor diferenciado. Suas letras, regadas de coragem e lucidez, apontam contradições espirituais e polí-

ticas. João nasceu em Campinas (SP). Iniciou sua carreira, aos dezessete anos, no grupo Vencedores por Cristo. É casado com Tirza, há 28 anos, e pai de Felipe. Ao falar com a Revista Mais Cristão ele afirma que “a música tem que instruir, alimentar e fazer o indivíduo crescer também como cidadão, e não apenas como cristão.” +CRISTÃO +CRISTÃO MARÇO MARÇO 2014 2014 |

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ENTREVISTA Revista +Cristão – Cantar a respeito da essência de Deus, título de uma das suas mais conhecidas canções, é – definitivamente – seu caminho musical? João Alexandre – A essência de Deus é o amor. E acho que temos que cantar sobre o amor de Deus. A gente, às vezes, canta que Deus é homem de guerra e esquece que ele é o Príncipe da Paz, acima de tudo. Para muitos, Deus é apenas um cara que valida sua religião e crença; esquecem que Deus não é esse cara que eu uso como escudo e bandeira, mas amor. Ele perdoa pecado, restaura pessoas feridas e essa é a tônica que todas as pessoas deveriam cantar. Esse é o meu caminho – mostrar um Deus amigo, e não um Deus inimigo, partidário, que só dá coisas para seus filhos, mas um Deus com quem tenho prazer em viver. +Cristão – Em 2012, você declarou seu rompimento com o meio gospel, demonstrando insatisfação com os rumos que ele havia tomado. A conotação mercadológica foi o empurrão para fora desse nicho musical? J.A. – Na realidade, muita gente confundiu minha declaração, como se eu tivesse deixado de ser um músico cristão. A confusão está tão feia, que o mercado gospel é definido como mercado cristão. Você fala que é “gospel”, e o cara engole qualquer coisa. O que me indignou foram dois fatores. Primeiro, esse nome gospel não tem nada a ver com o tipo de música que a gente faz. Mesmo nos Estados Unidos, o mercado gospel é diferente da Música Cristã Contemporânea (CCM). Lá, a gospel music é a música dos negros, spiritual, blues, jazz, enquanto aqui a gente englobou tudo – você tem funk, forró, tudo considerado como gospel. É uma confusão ideológica do que é gospel. Eu não sou um cantor gospel. Mas eu sou um cristão músico. Eu canto música, cristã ou não, desde que mostre que Deus é amor. Segundo, é a falta de amor no trato com músicos que vivem da atividade musical,

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profissionalmente, como é meu caso. Eu detesto ficar pechinchando, barganhando com pastor o preço para ir a uma igreja. Eu me adapto à realidade de cada igreja. Fico indignado com um cantor cobrando 20, 30 mil reais numa igrejinha de bairro, cuja renda per capita da cidade é menor do que o que ele está cobrando. É duro você fazer parte desse “mercadão de peixe”, em que pastores exploram cantores; e cantores, pastores. Eu não quero ser misturado nesse mercadão gospel, onde uns exploram outros, e Jesus fica em segundo plano. +Cristão – Em 2007, em seu CD “É proibido pensar”, a faixa-título critica o modismo e a superficialidade da música evangélica contemporânea. A composição teve intensa repercussão, dentro e fora do meio. Como você avalia essa reação?

que vou andar sobre as águas. Isso é mais cômodo do que ouvir que preciso ter uma vida santa e reta e que todas as coisas colaboram para o bem dos que amam a Deus. Eu faço a crítica por amar a igreja e fazer parte dela; e me sinto muito à vontade para fazer essa crítica. O que percebo, no meio em que vivo, falo. O profeta não é aquele que adivinha o futuro, mas o que fala o que é óbvio, o que todo o mundo tá vendo. Eu me sinto como boi de piranha. Todo o mundo fala: “É isso aí, João, tem que falar mesmo”. Mas quando eu digo: ”Então, venha comigo!”, todos me deixam só. Como vou ficar quieto diante daquilo que está errado? Eu sou um inconformado, inquieto. Tem mais uma meia dúzia como eu que não fala, e eu acabo falando sozinho. +Cristão – E isso o incomoda?

J.A. – Eu tento ser o louco no meio dos que se acham sãos (risos). A loucura está generalizada. Minha esposa até falou, quando dei essa declaração, que muita gente ia pensar que eu não era mais cristão, porque eu não era gospel. Confunde-se tudo. Fico indignado com a valorização da superficialidade e da mediocridade e tento fazer música do meu jeito. Só não quero copiar ninguém. Tenho muitas deficiências como músico e que, a cada dia, tento aprimorar. Acho que muita gente que está no mercado não tem identidade. A gente cresceu em qualidade vocal, instrumental, as produções são cada vez melhores, mas a gente quintuplicou em superficialidade e irrelevância as nossas letras. +Cristão – Essa sua veia crítica vem lá de trás, em canções como “Coração de Pedra” e “Tudo é vaidade”. Há espaço para a música crítica ou as pessoas querem ouvir canções que apenas alentem seus corações? J.A. – É muito mais cômodo a gente ouvir que Deus vai me fazer um monte de coisas: que vai chover; que sou filho do rei e que mereço o melhor;

J.A. – Mais ou menos. Mas já estou me acostumando com as críticas e já recebi umas muito engraçadas. Quando eu escrevi “É Proibido Pensar”, uma querida irmã da Universal me mandou um e-mail dizendo que eu precisava me converter, porque eu era filho do cão. Para outros, eu

“A música tem que instruir, alimentar e fazer o in­divíduo crescer também como ci­dadão, e não apenas como cristão.” (João Alexandre)


+Cristão – Como vai seu trabalho fora do circuito gospel? J.A. – Eu até achei que quando fiz essa música [É Proibido Pensar], iam diminuir os convites. Mas não foi isso que aconteceu. As pessoas me chamam porque concordam comigo, sabem que esse mercado está uma sujeira mesmo e que está cheio de “celebridade” falando e cantando bobagem. Eu não sou mais inteligente do que ninguém. Quando você se pronuncia, faz algum questionamento, pensam que quer dar uma de intelectual. Eu só estou enxergando o que muita gente enxerga. Tem cristão que pensa que o Cristianismo é uma milícia, que acha que quem não é cristão nunca será filho de Deus. E justamente por não saber quem será ou não, é que se deve amar mais ainda e falar de seu amor. +Cristão – Como você analisa iniciativas como o Festival Promessas, da Rede Globo? J.A. – Eu acho que a Globo tem fins puramente mercadológicos. Não me iludo com a Globo, nem com nenhum festival nem com premiação. A premiação, em si, já é uma acepção de arte. Premiar pessoas porque venderam bem ou porque são celebridades é ridículo. Não estou criticando quem participa do Promessas, mas discordo em querer transformar pessoas em celebridades, como se fossem as melhores e só existisse isso no meio Cristão, e, por essa razão, estão mostrando. E o Brasil é a prova de que as coisas preciosas ficam escondidas, enquanto as medíocres são exibidas. Eu não me iludo com nenhuma iniciativa global, que visa lucro. Eles descobriram que o povo evangélico cresceu muito e querem esse nicho.

Foto: Arquivo Pessoal

era hipócrita e ignorante e até mesmo me compararam fisicamente com Ana Paula Valadão, porque sou gordo e ela, bonita. Eu recebo da baixaria a críticas construtivas (risos). Eu dei a cara a tapa mesmo.

+Cristão – Essa era a próxima pergunta. Seu trabalho tem valorizado compositores brasileiros que não estão na mídia gospel, como Stênio Marcius e Gladir Cabral. Por que esses talentos são ainda tão desconhecidos? J.A. – Eu enveredei por um caminho de música brasileira, porque acho que a maior identificação que a gente pode ter com o nosso povo é mostrar que temos composições de qualidade; dar a chance de ele ouvir algo mais do que o Lepo Lepo. Depois que eu morrer – e não falo isso a fim de aparecer – muita gente ainda vai cantar minhas músicas. Eu parei de compor, tenho composto pouco, mas, na época em que eu o fazia mais frequentemente, eu compunha música para a eternidade. Não pensava em criar hits, para cair no gosto do povo e depois acabar. Eu pensava em compor música para ser cantada daqui a vinte anos e ter o mesmo impacto. E é interessante como eu vi as manifestações do povo, nas ruas, no ano passado. O pessoal brinca que virei o Nostradamus, por conta da minha música “...Brasil, olha pra cima”: “Já

dizia João Alexandre...” (risos). Stênio Marcius e Gladir Cabral são poetas acima de qualquer comentário. A arte deles é para a eternidade. O que se faz hoje é para o momento, para dançar. O que estão falando agora? É sobre chuva, noiva, atravessar o mar? Vamos cantar sobre isso! É tudo igual. Se eu fosse escrever um livro sobre o assunto, eu daria o título de “Música cristã: a guerra dos clones”. É um copiando do outro. Sem contar aqueles quatro acordes, que fazem milhões de músicas sem profundidade harmônica e melódica. +Cristão – Quarenta anos depois do surgimento dos Vencedores por Cristo, que legado o grupo deixou para a igreja atual? J.A. – Vencedores Por Cristo foi o primeiro grupo que começou cantando música americana, porque foi criado com a visão de um americano, que foi Jaime Kemp. Mas, com o passar do tempo, o grupo lançou um trabalho que visava essa ponte com a música brasileira, o “De Vento em Popa”. Esse CD foi um marco na música cristã

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ENTREVISTA nacional, porque começou a revelar compositores brasileiros, como Sérgio Pimenta, Aristeu Pires, Nelson Bomilcar. Esse foi o grande legado de Vencedores e continua sendo a minha grande batalha – tentar abrasileirar o que é americanizado demais. Vencedores foi uma missão que levou a sério essa coisa de fazer música com compromisso. +Cristão – Nessa mesma toada, a sua musicalidade incluía muitos ritmos brasileiros. Atualmente percebe-se um viés mais jazzístico. Você mudou ou outras influências foram chegando e ganharam espaço? J.A. – Eu gosto de música boa, e qualquer música boa me influencia. E não acho que tudo que se ouve é ruim. Eu retenho, de tudo o que eu ouço, o que é bom para usar na minha música. Se é uma levada de violão daquele artista que achei legal, presto atenção. Se aquele cara é um brega, mas tem um jeito legal, eu percebo. O músico não pode ter preconceito. +Cristão – Por falar em preconceito, o músico cristão sofre isso? J.A. – É uma batalha que o cristão sofre, dentro da própria igreja, com a música. Afora a profissão, existe o preconceito com o ritmo, com o instrumento. Tem gente que acha que o atabaque vem do terreiro de macumba, que a bateria é do diabo e pode incitar o cara a dançar. São coisas tão idiotizantes que a gente tem que ficar lutando contra isso também.

ver com os dias atuais. Não é de hoje que o brasileiro se vende, que tem o voto de cabresto. E o cristão não foge, infelizmente, disso. Cristão vota em benefício da igreja, e não de todos. É um país complicado de se viver. +Cristão – Sua família participa do seu trabalho desde o começo, com a Tirza. A família, o amor do casal, continuam dando o tom das suas composições? Como é para você perceber o crescimento do trabalho do Felipe? J.A. – É demais! Uma coisa que pouca gente sabe é que eu não sou o pai musical dele. Na verdade, eu o coloquei na mão de um grande professor, há uns dez anos. E esse professor de piano foi quem deu o mapa da mina para ele ser o músico que é hoje. Claro que, cantando comigo, ele vai se desenvolvendo. Hoje ele está infinitamente à frente do que eu toco. É um pianista de jazz requisitadíssimo, que tem um capricho no trabalho e nunca se conforma em fazer qualquer coisa, nem pra ele mesmo. Isso é músico de verdade. O de mentira faz qualquer coisa e deixa pra lá. O de verdade se percebe. É um barato ver seu filho sendo músico. A gente nem imaginava que ele seria um. É um presente de Deus. +Cristão – Que conselho voce deixa ao jovem compositor cujo coração está na adoração a Deus por meio de seu dom?

J.A. – Que pergunta difícil...! Eu não sei o que responder. Acho que é uma música que fiz para minha esposa, Tirza – “Metade Sagrada”, que revela tudo que ela representa pra mim e o que Deus fez, por meio dela, na minha vida. Eu só sou o músico que sou hoje por conta dela. Outra que eu gosto muito é “Em nome da Justiça”, que é politicamente correta. Tem tudo a

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Foto: Mateus Lopes

+Cristão – Qual é a sua composição favorita?

J.A. – Vou deixar um conselho bíblico: cada um deve buscar para si os melhores dons. Não se deve fazer nada visando o dinheiro. Quando ele é o objetivo, e não a consequência, o erro é inevitável. A Bíblia diz que o amor ao dinheiro é a raiz de todos os males. O músico também não deve pensar em acontecer, mas que a música dele deve ser infinitamente maior do que ele. Eu vim do tempo em que o músico e sua música levavam as pessoas até Deus. O que eu vejo hoje é Deus e a música levando a pessoa até o cara. Hoje vale mais o nome do músico do que a música que ele faz. Se ele for famoso, pode cantar qualquer porcaria que todo mundo engole. Se o cara for bom, como Stênio Marcius e Gladir, mas não é conhecido, ninguém dá ouvidos ao que ele está fazendo. A música tem que vir de um sentimento de colaboração, de cidadania, além de espiritualidade. O que eu estou fazendo para não subjugar a inteligência das pessoas? Essa é uma pergunta que todo músico tem que fazer. A minha música subjuga a inteligência das pessoas ou valoriza? A música tem que ter esse elemento de ensino, de instrução. Não é só de adoração. A igreja se perde muito em fazer adoração e esquece que a música tem que instruir, tem que alimentar, fazer a pessoa crescer como cidadão também, e não só como cristão. +


POLÍTICA

por Hosana Seiffert

Hosana Seiffert é Jornalista, editora executiva do Jornal do SBT Brasília, professora de Telejornalismo, especialista em Educação a Distância, mestranda em Missiologia pelo CEAM – Centro de Estudos Avançados de Missões.

TRÍPLICE APELO

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no eleitoral. Oficialmente a campanha nem começou, mas a corrida pelos votos já ganhou as redes sociais. O número de evangélicos interessados em entrar na política é cada vez maior. Até aí, nada demais. Pelo contrário, quantas vezes defendemos que homens e mulheres de bem e com valores eternos devem ocupar cargos em todas as esferas da sociedade, do executivo ao judiciário, passando pelo legislativo, escolas, empresas e onde mais o crente puder trazer sabor como o sal e clarear caminhos obscuros como um luzeiro? Mas, mesmo antes do início oficial da campanha, as histórias que chegam já são estarrecedoras: negociatas nas portas de igrejas, articulações escusas, trocas de votos por vantagens pessoais ou corporativistas. Conversei com uma pessoa que ainda é pré-candidata e já estava decepcionada. Disse que recebeu um telefonema de um pastor. Do outro lado da linha, veio a seguinte proposta: “Tenho tantos mil votos. Em troca quero apenas três carros”. Como assim? Segundo o IBGE, houve um crescimento de mais de sessenta por cento entre 2000 e 2010 no segmento evangélico, hoje com cerca de 42,2 milhões de fiéis em todo o Brasil – Número que faz brilharem os olhos de qualquer partido político, ainda mais em um ano de eleições presidenciais. No Congresso Nacional, a atual bancada evangélica tem 73 parlamentares, e a expectativa é de um crescimento de trinta por cento nas próximas eleições, sem contar com os cargos de governadores, prefeitos, vereadores e distritais. Quem dera todos fossem cristãos, na essência da palavra, antes de serem políticos! Quem dera entendessem a vocação missional e o chamado universal de cada cristão, para que a missão redentora divina se implante no mundo! Quem dera pudessem, como

Igreja que cada crente é, assumir o papel profético e denunciar as estruturas iníquas da sociedade! Infelizmente, não é isso que temos visto em muitos casos. Dizem que o brasileiro tem memória curta. Sinceramente? Creio que não mais. Ainda são muito vivas na lembrança de todos, principalmente na dos brasilienses, as cenas de distribuição de propina, o festival de dinheiro na meia, na bolsa e nas pastas de políticos que se elegeram inclusive com o apoio de igrejas e o voto de evangélicos. E não há meio termo. Os versos de Wislawa Szymborska, uma poetisa polonesa que ganhou o Prêmio Nobel de Literatura em 1996, mostram: “... o que você diz tem ressonância, o que silencia tem um eco de um jeito ou de outro, político”... Então, permitam-me um tríplice apelo. Candidatos evangélicos, orem, pensem, peçam conselhos e orem novamente antes de ingressarem na vida política. Examinem seu próprio coração e se deixem esquadrinhar por Jesus. Quais são os seus propósitos? Vale tudo pelo voto, inclusive negociar a própria integridade? Pastores, a Bíblia é clara: a única coisa que temos a fazer é aquilo que Deus pediu que nós fizéssemos. O compromisso político, social ou econômico da Igreja não é com a prosperidade, e sim com a promoção da justiça. Não gastem o precioso tempo de exposição do evangelho nos púlpitos com propaganda de partidos ou de candidatos políticos. Cristãos, não se deixem enganar por políticos ou pastores que tentam utilizar o ajuntamento solene, o momento de culto e de comunhão, para tratar de política eleitoreira. Ou pior: aqueles que veem a noiva de Cristo como um reduto eleitoral e tentam impor, de forma velada ou abertamente, seus candidatos. Que venham as eleições e que + nossas escolhas sejam aquelas que Jesus Cristo faria!

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DICAS DE SAÚDE

por Ana Celia Bomfim

Ana Celia Bomfim é médica

ginecologista e obstetra. Formada pela Universidade Federal do Piauí, pós-graduada em Cirurgia Ginecológica Minimamente Invasiva pela Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais.

PRESSÃO ALTA:

É importante controlar!

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egundo a Sociedade Brasileira de Cardiologia, por meio das VI Diretrizes Brasileiras de Hipertensão, a hipertensão arterial sistêmica (HAS) consiste na elevação do nível da pressão arterial de forma sustentada e que possui vários fatores envolvidos com a sua gênese. No Brasil, dados atuais do Ministério da Saúde estimam que até 25% da população adulta tem diagnóstico prévio de hipertensão. Vários fatores de risco para HAS são bem conhecidos e discutidos nos meios científicos, mas carecem de compreensão da população em geral. Podemos começar pelos fatores mais simples como idade, gênero e raça. Assim, devemos ter ciência de que, quanto mais velhos nós formos, maior a probabilidade de nos tornarmos hipertensos, podendo a margem de hipertensos atingir mais de 60% da população acima de setenta anos Por exemplo, os homens têm mais HAS que as mulheres! Mas a diferença é importante apenas até a quinta década de vida, quando, a partir de então, a distância entre os sexos diminui. Entre não brancos, há maior frequência de hipertensos e, dependendo da população estudada, essa contagem pode chegar até duas vezes mais em relação à população branca. Outros fatores de risco muito importantes podem ser discutidos separadamente em outras oportunidades, a saber: sobrepeso, obesidade, tabagismo e sedentarismo. O foco em relação ao controle da hipertensão deve-se a outro dado estatístico extremamente relevante: a taxa de mortalidade. Entre as causas de óbito, existe um grupo chamado de doenças crônicas não transmissíveis, no meio das quais se destacam a hipertensão arterial, o diabetes, as doenças pulmonares e o câncer. Hoje as complicações derivadas das doenças cardiovasculares correspondem sozinhas a 30% das mortes no país, ou seja, quase um terço dos óbitos.

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Uma questão mais simples e que está na mesa de toda a população influencia no controle adequado da hipertensão: o sal ou sódio. A alimentação brasileira infelizmente é rica em sódio, não apenas pelos hábitos da nossa culinária, mas também pelo uso de sódio em conservantes químicos que permeiam os alimentos industrializados largamente. Encontramos excesso de sódio em biscoitos, refrigerantes, temperos prontos e alimentos congelados em quantidades acima do recomendável. Para entendermos como o sal é importante no controle (ou descontrole) da pressão arterial, em pesquisas feitas com populações indígenas que não possuem sódio na alimentação não foi encontrado caso algum de hipertensão arterial. Reforçando a ideia nesse sentido, nos estudos científicos que acompanharam hipertensos com dieta restrita em sódio, observou-se um efeito hipotensor, ou seja, houve o melhor controle. Outra situação bem menos comentada, mas igualmente importante, chama-se adesão do paciente ao tratamento, em outras palavras: tomar o remédio certinho como foi prescrito pelo médico. Não há muitos estudos nacionais sobre adesão ao tratamento, mas números internacionais encontraram falha no uso da medicação em 30 a 60 % dos pacientes. Essa situação pode ser comprovada no dia a dia das rodas de conversa, quando uma pessoa fala para outra que parou de tomar os medicamentos porque a pressão está normal! Ora, o objetivo do tratamento não é normalizar a pressão? Temos que nos atentar que o que nos protegerá de complicações da hipertensão em outros órgãos, como derrame, insuficiência renal, problemas vasculares consiste em manter, a pressão arterial normal. Qualquer dúvida sobre o tratamento da hipertensão arterial retorne ao médico e converse de novo. + População saudável tem pressão arterial, controlada!



Foto: Cristiano Carvalho

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SOFRIMENTO Um dos temas mais delicados e de mais difícil compreensão da fé cristã. Se Deus ama seus filhos, por que eles sofrem? por Mércia Maciel

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ra para ser um dia como qualquer outro. Mas a inesperada notícia lhe chega avassaladora: os bens que acumulara por longos anos de trabalho se perderam. Desanimado, balança a cabeça, quando outro recado tira seu chão: a casa desabara, e todos os seus filhos estão mortos. Atordoado, talvez pense que nada pior poderia ocorrer, até que uma grave doença cobre seu corpo de chagas doloridas e asquerosas. Para piorar a situação, não encontra consolo em sua mulher e seus amigos de longa data, que chegam a culpá-lo pelas tragédias. Nem é necessário muito esforço para saber que esse sofrido personagem é Jó. Sem dúvida, o sofrimento é um dos temas mais delicados e de mais difícil compreensão da fé cristã. Se Deus ama seus filhos, por que eles sofrem? Por que eu? Por que agora? Em meio 18

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à dor, as perguntas ressoam como um grito de socorro. Em busca de respostas, muitos cristãos mergulham num profundo poço de angústia e se esgotam de tanto questionar a situação. Segundo Esly Regina, doutora em Psicologia e membro da Igreja Aliança Cristã Missionária, em Brasília, o homem não foi criado para o mundo imperfeito, portanto tem dificuldades em entender por que coisas ruins acontecem. “Existe dentro de nós uma expectativa que tem a ver com a nossa imagem com Deus de que a vida deveria ser perfeita, e o sofrimento não deveria existir. É uma pergunta inútil. Com o tempo, até conseguimos dar um significado a ela, mas jamais conseguiremos entender isso”, afirma. Tentar negar o sofrimento ou cair no discurso fácil de que os filhos de Deus não sofrem também é um caminho equivocado. Afinal, basta folhear

a Bíblia para ver a história de homens de Deus que viveram suas tragédias: Jó perdeu tudo; João Batista foi decapitado; Estevão, apedrejado; e Paulo, preso. Todos sofreram, mas souberam olhar para o alto. Segundo Paulo César Brito, pastor da Igreja Missionária Evangélica Maranata, do Rio de Janeiro, e apresentador do programa de tevê “Louvor e Mensagem”, as igrejas erram ao ensinar que o crente não deve sofrer, mas determinar a felicidade em sua vida, em qualquer situação. “A teologia da prosperidade chegou para dizer que se você tiver fé não terá doenças ou não passará necessidades. E a consequência disso são cristãos frustrados, decepcionados com o Evangelho e que não querem mais saber de Deus. Claro que Deus pode nos curar. Mas essa também pode não ser a vontade divina. A nossa maior tragédia é nossa postura errada diante dela”, lamenta.


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O pastor Hyeno Rodrigues, da igreja Templo da Adoração, em Vicente Pires, também desaprova a chamada teologia do triunfalismo. Segundo ele, o cristão é chamado para encarar a vida de modo equilibrado, alicerçado na Palavra de Deus. Para Hyeno, há uma interpretação equivocada da verdade de que o crente é mais do que vencedor, interpretação essa que ignora o contexto desse versículo bíblico, no qual o Apóstolo Paulo explica que o cristão é mais que vencedor justamente por meio do sofrimento, e não devido à ausência dele. “Além desse triunfalismo barato pregado atualmente, segundo o qual nunca teremos derrotas, existe o extremo oposto, que é a teologia do sofrimento, a qual postula que o homem está irremediavelmente destinado a sofrer. Assim, essa percepção considera que a dor purifica e traz identidade com o sofrer de Cristo. Em razão desse entendimento, muitos buscam a dor da alma e negam a alegria divina. Há tempos difíceis e tempos bons, mas a alegria do cristão depende de Deus, e não das circunstâncias”, analisa Hyeno. Autor do livro Decepcionado com Deus, o escritor e teólogo norte-americano Philip Yancey mergulha no mar de dúvidas acerca do sofrimento e afirma que lidar com a dor é o mais duro teste para a fé. Afinal, por que Deus permite situações de extremo penar na vida de pessoas que se dispõem a crer e a confiar nele? Por que coisas ruins acontecem a pessoas boas, enquanto o castigo não vem para quem pratica o mal? Todas essas dúvidas atormentaram Lorena Cristina Kovalski, de Adrianópolis, região metropolitana de Curitiba. Há sete meses, uma dor desmedida não dá trégua, e a angústia atormenta a jovem da Igreja Congregação Cristã. Seu pequeno filho, João Rafael, de

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apenas dois anos, desapareceu após brincar com o avô, do lado de fora da casa onde morava, em uma área rural. O caso do menino de belos olhos azuis e sorriso angelical tomou conta das redes sociais, e mais de um milhão de compartilhamentos no Facebook foram feitos, na tentativa de localizá-lo, até agora sem sucesso. A cada amanhecer, Lorena Cristina Kovalski renova a esperança de encontrar seu filho. “Eu não vivo; vegeto. É uma dor sem fim. A cada telefonema, um sobressalto. O coração dispara. No início, perguntei a Deus o porquê de tanta aflição, se sou uma crente fiel ao meu Senhor. É um pesadelo não ter meu filho em meus braços”, desabafa. Em seu livro, Philip Yancey afirma que é necessário entender que o sofrimento entrou no mundo por conta do pecado e, assim, a dor atinge também pessoas boas e dedicadas, como o íntegro homem Jó e a serva fiel Lorena. E foi na fé que Lorena encontrou refrigério para sua sofrida alma. “Sei que Deus vai ouvir meu clamor, pois ele não me abandonou. Igrejas de todo o Brasil estão orando. Deus vai me dar uma resposta”, posiciona-se, com uma fé inabalável. É justamente na confiança em Deus que o coração sofrido encontra alívio. Uma das muitas edificantes afirmações que estão nas páginas do livro de Philip Yancey defende: “No momento em que a fé é

“No momento em que a fé é mais difícil e menos provável, então ela é mais necessária.” (Philip Yancey)

Foto: Arquivo pessoal

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Paulo César Brito, pastor da Igreja Missio­nária Evangélica Maranata, do Rio de Janeiro

mais difícil e menos provável, então ela é mais necessária”. Seguir em frente foi a opção da família do pastor Francisco Barbosa, de 49 anos. Em 2012, o servo de Deus que abrira os trabalhos da Igreja Assembleia de Deus Caminho da Verdade, em Vicente Pires, foi abordado por bandidos, em frente de casa, no Setor de Mansões de Taguatinga, quando voltava da padaria e guardava o carro na garagem. A esposa do pastor assembleiano, Joana Rocha, estranhou a demora e, apreensiva, esperava o retorno do marido. Em vão. Já era quase meia-noite, quando a terrível notícia chegou. Ele havia sido levado por bandidos que o mataram e queimaram seu corpo. “Ainda dói relembrar. Não imaginava que o pior tivesse acontecido. Ele era um homem amoroso e dedicado à obra de Deus. Na hora, fiquei abatida espiritualmente. Um monte de questionamentos dominou minha mente, mas dentro do meu coração entendia que Deus é soberano e sabe como conduzir as situações. E, como aceito a vontade dele, não poderia fazer outra coisa, senão pedir graça”, lembra Joana. E é assim que ela supera, a cada dia, a perda do marido. TEOLOGIA DA RETRIBUIÇÃO A concepção de que o sofrimento é apenas uma evidência do pecado encontra refúgio em muitos corações sofridos. A “teologia da retribuição”, crença existente entre os israelitas de que as boas ações que alguém faz


o que diz. Ela tem o corpo marcado pela tragédia, mas um espírito totalmente rendido a Deus. Ninguém fica indiferente à sua história. A tragédia chegou à vida dessa serva de Deus, como gosta de se identificar, em 2009. O retrato de família feliz, daquelas de comerciais de tevê, deu lugar a um drama digno de filme. Casada com o pastor Amilson, titular da Igreja Ágape, e mãe de três filhos, ela preparava o almoço, quando resolveu assar carne numa pequena churrasqueira a álcool. O convidativo cheiro de churrasco já invadia o ambiente, quando, ao repor o líquido inflamável, o galão explodiu em sua mão e ela foi completamente queimada. Seu esposo correu em seu socorro, ao mesmo tempo em que os filhos, atônitos e impotentes, viam-na ser queimada. Em meio à dor intensa e em chamas, Meiry se preocupou com a fé de seus filhos. “Enquanto eu olhava nos olhos dos meus filhos, lhes dizia: Levi, aconteça o que acontecer, nunca duvide do amor de Deus, ele nos ama!!! Rebeca, filha, nunca esqueça que Deus é bom e que nenhum de seus planos

Foto: Arquivo pessoal

atraem a benção de Deus – e as más, o castigo –, é invocada para tentar explicar as razões do sofrimento. Os amigos de Jó seguiram esse raciocínio. “Claro que sofremos as consequências de nosso pecado. Mas nem sempre o sofrimento vem por conta dele”, argumenta a pastora Meiry Rezende, da Igreja Ágape, de Araguaína (TO). Segundo ela, o cristão deve encarar essa questão como algo proveitoso e que sempre vem com o objetivo de ensinar e aperfeiçoar. “Ninguém quer sentir dor ou viver em lutas, aflições e perseguições. No entanto, a Palavra de Deus diz na Epístola de Tiago que ‘devemos ter por motivo de grande alegria o passar por várias provações, sabendo que a provação da nossa fé produzirá perseverança; e a perseverança deve ter ação completa, para que sejamos perfeitos e íntegros, em nada deficientes.’ Na hora da dor, ninguém fica sorrindo e dizendo que está alegre, mas essa alegria à qual Tiago se refere é a firme convicção de que há um Deus que nos ama, que se importa conosco, e que esse mesmo Deus está controlando a história”, ensina. Meiry sabe bem

Pastora Meiry Rezende e seu marido, pastor Amilson, da Igreja Ágape, de Araguaína-TO. Em 2009 ela sofreu um acidente doméstico e teve 65% do corpo queimado

pode ser frustrado, confie sempre no Senhor!!! Vitória, lembre-se do que a mamãe sempre te ensinou: que ‘todas as coisas cooperam para o bem dos que amam a Deus’. Deus é bom e sabe o que faz!!! Mesmo em chamas, era isso que eu dizia para os meus filhos, pois sempre me preocupei em conduzi-los no temor do Senhor e ensinar-lhes a fé. Se eu tivesse partido naquele momento, essa teria sido a maior herança deixada para eles: a certeza do amor e do cuidado de Deus por nós”, ressalta. Meiry recebeu os primeiros socorros do Corpo de Bombeiros e foi levada, em um avião com UTI, para o Hospital de Queimaduras (HRAN), de Brasília, onde permaneceu por 58 dias, entre a vida e a morte. A pastora teve 65% do corpo queimado, perdeu a visão por um período, respirava por aparelhos e passou por três cirurgias de enxerto, no colo, abdomen, e em todo o lado direito de seu corpo. As dores eram inomináveis; e os banhos, feitos à base de dolantina e morfina. “Meu braço direito é um milagre, pois começou a necrosar. Os médicos queriam amputá-lo; contudo, o Senhor ouviu o meu clamor e, em três dias, carne nova começou a surgir, daí foi enxertado com pele das minhas pernas. Nesse período, tive infecção hospitalar e entrei em coma por quatro vezes. As chances que eu tinha eram mínimas. Os médicos não acreditavam que eu sobreviveria, mas o Senhor ainda tinha planos comigo e me fez prevalecer”, relembra emocionada. Mais do que um milagre, a vida da pastora Meiry é exemplo de superação e fé em meio à adversidade. “Meu universo de mulher foi totalmente afetado. Perdi os cabelos, queimaram-se os cílios e as sobrancelhas, caíram as unhas. Não havia nenhuma formosura em mim. Por

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Foto: Divulgação

ram bálsamo para suas dores. Meiry está recuperada. Já pode dirigir, levar os filhos à escola, ir ao banheiro sozinha, vestir-se e escovar os longos cabelos. A pastora usa uma malha compressiva específica para queimados, incluindo máscara no rosto, colar no pescoço e um colete na coluna, próteses nas mãos, nos braços, nas narinas, para não colarem. Mas no coração carrega a certeza de um Deus que a ama. Ela e o esposo percorrem o Brasil, dando o testemunho que levou um de seus médicos e duas enfermeiras que a assistiram a “querer esse Deus presente”.

Philip Yansey, escritor e teólogo

onde eu passava, as pessoas olhavam assustadas. Crianças, às vezes, corriam de mim. Meu coração sangrava! Por vários momentos eu perguntava: Deus, o que o Senhor está fazendo comigo?”, conta. A dolorosa experiência fez Meiry se sentir como Jó. “muitos iam me visitar – uns por amor, outros por curiosidade. Cada um tinha uma opinião. Alguns achavam que era pecado; outros, que estava pagando preço por alguma coisa; outros, ainda, questionavam como isso acontecera comigo, pois me consideravam muito doce e reta diante de Deus. Apesar de não compreender algumas coisas, em todo o tempo eu adorava o Senhor, pois entendo que Deus me ama e tem planos de bem a meu respeito”, reafirma a mulher de fé inabalável. Amoroso, o marido não saiu de seu lado. Em todo o tempo, o pastor Amilson cuidou dos curativos, da higiene pessoal, de suas feridas emocionais. Os filhos também fo22

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“A vida é a professora mais implacável. Primeiro dá a prova; depois, a lição” O ditado anônimo é uma irrefutável afirmação, uma vez que o homem nasceu com tendência para o pecado e, de vez em quando, precisa de uma repreensão que pode tomar a forma de sofrimento. Segundo o pastor Paulo César Brito, a dor é uma eficiente ferramenta de aprendizado e mais uma demonstração do amor de Deus – corrigir a quem ama. “O crente maduro passa pelas tragédias e aprende com elas. No meio do caos, Deus nos ensina a conviver com os infortúnios da vida e a ser felizes, apesar deles. É o marido que foi embora, a mulher orou para que ele voltasse, mas ele não voltou. E, mesmo assim, ela será feliz, cheia do Espírito Santo”, afirma Brito, que também exerce seu ministério na área de música e é autor de dezenas de hinos e cânticos congregacionais. Segundo o pastor Hyeno Rodrigues, o sofrimento ensina e forja o caráter do cristão. “Muitas vezes, sofremos porque fomos imprudentes ou fizemos escolhas erradas. Mas a dor nos torna pessoas melhores. Basta lembrar-se de Jó, que, ao final

de sua dura prova, chegou a uma maravilhosa intimidade com o Senhor. O sofrimento é o megafone de Deus para quem não quer ouvi-lo. E quando a adversidade chega, tornamo-nos mais sensíveis à sua voz, pois Deus trabalha em nossas áreas deficientes e nos faz depender mais dele, aperfeiçoando-nos nas fraquezas”, observa o pastor da igreja Templo da Adoração. Ainda segundo Rodrigues, para aprender, nem todos precisam passar pelo vale da sombra da morte. “Deus tem uma história para cada um e trata cada um de seus filhos de uma maneira. Ele não se encaixa em regras”, reafirma. O pastor cita os exemplos de Isaque e Jacó. O primeiro não passou por duras provas, enquanto o segundo teve que trabalhar em dobro para ter sua amada Raquel. Em Decepcionado com Deus, Philip Yancey mostra como muitas vezes as súplicas do sofredor são ten-

“O crente maduro passa pelas tragédias e aprende com elas. No meio do caos, Deus nos ensina a conviver com os infortúnios da vida e a ser felizes, apesar deles.” (Paulo César Brito)


A MULHER DE LÓ Se o sofrimento é inevitável, como lidar com as perdas e prosseguir? Segundo Esly Carvalho, o trauma nos aprisiona ao passado. “Ele é como a mulher de Ló, que olha para trás, para a destruição, e fica eternamente congelada. Não temos que pensar que somos condenados a viver amarrados a experiências dolorosas, que essa é nossa história e ponto final”, afirma Esly. Autora do livro, Curando a galera que mora lá dentro, a psicóloga também alerta para o destruidor sentimento de culpa que toma conta de quem viveu uma tragédia. Perdoar-se por ter dirigido em alta velocidade e provocado um acidente em que toda a família morreu é tão difícil quanto superar a dor. Segundo Esly Carvalho, existem culpas verdadeiras, como no caso do acidente, e falsas culpas. Para todas elas, um tormento. “Temos uma galerinha que mora dentro da gente. Essas ‘vozes’, que fazem parte do nosso diálogo interno, nos chamam de ‘irresponsáveis’, ‘covardes’, ‘burros’ e influenciam nos-

Foto: Arquivo pessoal

tativas inconscientes de encaixar o Todo-Poderoso nos parâmetros da inteligência limitada. “Então, incrivelmente, decepcionamos-nos com Deus pelo fato de ele não se submeter à nossa vontade”, aponta o autor norte-americano.

Elsy Carvalho doutora em Psicologia

sas ações e reações”, explica. Para manter uma política de boa convivência com essa turma, é necessário tomar decisões. “É preciso ter liberdade de escolha, e esse foi o primeiro dom que Deus nos deu, lá no jardim; descongelar nosso cérebro e ter atitudes que tragam saúde emocional e mais prazer pela vida”, afirma Esly. Foi exatamente isso que fez Marileide Mendonça, da Igreja Batista Central de Brasília. Quem vê a

mulher exuberante e de sorriso escancarado não imagina, nem de longe, o que ela passou. Em 2012, seu filho de vinte anos, morreu em seus braços, na calçada de casa. Com um tiro a queima-roupa, Caio Araújo foi morto por um desafeto. O mundo de Marileide desabou. Pernambucana, ela chegara a Brasília com o coração carregado de planos e esperanças. Até que veio o tiro certeiro. “É difícil perder um filho e manter a sobriedade. Procurei respostas para a morte, queria entender seu significado. Assim, mergulhei na Bíblia. Nela encontrei conforto e segui em frente”, recorda. O que fazer, se o sofrimento é o mais duro teste para a fé e se Deus, para ensinar ao homem, não quiser poupá-lo? “Ele nos assistirá em nossas fraquezas e nos consolará com sua graça. As firmes convicções que tenho sobre o Senhor me levaram a ficar bem quieta. Apesar de estar queimando, havia uma paz dentro de mim, que excedia todo entendimento humano” ensina a pastora Meiry Rezende, + uma mulher provada e aprovada.

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MISSÕES CAMPANHA

CAMPANHA MUNDIAL DE ORAÇÃO

“Quando Deus deseja realizar algo entre o Seu povo, Ele o convoca a orar.”

por Hosana Seiffert

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magine uma igreja inteira orando. E se forem muitas igrejas na mesma cidade ou muitas cidades de um mesmo país? Você consegue imaginar vários países do mesmo continente orando? E cristãos em todos os continentes da terra se humilhando na presença de Deus ao mesmo tempo? Isso é tão grandioso que muitas vezes a nossa mente humana não consegue captar. Essa unidade da Igreja de Cristo ao redor do globo terrestre é um dos objetivos da Campanha Mundial de Oração. Esta é a ideia da CMO: um tempo de clamor a Deus, de 29 de maio a 8 de junho, Dia de Pentecostes. São dez dias de intercessão, 240 horas sem parar, com alvos mundiais, nacionais e locais. A Campanha Mundial de Oração surgiu em 2001 na Cidade do Cabo, África do Sul, quando cerca de 45 mil cristãos se reuniram em um estádio de futebol para clamar a Deus por arrependimento e avivamento. No ano seguinte esse exemplo influenciou toda a África do Sul e se espalhou pelos países vizinhos. Hoje, mais de duzentos países estão envolvidos em todos os continentes.

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A Igreja de Jesus necessita de um despertamento por parte Daquele que convence do pecado, da justiça e do juízo. Precisa de quebrantamento espiritual, de chorar e se arrepender de seus pecados. A Igreja precisa de um avivamento que gere compromisso com a leitura e prática das Escrituras, abandono dos maus caminhos; precisa de prazer na oração, na congregação, na disposição em servir; um avivamento que redunde na compaixão pelos que estão perdidos e que impulsione ao evangelismo. Avivamento que traga vocações ministeriais, preparo e envio de missionários aos povos não alcançados. A CMO chegou ao Brasil há seis anos e é coordenado pela Associação Missionária para a Difusão do Evangelho; conta com o apoio de dezenas de entidades cristãs, conselhos de pastores e igrejas por todo o país. O objetivo é alcançar todos os estados brasileiros com vários

mobilizadores, até que Deus nos dê pelo menos um mobilizador nos mais de cinco mil municípios do nosso país. A Campanha Mundial de Oração tem sido uma excelente estratégia de Deus para fomentar a unidade do Corpo de Cristo. Há relatos de que em vários bairros e até cidades brasileiras as igrejas têm se unido para orar e deixar de lado as diferenças denominacionais. Algumas Igrejas separam uma sala para oração durante esses dez dias e a deixam aberta para a comunidade. Outras criam o relógio de oração, uma escala onde um ora e aciona o outro para o momento seguinte, como em um revezamento. Em algumas cidades, como em Brasília, as igrejas se uniram e vão realizar um grande culto público, no domingo, 8 de junho, às três horas da tarde, final da Campanha Mundial de Oração para celebrar o Dia de Pentecostes, na Espla+ nada dos Ministérios.

Informações sobre a Campanha Mundial de Oração: site www.cmo.org.br ou pelo telefone (61) 3298-6700. Pelo site é possível encontrar notícias sobre a campanha, programações locais, os contatos dos mobilizadores nos estados e todo o material de divulgação que pode ser copiado e reproduzido gratuitamente.



INTOLERÂNCIA

INTOLERÂNCIA

Foto: Divulgação

Com facilidade, pessoas se zangam com o próximo, não aceitam pontos de vista diferentes e são insensíveis à opinião alheia

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por Mércia Maciel

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ente não se lembrar de algum caso recente de intolerância. Difícil? Pois é. Nos últimos meses, o país assistiu estarrecido a cenas de intransigência no trânsito, nas filas e nos relacionamentos. As principais cenas são sobre as manifestações populares e as diferenças individuais. Levantamento realizado pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), em quinze estados e no Distrito Federal, mostra o mapa dessa insensatez. Em São Paulo, por exemplo, os números são estarrecedores – 83% dos crimes dolosos (intencionais) esclarecidos pela polícia foram cometidos por motivo fútil ou por impulso. Há casos de pura intolerância, como o de um homem que

matou o vizinho porque discordou da opinião dele sobre o resultado de uma partida de futebol. A família do radialista Antônio Viana, de Fortaleza, também experimentou a dor da intransigência. Na madrugada do Ano Novo, o telefone de sua casa tocou. Do outro lado, a notícia inesperada: o irmão, o criminalista e ex-conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-CE), Emídio Cézar Viana, 49 anos, havia sido assassinado, depois de se envolver numa briga de trânsito. Ele voltava para a casa, depois das festas de final de ano, quando seu carro se envolveu numa colisão lateral com outro automóvel. O advogado teria descido do carro e, ao tentar dialogar com o outro motorista, começa-

ram um bate-boca. Sem dar chance a qualquer entendimento, um golpe de faca, no pescoço, tirou a vida de Emídio Viana. O agressor fugiu do local, mas logo foi preso. Há quase três meses, a família vive o drama de ter perdido um ente querido. “Acordamos, em primeiro de janeiro, com essa notícia. Meu irmão estava estendido, numa avenida, morto. Perdemos uma parte de nossas vidas para o desamor e para a intolerância”, lamenta Antônio Viana. Católico fervoroso, o radialista enxerga nos casos de intolerância a falta de Deus na vida das pessoas. “Nós dizemos que amamos o próximo. Mas, com facilidade, nos zangamos com nosso vizinho; não queremos ouvir o outro e somos insensíveis ao drama alheio. Olhamos para o nosso próprio umbigo”, afirma o radialista. Nas relações pessoais, a intolerância também apresenta sua face mais reprovável e cruel. Isso se revela na incapacidade de aceitar pessoas com pontos de vista diferentes. Não é raro achar alguém que acabou uma amizade por conta de opiniões divergentes, principalmente quando as diferenças chegam às redes sociais e envolvem temas polêmicos e apaixonantes. Foi o caso do administrador Lúcio Batista. No início do ano, ele teve o acesso bloqueado à pagina virtual de uma amiga apenas porque discordou de uma opinião sobre a polêmica proposta de descriminalização das drogas. “Ela me chamou de intolerante e preconceituoso porque não comunguei de seu pensamento e não poupou nossa amizade só porque penso diferente”, lamentou Lúcio.

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INTOLERÂNCIA errado. É preciso identificar que tipo OPÇÕES SEXUAIS Mas foi depois da polêmica sobre de relacionamento você tem com Deus relações homoafetivas, que no ano e com o próximo, pois o respeito vem passado pautou a mídia e as rodas de um coração manso, que ama, perde conversas em todo o país, graças à doa e é longânimo, um dos frutos do presença do deputado Marco Felicia- Espírito. Tolerar é suportar o que não no (PSC/SP) na presidência da Comis- se aceita, sem recriminar”, pondera. Mas é possível haver tolerantes são de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, que um turbilhão de intolerantes? Para o teólogo canaquestionamentos sobre intolerância dense D. A. Carson, sim! Em seu limobilizou segmentos da sociedade e vro “A Intolerância da Tolerância”, ele retrata como a sociedade atual do próprio meio evangélico. Segundo o pastor da Igreja Pres- encara a diversidade de opiniões. biteriana do Planalto, Ricardo Bar- Para o teólogo, a “nova” tolerância bosa, tanto a tolerância quanto a esconde uma incapacidade insintolerância são princípios neces- transponível de aceitar o que o ousários numa sociedade. “Precisa- tro pensa. Segundo Carson, se, até mos ser intolerantes com a corrup- pouco tempo, tolerar era respeitar a ção, por exemplo, e tolerantes com opinião divergente e conviver pacias opiniões contrárias. A intole- ficamente com ela, ainda que a comrância é a forma como os anticor- batendo, agora, é preciso abraçar as pos de uma sociedade reagem àquilo que pode fazer mal a ela. E tanto uma como outra tornam-se nocivas, quando se perde a capacidade de ouvir e de reconhecer que dentro de uma sociedade as pessoas são diferentes. Por outro lado, quando se começa a acolher e a aceitar tudo como algo normal, que tem que ser tolerante com tudo, o perigo é iminente”, alerta. Segundo a psicóloga e missionária presbiteriana Florismar Souza, conhecida como Flor, a tolerância é uma palavra da moda, mas que está longe de ser bem compreendida pela sociedade. “Muitos, por falta de conhecimento acerca do Cristianismo, ao se depararem com Florismar Souza, psicóloga e missionária presbiteriana pessoas intolerantes que se dizem cristãs, acabam atribuindo aos ideias, mesmo que não concorde ensinamentos bíblicos essa reação com elas, sob pena de ser acusado de equivocada”, explica. Segundo ela, a preconceituoso e intolerante. Segundo o presbiteriano Ricardo intolerância é um sintoma, e não uma doença. “É um sinal de que algo está Barbosa, o brasileiro ainda tem um

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“A Intolerância da Tolerância” ele retrata como a sociedade atual encara a diversidade de opiniões.” (D.A. Carson)

longo dever de casa a fazer. “Precisamos discutir ideias. Estamos caminhando para uma sociedade que tem dificuldades de debater opiniões. Sempre se falou muito sobre um fundamentalismo de direita, mas estamos vivendo um de esquerda, que quer pautar o que devemos pensar. Assim, as pessoas vão se tornando cada vez mais intolerantes e sem a capacidade de reconhecer o direito que o outro tem de ter opiniões diferentes das suas. Elas saem do campo das ideias e partem para a agressão pessoal”, lamenta. E quando o crente se encaixa como uma luva na definição de intolerante? Quando o irmão não suporta a opinião de seu próximo, ainda que compartilhe da mesma fé ou até mesmo se senta no mesmo banco da igreja? Há aqueles que torcem o nariz para os pentecostais, chamando seus cultos de barulhentos, sem ordem e decência. Estes, por outro lado, se apressam em julgar as igrejas históricas como ‘”frias” e de “não darem lugar ao Espírito”. Outros consideram os neopentecostais hereges.


De acordo com a vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB/DF e membro da Igreja de Cristo de Brasília, Indira Quaresma, Cristianismo não é religiosidade, mas amor. Para a advogada, ainda que haja profundas divergências doutrinárias entre as religiões cristãs, a ninguém assiste o direito de sentir-se superior aos outros, de desdenhar de sua fé ou rituais e condenar os que pensam de forma diferente dentro do cristianismo ou mesmo fora dele. “Nós, cristãos, temos o péssimo hábito de achar que Jesus deixou a chave dos céus conosco e colocamos lá ou impedimos de entrar quem quisermos. Temos a certeza de que determinados grupos de cristãos não irão para o céu porque procedem em seus rituais de determinada forma. Até brincamos que em algumas igrejas temos irmãos e, em outras, primos. Mais do que tolerar nosso irmão, temos que suportar uns aos outros em amor”, adverte.

TOLERÂNCIA E INTOLERÂNCIA HISTÓRICAS Basta uma olhada nos livros de História para ver que os cristãos foram perseguidos e perseguidores. Com a oficialização do cristianismo como religião, por Constantino, a Igreja de Roma passou a ser intolerante com os que considerava heréticos, até chegar ao Tribunal da Inquisição, que vitimou os novos fiéis que surgiram, principalmente com a Reforma Protestante. Por parte dos protestantes, as guerras religiosas e os massacres também mancharam de sangue sua trajetória, a exemplo das perseguições aos anabatistas. Conforme o doutor em História da Igreja pela Boston University School of Theology e coordenador da área de Teologia Histórica do Instituto Presbiteriano Mackenzie de São Paulo, Alderi Souza de Matos, pelo fato de envolver questões profundas para as pessoas, temas como o próprio significado da vida e do mundo, o campo religioso tem sido fértil em manifes-

Marco Feliciano, pastor, Deputado Federal e ex-presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados

tações de intolerância. “A convicção gera, muitas vezes, a intolerância. O grande desafio é buscar o difícil equilíbrio entre esses dois princípios. Certos cristãos são vítimas da intolerância e outros praticam a intolerância. Em termos mundiais, o primeiro caso é muito mais frequente – cristãos que sofrem horrível discriminação, principalmente em países islâmicos. No Brasil, os evangélicos também têm experimentado intolerância ao longo de sua história”, atesta o nobre doutor. Como exemplo, ele cita a ação da Fundação Nacional do Índio (Funai) e de outros órgãos do governo que têm cerceado as ações dos missionários que trabalham com os indígenas. “Ao mesmo tempo, muitos líderes evangélicos são criticados pela mídia por suas atitudes em relação aos homossexuais. No entanto, não se trata necessariamente de intolerância, e sim de reação à tentativa de uma minoria de impor seus valores e sua visão de mundo a toda uma sociedade. Por exemplo, os evangélicos não concordam que a homossexualidade seja ensinada nas escolas públicas como uma opção de vida natural e saudável”, observa Alderi de Souza Matos. Mas como ser cristão, ter posicionamento firme sobre os preceitos divinos sem ser intransigente? Para o pastor Ricardo Barbosa, sempre vai existir essa fronteira delicada e complexa. “Não podemos negociar certos princípios e abrir mão de determinados absolutos. Claro que isso pode ser ofensivo para algumas pessoas. Muitas se ofendem quando líderes religiosos dizem que a relação homoafetiva desagrada a Deus. Eu não sei por quê! O pecado é um conceito teológico, e não sociológico, psicológico ou político. Ele diz respeito a quem crer na Bíblia. Quem nela não crê e acha que é um pro-

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INTOLERÂNCIA blema seu, vai ter que lidar de seu jeito. Já para o que crer que seja um pecado, esse tem o direito e um dever de assim considerá-lo”, afirma o pastor presbiteriano. Ainda segundo ele, ninguém precisa ser ofensivo, grosseiro ou agressivo ao se posicionar em suas convicções. “Quando os dois lados acirram seus ânimos, o debate é deixado de lado e passa-se a defender questões ideológicas, numa verdadeira queda de braço. Se a intolerância ou tolerância cresce de ambos os lados, o cenário torna-se preocupante, como vimos, no ano passado, no debate das relações homoafetivas”, relembra. A psicóloga Flor compartilha dessa visão. “O cristão não pode abrir mão de suas convicções, mas precisa ser amoroso ao defendê-las”. Ela vê uma certa ponta de insegurança, quando uma pessoa fala mais alto para se fazer ouvir. “A pessoa insegura grita mais, não ouve. É hostil ou ainda segue o caminho de desmoralizar seu oponente de ideais, enterrando qualquer chance de diálogo. O intolerante reage, pois é instintivo. O que preza o diálogo pensa, analisa. A intolerância, muitas vezes, é a busca de justiça própria, de querer ter razão”, analisa. Para Indira Quaresma, o crente não deve mesmo abrir mão da doutrina e dos ensinamentos bíblicos que distinguem os verdadeiros cristãos, mas deve sempre ter Jesus como exemplo. “À exceção do episódio dos vendedores do templo, Ele nunca se exaltou com o pecador nem demonstrou soberba ou o acusou da forma como temos visto nossos paladinos fazerem. A voz corresponde a apenas 7% da nossa linguagem. Não adianta irmos para os meios de comunicação dizer que amamos o pecador, mas odiamos o pecado, quando toda nossa lingua-

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gem corporal demonstra que odiamos os dois. O desprezo está patente em nossos rostos e atitudes”, constata. “Quando alguém tenta discutir que certo conceito é melhor ou mais saudável que outro, movido pelo rancor ou grosseiramente, perde a chance de convencer. A nossa sociedade é muito infantilizada e a mídia entra nesse jogo, deixando nosso diálogo empobrecido e criando dificuldades.” Bar­bosa, pastor da Igreja Pres­biteriana do Para Ricardo Barbosa, que Ricardo Planalto em Brasília há mais de duas décadas pastoreia a Igreja Presbiteriana do Pla- jogo, deixando nosso diálogo emnalto, as pessoas perdem precioso pobrecido e criando dificuldades”, tempo em querer ter razão. “A per- afirma. Contar até dez, antes de sucumbir suasão é o esforço de convencer a outra parte do diálogo e isso deve à raiva, foi a ideia do Conselho Nacioser natural na vida em sociedade. nal do Ministério Público (CNMP). O que o político faz, senão conven- O colegiado lançou, em 2012, uma cer que seu partido e propostas são campanha nacional com essa mensamelhores do que os demais? Um gem. A produção contou com a parreligioso também faz isso. Quando ticipação de lutadores famosos como alguém tenta discutir que certo con- Anderson Silva, do MMA, e Sarah ceito é melhor ou mais saudável que Menezes, campeã olímpica. O objetioutro, movido pelo rancor ou gros- vo foi sensibilizar a população a eviseiramente, perde a chance de con- tar atitudes e reações contra a vida, vencer. A nossa sociedade é muito em situações de conflito. Segundo o infantilizada e a mídia entra nesse conselheiro do Ministério Público e Coordenador da campanha, Walter Agra, a sociedade deve se mobilizar para estabelecer uma cultura de paz. “A atitude é contar até dez antes de “Quando alguém reagir e deixar a raiva passar. Com a tenta discutir que elaboração de cartilhas e programas de aulas disponíveis on-line, a camcerto conceito é panha, que já chegou às escolas de melhor ou mais todo o país, traz sugestões de como saudável que abordar o tema violência e intolerância nas escolas. São discutidos asoutro, movido suntos importantes para o contexto pelo rancor ou escolar, como o bullying e direitos humanos, principalmente de crianças grosseiramente, e adolescentes, e as consequências perde a chance legais de atitudes violentas e intran+ sigentes”, finaliza. de convencer.”


CASAMENTO&FAMÍLIA

por Estevam Fernandes

Estevam Fernandes é Pastor da Primeira Igreja Batista de João Pessoa. Pscicólogo clínico, escritor, conferencista motivacional. Casado com Dra. Aurelineide, e pai de Thayse e André.

AMAR É UMA DECISÃO

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ada mais trágico do que um lar em ruínas! O desmoronamento de uma família traz consigo uma sensação de derrota e fragmentação da vida, sem parâmetros de comparação. É um caos! Por que é tão difícil a vida em família? Por que razões o carinho e a paixão do namoro se transformam em frieza e agressão no casamento? Por que são tão raras as manifestações de afeto, amizade e amor entre pais e filhos? Como explicar a causa de o lar, sonho dos nossos sonhos, transformar-se em um pesadelo, em uma agonia e insatisfação? Toda família guarda seus segredos, amarga suas dores, tenta esconder seus fracassos e procura superar as dificuldades da convivência. Esforça-se para aparentar felicidade, ainda que tocando a vida entre os escombros de sonhos frustrados. Não obstante, muitos são os lares cuja felicidade e cujo respeito estão presentes na mesa de cada dia. Apesar das diferenças entre os membros, essas famílias vivem banhadas pelas águas da alegria e dormem tranquilas sob a brisa da paz. Qual o segredo, então? A vida prazerosa é como um bolo caseiro. Não basta ter a receita e os ingredientes. O segredo está em saber usá-los. Se receitas bastassem, a vida seria uma grande doceria! Bem como, se fórmulas de felicidade conjugal e familiar funcionassem, a sociedade seria como um Éden sem serpente. No entanto, sobra veneno, e falta vida!

Então, é preciso tomar algumas decisões. A primeira delas é em relação ao amor. Amar é uma decisão. Somente isso possibilita a convivência entre pessoas diferentes, mas que tenham sonhos em comum. Eu decido amar, como também decido odiar. Outra decisão é a de perdoar. O perdão não é uma manifestação sobrenatural que invade o coração da gente de vez em quando. É a prática de uma deliberação nossa, em nome da sobrevivência, da saúde emocional e espiritual. Quem decide perdoar torna-se mais tolerante, mais sensível às diferenças, mais humano. Sou eu que decido perdoar ou que decido perpetuar a amargura e o ressentimento no coração. Uma terceira decisão importante no contexto da família está ligada à nossa capacidade de servir, isto é, dispor a vida para o bem comum. É a disposição de ajudar o próximo, construir em equipe, estimular, levantar a autoestima do outro, valorizá-lo naquilo que ele tiver de melhor. Tornar-se companheiro pleno e amigo verdadeiro é muito mais significativo do que ser apenas pai ou mãe, esposo ou esposa. Ser alguém ausente é ser destruidor de sonhos e esperanças. No entanto, a mais importante das decisões é aquela que resolve colocar o Senhor no epicentro da família. Criada por Deus, a família não sobrevive sem o seu Criador. A decisão de trazê-lo de volta para a vida familiar será o retorno aos melhores dias. Somente Ele inspira o amor, ensina a + perdoar e capacita para o serviço solidário. +CRISTÃO MARÇO 2014

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JUVENTUDE

Foto: Thimóteo Soares

JOVENS NA CON T DO MUNDO

Eles são taxados de lunáticos e alienados, não bebem, não fumam, não usam drogas, não frequentam boates e evitam sexo antes do casamento por Carmen Fortes

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m dos maiores desafios dos jovens do século 21 é viver sua fé diante do padrão globalizado imposto pela mídia. Com a “necessidade” de estarem conectados o tempo todo, veem-se os jovens diante de um bombardeio de informações 32

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que acaba influenciando sua forma de agir, pensar e vestir. Os meios de comunicação de massa lançam tendências, estabelecem padrões sociais, ideológicos, religiosos e definem estilos de vida que são seguidos como uma receita pronta para se viver na sociedade moderna.

É possível, nos tempos atuais, resistir ao poder de influência da mídia e às pressões sociais e traçar outros conceitos e padrões de felicidade diferentes dos pré-fabricados pela coletividade midiática? Jovens cristãos mostram que sim. Eles são felizes, mesmo andando na contramão do sistema.


N TRAMÃO

O brasiliense Bruno Machado de Sousa, influenciado pelos pais, tem como referência os padrões bíblicos para viver em sociedade. Ele nasceu em um lar cristão e desde criança leva uma vida longe de muitas coisas que dão prazer a muitos, como cigarro, bebidas, drogas, sexo e boates.

Bruno destaca que isso não é sinônimo de felicidade. “O meu prazer está em servir a Deus e viver segundo a sua Palavra”, acrescenta o rapaz. Bruno reconhece que não é fácil ser jovem e andar contra o rumo do que a maioria dentre os de sua geração considera normal. Mas ele

lembra que essa postura vem sendo adotada por outros cristãos desde os tempos do Antigo Testamento. Ele cita o exemplo de Daniel, que há 2.600 anos, colocou no seu coração o propósito de não se deixar seduzir pelos prazeres da sociedade babilônica, que era moralmente corrompida e desprezava as coisas de Deus. Daniel tinha apenas dezesseis anos quando foi levado cativo, com outros jovens de Judá, para morar no palácio do rei da Babilônia, Nabucodonosor. Como eram nobres e cultos, foram treinados para ocuparem postos no governo babilônico. Durante o treinamento, mesmo estando na corte real com outros rapazes de hábitos e culturas diferentes, ele decidiu não se contaminar com as iguarias palacianas para obedecer à Lei de Deus. O testemunho de Daniel, registrado na Bíblia, até hoje serve como modelo de fé e determinação para outros cristãos que decidem resistir às tentações e seguir firmes na via oposta aos apelos do mundo. Bruno considera a renúncia inevitável para viver plenamente com Deus. Para ele, o maior exemplo a ser seguido é o de Jesus, que morreu na cruz para libertar o mundo do pecado. “Em meio aos meus conflitos pessoais, próprios da minha idade, lembro-me de Jesus, que, mesmo sendo filho de Deus, passou por aflições, foi tentado, mas venceu o pecado. Como não seguir o exemplo dele, que morreu por mim e por você, para nos dar a vida eterna? Como trocar esse amor tão sublime se no mundo eu não encontro nada igual?”, pergunta ele.

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JUVENTUDE CURTIÇÃO E PRAZER Por levar uma vida longe dos padrões da sociedade moderna, o jovem cristão muitas vezes é taxado de lunático ou alienado. Se eles não bebem, não fumam, não usam drogas, não frequentam boates e baladas noturnas e evitam sexo antes do casamento, onde a juventude cristã encontra prazer? Por abrir mão de tantos atrativos, eles conseguem, de fato, ser felizes? Bruno afirma que sim e diz que, para resistir a tantos chamativos, ele procura refúgio no convívio familiar e na companhia de outros jovens cristãos que compartilham o mesmo estilo de vida: ser diferente e andar com Deus. O jovem brasiliense, que desde pequeno aprendeu com os pais a amar os preceitos bíblicos, afirma que leva uma vida normal. “Tento ocupar o meu tempo com coisas saudáveis para o meu corpo e o meu espírito. Frequento shoppings, restaurantes, cinemas, clubes e praias; pratico esportes, estudo e vou à igreja, onde aprendo mais sobre a palavra de Deus e a amar o Senhor acima de todas as coisas”, argumenta.

Bruno Machado de Souza

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A leitura da Bíblia é uma das estratégias usadas pelos jovens cristãos para andar na contraproposta ao mundo. Bruno sempre arruma tempo para meditar nas Escrituras, um hábito que foi fortalecido aos doze anos, quando se batizou nas águas e assumiu publicamente um compromisso com Deus. “O corpo humano precisa de água para sobreviver, e da mesma forma é o espírito. Ele necessita da Palavra, a fonte da água da vida, para vencer o pecado e moldar a nossa identidade de servo do Senhor”, conclui. Assim como Bruno, a universitária Myriane de Faria Ferreira, de 20 anos, lança mão da leitura da Palavra de Deus e da oração como armas poderosas para dar firmeza, solidez e sustento espiritual. A jovem, que congrega no Centro de Adoração Ministério Núcleo da Fé, diz que ainda era uma criança quando escolheu não tomar a forma do mundo, o qual, segundo ela, influencia e trabalha contra os preceitos bíblicos que alicerçam sua vida. Para construir um caráter cristão e resistir a tantos convites que considera enganosos, desde cedo aprendeu com a mãe a ler diariamente a Bíblia, meditar nela e buscar a Deus. Ela conta que já leu toda Bíblia duas vezes. Uma delas aconteceu em janeiro de 2012, quando participou de um desafio de uma rede evangélica de jovens para ler as Escrituras em 42 dias. “Foi uma experiência difícil, mas extremamente prazerosa. Passei os primeiros 42 dias do ano dedicando uma parte das minhas férias para ler a Bíblia e aprender mais de Deus. Na época, abri mão de passear, sair com amigos e me divertir, para me debruçar nas Escrituras. Mas valeu a pena, pois saí com as minhas convicções fortalecidas”, relata a moça. Para Myriane, o desgaste do cotidiano, os sonhos não realizados, as decepções dentro e fora das igrejas, tudo isso – aliado ao constante dilema entre a carne e o espírito – mina a caminhada de muitos jovens cris-

tãos, que, por conhecerem pouco a Palavra, acabam cedendo às pressões do mundo e deixando de lado as coisas espirituais. Em 2012, quando ingressou na Universidade de Brasília para cursar Agronegócios, a jovem sentiu na pele essa pressão e só se manteve firme em seus propósitos graças ao seu conhecimento bíblico e por estar envolvida com o trabalho da juventude na igreja onde congrega desde a sua adolescência. “Entrei na UnB com a minha mente e o meu coração preparados para evitar que os meus valores fossem invertidos diante do bombardeio de informações que recebemos na nossa vida acadêmica. Mergulhei no mundo do conhecimento, mas estou conseguindo, com a ajuda de Deus, conciliar ciência e fé, manter a minha identidade cristã e fazer a diferença no meio de outros estudantes”, explica. Myriane diz ter hoje dois grandes desafios como cristã: não se deixar seduzir pelos prazeres carnais e evangelizar outros de sua faixa etária. “Ando na contramão do mundo, mas sou feliz. O fato de não seguir a

“Frequento shoppings, restaurantes, cinemas, clubes e praias; pratico esportes, estudo e vou à igreja, onde aprendo mais sobre a palavra de Deus e a amar o Senhor acima de todas as coisas” (Bruno Machado)


onda, não frequentar determinados lugares, não fumar, não beber, abrir mão do sexo antes do casamento e priorizar as coisas espirituais me torna diferente, mas não infeliz. Encontrei em Jesus a verdadeira felicidade, e a minha missão agora é dividir minha experiência e levar o amor de Cristo para outros da minha geração”, assegura a universitária. Para o pastor Ivan Junio, que lidera, ao lado da esposa, pastora Ronyelli, a rede de jovens do Ministério Vida Frutífera, do Gama, no Distrito Federal, viver na contramão do mundo e fazer a vontade de Deus são atitudes muitas vezes encaradas pela sociedade como loucura. Por isso, há oito anos, quando criaram a “Rede Insana?”, um trabalho voltado para evangelizar adolescentes e jovens, eles lançaram no ar um questionamento para saber se realmente o povo de Deus era louco por abrir mão de tantos prazeres terrenos em nome de uma vida com Cristo. O líder, que começou seu ministério muito novo, com apenas 24 anos, ressalta que, como a juventude é um período de muitas descobertas, dúvidas, incertezas e tomadas de decisões, é importante que as igrejas invistam na preparação dos jovens cristãos. Ivan explica que, a fim de atrair a juventude para a presença de Deus, realiza um trabalho de evangelismo

com cultos mais dinâmicos e criativos. Nas pregações bíblicas, costuma lançar mão das parábolas, muito usadas por Jesus para falar com seus discípulos e a multidão que o seguia. Além dos cultos, o pastor procura envolver os jovens com a igreja e fortalecê-los espiritualmente, por meio de outras atividades, como palestras, cursos, workshops, música, gincanas, games, shows, viagens e acampamentos. Para atraí-los e ajudá-los na formação de um caráter cristão, Junio estimula os jovens a lerem as Escrituras. Há cinco anos, lançou na “Rede Insana?” um desafio para a leitura completa da Bíblia nos primeiros 42 dias do ano, período em que os estudantes estão de férias e com a mente ociosa. Cerca de mil jovens cristãos de Brasília, de outras partes do país e até mesmo do exterior já concluíram a prova. “Os mais novos gostam de motivação, e a experiência tem dado certo”, comemora. Para vencer o desafio e ler toda a Bíblia em 42 dias, os interessados leem, em média, duas horas e meia por dia. A leitura é feita de forma dirigida. Depois os rapazes e moças fazem períodos de oração. Segundo o pastor, ao final do desafio, eles estão mais fortalecidos espiritualmente e apaixonados por Deus. Junio explica que essa experiência tem resultado na conversão e na reconciliação de

muitos que estavam afastados dos caminhos de Deus. Por isso, o desafio se tornou num projeto evangelístico. O pastor Ivan Junio, que já trabalhou em uma agência de publicidade, fala que, na atualidade, o pecado é apresentado para os adolescentes, jovens e toda a sociedade de forma apelativa, sedutora e agradável, então as igrejas devem combater isso apresentando as coisas de Deus como algo tremendo e maravilhoso. “A nova geração precisa ser imunizada contra os atrativos do mundo, e a melhor vacina é o amor de Deus. Daniel experimentou desse amor, foi fiel ao Senhor e, mesmo andando contra os padrões sociais da época, Deus fez dele um líder, um dos homens mais poderosos da corte babilônica”, lembra. O engenheiro ambiental João Batista Chaves Neto, de 29 anos, líder da rede de jovens “Renovados do Planalto Central”, composta por 42 igrejas espalhadas no Distrito Federal, acredita que nada no mundo se compara ao amor de Deus, que tem o poder de transformar o homem. O engenheiro conta que, desde os seis anos, graças aos pais, que são evangélicos, começou a andar com Deus e desfrutar do seu amor. João Neto relata que uma das maiores provas de fogo que já enfrentou como jovem cristão foi quando entrou na

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JUVENTUDE universidade. “Diariamente era ex- lar de Jesus e buscar apoio espiritual. “Eu tenho visto posto a muitas situações contrárias A partir daí, rapazes e moças de denesse trabalho ao meu caráter cristão e só sobrevivi nominações, escolas, gostos e sonhos uma juventude por causa do amor de Cristo em mi- diferentes passaram a compartilhar nha vida”, explica ele. um mesmo propósito: conectar o definida e com o O líder de jovens argumenta que mundo ao amor de Cristo. caráter de Jesus, “nesta hora, em que o mundo sofre O estudante de Direito da UnB porém ainda há com tanto desamor, nosso trabalho Ellysson Rocha, de 22 anos, é o líder é falar do amor de Deus para outras do grupo “Revolução”. Segundo ele, muitos corações pessoas”. E isso é colocado em práti- para o cristão universitário vencer o que precisam ser ca pelo grupo “Conexão Evangelis- bombardeio intelectual, com tantas conquistados mo”, que faz parte das Missões da teorias e filosofias contrárias aos enIgreja Presbiteriana Renovada de sinamentos bíblicos, é preciso estar e outros Brasília. Dezenas de moços cristãos, focado em Cristo. Elysson entende reconquistados.” movidos pelo mesmo espírito, par- que uma das formas de o cristão driticipam de ações evangelísticas em blar as pressões é sempre andar com (Ellysson Rocha) várias partes do país. Em janeiro, outros cristãos. Ele destaca que, neseles foram para Gaúcha do Norte, te momento, a igreja tem um papel no Mato Grosso, onde promoveram importante na preparação espiritual atividades culturais, como shows dos jovens, que precisam de estudos de hip hop, para atrair o público e bíblicos mais profundos e contextu- evangelizando corações. Na visão do depois levar a palavra de Deus. Em alizados para resistirem ao mundo. líder, essa forma diferente de evanfevereiro, os jovens evangelistas O foco da mensagem do grupo gelizar cativa e fortalece o jovem assistiram a comunidade do Cru- multidenominacional com mais de cristão, além de chamar a atenção zeiro, em Brasília. Montaram uma mil seguidores no Facebook é a união das pessoas, de forma efetiva e efitenda e lá levaram música e teatro, alcançada por meio do amor de Cris- caz, para o amor de Deus. cuidaram da saúde física e espiri- to. Eles evangelizam nas ruas e reEllysson afirma que o trabalho tual dos moradores. dá oportunidade para todos do Para João Batista, em cada ação grupo participarem ativamente evangelística realizada, ele vê, na do evangelismo e abre caminho prática, o poder transformador para a descoberta de novos lídedo amor de Deus na vida do hores e pregadores. O estudante mem. “O cristão não pode se conconsidera que o envolvimento formar com este mundo, que está dos adolescentes e jovens com o corrompido e agoniza diante de evangelismo e com a palavra de tanta maldade. Nós temos que ser Deus, em pleno século 21, é uma diferentes e convencer outros de forma de prepará-los espiritualnossa idade que o amor de Deus é mente para não se contaminao caminho para a verdadeira paz rem com as iguarias do mundo. e felicidade”, reforça o líder. “Eu tenho visto nesse trabalho Na mesma linha de raciocíuma juventude definida e com nio, há um movimento de estuo caráter de Jesus, porém ainda dantes cristãos de Brasília que há muitos corações que precisonha alto: movidos pelo amor sam ser conquistados e outros de Cristo, seus integrantes quereconquistados”, destaca. rem alcançar toda uma geração. Mas nem sempre exemplos O grupo “Revolução: Uma Só Pastor Ivan Junio do Ministério Vida Frutífera no Gama-DF como os de Bruno, Miryane, Mente, Um Só Coração”, trabaJoão Neto e Ellysson são seguidos lha pela união do povo de Deus. alizam atividades que estimulam o no meio da juventude. Muitos joO movimento nasceu em 2011, de- amor entre as pessoas. Uma delas é vens estão desconectados das coisas pois de um encontro de vários gru- o “Abraço Grátis”, em que integran- espirituais. De acordo com levanpos de adolescentes, jovens e líderes tes do grupo Revolução vão a vários tamento feito pelo instituto de pescristãos que integravam clubinhos pontos da cidade para abraçar as quisas cristão Pew Research Center, escolares, onde se reuniam para fa- pessoas, confortando, alegrando e em 2013, a atual geração de jovens 36

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MUITA CELEBRAÇÃO E POUCA PALAVRA Entretanto, na visão do presidente da Mocidade para Cristo do Brasil, pastor Marcelo Gualberto, o mundo cristão vive um momento atípico e paradoxal. “Por um lado”, explica ele, “as igrejas estão cheias de adolescentes e jovens; por outro, esses mesmos jovens e adolescentes vivem uma espiritualidade muito rasa, como se fossem casas construídas na areia, que não têm firmeza. Quando vem o vento ou a tempestade, ela cai. Os jovens precisam estar alicerçados na Rocha, que é Jesus”. Gualberto alerta que essa superficialidade espiritual é um reflexo de uma geração em que a fé está firmada em músicas gospel com letras teologicamente incorretas, em celebrações, e não na palavra de Deus. “Hoje, o jovem cristão está com sua vida fundamentada em um evangelho que não tem a cruz, não tem arrependimento e não apresenta Jesus como o único e verdadeiro Salvador. Temos que trazer a Bíblia para o centro do culto”, ressalta pastor Marcelo, que está há 31 anos à frente da MPC. A MPC, que desde a década de 1950 traz estratégias inovadoras para alcançar os jovens, também focou na escola como uma das linhas de atua-

ção para evangelizar pessoas entre 13 e 25 anos. A estratégia deu certo e se transformou no projeto “Escola da Vida – Princípios que Transformam”. A líder da MPC em Brasília e também líder nacional do projeto, Raquel Chaves, explica que a proposta é estimular um autoconhecimento dos alunos e trabalhar uma mudança por dentro e por fora. Para que ocorra esse novo despertar na vida dos jovens, em uma semana, eles Pastor Marcelo Gualberto, presidente da Mocidade para Cristo do Brasil são desafiados a mudar, por meio de atividades que abor- lá surgissem adolescentes e jovens dam temas do cotidiano, como vio- com um caráter mais cidadão e com lência, drogas, sexualidade, autoes- o desejo de seguir os passos de Jesus tima, e recebem ensinamentos que Cristo”, constata Raquel. falam do amor de Deus e do maior O programa Escola da Vida foi evangelista de todos os tempos: Je- uma semente que frutificou. Atualsus. “Ao final do trabalho, a gente mente, está presente em mais de cinpercebe que houve transformação quenta cidades, já atendeu mais de no comportamento espiritual dos 35 mil alunos, e resultou em 11 mil estudantes. É como se várias jane- conversões. Para cativar a presença linhas tivessem sido abertas e de desses novos seguidores de Cristo, a instituição faz parcerias com igrejas evangélicas que assumem a tarefa de capelania escolar. O pastor Marcelo lembra que, há várias décadas, a Mocidade para “As igrejas têm Cristo investe na formação de clubes um grande desafio bíblicos nas escolas, onde o jovem cristão é desafiado a evangelizar oupela frente para tros alunos. Hoje, a entidade atua em 52 cidades brasileiras e conta com fortalecer a fé da cerca de mil obreiros em tempo injuventude cristã: tegral e voluntários. O dirigente nacional da MPC entenres­gatar a Palavra de que hoje as igrejas evangélicas têm de Deus e colocáum grande desafio pela frente para fortalecer a fé da juventude cristã: resla no centro gatar a Palavra de Deus e colocá-la no centro dos cultos, dos acampamentos, dos cultos, dos das reuniões nos lares cristãos. “Mas, acampamentos e a fim de resgatarmos o valor da Bíblia e dos verdadeiros princípios cristãos, das reuniões nos ainda teremos uma longa caminhalares cristãos.” da para alcançar uma vida plena com + Cristo”, conclui Marcelo Gualberto. (Pastor Marcelo Gualberto) Foto: Arquivo pessoal

está cada vez mais se distanciando do Cristianismo. Esse afastamento foi identificado na população americana, da qual 20% declararam-se sem religião. Dentro desse grupo, cerca de 30% tinham menos de 30 anos. A pesquisa apontou a influência de fatores sociais externos e fora do controle das igrejas como um dos motivos para o abandono da fé entre os jovens americanos. No Brasil a situação ainda é um pouco diferente. De acordo com pesquisa feita pelo instituto alemão Berelsmann Stifung, a juventude brasileira figura como a terceira mais religiosa do mundo, perdendo apenas para os nigerianos e guatemaltecos.

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Foto: Arquivo da missão Jipeiros de Cristo

MISSÕES

JIPEIROS D Missão 4x4, levar a mensagem do amor de Deus

por Carmen Fortes

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ra madrugada de sábado de carnaval. Por volta das quatro horas da manhã ainda se ouvia o eco das músicas encerrando o primeiro dia de festejo, quando se inicia a Expedição Vidas Secas. A missão não tem nada a ver com a festa mundana, sinônimo de prazer e folia, apenas aproveita os dias de feriado prolongado para exercer o 38

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chamado do Mestre de amar ao próximo. A Associação Jipeiros de Cristo inicia a missão 4x4 com o objetivo de levar a mensagem do amor de Deus e assistir comunidades carentes esquecidas pelo mundo. Treze carros saíram de várias cidades: Brasília, Goiânia, Anápolis, Uruaçu, Niquelândia e Campinorte, em Goiás; e Uberlândia, em Minas Gerais, rumo ao sertão do

Nordeste. Dessa vez, o destino escolhido foram duas pequenas localidades: Nova Holanda e Lagoa do Piau, situadas no município de Pilão Arcado, onde a Bahia faz fronteira com o Piauí. A região é o retrato do abandono e da pobreza, bem comum de se ver no semiárido nordestino. O município de Pilão Arcado é considerado um dos mais pobres do país. E como


DE CRISTO e assistir comunidades carentes nos rincões do Brasil

a missão aconteceu nesse cenário desolador e fruto de longos períodos de estiagem, os Jipeiros de Cristo buscaram inspiração para o nome da nova expedição no romance do escritor Graciliano Ramos “Vidas Secas”, publicado em 1938, que narra o drama do retirante diante da seca implacável e da extrema pobreza que, até hoje, assola essa região. O pastor Danilo Ferraz, presidente da Associação Jipeiros de Cristo,

afirma que a principal bandeira da Missão 4x4 é levar o evangelho de Jesus aliado a ajuda humanitária a pequenos lugarejos de difícil acesso. Cada missão é planejada com base no IDH – Índice de Desenvolvimento Humano – das áreas mais pobres do país, e nas necessidades de seus moradores, que são previamente mapeadas pelos jipeiros em visitas às comunidades. Ferraz explica que nenhuma expedição é realizada

com foco em aventura ou no prazer do estilo Off Road, mas no compromisso de realizar a obra missionária de Deus nesses rincões brasileiros. “Não saímos para passear de Jeep. O carro com tração 4x4 é apenas um transporte que nos permite chegar a locais ermos e distantes, aonde ninguém chega. Nós vamos a locais difíceis até de se encontrar no mapa do Brasil, como são os casos de Nova Holanda e Lagoa do Piau, destaca.

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MISSÕES Foram mais de mil quilômetros e 26 horas de estrada até Nova Holanda. A caravana, composta de 52 pessoas, chegou por volta das cinco horas da manhã, rompendo o silêncio do pacato povoado baiano. Na luz do dia, o grupo, formado por dentistas, enfermeiras, psicólogos, representantes comerciais, Servidores públicos e outros profissionais, ficou pequeno diante de tantas necessidades. Num posto médico improvisado em um grupo escolar da comunidade, os voluntários deixaram de lado o cansaço proveniente da longa viagem, montaram três consultórios móveis para serviços odontológicos, salas para aferir a pressão arterial, assistência psicológica, saúde bucal e higiene pessoal e se dividiram para assistir a dezenas de moradores que já aguardavam ansiosos na porta da escola pela assistência daqueles profissionais. De acordo com os voluntários da Expedição “Vidas Secas”, como Nova Holanda está em uma região muito pobre, a população está quase descoberta de serviços médicos, dispondo apenas de um posto de saúde da família, que funciona praticamente só com serviços de enfermagem. Diante de tanta carência, o trabalho assistencial dos Jipeiros de Cristo é ansiosamente aguardado. Para o universitário Daniel Araújo Quinan, que está cursando odontologia, o que mais lhe chamou atenção na localidade, além da pobreza, foi o elevado número de crianças e adolescentes com dentes estragados. A última vez que os moradores de Nova Holanda receberam a visita de um dentista foi há dez anos. O voluntário da Missão 4x4 disse que, desde 2008, quando ingressou no trabalho missionário dos Jipeiros de Cristo, atua como auxiliar de dentista, um serviço que foi determinante

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para a escolha da sua profissão. O jovem de apenas 20 anos, que nasceu em um lar evangélico, afirma que junto à ação social, todos têm oportunidade para evangelizar e falar do amor de Deus para pessoas. Daniel destaca a importância de doar um pouco de tempo para ajudar o próximo. “Eu poderia ter ficado em casa, no meu conforto, descansando ou aproveitando para passear, mas nessas expedições tenho fortalecido os meus valores cristãos”, complementa o estudante de Goiânia. Thayrine Fagundes considera a Missão 4X4 uma experiência única, que lhe fez ver a vida sob uma ótica mais humana e solidária. Apesar de ter pouco tempo no grupo, apenas cinco meses, a enfermeira – diante da carência de serviço médico nessas comunidades mais isoladas dos centros urbanos – decidiu colocar a sua profissão para ajudar os mais carentes. A jovem conta que a expedição de Nova Holanda foi a segunda de que

“Para mim, é um privilégio poder levar uma cesta básica, falar do amor de Jesus para gente que vive em casas humildes com o chão batido de terra e sem perspectivas de futuro” (Thayrine Fagundes)

ela participou. Thayrine não consegue esconder o contentamento de fazer parte dessa obra missionária, que tem levado alento a centenas de vidas necessitadas. “Para mim, é um privilégio poder levar uma cesta básica, falar do amor de Jesus para gente que vive em casas humildes com o chão batido de terra e sem perspectivas de futuro. Ao final de tudo, vê-las sorrir, é uma prova de que valeu a pena e de que estou no caminho certo”, ressalta a jovem de 25 anos. Além da assistência médica e odontológica, os Jipeiros de Cristo trabalham a autoestima de crianças, adolescentes, mulheres e homens. Ao lado dos consultórios improvisados, abrem espaço para um pequeno salão de beleza, onde uma equipe de voluntários corta e tinge cabelos, faz penteados, maquiagens, serviços de manicure e pedicure. E, em pouco tempo, como num passe de mágica, a beleza que estava encoberta pelas dificuldades de quem vive no meio do semiárido nordestino aparece com toda a sua formosura iluminando rosto e alegrando corações. Para o comerciante Fábio Ambrósio, que divide com a esposa Shayena Lopes de Almeida, a coordenação do “Espaço Beauty”, a Missão 4x4 é apaixonante. Ele relata que faz parte do grupo há cinco anos e, nesse período, já participou de vinte expedições. O comerciante, que é evangélico, disse que o trabalho missionário do grupo tem sido um diferencial e marcou a sua vida. Fábio se lembra, até hoje, da sua primeira expedição realizada na comunidade Vão de Almas, no Território Kalunga, em Goiás. “O quadro era desolador. Lá, os moradores não tinham energia, água encanada. Tomavam banho e bebiam da água do rio, que também era usada para preparar os alimentos. Um prato cheio para propagação de doenças. Não


Foto: Arquivo da missão Jipeiros de Cristo

consigo entender como, num país tão rico como o Brasil, ainda existam locais com tanta necessidade e tanta pobreza”, desabafa Fábio. A experiência de Fábio e Shayena é acompanha de perto pela pequena Catarina, filha do casal. Com apenas quatro anos, ela é uma espécie de mascote do “Espaço Beauty” e da Missão 4x4. Apesar da pouca idade, a garotinha, sempre que pode, acompanha a trilha dos pais. Fábio fala que, além dos preceitos bíblicos, a filha está crescendo em um ambiente mais solidário, que vai ajudá-la a construir uma vida pautada em valores mais nobres e cristãos. Ele ressalta que o trabalho missionário dos Jipeiros de Cristo tem fortalecido os seus laços familiares. Outros casais que integram a Missão 4x4 sentem esse fortalecimento no convívio familiar. Almir Aparecido de Oliveira e Elizabeth Macedo de Oliveira são novos no grupo missionário. Eles ingressaram no Jipeiros de Cristo em setembro do ano passado. O desafio de levar a Palavra de Deus e a ajuda solidária para comunidades carentes e de difícil acesso atraiu o casal para fazer parte desse time de evangelistas. Mesmo com poucos quilômetros rodados com a missão evangélica, Almir e Beth se sentem abençoados com a experiência. O casal é voluntário no salão de beleza e tem observado como esse momento tem ajudado a resgatar a autoestima de muitos moradores. “A gente cuida da aparência. Corta, pinta e arruma cabelo. Entre um corte e outro, falamos do amor de Deus e levamos um pouco de afeto e conforto para as pessoas. Ao final, nós é que saímos ganhando com tanto aprendizado”, conclui Almir. A analista de sistema Ana Paula Mendes também vê o trabalho missionário dos Jipeiros de Cristo como uma grande lição de vida. A

O palhaço Zilão faz a alegria e de forma lúdica apresenta Jesus para a criançada

bancária disse que a união e o espírito de solidariedade vividos pelo grupo foram fundamentais na sua reaproximação com Deus. Ela nasceu em lar evangélico, mas na fase adulta se distanciou da igreja. Em 2011, teve um reencontro com Deus e reacendeu um desejo ardente de evangelizar e trabalhar em obras missionárias. A bancária disse que sempre gostou da vida ao ar livre, de fazer trilhas e subir montanhas.

Com Jipeiros de Cristo, ela viu uma forma de conciliar a vida espiritual e ficar em contato com a natureza de um jeito mais radical. Ana Paula comprou um Jeep 4x4 e colocou a sua adrenalina a serviço da vida e de Jesus. Ela é a única jipeira do grupo e não esconde o orgulho que tem dessa nova identidade. Fala do acesso a um mundo novo, onde a pobreza e o abandono deixam marcas profundas na vida de milhares de pessoas.

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MISSÕES

DOZE ANOS DE ESTRADA Os Jipeiros de Cristo surgiram em 2001, com o médico goiano Paulo Marcelo de Carvalho. Depois se transformou em uma associação que conta, hoje, com quatenta pessoas de várias denominações evangélicas. Em doze anos de existência, já realizou cerca de sessenta expedições realizadas em Centro-Oeste, Piauí, Bahia e Minas Gerais. O pastor Danilo Ferraz, que lidera o grupo desde maio de 2012, explica que o trabalho é inspirado no amor de Cristo e está embasado na Palavra de Deus. “Quando recebi o convite para presidir o grupo, percebi o grande desafio que é pastorear um rebanho multidenominacional e ver

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que Deus age além de bandeiras e placas de igrejas”, afirma o bancário. O representante comercial Carlos Antônio de Jesus, que acompanha os Jipeiros desde a sua fundação, disse que gosta de evangelizar na estrada e levar o amor de Cristo para as pessoas. Ele explica que a Missão 4x4 funciona sem qualquer apoio financeiro. As expedições são custeadas pelos próprios jipeiros, o que limita o campo de atuação do trabalho missionário. Nesses doze anos, Carlos ressalta que criou mais intimidade com Deus e tem trabalhado com afinco para colocar em prática o slogan da Missão 4x4, que é resgatar vidas até nos confins da terra. O fruto da missão em Lagoa do Piau, a 18 quilômetros de Nova Holanda, foi a perceptível alegria dos 600 moradores, em especial das crianças, que representam mais da metade da comunidade. Além da ação social, receberam bem mais que serviços e cestas básicas: receberam o verdadeiro amor de Deus em ação, por meio de seus representantes na Terra. Os voluntários percorreram as casas, conversaram com os moradores, alegraram os corações. Dentre as ações, ainda repassaram informações sobre higiene pessoal e saúde bucal, distribuíram kits sorriso,

Foto: Arquivo da missão Jipeiros de Cristo

“Em cada expedição, o retrato da miséria é o mesmo. São cenas que a gente, muitas vezes, só vê pela televisão. E isso me fez amar mais o meu próximo e viver intensamente o evangelho.” Ana comenta que as equipes de voluntários trabalharam exaustivamente, mas não conseguiram atender nem 5% das demandas locais. Em dois dias, a Missão fez 144 atendimentos odontológicos, outros quarenta na área de enfermagem. No salão de beleza, entre cortes de cabelos, escovas, serviços de manicure, maquiagem e barbearia, eles atenderam 105 pessoas. Nas expedições, levar a mensagem do evangelho é uma busca constante. Os missionários realizam as atividades sempre regando os corações com a palavra de Deus. Para evangelizar os pequenos, entra em cena o palhaço Zilão. Em meio às brincadeiras com os Kid’s Games, filmes bíblicos e distribuição de material didático, o evangelho chega às crianças. Rapidamente, a curiosidade toma conta do ambiente, e o palhaço Zilão, de forma lúdica e cativante, apresenta Jesus para uma pequena plateia infantil.

“Em cada expedição, o retrato da miséria é o mesmo. São cenas que a gente, muitas vezes, só vê pela te­levisão. E isso me fez amar mais o meu próximo e viver intensamente o evangelho.” (Ana Paula Mendes)

forneceram alimentos e levaram a Palavra de Deus. As demandas eram muitas, mas logo o dia acabou. Por falta de tempo, os moradores não puderam receber assistência médica e odontológica, o que acontecerá na próxima expedição, programada ainda para este ano, durante o feria+ do da Semana Santa.


DIREITO&CIDADANIA

por Daniel Castro

Daniel Castro é pastor, advogado e pedagogo.

Identificação biométrica e as eleições de 2014

A

s eleições de 2014 estão se aproximando, e esse novo episódio do maior evento cívico apresenta algumas alterações no processamento eleitoral. A maior delas fica por conta do cadastramento biométrico, sistema que permitirá tanto ao cidadão quanto à instituição eleitoral a realização rápida e segura do ato de votar. A biometria, que até pouco tempo era algo visto apenas em filmes e seriados policiais, ou seja, algo ultramoderno para identificar alguém por características específicas, agora está sendo utilizada para revolucionar a maneira de votar do povo brasileiro. A impressão digital, ou melhor, a identidade eletrônica, se tornará comum nas eleições, e em 2014 uma parcela dos eleitores será identificada por esse meio e só assim terá acesso às urnas e concretizará seus desejos políticos. O sistema, em que pese parecer algo de cinema, não decorre nos dias de hoje de muita complexidade, pois funciona com um bom computador aliado a um software e com um bom scanner, que captura e armazena imagens pessoais. Quando acionado, o scanner, por meio do software, obtém as imagens – das digitais, de alguma marca humana, da geometria da mão, da íris, da retina, de expressões faciais – e as armazena, formando uma base de dados rápida e segura. O passo seguinte é colocar as imagens captadas à disposição do software biométrico, o qual as analisa e delas extrai as características mais relevantes. No caso da mão humana, as linhas que dão forma

às digitais é que são captadas. Já os olhos são identificados por suas caraterísticas que são únicas em cada ser humano. Assim, após a captura e o armazenamento, basta que o eleitor seja submetido a um dos procedimentos de identificação para ter acesso à urna e realizar seu voto. A grande diferença da identificação biométrica é que ela elimina a utilização de senhas ou dispositivos de chips magnéticos que, por mais segurança que apresentem, acabam sendo descobertos ou utilizados por terceiros, diferentemente da identificação biométrica, na qual somente o dono de sua marca, que é única, poderá prosseguir com a operação. Além dos benefícios de segurança e rapidez, a biometria representará uma maior comodidade ao eleitor, uma vez que o processamento das informações na hora de votar será mais fácil e rápido. Com essas qualidades, a identificação biométrica tornou-se até o presente momento uma das melhores opções para garantir a lisura das eleições, pois proporciona segurança e agilidade no procedimento, além de permitir ao eleitor a certeza de que somente ele poderá representar seus interesses políticos no ato de votar. Finalmente, é de suma importância o recadastramento eleitoral, visto que possibilitará ao eleitor participar, de forma rápida e segura, de um dos processos mais importantes da ação política do cidadão brasileiro – a eleição direta. Se você foi convocado para o recadastramento, não perca o prazo para não ser excluído dessa festa da democracia. + +CRISTÃO MARÇO 2014

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CRÔNICAS E CONTOS

por Zazo, o nego

O blecaute

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inalmente chegou o dia da apresentação. A peça era inédita, envolvia música e teatro, num roteiro inteligentíssimo, convincente. A expectativa na igreja se traduzia pelo burburinho a tomar conta do espaço mais de meia hora antes do início. Havia visitantes, alguns até daqueles que não querem ver igreja por perto, nem pintada de ouro. Em meio a todo esse clima de festa e prenúncio de uma noite memorável, eis que acaba a luz. Reação coletiva: “Uuuuuhhh!” – era a interjeição espontânea surgida entre adolescentes, seguidas de risadinhas e imitações de gato. Faz parte. “E agora, José?” pensava de si para si o Sandoval, regente da peça e principal responsável pelo evento. O coral ensaiara meses a fio. Tanto tempo de esforço e dedicação para morrer na praia, numa falta de luz... e logo agora, que a diretora da Escola de Música da Fundação Cultural estava no recinto, depois de um convite atendido com tanta luta... será que o apagão era geral, ou só ali? “Calma”, pensou. “Ainda temos tempo.” Faltava ainda em torno de meia hora, e todos os participantes da peça reuniram-se na sala da juventude. O lugar estava ficando cheio. Talvez até tivessem de pegar cadeiras extras. Sandoval tentou afastar o pensamento negativo: “A luz vai voltar”. Mas era inevitável que o imprevisto causasse transtornos e temores: sem energia, sem instrumentos. Como passariam o som dos violões, guitarra, baixo, teclados e microfones? Fora isso, havia o pessoal do teatro, que, associado à música, prometia um verdadeiro espetáculo. Enquanto o Pastor Enoque tentava colocar ordem na casa, pedindo silêncio e dando uma breve explanação sobre a peça prestes a acontecer, o pessoal do coro, do teatro e do instrumental já se organizava de tal forma que pudessem orar. Ao mesmo tempo, alguns diáconos providenciavam lampiões, lanternas, velas e outros apetrechos para iluminação provisória do lugar, na esperança de que fosse mesmo provisória. E o tempo passando... aproximava-se das sete e meia da noite, horário de início do culto. Sete e trinta e cinco. Nada! Sete e quarenta, sete e cinquenta...! Alguns decidiram ir saindo de fininho, pois percebiam que a peça “não ia rolar”, e a noite de domingo poderia ser aproveitada de outra forma. Deu oito e quinze, e o grupo que insistia em ficar já não era tão grande. Não dá para negar que o Sandoval estivesse frustrado. Afinal, o trabalho havia sido tão árduo... tanta gente havia comparecido, puxa vida...

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Zazo é servidor público e professor de Gramática e Oficina de Textos no Centro de Formação e Aperfeiçoamento da Câmara dos Deputados.

O pastor não queria perder a oportunidade de trazer uma palavra aos que haviam ficado. Foi quando aconteceu algo inusitado: uma moça desconhecida, de expressão doce e olhar meigo, disse a ele que havia trazido um violão e que, se quisessem, poderia tocar uns hinos. Apesar de seu “pé atrás” em lidar com gente estranha, o pastor foi convencido por alguma coisa transmitida no olhar meigo da menina e permitiu-lhe tocar. E aquele grupo, agora reduzido a umas quarenta pessoas, sem perceber, foi-se deixando embalar por canções do tipo “Que doce voz tem meu Senhor”, “Nas estrelas vejo a Sua mão”, “Tu és fiel, Senhor”, “Santo, Santo, Santo” e várias outras. Sem que ninguém houvesse programado qualquer coisa, foi-se criando, pouco a pouco, um ambiente de comunhão íntima entre aquelas pessoas e Deus, o que resvalava também para uma comunhão interpessoal. Uma senhora que, havia uns três anos, deixara de falar com outra, aproximou-se da irmã com quem rompera a amizade e a abraçou com os olhos marejados. Um moço que devia certa soma em dinheiro a um senhor (e não tinha como pagar) foi procurado pelo credor, que se sentira tocado a perdoar-lhe a dívida. Um jovem casal que havia discutido antes de sair de casa, aos poucos ia ficando de mãos dadas trocando um olhar de mútuo perdão seguido de um reclinar de cabeça da esposa no peito do companheiro. Membros do coral, músicos e gente vestida especificamente para a apresentação do teatro agora sorriam de forma leve, louvando ao Senhor, de coração singelo. Alguns se abraçavam, outros choravam; outros ainda riam um riso indecifrável, posto que estivessem com lágrimas escorrendo pelo rosto. Ninguém mais se importava com a falta de luz nem queria ir embora. Até o Sandoval estava relaxado, curtia cada segundo e se perguntava o que seria aquilo... Daí, alguém começava a orar pela liderança da igreja, pelos missionários transculturais e urbanos, pelos novos convertidos. A seguir, oravam uns pelos outros e pelos enfermos e necessitados. Lá pelas tantas, uma família que nunca havia colocado os pés naquele salão de igreja perguntava: “Como é que a gente faz pra ser assim, como vocês?”. Impressionada com o que via, a diretora da Escola de Música da Fundação Cultural – que só Deus sabe por quê, ficara por ali – reforçava a mesma pergunta. Quando “deram fé”, já havia passado da meia-noite sem que ninguém tivesse sequer pensado em ir para casa. Finalmente quase que para tristeza de alguns, a luz chegou. Mas não conseguiu apagar a chama produzida em pleno blecaute. E a vida daquela comunidade cristã começou a mudar. O pastor Enoque remarcou a apresentação da peça para o domingo seguinte. A moça do violão, ainda no apagar das luzes, de+ sapareceu, sem que ninguém percebesse, e nunca mais foi vista.


+Música

por Zazo, o nego

Nordestino de raiz “Quando se cobre a cova, o que fica em terra fechada é só a semente do que estará a céu aberto. Porque tudo que o homem planta, quando rompe a terra, aponta para o céu.” Esse é o tom de Plantas e Habite-se, de Roberto Diamanso, compositor, cantador e violeiro comprometido, de corpo e alma, com o sentimento nordestino. O conjunto da obra de Diamanso envolve poesias de rara originalidade e canções de um universo cultural quase esquecido em nosso país. De forma genial, o autor trata esse universo sob a ótica do reino de Deus, sinalizando-o de maneira inequívoca nas composições, quase todas de sua autoria exclusiva. O disco traz duas parcerias bem interessantes – com Ariovaldo Ramos (Saga de Zaqueu) e com Naná Villa Lobos (Tanta Gente Feliz) –, além de uma canção de Oséias Santos (Calabouço). Sanfona, zabumba, triângulo, flauta, violões de seis e de doze cordas se juntam e se revezam ao longo das catorze canções. O CD destina-se a ouvidos receptivos à poesia e à musicalidade elaboradas a partir de uma visão de mundo concebida longe do asfalto. Saiba mais pelo e-mail diamanso@ig.com.br ou pelos telefones (11) 9.6292.9984 e 2407.0551.

Está consumado É o título do mais recente disco de Stênio Március, cantor e compositor roraimense radicado em São Paulo. Dono de uma poética singular e de rara originalidade, Stênio canta as narrativas e ensinamentos bíblicos sob uma perspectiva curiosa, não alterando os textos, mas lançando sobre eles um olhar, no mínimo, inusitado. O compositor apresenta alternativas à leitura engessada, rotineira – e às vezes até viciada – que acaba sendo feita das Escrituras, infelizmente com certa frequência. Nessa linha de composição, vale citar Quem é que não chora e O Grande Banquete, faixas 03 e 06 do álbum, respectivamente. A música de Stênio é contemplativa, apropriada aos que se separam da correria de nossos dias a fim de ouvir e meditar; é alimento para alma e espírito. Nesse sentido, vale conferir as faixas 02 e 12, respectivamente Ele passou por aqui e Tarde Te amei – esta última, uma “parceria” com Santo Agostinho, de quem recolhe as impressões em forma de um quase lamento por ter conhecido ao Senhor já numa certa altura da vida, e não antes. Produzido por Diego Venâncio, Está Consumado reúne treze faixas, totalizando 46 minutos de boa música. Contatos: sdoliveiranogueira@gmail.com.

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QUALIDADE DE VIDA

por Júnior Sipaúba

Junior Sipaúba é pastor presbiteriano, mestre em Aconselhamento, matemático, licenciado em Ciências e faixa-preta pela Conferedação Brasileira de Taekwondo.

Seja pelo menos Humano “A vereda do justo é como a luz da alvorada, que brilha cada vez mais até a plena claridade do dia.” (Provérbios 4.18 )

“E

u posso fixar flores artificiais numa árvore, flores que não florescerão, ou posso criar as condições para que a árvore floresça naturalmente. Talvez eu tenha de esperar um longo tempo para ter minhas flores reais, mas elas serão as únicas verdadeiras.” (John Fowles) Nascemos humanos, mas isso não é a linha de chegada. Quando fazemos referência a atributos como a compaixão pelo próximo, a solidariedade, a força do perdão ou a bondade desinteressada para com os outros, costumamos aplicar tais características como próprias das pessoas “muito humanas”, ou seja, aquelas que sabem desfrutar, conforme a expressão shakespeariana, do “leite da ternura humana”, citada pelo filósofo Fernando Savater em seu livro “O Valor de Educar”. Somos como aqueles alimentos pré-cozidos que, para se tornarem saborosos e satisfatoriamente comestíveis, ainda necessitam de um tempo no microondas. A humanidade plena não é algo simplesmente biológico ou uma denominação de uma classe de mamíferos. Estamos diante de águas mais profundas. Os outros seres vivos já nascem sendo o que definitivamente são, o que hão de ser. Cumprem uma agenda biológica, aconteça

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o que acontecer; ao passo que nós, criados à imagem e semelhança de um Deus pessoal, nascemos para a humanidade. De tempos em tempos, necessitamos de uma aquecida no microondas da existência! Não nos tornamos pessoas íntegras apenas pelo simples desejo de assim ser, por lermos os livros adequados ou por agirmos conforme alguns parâmetros da nossa coreografia social de cada dia. Bondade não brota apenas de boas intenções. O bem requer cuidado, necessita ser nutrido por uma vida alicerçada na disciplina, no exercício constante das disciplinas espirituais e no longo cultivo. Chegar a ser totalmente humano – seja humano bom ou humano mau – é sempre um desafio. Não sei se temos tido tempo para sermos bons amigos para os nossos amigos, bons pais para os nossos filhos, bons discípulos para os nossos mestres e bons humanos para a humanidade. Não podemos nos acomodar à escuridão de uma vida sem propósito, a vereda do justo é um caminho rumo à plena claridade. Não existem atalhos para a maturidade profunda, é preciso esperar um tempo para termos nossas flores reais. Ou será que vamos continuar a fixar flores artificiais na árvore+ da vida, esperando por aquelas que não florescerão?




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