Revista +Cristão Edição07

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ENTREVISTA

Ano 02 – Nº07 | Maio / Junho 2014 | R$6,90

Ele é quase uma unanimidade entre os cristãos. Um dos teólogos mais respeitados da atualidade e bem recebido por igrejas de diversas denominações evangélicas. Estamos nos referindo ao Dr. Russell Shedd, que, em entrevista à Revista +Cristão, exprimiu suas opiniões conservadoras e não fugiu das discussões que envolvem os crentes da atualidade.

+Cristão Ano 02 – Nº 07

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MAIO / JUNHO 2014

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www.facebook.com/revistamaiscristao

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Editora Millibros

FÉ E POLÍTICA COMO OS CRISTÃOS LIDAM COM O TEMA EM ANO DE ELEIÇÕES

Celebrando as diferenças A bênção do convívio com pessoas deficientes

Vivendo sem pressa

A sabedoria de viver em paz, em meio ao turbilhão da vida moderna

Um povo para adotar

Conheça um pouco sobre o povo Fula, da Guiné-Bissau



Pode Podeencher encher o opeito peitodedeorgulho. orgulho. BRASÍLIA BRASÍLIA É A CAPITAL É A CAPITAL BRASILEIRA BRASILEIRA DOS DOS BANCOS BANCOS DE LEITE DE LEITE HUMANO. HUMANO. Brasília é referência Brasília énacional referência emnacional banco deem leite. banco Agora de foi leite. reconhecida, Agora foi reconhecida, pelo Ministério pelo Ministério da Saúde, como da Saúde, a única como cidade a única do mundo cidadeadoatingir mundo a autossuficiência a atingir a autossuficiência na captaçãona captação e fornecimento e fornecimento de leite humano. de leite E isso humano. só foiE possível isso só foi graças possível a uma graças política a uma públipolítica pública arrojada ca deste arrojada governo deste que,governo há 3 anos, que, vem há 3recuperando anos, vem recuperando as estruturas as físicas estruturas e físicas e aparelhandoaparelhando os bancos deosleite. bancos Hoje deoleite. DF conta Hoje com o DF 15 conta bancos comde15leite bancos e 3 de postos leite e 3 postos de coleta. Sódeem coleta. 2013 Só foram em 2013 coletados foram17,4 coletados mil litros 17,4demil leite litros humano, de leite suficientes humano, suficientes para alimentar para11alimentar mil bebês. 11Também mil bebês. foi Também decisiva foi a dedicação decisiva ados dedicação milharesdos demilhares serde servidores da Saúde, vidoresalém da Saúde, da integração além dade integração outras áreas de outras em prol áreas desse emserviço, prol desse como serviço, o como o Corpo de Bombeiros Corpo dena Bombeiros coleta dasnadoações. coleta das Mas doações. tudo isso Mas nãotudo seria isso suficiente não seriasesuficiente não se não fosse a consciência fosse a consciência das mulheres dasbrasilienses mulheres brasilienses de que doar de leite, queédoar doarleite, vida. é doar vida. A elas, o nosso A elas, muito o nosso obrigado. muitoO obrigado. prêmio é delas. O prêmio é delas.

Secretaria de Secretaria de Saúde Saúde


SUMÁRIO

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| EDITORIAL

| ARTIGOS

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Agenda

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Obedes Ferreira

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Entrevista

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Daniel Castro

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Eventos e congressos. Russell Shedd, uma conversa com um dos teólogos mais respeitados da atualidade.

Celebrando as diferenças

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Palavra Pastoral

Direito e Cidadania

Estevam Fernandes

Casamento e família

A bênção do convívio com pessoas deficientes.

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Hosana Seiffert

Um povo para adotar

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Amanda Rocha

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Zazo, o nego

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Zazo, o nego

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Junior Sipauba

Conheça um pouco sobre o povo Fula, da Guiné-Bissau.

Vivendo sem pressa

A sabedoria de viver em paz em meio ao turbilhão da vida moderna.

Política Saúde

Contos e Crônicas Dicas de músicas Qualidade de vida

| CAPA por Mércia Maciel / Design Thimóteo Soares Fé e Política Como os cristãos lidam com o tema em ano de eleições

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+Agenda por Thimóteo Soares

CONFERÊNCIA GLOBAL DIA 22 A 26 DE JULHO Em seu terceiro ano, a Conferência Global, organizada pela Comunidade das Nações, reunirá em Brasília grandes nomes do cenário cristão, entre eles: Silas Malafaia, Myles Munroe, Lucinho Barreto, Cláudio Duarte, Carlito Paes, Gidalti Alencar, Tânia Carvalho, pastor Felizberto e o juiz federal William Douglas. Thalles Roberto, Diante do Trono e os cantores Antônio Cirilo, Kleber Lucas, Junior Neguebe, Jesi Monteiro e Dito Rodrigues. Local: Centro de Convenções Ulysses Guimarães/DF Entrada: R$70 Info.: (61) 3346 2121 / contato@conferenciaglobal.com.br

CONVENÇÃO MINISTERIAL DOS VALENTES DIA 25 A 27 DE JULHO - 19H A Comunidade Evangélica Arca da Aliança oferece a Convenção Ministerial dos Valentes, com muita música e palavras transformadoras. A convenção conta com a presença do conferencista Uilitom Alvim, das cantoras Aline Barros, Ludmila Feber, do DJ PV, Ministério de louvor Arca da Aliança e da banda Tempero do Céu, entre outros. Local: Parque Leão - BR 060 Chácara 24, Recanto das Emas/DF Entrada: R$20 Info.: (61) 9265-1616 / (61) 9806-1812 /www.ceaa.com.br

CONFERÊNCIA DE MULHERES ELIM DIA 26 DE JULHO O Ministério Elim de Ceilândia oferece a Conferência de Mulheres Elim, um dia de programação especial com música, pregações e palestras exclusivas. A conferência terá a presença da cantora Carla Meirelles e da Apóstola Dira Rejane Dantas. Local: Área Especial Módulo A Setor N Eqnn 7/9 Conjunto L - Ceilândia/DF Entrada: Gratuita Info.: (61) 3375-6269 / igrejaelimdf@gmail.com

QUINTA AUMENTADA DIA 07 DE AGOSTO - 20H O Quinta Aumentada traz pela primeira vez as Irmãs Tavares. Vencedoras de diversos concursos musicais, elas vêm se destacando no cenário cristão com performances vocais fantásticas. As três irmãs vão mostrar um pouco de seus trabalhos e contar boas histórias. Local: Espaço Nova Vida, QS 05, Lote 03, Lojas 1 e 2, Águas Claras/DF Entrada: Gratuita Info.: 61 3967-6292 / www.facebook.com/quintaumentada

Divulgue o seu evento na Revista +Cristão. Envie um e-mail para: agenda@revistamaiscristao.com; coloque no campo assunto: Divulgação Evento e nos encaminhe todas as informações necessárias para a publicação

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EDITORIAL

por Jairo Cesar

A Revista +Cristão é uma publicação da Millibros Editora CNPJ: 03.640.579/0001-07

Contatos 61 9129-0990 jerrygaspar@revistamaiscristao.com redacao@revistamaiscristao.com

Expediente +Cristão Diretor Executivo Jerry Gaspar Diretor-Editor Jairo Cesar Diretor Comercial David Malafaia Direção de Arte, Design e Diagramação Aeroplano Comunicação Jornalistas Mércia Maciel Carmem Fortes Colaboração - Hosana Seiffert Revisores Eleazar Araújo (Zazo) e Josué Silva Articulistas Amanda Rocha, Daniel Castro, Estevam Fernandes, Hosana Seiffert, Junior Sipaúba, Obedes Ferreira, Zazo, o nego. Fotografia Cristiano Carvalho e Thimóteo Soares Impressão Gráfica Brasil

A Copa acabou e todas as atenções se voltam para as campanhas políticas. Ano de eleições é sempre atípico, pois o clima eleitoral acaba interferindo em todos os setores. Não há como descolar as coisas. A contaminação acaba atingindo a seara das igrejas. Deste envolvimento, surgem exageros e radicalismos. É radical, ou no mínimo a visão é bem limitada, fazer de conta que a política não afeta as organizações religiosas, e, pode se considerar um exagero, incluir, na liturgia dos cultos, espaço para as campanhas dos candidatos apoiados pelo pastor. Como tratar a política no meio cristão sem contaminar o culto a Deus? A Revista Mais Cristão ouviu políticos cristãos e apresenta a opinião dos líderes evangélicos sobre o assunto. Afinal, o cristão e a política é um tema que desperta muitas paixões e dúvidas. Os apaixonados defendem o envolvimento total com o assunto, inclusive resvalando para o perigo de contaminar-se com as corrupções que assolam o meio, buscando benesses da proximidade com o poder político. Mas é preciso levar em conta que sem um pouco de “sal” ou “brilho”, nas palavras de Jesus, como influenciar os diversos ambientes da sociedade? E, como fazê-lo sem participar da “mesa do rei”? Outra proposta da presente edição é levar a vida de forma mais lenta no burburinho da agitação moderna. A reportagem sobre slow life talvez cause desconforto em quem está acostumado a uma agenda muito movimentada. Trataremos, também, da inclusão de pessoas com deficiências. É um tema que mexe com a costumeira forma egoísta de levar a vida. São exemplos reais de como encarar o assunto levando em conta a integração dos especiais na vida social. +

Distribuição / Periodicidade A Revista Mais Cristão é mensal. É distribuida em várias igrejas, livrarias evangélicas e bancas de jornais do Distrito Federal. Tiragem 10.000 exemplares

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Publicidade Jireh Publicidade & Marketing Contato: David Malafaia 61 9188-6948 / 61 9652-2321 e-mail: davidmalafaia@revistamaiscristao.com

Os artigos publicados nas seções “Pastoral”,

http://bit.do/revistamaiscristao07

“Casamento e família”, “Política”, “Direito e Cidadania”, “Saúde”, “Qualidade de vida” e “Contos e Crônicas” são de inteira responsabilidade dos seus autores.

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PASTORAL

por Obedes Ferreira

CORDEIRO

OU DRAGÃO?

Rev. Obedes Ferreira Mestre em teologia pastoral, presidente da Agência Presbiteriana de Missões Transculturais da Igreja Presbiteriana do Brasil e pastor da Igreja Presbiteriana Nacional em Brasília

“Vi ainda outra besta emergir da terra; possuía dois chifres, parecendo cordeiro, mas falava como dragão.” (Ap 13. 11)

U

m olhar rápido para as igrejas e para os crentes da atualidade faz lembrar a maneira como o Espírito Santo exortou a Igreja de Tiatira, relatada em Apocalispe 2.20, quando disse: “Tenho, porém, contra ti o tolerares que essa mulher, Jezabel, que a si mesma se declara profetiza, não somente ensine, mas ainda seduza os meus servos a praticarem a prostituição e a comerem coisas sacrificadas aos ídolos.” Igrejas assim toleram um tipo de evangelho que muito se distancia do que é ensinado na Palavra do Senhor. Como consequência, há de se notar um número crescente de pessoas que se afastam da Casa de Deus pelo fato de estar a pregação perdendo a credibilidade no meio da sociedade. Estatísticas afirmam que os “sem igreja” já correspondem a cerca de vinte por cento da população. Igrejas sem relevância na sociedade e que não têm poder transformador, sem dúvida, têm sido a causa dessas estatísticas crescentes. Como diz Michael Horton, citando Flannery O’Connor, são “igrejas sem Cristo, onde ninguém verte sangue e não há redenção, porque não há pecado nenhum para redimir, e o que está morto, morto fica”. Ou seja, igrejas cuja eclesiologia não contempla mais a disciplina e a santidade como fatores fundamentais. O texto de Apocalipse afirma que a besta tinha aparência de cordeiro, porém a voz era de dragão. Diante disso se faz necessário uma reflexão apurada e sincera sobre a espiritualidade. O Brasil tem hoje um número de evangélicos que chega a vinte e cinco por cento, mas não é possível ver, no dia a dia, uma transformação equivalente a esse número de crentes no Senhor Jesus. A culpa, com certeza, é das igrejas e dos líderes que discipulam os novos convertidos. Apresentam o evangelho do Cordeiro Santo, mas o conteúdo nem sempre é condizente com a Palavra. O que é, então, uma comunidade com aparência de cordeiro e voz de dragão?

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Essa resposta é encontrada quando vemos igrejas que têm aparência de santidade, mas sem estabelecer os alicerces na santidade de Jesus; igrejas dispostas a agradar à sociedade, e não ao Senhor. Nelas, os programas são definidos pelo mundo, a bebida é social, as roupas são ditadas pela sensualidade reinante, os conceitos que vão definir os critérios para o casamento são os “politicamente corretos”, os relacionamentos no namoro e no noivado são determinados pelo estilo liberal deste século, a infidelidade já se tornou comum, os jogos de azar facilitados pelo mundo virtual são tidos como lazer dos crentes, a pornografia virtual é vista como normal e tantas outras atitudes que fazem das igrejas comunidades secularizadas. A voz do dragão tem sido ouvida dentro de belas construções que insistem em ter uma aparência do Cordeiro, vozes que definem uma convivência amigável com o mundo e seus conceitos pecaminosos. Novos conceitos e novos padrões têm sido ensinados em um discipulado sem a Bíblia, condutas baseadas nas regras impostas pelo “politicamente correto”, em que as exigências da santidade são classificadas, pelos próprios pastores, como uma paranoia escravizante e imposta pelas igrejas que insistem em ser bíblicas. O país sofre uma pressão tremenda das minorias anticristãs que só a Igreja de Jesus pode conter, porém só terão forças para resistir ao Diabo aquelas que fizerem opção pela santidade e que estiverem dispostas a se dobrar diante do trono do Cordeiro de Deus, clamando por restauração, santidade e avivamento. O momento eclesiástico exige discernimento dos tempos e um retorno à santidade de Cristo, pois só assim o Brasil vai contemplar a força e o poder de Deus por meio da sua Igreja. Somente assim haverá mudança e restauração na sociedade. É tempo de voltar para o Cordeiro Santo e repreender as ações diabólicas da besta chifruda, que emerge sorrateira! +



ENTREVISTA

RUSSELL SHEDD Uma conversa franca com um dos teólogos mais respeitados da atualidade.

por Jairo Ribeiro e Mércia Maciel

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ascido em 1929, na Bolívia, onde seus pais atuavam como missionários entre os índios, Russel Shedd teve sua formação teológica nos Estados Unidos e Escócia. Depois de um tempo em Portugal, decidiu estabelecer a Edições Vida Nova no Brasil, país onde vive até a presente data. É autor de vários

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livros, tendo concebido a primeira Bíblia de estudos a ser lançada no País, com comentários e anotações. A Bíblia Vida Nova ou Bíblia Shedd ainda é um sucesso editorial e está presente na prateleira de quase todos os estudiosos das Sagradas Escrituras. Professor de Teologia e conferencista requisitado, Shedd foi membro da comissão

de tradutores para o português brasileiro da Bíblia NVI (Nova Versão Internacional). De opiniões conservadoras, não foge das discussões que envolvem os cristãos na atualidade. Defende a autoridade suprema e inspirada da Bíblia como única revelação fidedigna de Deus, pelo que postula que a Bíblia é a Palavra de Deus.


Foto: Divulgação

“A teologia da prosperidade, que atrai tantos evangélicos, não requer um arrependimento profundo. Por essa razão, muitos ‘crentes’ voltam para trás e se tornam nominais ou ‘desigrejados’.”

+ Cristão - Qual é o principal tema teológico do século XXI? Russell Shedd - Acredito que seja a natureza de Deus. Deus tem ou não tem conhecimento do futuro? A teologia de Deus em processo, em que Deus cresce juntamente com os eventos da história que ele acompanha, mas não controla. Deus deter-

mina tudo que acontece ou há eventos que ocorrem fora de seu controle? O inferno é eterno ou temporário? Depois de os ímpios receberem a punição devida pelas suas iniquidades, serão aniquilados? + Cristão - Como o senhor avalia o crescimento dos evangélicos no Brasil?

(Russell Shedd)

Russell Shedd - Me parece que muitos que estão aderindo às igrejas evangélicas não se arrependeram profundamente ou nem pensaram em abandonar seus pecados. A teologia da prosperidade, que atrai tantos evangélicos, não requer um arrependimento profundo. Por essa razão, muitos “crentes” voltam para trás e se tornam nominais ou “desigrejados”. Um livro recente escrito sobre esse tema cita um número de mais de quatro milhões que se identificam como evangélicos, mas não têm um compromisso com a igreja como membros do Corpo de Cristo. +CRISTÃO MAIO / JUNHO 2014

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ENTREVISTA + Cristão - A teologia da prosperidade avança... como o senhor explica essa busca desenfreada pelos bens, sucesso e prazer? Russell Shedd - A teologia da prosperidade não requer um compromisso de vida. É uma maneira de ganhar os benefícios sem a submissão aos mandamentos de Cristo (João 15.10). O “crente” quer os benefícios sem tomar sua cruz diariamente e seguir a Jesus. + Cristão - Qual é a maior crise da igreja na atualidade? Russell Shedd - Acredito que seja saber como avaliar as verdadeiras marcas da conversão, do novo nascimento, que quer dizer a palavra de Jesus: “buscar em primeiro lugar o Reino de Deus e sua justiça e todas essas coisas necessárias à vida serão acrescentadas”. Acredito que a maior crise ocorrerá no dia do juízo, quando os “crentes” descobrirem que nunca nasceram de novo. + Cristão - Em que os cristãos têm avançado em relação à sua fé? Russell Shedd - Algumas igrejas estão lendo e aplicando a Bíblia à sua vida diária na prática. Mas ainda não se chegou a mudar a falta de interesse na última ordem de Jesus para a sua igreja: “Ide e fazei discípulos de todas as nações, ensinando-as a obedecer todas as coisas que eu vos ensinei” (Mt 29.19,20). Os avivamentos do passado normalmente produziram grande interesse em evangelizar o mundo, e não apenas seu bairro. + Cristão - As grandes doutrinas bíblicas estão sendo relativizadas pelas lideranças atuais? 12

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Russell Shedd - Acredito que sim! Mas, graças a Deus, há muitos pastores e professores que estão tomando a sério a Palavra e cumprindo as ordens de Cristo. + Cristão - O senhor percebe que existe um retorno ao Judaísmo em algumas comunidades cristãs? Russell Shedd - Certamente, as práticas que enfatizam guardar o sábado como dia sagrado, celebrar as festas judaicas e outras maneiras de tentar misturar a Antiga Aliança com a Nova Aliança estão seguindo a linha de retorno ao judaísmo. + Cristão - O pastor brasileiro vê hoje seu chamado como uma missão ou profissão? Russell Shedd - Acredito que muitos querem ter a honra de ser reconhecidos como profissionais. O desejo de muitos pastores de ter graus reconhecidos pela Ministério da Educação para exercer outras profissões favorece essa conclusão. + Cristão - Muitas igrejas são lideradas por pastores cujas pregações são superficiais. A falta de conhecimento bíblico e de um compromisso com a Palavra mostram um indesejável nível de conhecimento do crente acerca de Deus? Russell Shedd - Na medida em que os pastores não pregam a Palavra, o que o texto ensina pela exposição cuidadosa, os ouvintes sofrem pela falta de saber o que Deus requer. São pregações que pulam de um texto para outro sem obedecer a uma exposição sistemática de um livro ou trecho mais extenso da


Palavra. O resultado é a superficialidade e muita dependência de opiniões humanas.

que a igreja é um exército que deixa seus feridos para trás. O senhor concorda com esta afirmação?

+ Cristão - Em seus livros “O líder que Deus Usa” e “A Oração e o Preparo de Líderes Cristãos”, o senhor enfatiza a necessidade do caráter e do exemplo que o pastor deve dar a suas ovelhas. Nossos pastores e líderes têm se atentado a isso?

Russell Shedd - A maneira pela qual as igrejas cuidam de seus membros tem muito a ver com o compromisso que esses membros encaram a vida cristã. Como qualquer professor de curso de faculdade, se não houver prova, os alunos relaxam, deixam de estudar e de aprender mais do que o básico. + Cristão - Há um movimento de cristãos sem igreja, daqueles que preferem a vida longe dos templos e do convívio entre irmãos. Como o senhor avalia essa decisão?

Russell Shedd – Parece-me que sim, em alguns casos; mas em muitos outros, não. A seriedade com que o pastor desempenha seu trabalho marca a vida dos membros de sua igreja. Falta muito um discipulado bíblico dos crentes.

Foto: Divulgação

+ Cristão - Muitas igrejas têm deixado suas ovelhas perdidas, no meio do caminho, sem se preocupar em buscar aquele que se perdeu. Cresce o número de cristãos que abandonam a fé. Dizem

“Me parece claro que o cristão que não se compromete com a igreja não deve se considerar cristão. Crente nominal não entende a natureza do ‘Corpo’ de Cristo” (Russell Chedd)

Russell Shedd - Me parece claro que o cristão que não se compromete com a igreja não deve se considerar cristão. Crente nominal não entende a natureza do “Corpo” de Cristo. + Cristão - Estamos em ano de eleições. Em sua opinião, como o cristão deve participar da política/governo? Russell Shedd - Naturalmente, estamos muito interessados que os princípios cristãos não sejam suprimidos. Ninguém quer perseguição por pregar o ensinamento sobre o homossexualismo na prática, sobre aborto, liberação de venda de drogas, igrejas pagando impostos ou dificuldades em enviar dinheiro para missionários fora do Brasil. Importa para aqueles que tomam decisões que nos afetam saber que nós nos importamos com as leis homologadas que se opõem a uma boa moral ou que não permitem o livre exercício da pregação e divulgação do evangelho. + +CRISTÃO MAIO / JUNHO 2014

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DIREITO&CIDADANIA

por Daniel Castro

AS LESÕES ESPORTIVAS E O CÓDIGO PENAL

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m época de Copa do Mundo, observamos, na ótica jurídica, as diversas lesões causadas nas mais variadas situações de disputa. E aí sempre resta uma dupla pergunta: até quando o confronto físico é inerente ao esporte e até quando ele extrapola a barreira da atividade profissional e se torna um delito? Não faz muito tempo os noticiários deram ênfase ao caso do jogador da Seleção Uruguaia que, propositalmente, mordeu o jogador da Seleção Italiana, causando-lhe lesão corporal; em que pese ser de natureza leve, causou verdadeiros questionamentos no mundo futebolístico. Não foi a primeira vez que o fato ocorreu, trata-se de atleta reincidente nessa prática, sendo que, por mais “justificável” que fosse seu ato, custou seu banimento da Copa do Mundo. E mais: a proibição de freqüentar estádios de futebol, por quatro meses, como forma de punição. E aí fica a dúvida: até quando determinadas lesões são consideradas inerentes à profissão e classificadas como aplicável a excludente de ilicitude, o exercício regular de direito? A maior dificuldade no esporte, em especial no futebol, é a separação entre a lesão decorrente do jogo e o excesso doloso, o qual visa muito mais que uma simples entrada ou uma entrada mais veemente. Ao contrário dos lutadores de MMA, esporte em que as agressões físicas têm como propósito gerar lesões – a luta é feita para machucar mesmo – no futebol, não. Uma entrada acintosa, uma cotovelada e, principalmente, uma mordida podem ser interpretadas como excesso e devem ser coibidas. Mas, sob a ótica penal, devem ser interpretadas como crime? Toda a questão está no elemento subjetivo do agente. Vejamos, no caso do jogador uruguaio, se ele quis propositalmente morder o adversário, não há que se falar em excludente. Como sabemos, a excludente de ilicitude exige o elemento subjetivo e, nesse passo, exercício regular não pode englobar o abuso de direito, sob pena de excesso. Com esse entendimento, se existe intenção de lesionar, haverá crime. A dificuldade que divide especialistas, tanto do direito penal como do direito desportivo, é classificar a intenção do jogador em praticar o ato. E assim, somente em casos de extremo flagrante é que visualizamos o excesso.

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Daniel Castro é pastor, advogado e pedagogo.

O caso do jogador do Uruguai é um exemplo claro desse excesso, até porque a agressão ocorreu com a boca, e não numa ação de jogada em que um carrinho ou uma entrada mais forte passariam despercebidos frente a uma tipificação penal, pois são plenamente aceitáveis no ambiente futebolístico. A punição aplicada, ainda que na esfera desportiva, não desnatura a agressão praticada pelo jogador, podendo facilmente ser classificada como lesão corporal de natureza leve. Agredir alguém ou causar alguma lesão corporal, mesmo que seja uma mordida, como fez o atleta sul-americano, porém fora das quatro linhas, certamente seria ação denunciada como crime de lesão corporal (art. 129 do Código Penal) e renderia ao infrator uma pena de três meses a um ano de prisão. O que o uruguaio fez é considerado um crime de menor potencial ofensivo, por se tratar de um fato típico; e mais: a ação perpetrada nada tem a ver com as situações de um jogo de futebol. Mas não haverá qualquer punição na esfera penal, tendo em vista que a legislação esportiva não comporta tal situação como crime, e as punições ficam restritas às multas e punições daquela norma. Assim, dizer que a penalidade aplicada de quatro meses de suspensão foi excessiva é bobagem. No final das contas, o preço pela mordida uruguaia saiu barato demais frente às implicações penais que ele poderia sofrer. Por fim, vale lembrar as lições do mestre Capez, ao mencionar o caso de um jogador punido criminalmente por uma agressão dentro do gramado. A situação é citada no “Curso de Direito Penal – Parte Especial – Volume 2, páginas 147-148: “Em 1989, um jogador do Grêmio Porto Alegrense, em uma partida válida pela Copa do Brasil, desferiu um pontapé no rosto do centroavante do Palmeiras, o qual já estava caído, com a partida momentaneamente interrompida. Tal fato nada teve a ver com o esporte, sendo o caso tipificado como lesões corporais (o jogador acabou condenado criminalmente)”. A sorte do jogador uruguaio é que a bola ainda estava rolando! +


CASAMENTO&FAMÍLIA

por Estevam Fernandes

Estevam Fernandes é Pastor da Primeira Igreja Batista de João Pessoa. Pscicólogo clínico, escritor, conferencista motivacional. Casado com Dra. Aurelineide, e pai de Thayse e André.

A ALMA FERIDA

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ara muitas pessoas o passado é uma grande ferida. Anelam pela liberdade, mas não conseguem se libertar das garras da sua história sofrida. Uma das piores formas de escravidão é viver sob o jugo de um passado marcado por lembranças traumáticas. É como tocar um corpo cheio de feridas abertas. Qualquer toque é uma experiência de dor. Qualquer lembrança é uma lágrima revivida. Dentre as muitas feridas que fazem a alma sofrer profundamente, três são muito resistentes: a dor da rejeição, da traição e da mentira. Quando não superadas, elas evoluem, rapidamente, de feridas emocionais a tumores na alma, com alto poder de metástase, afetando áreas vitais da existência, como a liberdade, a felicidade e os sonhos. A rejeição é uma ferida que precisa ser sarada. Ela produz insegurança, medo, frustração e inferioridade. Não há como mensurar a dor de uma pessoa que se sente rejeitada, sobretudo por alguém que ela julgava especial. É como sentir-se um nada. Essa horrível dor tem machucado os corações de muitos filhos, diante da separação dos pais; de muitos pais, na solidão da velhice; de muitas mulheres, ao verem o marido abandonar o lar nos braços de outra. A dor da traição é terrível. Ela é silenciosa e insuportável. Ela afeta a autoestima, produz revolta e desejo de vingança. Geralmente, a resposta à traição é outra traição, que é uma forma disfarçada de autoagressão.

Quando uma pessoa age assim, fere a si mesma e aumenta a sua própria dor. Um abismo chama sempre outro abismo (Salmos 42:7). Toda pessoa traída se enche de culpa e revolta. Acaba expondo a sua existência a uma grande enfermidade emocional: a amargura. Pessoas amarguradas perdem a visão de novos horizontes, por viverem presas a um passado sombrio. A superação da traição envolve o perdão e o amor próprio. Perdoando, somos libertos; nos amando, podemos amar outra vez e sonhar com novos dias. A mentira produz também os seus males, que são muitos. A dor de sentir-se enganado é tão dolorosa quanto mais perto do coração estiver quem enganou. Por exemplo: a mentira que provém do pai, da mãe, dos irmãos, do cônjuge, da pessoa amada, dói sempre muito mais. Quanto mais significativa for a aproximação de quem nos enganou, tanto maior será o golpe que se abre no coração. A dor do engano produz desconfiança, insegurança, revolta e isolamento. É como se uma porta, em nós, se fechasse para a vida. Como então tratar as feridas da alma? O remédio está na combinação de três fatores que interagem terapeuticamente: a força do tempo, a experiência do perdão e a graça divina. O tempo ameniza a nossa dor, o perdão nos liberta do passado sombrio e a graça divina nos fortalece e nos faz sonhar outra vez. Felicidade e liberdade são irmãs gêmeas, e ambas refletem a presença de Deus em nós. Ele é o médico da alma. +

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SURFISTAS CAPA

FÉ E POLÍTICA COMO OS CRISTÃOS LIDAM COM O TEMA EM ANO DE ELEIÇÕES

“Quando os justos governam, alegra-se o povo; mas quando o ímpio domina, o povo geme.” (Provérbios 29.2)

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Design: Thimóteo Soares

por Mércia Maciel

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u e o meu título de eleitor serviremos ao Senhor”. Mais do que um trocadilho, uma realidade. Há algum tempo, a igreja evangélica debatia a conveniência de o cristão participar da política. Mas hoje essa é uma demanda incontestável. Basta olhar as movimentações do xadrez eleitoral nos últimos pleitos. Candidatos à Presidência da República e a cargos do Executivo flertaram com o povo de Deus, de olho na expressiva seara de votos, não muito diferente do que já se começa a desenhar, a três meses das eleições gerais. Com o pleito às portas, líderes evangélicos tomam posição quanto aos candidatos que vão apoiar. Para isso, eles apresentam a agenda de pontos inegociáveis, alicerçada em valores cristãos.

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Foto: Arquivo Marcha para Jesus /SP

SURFISTAS CAPA

Segundo o IBGE, já são mais de 42 milhões de evangélicos espalhados pelo país.

Segundo o IBGE, os evangélicos respondem por 22% da população brasileira. Trocando em miúdos, são mais de 42 milhões de fiéis espalhados pelos quatro cantos do país, a maioria pronta para votar. Os cristãos, entretanto, não querem apenas ser cortejados, querem ser protagonistas da política. Prova disso é o número de partidos que usam o nome de “cristão” em suas siglas: Partido Social Cristão (PSC), Partido Trabalhista Cristão (PTC) e Partido Social Democrata Cristão (PSDC), sem somar outras três siglas que apresentaram pedido de reconhecimento ou ainda estão em busca de apoiadores necessários para atender às exigências da justiça eleitoral. Outra constatação também está nos números. A Frente Parlamentar Evangélica da Câmara dos Deputados, criada em 2003, projeta para as próximas eleições, crescimento de 30% de sua bancada. Assim, contabilizados os votos, a expectativa é de que, em 2015, deputados ligados a denominações protestantes ocupem cerca de cem cadeiras, do total de 513. Segundo o presidente do colegiado, deputado Paulo Freire (PR-SP), a legislatura atual tem de

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monstrado a força da bancada cristã. “Já chegamos a ouvir de autoridades pedidos de reuniões conosco, com a justificativa de que os evangélicos são o equilíbrio desta casa de leis”, afirma Freire. O parlamentar lembra que, em 2011, a Frente conseguiu obstruir, por dois dias, as votações da Câmara, até que o Ministério da Educação suspendesse a distribuição do polêmico kit

“Temos que matar um leão por semana, pois há projetos que são contrários aos princípios bíblicos e, se não estivermos atentos, o país irá sofrer amanhã.” (Paulo Freire)

gay – material produzido pelo MEC para ser distribuído em escolas públicas. “Temos que matar um leão por semana, pois há projetos que são contrários aos princípios bíblicos e, se não estivermos atentos, o país irá sofrer amanhã”, defende. Mais do que uma bancada numerosa, a estratégia do colegiado é ter parlamentares comprometidos e sintonizados com a pauta cristã. Isso porque a próxima legislatura deverá ser mais um teste de mobilização política. Desde o ano passado, por exemplo, as bancadas evangélicas nas duas Casas do Congresso Nacional se articulam para barrar mudanças no Código Penal, que está em análise no Senado e, se aprovado, seguirá para apreciação dos deputados. A Frente Parlamentar Evangélica conseguiu a primeira vitória. O relator do projeto, que é resultado do trabalho do grupo de juristas para atualizar o Código, que é de 1940, acatou os argumentos dos parlamentares cristãos e retirou do texto a possibilidade de aborto nas doze primeiras semanas, em razão da incapacidade psicológica da gestante de arcar com a gravidez. O senador Pedro Taques (PDT-MT) considerou


Foto: Arquivo pessoal

Ronaldo Fonseca, deputado federal e pastor presidente da Assembleia de Deus de Taguatinga - Adet.

gênero, no Plano Nacional de Educação, e a decisão do Supremo Tribunal Federal de reconhecer a união estável para casais do mesmo sexo. Defendemos os ideais cristãos, que se caracterizam pela defesa da família brasileira. Essa é uma pauta necessária e, por isso, não tem como um cristão ir às urnas sem que tenha conhecimento dessa agenda”, observa o deputado Ronaldo Fonseca, que é Pastor Presidente da ADET - Assembleia de Deus de Taguatinga-DF.

Foto: Divulgação

a proposta uma afronta ao direto constitucional à vida. Na avaliação dos parlamentares evangélicos, é necessário manter a vigilância, uma vez que a proposição ainda não foi aprovada em Plenário e, portanto, poderá ser modificada. Outra vitória da Frente, no final do ano passado, foi evitar que fosse adiante a tramitação do polêmico Projeto de Lei nº 122/2006, que criminaliza a discriminação ou preconceito pela orientação sexual e identidade de gênero, ao anexá-lo à reforma do Código Penal. O temor dos parlamentares evangélicos é de que, na prática, a proposta, que já foi aprovada pela Câmara e tramita há sete anos no Senado, proíba as igrejas e os cidadãos em geral de se manifestarem publicamente contra a homossexualidade. A missão agora é retirar a criminalização da assim chamada homofobia do novo Código. Segundo o deputado Ronaldo Fonseca (PROS-DF), nos últimos três anos, os embates dos parlamentares em pautas que ferem os princípios bíblicos demonstraram a importância de o Legislativo ter uma composição sintonizada com a agenda cristã. “Enfrentamos questões difíceis, como a ideologia de

Cientista político e professor da Universidade de Brasília, João Peixoto.

Na avaliação do pastor assembleiano, graças a essa firme atuação, o número de parlamentares comprometidos com o reino de Deus deverá aumentar nas próximas eleições. Fonseca defende o engajamento político do povo evangélico, por acreditar que o Parlamento é o reflexo da população de um país. Assim, criou o Conselho Político Nacional da CGADB – Conselho Geral das Assembleias de Deus no Brasil. “Somos seres políticos, e não somente espirituais. Se, antes, política era ‘coisa do Diabo’, hoje, nosso povo está mais consciente, em grande parte, graças a esses embates. Nestas eleições, precisamos demarcar terreno e mostrar a importância de termos políticos comprometidos com nossa causa. Essa é uma agenda nacional, e o eleitor vai cobrar um posicionamento claro de seus representantes”, ressalta o parlamentar, que é relator do projeto que cria o Estatuto da Família e define como núcleo familiar, exclusivamente, o que resulta da união entre um homem e uma mulher, por meio de casamento ou união estável.

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SURFISTAS CAPA Segundo João Peixoto, cientista político e professor da Universidade de Brasília, é inegável o crescimento da bancada evangélica. Na sua avaliação, a representação de setores da sociedade no Legislativo é natural e saudável, como ocorre em todos os parlamentos do mundo, como Suíça, Inglaterra e Holanda. A mulher mais poderosa da Europa, a primeira-ministra alemã, Angela Merkel, por exemplo, é filiada à tradicional União Democrata-Cristã de seu país. “Desde que eles estejam ali para não sobrepujar o interesse da maioria. Todos têm o direito de manifestar-se e ter um Congresso com bandeiras diversas da sociedade; isso é salutar para o processo legislativo”, avalia Peixoto. Ainda na percepção do cientista político, uma das causas do crescimento da bancada evangélica é a exposição que o colegiado tem tido na mídia. No ano passado, em meio às polêmicas com o presidente da Comissão de Direitos Humanos, Marcos Feliciano (PSC-SP), os holofotes políticos deram visibilidade aos parlamentares evangélicos e, em particular, ao Partido Social Cristão (PSC). Ousada, a legenda lançou o pastor Everaldo Pereira à Presidência da República. Ministro auxiliar da Assembleia de Deus, Ministério Madureira, ele se define como um político liberal-conservador. Vale lembrar que a denominação Assembleia de Deus reúne mais de 12,3 milhões de fiéis, ou seja, pouco mais de 29% do total de evangélicos no país. Além de pregar o Estado mínimo, a privatização e o enxugamento da máquina pública, o presidenciável defende mais responsabilidade em investimentos dos serviços públicos. “Quando falo em iniciativa privada é que há muita coisa que o Estado quer fazer, mas não deve. O governo tem atuado de forma intervencionista; tornou-se sócio de

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dezenas de empresas e se mete onde não deve. O foco deve ser em educação, saúde, segurança”, postula. Quando os princípios cristãos entram em cena, o Pastor Everaldo não pensa duas vezes. “Nossa sociedade é plural, mas não abro mão de nossos princípios. Defendo a vida desde a sua concepção, o casamento como está na Constituição, a família, a honestidade e o respeito aos cidadãos”, completa. Everaldo diz ser pastor por vocação, não por profissão, e afirma ainda que não se considera representante exclusivo dos eleitores evangélicos. O vice-presidente do PSC cita a Bíblia para reforçar o posicionamento: “A primeira pessoa que separou a religião do Estado foi Jesus, quando Ele disse: ‘Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus’. O Estado é laico. Vou focar no cidadão, que hoje está preso dentro de casa, enquanto o bandido anda solto na rua. O cidadão é negro, branco, rico, pobre, evangélico, ateu. Não posso distinguir ninguém pela fé, cor ou condição social. Naquela multiplicação dos pães e peixes, todos foram alimentados. No meio daquela multidão, havia seguidores e inimigos de Cristo, prostitutas, ricos e pobres”, reafirma. Em ano eleitoral, o poder de fogo dos parlamentares evangélicos não pode ser desprezado. Vice-presidente da legenda, Pastor Everaldo Pereira aparece com 3% da preferência do eleitorado, segundo a última pesquisa do Data Folha. Mas engana-se quem pensa que a agenda do político evangélico é samba de uma nota só. Segundo a deputada Benedita da Silva (PT/RJ), nela cabem, além dos inegociáveis princípios bíblicos – uma extensa pauta social. A parlamentar cita várias passagens bíblicas para reforçar essa responsabilidade. “Recebemos de Deus a orientação de cuidar dos encarcerados, dos que estão enfermos, das viúvas e dos que sofrem. Algumas pessoas pen-

sam que os evangélicos só cuidam de falar contrariamente ao homossexualismo, aborto, drogas. Não é só isso. Temos uma orientação cristã e uma preocupação que é geral com o povo brasileiro, e não apenas com o povo cristão”, esclarece. Mas quando o assunto diz respeito aos princípios bíblicos, a deputada petista é enfática: “Meu partido tem um núcleo evangélico e somos respeitados quanto a nossos princípios e deles não abrimos mão. Temos razões de sobra para falar de Deus e do quanto devemos avançar para que as pessoas tenham, na terra, direito a uma vida digna, enquanto esperamos a eternidade com Ele”, afirma emocionada. Para a servidora pública Juliana Pompílio, da Igreja Batista Betel, no Guará, em meio à política, os valores do reino de Deus devem ser observados, ainda que, a cada eleição, a agenda traga assuntos atuais. “Jesus fala da lei do amor, que é maior que qualquer outra lei. Fala também da compaixão, do perdão e da transformação de cada indivíduo. Essa deve ser a agenda do cristão, e sob esse olhar devemos tratar todos os assuntos”, observa.

“Defendo a vida desde a sua concepção, o casamento como está na Constituição, a família, a honestidade e o respeito aos cidadãos.” (Pastor Everaldo)


Foto: Getty images

em João Pessoa, Silas Yudi, também defende o crente sintonizado com a política. Para o autor do blog de estudos bíblicos Eu Vivo a Bíblia, o cristão é cidadão do céu, mas também tem cidadania terrena e, portanto, direitos e deveres a serem vivenciados aqui. “Não podemos ser alheios aos acontecimentos da terra, sobretudo na política, pois é aqui que ainda

Foto: Divulgação

Enquanto as eleições se aproximam, a temperatura política nas igrejas aumenta consideravelmente, e a febre eufórica, em muitas denominações, mostra o envolvimento dos evangélicos. Segundo Júlio Zabatiero, pastor presbiteriano e doutor em teologia, em todas as Escrituras Sagradas é possível visualizar a participação dos membros do povo de Deus na vida política. De acordo com ele, esse envolvimento ocorre de diferentes maneiras, conforme a organização política de cada época. Para o professor da Faculdade Unidade de Vitória (ES), nas sociedades democráticas atuais, o envolvimento político de cada cidadão é um imperativo, uma demanda da justiça. “Nesse sentido, o ensinamento bíblico a respeito da submissão às autoridades, da crítica ao pecado, da prática da justiça social, bem como o mandamento do amor ao próximo são critérios para a atuação política dos cristãos”, afirma o autor do livro “Uma História Cultural de Israel”. O líder da Rede de Jovens #Radicalize, da Igreja Batista do Caminho,

Júlio Zabatiero, pastor presbiteriano e doutor em teologia.

vivemos. Senão, pode vir a acontecer o que houve após a morte de José: levantou-se um Faraó que não conhecia a José e nem seu benefício à terra do Egito, como também não temia a Deus. Os filhos de Israel ficaram totalmente passivos quanto a isso, apesar de terem enorme poder populacional. Logo, acabaram sendo escravizados e tendo todos os seus filhos homens sendo mortos”, alerta. Mas, enquanto o caldeirão político ainda não começou a ferver, um fenômeno que não é novo tende a tomar conta de muitas denominações: “o voto de cabresto ou – por que não dizer? – o ‘voto do cajado’”. Foi assim que a Rede Fale, uma organização que mobiliza cristãos em favor da justiça, batizou uma campanha na internet, lançada nas eleições passadas, contra o voto promovido por influências indevidas de pastores e líderes religiosos. Um vídeo que imita a propaganda política na TV lembra que a principal motivação do movimento foi o envolvimento de pastores do Rio de Janeiro com milícias no período eleitoral.

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Foto: Joel Rodrigues

CAPA SURFISTAS

Chico Araújo, jornalista e teólogo.

Para o jornalista e teólogo Chico Araújo, da Igreja Assembleia de Deus no Sudoeste, esse abuso de autoridade é inconcebível. Segundo ele, o voto é um exercício livre do cidadão. “Não é uma bolsa qualquer ou orientação desta ou daquela liderança que deverá influenciar o voto de alguém. E é bom frisar: a interferência para influenciar o voto em favor de beltrano ou cicrano é crime previsto na lei eleitoral. O que um pastor ou líder da igreja podem fazer é orientar os membros de sua comunidade eclesiástica a seguirem os princípios bíblicos na hora de votar. E quais são os princípios? Não roubar, não ser corrupto ou desonesto”, ensina. Ainda segundo Araújo, uma forma de conhecer o candidato é fazer uma pesquisa de sua vida pregressa. “Nesse aspecto, a

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Foto: Pixmac

Lei da Ficha Limpa deu uma contribuição extraordinária. A Igreja pode contribuir ainda mais para garantir eleições limpas, orientando seus membros”, complementa Araújo. O deputado e pastor Ronaldo Fonseca também é contrário ao uso do púlpito como palanque. Segundo ele, quem se reúne com a igreja tem o único propósito de cultuar a Deus, e não ouvir sobre política. Na sua avaliação, um pastor pode, como formador de opinião, e num momento propício, convocado para esse fim, orientar o fiel a exercer sua cidadania, mas sem influenciá-lo quanto a votar nesse ou naquele candidato. “Isso é um equívoco. O culto é para Deus. Admito, apenas, que façamos orações intercessórias por quem esteja pleiteando um cargo, pois nosso dever é orar uns pelos outros. O lamentável acontece quando os membros são vendidos em acordos políticos feitos por lideranças que não têm compromisso com Deus”, enfatiza. Mas e quanto à política partidária? Segundo Júlio Zabatiero, na Bíblia não se discute a participação em política partidária, simplesmente porque não havia partidos políticos durante o tempo em que ela foi escrita. “No período do Novo Testamento, por exemplo, a participação política efetiva era restrita, pois o Império Romano dominava com mão de ferro os povos conquistados, e somente as elites desses povos tinham meios de participar da vida política institucional”, explica. Zabatiero, no entanto, destaca que o crente deve ter inteligência política. Ele cita que, nas eleições passadas, líderes evangélicos se alegraram porque uma candidata a cargo majoritário se comprometeu em fazer o que era de sua obrigação, caso fosse eleita. “Evangélicos, em geral, alegraram-se porque conseguiram de-

“Quando um justo governa, não somente os cristãos, mas todo o povo se alegra. “Quando há um ímpio no poder, todo o povo geme.” (Júlio Zabatiero)

fender sua posição moral e sua visão partidária. Falta ao crente – e não só ao crente, mas ao cidadão brasileiro – a percepção de que fazemos política visando ao bem comum, à justiça social, ao desenvolvimento do país, e não à realização de nossos interesses privados”, salienta. Já para Silas Yudi, independentemente do regime do país, os princípios que devemos seguir são sempre os da Palavra de Deus. “Caso alguém seja filiado a algum partido que siga princípios contrários à Palavra, tem a total liberdade de se desfiliar e procurar um que siga princípios bíblicos. Se temos as cidadanias celestial e terrena e se elas virem a se contrapor, temos que priorizar a primeira”, adverte. Ainda segundo Yudi, quando um justo governa, não somente os cristãos, mas todo o povo se alegra. “Quando há um ímpio no poder, todo o povo geme”, constata, citando o Livro de Provérbios. +

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POLÍTICA

por Hosana Seiffert

Hosana Seiffert é Jornalista, editora executiva do Jornal do SBT Brasília, professora de Telejornalismo, especialista em Educação a Distância, mestranda em Missiologia pelo CEAM – Centro de Estudos Avançados de Missões.

TIRAI-OS DAS MÃOS DOS ÍMPIOS

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ocê gosta de números? Eu sou louca por eles, apesar de no colégio nunca ter me entendido muito bem com a matemática. Mas hoje, eles fazem todo o sentido, ainda mais quando aliados a uma boa análise estatística. Então, vamos a alguns números da política no Distrito Federal: população – cerca de 2,8 milhões de pessoas (2.789.761); eleitores: quase dois milhões (1.997.623). Vagas para o Senado: uma; para a Câmara Federal: 8; e para a Legislativa: 24. E é basicamente em torno desses números, somados aos da corrida presidencial, que a nossa vida deve girar nos próximos meses. Com o término da Copa, outro assunto entra imediatamente na pauta da vez. O mês de junho foi marcado pelas últimas convenções partidárias para escolha dos candidatos. Agnelo Queiroz, do PT, e o vice Tadeu Fillipelli vão concorrer à reeleição com o apoio de uma coligação de quinze partidos. Já os ex-governadores José Roberto Arruda e Joaquim Roriz refizeram a aliança depois de vários anos de rusgas. A despeito de todos os processos que a responde, Arruda acredita que pode voltar ao GDF como candidato pelo PR. O Governo do Distrito Federal atrai outras pessoas que se dizem aptas à administração de um orçamento aprovado em 35 bilhões de reais em 2014. Rodrigo Rollemberg, do PSB; Toninho do PSOL; Luiz Pitiman, do PSDB, são os possíveis candidatos ao Buriti. A deputada distrital Eliana Pedrosa, do PPS, pensou nessa possibilidade, mas foi convidada por Arruda para ser vice. O partido não concordou, e esse é um assunto que ainda vai render várias rodadas de negociação.

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Seja qual for sua alternativa ao GDF, é preciso lembrar um versículo chave nesse momento de disputa eleitoral: “o governante sem discernimento aumenta as opressões, mas os que odeiam o ganho desonesto prolongarão o seu governo” (Provérbios 28:16). Como a sabedoria de Salomão é atual! Com o fim da Copa, em um ano de votações majoritárias e proporcionais, resta à Igreja se voltar ao seu papel profético, lembrando que à medida que, ela se aproxima do poder ou se mistura a processos políticos, distancia-se da capacidade de isenção e luta pela justiça. É preciso rever a realidade atual da pregação de um evangelho frágil e adocicado, sem conteúdo cristocêntrico, dissociado de compromisso ético. “Até quando defendereis os injustos, e tomais partido ao lado dos ímpios? Defendei a causa do fraco e do órfão; protegei os direitos do pobre e do oprimido. Livrai o fraco e o necessitado; tirai-os das mãos dos ímpios”. Salmos 82:2-5ª Eu estremeço só em pensar que a chance de livrar o nosso povo das mãos dos ímpios está em nossas mãos! Você já pensou nisso? O nosso voto não é mais um número nessa corrida. Gosto de imaginar a minha escolha de candidatos como aquele último e suado gol, na cobrança das penalidades máximas, depois da prorrogação do jogo, quando todo mundo já está meio cansado de correr e de assistir ao jogo. Aquele gol que vai fazer a diferença entre a vitória ou a derrota de um país. Aquele voto que vai levar ao poder quem realmente represente os anseios e necessidades do nosso povo. +


SAÚDE

por Amanda Rocha

BEM-ESTAR ACIMA

Amanda Rocha é nutricionista, graduada pela Universidade Paulista, pós-graduada em Nutrição Esportiva e Nutrição Clínica pela Estácio de Sá.

DE QUALQUER DIETA

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om certeza você já ouviu falar ou até mesmo tentou seguir alguma dieta da moda. Dieta do chá, dieta da lua, dieta da sopa, do tipo sanguíneo, do chocolate; são inúmeros os exemplos. Todas elas têm algo em comum: a promessa da perda de peso com um mínimo esforço e em pouco tempo. Com grande número de adeptos, a fama se espalha rapidamente, afinal, mais pessoas fazem de tudo para atingir o corpo perfeito e estar no padrão formado pela mídia. Essas dietas proporcionam, de fato, um emagrecimento rápido, devido ao baixo consumo de calorias, porém isso as torna muito perigosas, pois restringem severamente a ingestão de nutrientes essenciais, comprometendo o bom funcionamento do organismo e a manutenção do peso. O resultado são: irritação, fraqueza, perda de água, indisposição, perda de massa magra e desnutrição, além do conhecido efeito sanfona (a pessoa emagrece e engorda várias vezes). É difícil conhecer alguém que siga esse tipo de dieta sem enjoar das mesmas coisas todos os dias, por exemplo, viver à base de sopa ou alimentar-se com ração humana em todas as refeições. São vários os aspectos negativos de uma alimentação pobre e agressiva, principalmente, porque muitas pessoas não estão preparadas psicologicamente para os efeitos adversos, e até mesmo para o emagrecimento. O que muita gente não sabe é que, para ter o corpo dos sonhos, atingir o peso ideal e melhorar o funcionamento do organismo, não é preciso sofrer, passar fome ou contar calorias. O primeiro passo seria a reeducação alimentar, mas infelizmente a ideia que muitas pessoas têm é de que abrirão mão das refeições prazerosas, ou de que nunca mais vão comer seus alimentos preferidos, o que não é verdade. Fato é que ao longo da vida adquirimos hábitos alimentares nada saudáveis, a exemplo das chamadas junk foods, que traduzindo ao pé da letra, significa “comidas lixo”. O nome já diz tudo, são aquelas comidas

vendidas prontas, congeladas ou não, ricas em sódio e gorduras, que são facilmente encontradas em lanchonetes e mercados. E é essa praticidade que nos distancia de uma alimentação exemplar e nos deixa, a cada dia, mais obsoletos nutricionalmente. Mudanças requerem esforço e foco, e com a alimentação não é diferente. Precisamos entender que o bem-estar é o mais importante, e o emagrecer vai além do ponteiro da balança. Perder peso é consequência de escolhas acertadas, ou seja, uma boa alimentação associada a atividades que estimulam o corpo e a mente. Pequenas atitudes melhoram a harmonia do organismo e facilitam o controle de peso. Beber bastante líquido, comer de três em três horas, substituir alimentos feitos com farinhas brancas por integrais, preferir alimentos naturais (quanto menos processados melhor), incluir sementes e grãos in natura, linhaça, gergelim, chia, quinoa, amaranto, etc; evitar – e se possível eliminar – as frituras, diminuir o consumo de sal e açúcar; incluir frutas e verduras variadas no cardápio diário, tudo isso aliado à prática de atividades físicas com a orientação de um educador nessa área. Consulte regularmente seu médico e seu nutricionista, pois é necessário um acompanhamento para adequar sua alimentação a tudo o que seu corpo realmente precisa. Somos obras primas de Deus, peças exclusivas e templos do Espírito Santo. Não há ninguém igual a ninguém, portanto compreenda que suas necessidade alimentares são diferentes das que tem seu amigo, vizinho ou parente. A dieta dele pode até fazer efeito, mas segui-la não é o recomendável. A receita ideal para emagrecer existe; mas, antes de qualquer coisa, precisa de comprometimento, determinação, boas noites de sono e muita força de vontade. Cuide bem de seu corpo, pois o que você faz hoje terá resultados no futuro. O único que pode fazer a diferença na sua vida é você! +

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SURFISTAS DIFERENÇAS

CELEBRANDO AS DIFERENÇAS A bênção do convívio com pessoas com deficiência por CARMEM FORTES

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nascimento de um filho é um dos momentos mais desejados de um casal. A chegada de um bebê normalmente vem cercada de muitas emoções e expectativas. Durante nove meses, os pais sonham – como será seu filho fisicamente, sua personalidade, inteligência...? – e até traçam planos para o futuro do novo integrante da família. Mas às vezes a vida leva a um caminho inesperado. O sonho acaba diferente do idealizado durante toda a gravidez. A criança nasce com alguma deficiência. Como lidar com essa situação? Como os pais reagem diante do diagnóstico de um filho com síndrome de Down, autismo ou qualquer outro tipo de deficiência? Pesquisas realizadas em várias partes do mundo e também no Brasil mostram que a maioria dos pais descobre que o bebê tem síndrome de Down logo após o nascimento. O problema ocorre no momento da concepção de uma criança que, em vez de ter 46 cromossomos em suas células, como a maior parte da população, possui 47, um a mais. Estudos também apontam que os pais reagem de diversas formas à no-

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tícia e passam por várias etapas até superarem o impacto da chegada de um filho com deficiência no núcleo familiar e em um mundo tão complexo e intolerante. Num primeiro momento, é muito comum ouvir de mães e pais expressões do tipo “Como isso foi acontecer comigo?”, “Parece que me tiraram o chão” ou “Meu mundo está desabando!”. Essas frases exprimem uma mistura de sentimentos e emoções que tomam conta de homens e mulheres que não esperavam ter um filho com alguma incapacidade física ou mental. A diplomata Cristiane Aquino Bonomo viveu essa difícil experiência. A brasileira morava em Washington, Estados Unidos, quando ficou grávida do seu primeiro filho, Vito. Apesar de uma intensa rotina de trabalho na Embaixada do Brasil naquela cidade, a gravidez foi tranquila e sem complicações. Christiane conta que, ao longo da gestação, fez dois testes de sangue que acusaram a possibilidade de o filho ter Down. No primeiro, as chances eram de 1 em 57. Mas na segunda vez, a probabilidade baixou muito, passando a ser de 1 em 221, um resultado que lhe trouxe alguma tranquilidade para

curtir o bebê que estava sendo gerado. E o dia tão esperado para Christiane e o esposo, Diego Bonomo, chegou. Eram seis da manhã do dia 2 de junho de 2010, quando o Vito nasceu, lindo e saudável, mas os pais perceberam que ele tinha os olhos puxadinhos, um sinal que os levou a desconfiarem de que o filho tinha nascido com Down. “O nascimento do Vito foi muito emocionante. Diego e eu optamos por fazer o parto normal, fora do hospital, com apoio de parteiras. Meu marido participou intensamente de tudo, me deu apoio tanto físico, como emocional. A minha mãe também estava lá e me assistiu de maneira muito carinhosa. Foi tudo muito especial. A constatação de que o nosso filho tinha síndrome de Down foi muito difícil. Eu não estava preparada”, relata Christiane. Passado o primeiro impacto da descoberta, o casal Bunomo reuniu forças para enfrentar um mundo desconhecido que foi sendo desvendado à medida que eles se informavam e aprendiam mais sobre o assunto. A diplomata explica que, como o seu filho nasceu nos Estados Unidos, ele contou com uma assistência domiciliar gratuita de uma


cada setecentas crianças no mundo nasce com o problema, independentemente de cor da pele, religião e status socioeconômico dos pais. A síndrome de Down, ou trissomia do cromossomo 21, é uma alteração genética em que o comportamento dos pais nada tem a ver com o problema, como algumas pessoas imaginam de forma equivocada. No Brasil, existem 270 mil pessoas com síndrome de Down. Elas têm características diferentes dos demais indivíduos: olhos puxados, marca na mão, separação grande entre os dedos do pé, orelhas pequenas e hipotonia, isto é, diminuição do tônus, da força muscular, o que leva a uma lentidão no desenvolvimento motor da criança. Para se comunicar, precisam de uma linguagem simples. Apesar das diferenças, são pessoas com possibilidades de fazer tudo. Nos Estados Unidos, por exemplo, o pai e a mãe de uma criança com Down aprendem, desde cedo, a descobrir o potencial do filho e que ele poderá atingir um bom desenvolvimento pessoal de suas habilidades,

o que lhe permitirá ter uma vida autônoma, conquistar espaços, respeito e direitos dentro da sociedade. “Ao contrário do que muita gente pensa, a pessoa com síndrome de Down não é coitadinho. Ele é capaz de amar, sentir, aprender, trabalhar e se casar. Hoje, nós já temos vários exemplos de homens e mulheres com Down que alcançaram conquistas importantes como morar sozinhos, por exemplo. Eles só precisam de incentivo e de oportunidades”, acrescenta Christiane Aquino.

Foto: Shutterstock

equipe formada por psicólogo, coordenador de desenvolvimento, fisioterapeuta, fonoaudiólogo e terapeuta ocupacional. Os profissionais iam até a casa do casal, duas a três vezes por semana, para cuidar do desenvolvimento físico e emocional do Vito e também para orientá-los sobre a rotina e a saúde de um bebê com Down. Para Christiane, o apoio profissional oferecido pelo Estado norte-americano aliado ao convívio com outras famílias que passavam por situação semelhante e o acesso a informações atualizadas e corretas, tudo isso foi fundamental para ajudá-la a superar as adversidades e a descobrir que o seu filho poderia ser uma criança feliz, desenvolver suas habilidades e usá-las para viver bem em sociedade. “Desde o nascimento do Vito, nós recebemos um apoio técnico e emocional fantástico, que começou já no diagnóstico. Ele foi dado de forma sensata, precisa e positiva. Em casa, tivemos a ajuda de profissionais qualificados que, desde os primeiros dias, cuidaram do desenvolvimento físico e mental do nosso filho. Isso nos ajudou a superar o medo e as dificuldades e, o principal, nos ensinou a conhecer mais o nosso filho e a amá-lo do jeitinho que ele é. O Vito é uma benção em nossas vidas”, testemunha a mãe, emocionada. FALTA DE INFORMAÇÃO Uma das maiores dificuldades vividas pelos pais e familiares de pessoas com síndrome de Down é a desinformação. Em pleno século 21, ainda há muitos tabus e mitos que têm contribuído para que haja preconceito e discriminação em torno do tema. A síndrome de Down não é uma doença. Ela sempre existiu e foi identificada pela primeira vez em 1886, pelo médico britânico John Langdon Down. Essa síndrome é mais comum do que muita gente pensa. Uma em

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têm filhos com Down, como a diplomata Christiane Aquino, deram o pontapé inicial para a formação dessa rede virtual que não para de crescer e já alcançou cerca de 2,5 milhões de pessoas. Uma delas é a jornalista Melina Sales, mãe da Zilah. Ela conta que o marido, Gabriel Reis, foi o primeiro a tomar conhecimento de que a filha havia nascido com Down. Segundo Melina, a notícia foi transmitida pelo pediatra com muita frieza, o que aumentou ainda mais o sofrimento do pai, que perdeu o chão ao saber que a pequena Zilah nascera com uma deficiência. Como a jornalista atravessara um trabalho de parto muito longo, só soube do diagnóstico no dia seguinte ao do nascimento. A princípio, ela levou um susto, a cabeça ficou tomada de preocupações e incertezas em relação ao futuro que a filha teria em um mundo tão despreparado para lidar com as diferenças. Mas, aos poucos, os medos foram dando lugar a uma alegria e a um grande amor. Melina lembra que no primeiro ano mergulhou no universo novo da síndrome de Down, em busca de informações sobre o desenvolvimento de uma criança com essa particularidade e como prepará-la para ter uma vida independente, como a de qualquer outra

pessoa. “Os pais de meninos e meninas com Down têm trabalho redobrado, mas não podem descuidar nem desistir nunca do desenvolvimento dos seus filhos. Eles precisam, desde pequenininhos, ser estimulados, tanto física como intelectualmente. Se fizermos isso, serão capazes de realizar praticamente tudo que uma pessoa típica faz, só que num tempo diferenciado”, argumenta a mãe, que não esconde a emoção ao falar da filha. Melina afirma que o nascimento de Zilah uniu o casal, que abraçou a causa da síndrome de Down e passou a lutar de forma determinada por uma sociedade mais inclusiva. Recentemente, a jornalista ajudou o Movimento Down na elaboração de um pequeno guia para a imprensa. O folheto “Dez Coisas que Todo o Mundo Precisa Saber sobre a Síndrome de Down”, dedicado a jornalistas e profissionais dos meios de comunicação, traz informações para uma abordagem apropriada sobre a questão. Melina relata que a vinda da Zilah foi uma benção de Deus, que sempre esteve ao seu lado em outras situações difíceis. “De uma maneira sublime e maravilhosa, Deus tem me ensinado a valorizá-la e amá-la cada vez mais. A minha filha ilumina a nossa vida”, conclui a jornalista.

Jornalista Melina Sales, seu esposo Gabriel Reis e sua filha Zilah

Foto: Arquivo pessoal

De volta ao Brasil, a diplomata trouxe na bagagem, além de uma lição de vida, um grande aprendizado que queria compartilhar com outras famílias e com os profissionais de saúde. A ideia foi colocada em prática pelo Movimento Down, idealizado em 2012 com a missão de suprir a carência de informações acessíveis e atualizadas sobre o assunto em nosso país. Apesar da pouca idade, o trabalho já se tornou uma referência nacional. Por meio de um portal, uma página no Facebook e publicações, o movimento deu visibilidade à questão, além de reunir informações e iniciativas que têm contribuído para que pessoas com Down e deficiência intelectual sejam incluídas na sociedade e tenham uma vida mais digna e cidadã. No Dia Internacional da Síndrome de Down, comemorado em 21 de março, o movimento aproveitou a data para fazer um balanço de dois anos de atividades. São mais de 100 mil fãs no Facebook, e o portal movimentodown. org.br, criado em 2013, recebe 50 mil visitantes por mês. A rede de informações foi resultado de muito trabalho e conta com colaboradores no Brasil e no exterior. Todo o material disponibilizado na internet, nas redes sociais e em publicações é produzido com uma linguagem simples, clara e de qualidade, para que pais, familiares e os próprios portadores da síndrome possam conhecer mais sobre o tema. O usuário dessa plataforma virtual tem acesso a conteúdos sobre saúde, educação, desenvolvimento, direitos e trabalho. Essas informações têm ajudado muita gente a enfrentar as adversidades e a descobrir que a pessoa com Down pode levar uma vida como qualquer outra pessoa. O Movimento Down foi idealizado pela advogada Maria Antônia Goulart, mãe da pequena Beatriz, que tem a síndrome. Ela, com outras mães que


Foto: Arquivo Movimento Down

ACEITAÇÃO E INCLUSÃO Um mundo mais inclusivo é um sonho antigo perseguido por pais, familiares e pessoas com deficiência física ou intelectual que trazem, em suas histórias de vida, marcas de rejeição, preconceito e discriminação. Inconformados com a invisibilidade e a ineficiência do Estado em promover políticas públicas sociais que garantam a inclusão dessas pessoas, nasce no seio das famílias um movimento empenhado em romper paradigmas e lutar por melhores condições de vida para essa parcela da população. De tal articulação começaram a surgir as primeiras associações em defesa dos direitos das pessoas com deficiência. A partir daí, o mundo começou a construir uma visão mais propositiva sobre o assunto. No Brasil, essa mobilização social teve início na década de 1950. Hoje, já existem no país mais de duas mil Associações de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apaes) em todo o território nacional, o que constitui uma importante rede de promoção e defesa dos direitos das pessoas com deficiência intelectual e múltipla. Em sessenta anos de existência, essas entidades realizaram conquistas expressivas, como a incorporação do Teste do Pezinho na rede pública de saúde, a prática de esportes, a inserção das linguagens artísticas e a estimulação precoce, ações fundamentais para a formação e o desenvolvimento das pessoas com deficiência. Ao longo da última década, essa movimentação entre pais, familiares e entidades da sociedade civil, organizada pelo respeito, valorização da diversidade humana, igualdade de oportunidades, acessibilidade e não discriminação, repercutiu em avanços sociais para as pessoas com deficiência, que hoje

Atividades promovidas pelo Movimento Down

representam quase 23% da população brasileira. De acordo com o Censo 2010, mais de 46 milhões de pessoas declararam ter pelo menos um tipo de deficiência. Desse total, 18,8% têm deficiência visual. Em seguida, vêm as deficiências motoras, que representam 7%, as auditivas (5,1%) e uma pequena parcela dos brasileiros (1,4%) tem algum comprometimento mental ou intelectual. Dentro desse universo, estão os autistas. AUTISMO: UM DESCONHECIDO O autismo é uma disfunção global do desenvolvimento que afeta a capacidade de comunicação, de socialização e o comportamento de uma pessoa. Quanto mais cedo o transtorno for diagnosticado, mais chances o autista terá para aprender e conviver melhor em sociedade. Só que, na maioria das vezes, o diagnóstico não ocorre logo após o nascimento. Sinais do autismo, como isolamento, dificuldade para falar e andar, além de movimentos repetitivos, são identificados quando a criança já está com dois a três anos de idade. Assim aconteceu com o adolescente Fernando Adeodato, primeiro filho do inspetor da Polícia Rodoviária Federal, Fernando Cotta. Ele e a esposa, Adriana Cotta, perceberam que, aos três anos,

o menino tinha dificuldades para se comunicar, não falava frases inteiras, somente palavras soltas. Como esse atraso na fala persistia e se tornava mais evidente, comparado com outras crianças mais novas, os pais buscaram ajuda de profissionais de saúde para entender o que havia de errado com o filho. Fernando Cotta relata que só depois de uma busca incansável por respostas, uma neuropediatra identificou que a criança tinha autismo. Ele explica que, até hoje, o transtorno do espectro autista não aponta para uma causa específica. Estudos indicam que fatores genéticos e ambientais podem desencadear o problema. “Minha esposa chorou ao receber o diagnóstico, mas a minha ficha só caiu à noite, durante o meu plantão. Eu estava sozinho e desabei em choro. Naquela mesma noite mergulhei na internet para me informar sobre o assunto, tudo era totalmente desconhecido para nós.” lembra Cotta. Superada a dor inicial, Fernando e Adriana perceberam que o desconhecimento sobre o autismo seria um dos maiores adversários que eles e o filho teriam pela frente. No caso de Margareth Kalil Sphair, enfermeira da Secretaria de Saúde do Governo do Distrito Federal, essa dificuldade foi triplicada. Ela descobriu que os três filhos tinham autismo em níveis diferenciados. Pedro, o caçula, foi o primeiro a ser diagnosticado. O garoto estava com quatro anos e meio quando os médicos descobriram que ele era um autista clássico. “O Pedro tinha muita dificuldade para se relacionar, aprender e, em especial, para se comunicar. Ele falava apenas uma palavra: mamãe”, afirma Margareth. Ela relata que, na mesma época, o filho mais velho, Daniel, que tinha sete anos, também estava com muitos problemas na aprendizagem escolar.

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SURFISTAS DIFERENÇAS Apesar de consultar inúmeros médicos, o diagnóstico de que era autista, com Síndrome de Asperger, só foi fechado muito tempo depois, quando tinha mais de dezenove anos. Mesmo com toda a demora para identificar o problema, Daniel, graças ao apoio dos pais e de educadores, seguiu sua trajetória escolar e se formou em Turismo, aos 21anos. O mesmo aconteceu com o segundo filho, Leonardo. Ele também teve um diagnóstico tardio de autismo, só que em um nível mais brando. O rapaz também conseguiu superar as dificuldades, já está graduado como tecnólogo em Jogos Digitais, e atualmente, faz Biomedicina no UniCeub (Centro de Ensino Universitário de Brasília). Leonardo disse que reagiu de forma tranquila à notícia de que era autista. A partir daí, para fugir de complicações, passou a evitar lugares barulhentos e com muita gente. O universitário explica que, desde pequeno, percebia que havia algo de diferente com ele, pois não tinha muito interesse nas aulas, era disperso, o barulho o incomodava muito e gostava de ficar sozinho. “Sofri muito bullying na escola, pois estudava no ensino regular e, às vezes, os colegas não me entendiam, me achavam esquisito. Porém o acolhimento dos meus pais e dos meus dos amigos me ajudou a superar es-

sas diferenças e persistir. Hoje tenho um novo olhar para a vida”, conta o jovem brasiliense. Margareth Kalil explica que se sente triplamente abençoada por Deus com os seus filhos. Ela reconhece que enfrentou muitos desafios para educá-los, principalmente no que diz respeito à socialização. Mas a mãe de Daniel (25), Leonardo (23) e Pedro (21) disse que, com os filhos, despertou para um mundo mais inclusivo e para a necessidade de celebrar as diferenças. O desconhecimento e a indefinição médica em torno do autismo motivaram o inspetor Fernando Cotta, com outros pais, a criar em 2005 o Movimento Orgulho Autista Brasil, para lutar pelos direitos e a inclusão das pessoas com autismo. No Brasil, apesar de não existir estatística oficial, estima-se que haja dois milhões de autistas. Em quase uma década de ativismo, a associação já está presente em vários estados, até mesmo no exterior, e já obteve importantes conquistas. No âmbito do Distrito Federal, vale citar a inclusão dos autistas no rol das pessoas com deficiência, que já possuem vários direitos assegurados. Ainda na esfera local, outro avanço importante foi a lei que instituiu a obrigatoriedade de o governo do DF proporcionar tratamento es-

pecializado, educação e assistência específica a todos os autistas, independentemente de idade. A norma ficou conhecida como Lei Fernando Cotta. Mais uma vitória bastante comemorada foi a instituição por lei da Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista. “Esses avanços abriram portas para acessibilidade, dignidade, respeito e inclusão das pessoas com autismo. Nossos filhos passaram a ter os mesmos direitos já assegurados para as pessoas com outras deficiências”, finaliza o presidente nacional do Movimento Orgulho Autista Brasil. Enquanto o mundo discute uma causa conclusiva e definitiva para autismo, se herança genética ou razões ambientais, o problema avança e já atinge 70 milhões de pessoas. Nos Estados Unidos, o crescimento do número de crianças com autismo põe em alerta as autoridades daquele país. Pesquisas científicas revelam que o tanstorno afeta, em média, uma em cada 110 crianças de oito anos de idade. Na década de 1990, as estatísticas indicavam um caso a cada 2.500 crianças. Na Inglaterra, estudo da Universidade de Cambridge mostra proporção ainda mais preocupante: uma criança autista em cada 58 nascidos.

Foto: Arquivo pessoal

Margareth Kalil com seus três filhos autistas: Pedro (à esquerda), Daniel (centro) e Leonardo (à direita)

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DIA AZUL Diante desse crescimento alarmante, as autoridades governamentais não descartam a possibilidade de o mundo estar vivendo uma epidemia de autismo. Com o objetivo de chamar a atenção do planeta para a magnitude do problema, a Organização das Nações Unidas criou o Dia Mundial da Conscientização do Autismo, comemorado em 2 de abril. Todos os anos, desde 2008, nessa data, os principais monumentos e prédios ao redor do mundo ficam iluminados de azul, a cor definida como símbolo do autista. Essa iniciativa da ONU tem funcionado como uma ferramenta estratégica para abrir os olhos da humanidade sobre a importância da inclusão social das pessoas portadoras do transtorno e também para ampliar o debate em torno de ações efetivas para a construção de um mundo livre de discriminação e no qual as diferenças possam sempre ser respeitadas. O Brasil aderiu a essa campanha mundial. Há oito anos, milhares de brasileiros participam do movimento e, unidos numa só voz, estão dizendo não ao preconceito e sim à inclusão. Vários locais que se apresentam como cartões postais de nosso país, a exemplo do Cristo Redentor, no Rio de Janeiro, o monumento às Bandeiras, em São Paulo, e o Congresso Nacional, em Brasília, no dia 2 de abril, vestem-se de azul. Mais do que uma adesão ao movimento, o gesto sinaliza uma mudança de comportamento da sociedade brasileira, que começou a olhar as diferenças com o coração. Outra data que, há sete anos, entrou no calendário de ativismo internacional para reforçar a luta pelos direitos civis das pessoas com autismo é o Dia Mundial do Orgulho Autista. Em vários estados, o dia 18 de junho foi lembrado com uma série de atividades – entre elas, palestras, encon-

tros de famílias em parques, debates e passeatas. Em Brasília, a data foi comemorada com uma sessão solene na Câmara Legislativa do Distrito Federal. Parlamentares, especialistas, familiares e gestores públicos discutiram avanços e desafios em torno do tema, como também as formas de tratamento e ações para melhorar a qualidade de vida dos autistas. Durante a solenidade, representantes do Movimento Orgulho Autista Brasil cobraram a regulamentação das leis federal e distrital que tratam das pessoas com autismo, a fim de assegurar respeito e igualdade de oportunidades para elas, além da criação de centros de atendimento especializado. O mundo chega ao século XXI com um olhar mais inclusivo. Esse caminho foi aberto a partir de iniciativas como a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e o seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova York, em 30 de março de 2007. O documento constitui um marco histórico na garantia e promoção dos direitos humanos de todos os cidadãos e em particular das pessoas com deficiência. Um ano depois, o Brasil deu um passo decisivo para a inclusão social ao ratificar a convenção da ONU. Desde então, os direitos das pessoas com deficiência passaram a ter status de norma constitucional no país. EDUCAÇÃO INCLUSIVA Apesar de muitas conquistas, os governos e a sociedade ainda precisam avançar em muitos aspectos, para que os 650 milhões de pessoas que vivem com algum tipo de deficiência possam ter as mesmas oportunidades e direitos em um mundo mais solidário e cidadão. A educação é um dos principais desafios para a inclusão social dos portadores de transtornos. No Brasil, o Plano Nacional de Educação (PNE) prevê a inclusão de crianças com necessidades especiais em

“De acordo com o Ministério da Educação, 76% das crianças com deficiência em idade escolar estavam matriculadas no ensino regular, em 2012.” escolas regulares, mas a medida ainda é vista como polêmica e divide opiniões. A polarização fica entre o governo, apoiado por defensores da inclusão, e entidades que defendem a permanência de dois sistemas educacionais: o regular e o especial. A educação inclusiva ganhou visibilidade dentro do governo federal, com a assinatura do Brasil na Convenção da ONU para pessoas com deficiência. Educação inclusiva permite que todas as crianças sejam educadas em um mesmo contexto escolar. Segundo especialistas, essa opção não significa fechar os olhos para as dificuldades dos estudantes, mas, por meio da inclusão escolar, trabalhar as diferenças – não como problemas, mas pela ótica da diversidade humana. De acordo com o Ministério da Educação, 76% das crianças com deficiência em idade escolar estavam matriculadas no ensino regular, em 2012. Entre 2007 e 2012, o número de alunos com alguma necessidade especial na escola regular passou de cerca de 306 mil para mais de 620 mil, um aumento de 102,78%. Ainda segundo dados do MEC, quase 99 mil escolas receberam matrículas de alunos atípicos em 2012, mas apenas 27.931 colégios incluíam acessibilidade nos projetos arquitetônicos.

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DIFERENÇAS SURFISTAS

10 COISAS QUE TODO MUNDO PRECISA SABER SOBRE SÍNDROME DE DOWN 1

SÍNDROME DE DOWN NÃO É DOENÇA. A síndrome de Down ocorre quando, ao invés da pessoa nascer com duas cópias do cromossomo 21, ela nasce com 3 cópias, ou seja, um cromossomo número 21 a mais em todas as células. Isso é uma ocorrência genética e não uma doença. Por isso, não é correto dizer que a síndrome de Down é uma doença ou que uma pessoa que tem síndrome de Down é doente.

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AS PESSOAS COM SÍNDROME DE DOWN NÃO SÃO TODAS IGUAIS. Apesar de indivíduos com síndrome de Down terem algumas semelhanças entre si, como olhos amendoados, baixo tônus muscular e deficiência intelectual, não são todos iguais. Por isso, devemos evitar mencioná-los como um grupo único e uniforme. Todas as pessoas, inclusive as pessoas com síndrome de Down, têm características únicas, tanto genéticas, herdadas de seus familiares, quanto culturais, sociais e educacionais.

Na capital do país, a proposta da educação inclusiva começa a entrar nos trilhos. Dados do último censo educacional mostram que mais de 13 mil alunos com necessidades especiais estudam na rede pública. Desses, 7,8 mil participam de classes comuns. Os demais 5.229 pertencem às turmas especiais (em escolas inclusivas) e às escolas exclusivas de alunos especiais. A chefe do Núcleo de Transtorno Global do Desenvolvimento da Secretaria de Educação do GDF, Márcia Cristina Lima, explica que o Distrito Federal tem uma situação diferenciada do restante do país, pois conta com alternativas mais amplas de atendimento: turmas inclusivas com pessoas comuns, salas de integração inversa, com ensino inclusivo também, mas com um número reduzido de alunos; classes especiais com um professor especializado para a cada dois alunos com transtorno global do desenvolvimento, a exemplo do autismo, além de atendimento em centro de

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PESSOAS COM SÍNDROME DE DOWN TÊM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL. Deficiência intelectual não é o mesmo que deficiência mental. Por isso, não é apropriado usar o termo “deficiência mental” para se referir às pessoas com síndrome de Down. Deficiência mental é um comprometimento de ordem psicológica.

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A PESSOA É UM INDIVÍDUO. ELA NÃO É A DEFICIÊNCIA. A pessoa vem sempre em primeiro lugar. Ter uma deficiência não é o que caracteriza o indivíduo. Por isso, é importante dizer quem é a pessoa para depois citar a deficiência. Por exemplo: o funcionário com síndrome de Down, o aluno com autismo, a professora cega, e assim por diante. Diante disso o termo “portador” tanto para síndrome de Down quanto para outras deficiências caiu em desuso. O mais adequado é dizer que a pessoa tem deficiência.

ensino especial, onde todas as pessoas portam deficiência. Na hora dos passeios, cinemas ou recreio, os alunos com autismo praticam essas atividades extras junto com os demais estudantes. Em 2013, a rede pública de ensino do Distrito Federal atendeu 953 alunos com transtorno no espectro autista que estão matriculados na educação precoce (de zero a três anos de idade), educação infantil, ensino médio, até a educação de jovens e adultos. A professora lembra que o ideal da inclusão escolar é que todos os estabelecimentos de ensino estejam prontos para receber qualquer criança, seja ela comum ou portadora de deficiência. Mas a educadora ressalta que, hoje, muitas escolas estão despreparadas para receber os alunos que apresentam comprometimento mental ou intelectual. Márcia argumenta que a presença cada vez maior de alunos com esse perfil no sistema de educação convencional está obrigando as escolas

a adaptarem seus conceitos pedagógicos. Muitas conquistas precisam ser comemoradas, mas ainda existe uma grande necessidade de oferta de cursos e de treinamento para toda a equipe escolar aprender a lidar com a síndrome. ACESSIBILIDADE SEM PRECONCEITOS Para a coordenadora do Fórum Nacional de Educação Inclusiva e integrante da Comissão de Direito à Educação da OAB/RJ, Cláudia Grabois, o ensino inclusivo não é um sonho distante no Brasil, pois já existem políticas públicas apropriadas que foram elaboradas e implantadas no país com o objetivo de assegurar nas escolas o acesso e a permanência de pessoas com deficiência. Ela considera que, nos últimos quinze anos, o Brasil obteve avanços significativos na promoção dos direitos para esse segmento da população. Todas as conquistas foram fruto da participação popular e do diálogo democráti-


AS PESSOAS TÊM SÍNDROME DE DOWN, NÃO SÃO PORTADORES DE SÍNDROME DE DOWN. Uma pessoa pode portar (carregar ou trazer) uma carteira, um guarda-chuva ou até um vírus, mas não pode portar uma deficiência. A deficiência é uma característica inerente a pessoa, não é algo que se pode deixar em casa. Diante disso o termo “portador” tanto para síndrome de Down quanto para outras deficiências caiu em desuso. O mais adequado é dizer que a pessoa tem deficiência.

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DE PERTO, NINGUÉM É NORMAL. No mundo não existem “os normais” e “os anormais”. Todos são seres humanos de igual valor, com características diversas. Se precisar, use os termos pessoa sem deficiência e pessoa com deficiência.

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PESSOAS COM SÍNDROME DE DOWN NÃO DEVEM SER TRATADAS COMO COITADINHAS. Ter uma deficiência é viver com algumas limitações. Isso não significa que pessoas com deficiência são “coitadinhas”. Pessoas com síndrome de Down se divertem, estudam, passeiam, trabalham, namoram e se tornam adultos como todo mundo. Nascer com uma deficiência não é uma tragédia, nem uma desgraça, é apenas uma das características da pessoa.

co estabelecido entre a sociedade e o governo. Mas Cláudia reconhece que os familiares enfrentam uma batalha diária para conseguir os recursos nas escolas públicas, acessar o atendimento educacional especializado na rede privada e garantir que a matrícula do filho com deficiência não seja negada. A advogada lembra que a acessibilidade deve ocorrer em todas as áreas, entretanto, muitas vezes, a acessibilidade no tocante à atitude, naquilo que se refere à ausência de preconceitos, estigmas, estereótipos e discriminações, por parte de quem atende, essa não é colocada em prática, o que dificulta o processo de inclusão social das pessoas com deficiência. Hoje, os alunos atípicos dispõem na rede pública de ensino do programa de sala de recursos, de atendimento educacional especializado complementar e suplementar, e, para os professores, existe o Programa de Formação Continuada. A coordenadora do fórum comemora

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PESSOAS COM SÍNDROME DE DOWN TÊM OPINIÃO. As pessoas com síndrome de Down estudam, trabalham e convivem com todos. Esses indivíduos têm opinião e podem se expressar sobre assuntos que lhes dizem respeito. Em caso de entrevistas, procure falar com as próprias pessoas com deficiência, não apenas com familiares, acompanhantes ou especialistas.

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DIREITO CONSTITUCIONAL À INCLUSÃO E CIDADANIA. A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência foi aprovada no Brasil em 2008 como norma constitucional. Ela diz que cabe ao Estado e a sociedade buscar formas de garantir os direitos de todas as pessoas com deficiência em igualdade de condições com os demais. A Convenção é uma importante ferramenta de acesso à cidadania e precisa ser mais difundida entre as próprias pessoas com deficiência, juristas e a população em geral.

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POR QUE A TERMINOLOGIA É IMPORTANTE. Referir-se de forma adequada a pessoas ou grupo de pessoas é importante para enfrentar preconceitos, estereótipos e promover igualdade.

os resultados da educação inclusiva no Brasil. “Alguns municípios avançaram mais, outros menos. O país, como um todo, avançou, mas ainda não estamos no ideal, até porque existe uma especificidade muito grande da educação inclusiva. Hoje, a maior parte das crianças com deficiência que estudam em escolas públicas estão em classes comuns. Isso mostra que o país está no caminho certo”, resume Cláudia Grabois. NINGUÉM FOI MAIS INCLUSIVO QUE JESUS A construção de um mundo mais justo e inclusivo faz parte das metas dos governantes e da sociedade para este milênio. Mas ninguém na história da humanidade foi mais inclusivo do que Jesus. Ele não fez acepção de pessoas. Não olhou para aparências, tampouco para os defeitos dos homens. Jesus amou a diversidade humana. Ele curou, perdoou e libertou a todos sem exceção. O pastor da Igreja Cristã Maranata, Antônio

Fonte: Movimento Down

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Neto, explica que Deus criou o homem à sua imagem e semelhança. O fato de um bebê nascer com algum problema físico ou intelectual, ser autista ou ter síndrome de Down não o faz desprezível. Ao contrário, torna-o ainda mais especial. No Evangelho de Lucas, Jesus fala: “Deixai vir a mim os pequeninos e não os impeçais, porque dos tais é o reino de Deus”. Antônio Neto afirma que,

por meio dessa declaração, Jesus demonstra o seu imenso amor pelas crianças, independentemente de cor, raça, classe social ou se veio ao mundo com alguma deficiência. Ele ressalta que os pais devem seguir o exemplo de Jesus e amar seus filhos do jeito que eles são. O pastor reconhece que o nascimento de um filho com autismo, por exemplo, é um momento difícil. Mas Deus transforma essa dor em alegria. “Uma pessoa que cuida de alguém que não sabe se cuidar sozinho desperta para um mundo solidário e cristão”, conclui o pastor. +

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MISSÕES SURFISTAS

Um povo para adotar CONHEÇA UM POUCO SOBRE O POVO FULA, DA GUINÉ-BISSAU, QUE ESTÁ RECEBENDO A PALAVRA DE DEUS COM MUITA ALEGRIA por Hosana Seiffert

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uem é pai ou mãe sabe que ter um filho é um grande privilégio. Imagine, então, ter um filho povo! “Como assim”, você deve estar se perguntando. O projeto Adote um Filho Povo tem sido desenvolvido pela AMIDE (Associação Missionária para Difusão do Evangelho) em parceria com igrejas e cristãos para cumprir a Grande Comissão entre os mais de 2 mil PNAs (Povos Não Alcançados) que ainda existem em todo o mundo. O povo Fula, de Guiné-Bissau, é um desse. Você é nosso convidado para ler esta reportagem com

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coração de intercessor e, quem sabe, adotar o povo Fula como filho e incentivar sua igreja a alargar as tendas e participar desse projeto como uma parceira. O barulho do motor chama a atenção da aldeia. Em poucos minutos o carro está rodeado por crianças que riem e correm ao lado do veículo até que ele pare. Sair em frente ao prédio recém-construído é um desafio: mais de duzentos meninos e meninas de todas as idades recebem a equipe missionária com sorrisos largos e olhos curiosos. Todos querem chegar perto dos estrangeiros e apertar -lhes

as mãos. A etnia Fula são assim: alegres e hospitaleiros. Eles gostam de vestir roupas bonitas e coloridas, as mulheres enfeitam os cabelos, já os homens fazem questão de usar vestimentas de costume islâmico e quase nunca se separam do terço. Mesmo tendo sido islamizados por volta do século XV, eles são considerados sincréticos porque guardaram características do animismo: fazem cerimônias aos espíritos e colocam amuletos de proteção nas crianças. A sociedade é polígama. Os homens podem casar com até quatro mulheres, com o objetivo de gerar muitos filhos. Eles se


Foto: Sérgio Seiffert - Associação Missionária para Difusão do Evangelho Foto: Sérgio Seiffert - Associação Missionária para Difusão do Evangelho

dedicam à agricultura, com o plantio de milho, amendoim e caju e também trabalham com o pastoreio de vacas e cabras, além de serem atuantes no comércio. Assim como outros povos de Guiné-Bissau, a etnia Fula vive em comunidades chamadas tabancas ou aldeias. A maioria das casas é de barro, cobertas com palha ou zinco. O país, colonizado por portugueses, vive em constante conflito político, com guerras civis e golpes militares desde a sua independência, há quarenta anos, e até hoje a população, formada por 27 etnias, sofre com a falta de desenvolvimento e acesso às áreas de educação e saúde. E é nesse contexto que o trabalho missionário tem se desenvolvido em Guiné-Bissau. Vendo o avanço social de uma aldeia vizinha, aonde os missionários chegaram há quase vinte anos e implantaram uma escola bilíngue, o povo Fula procurou os líderes da missão AMIDE na região e pediu um projeto semelhante. Como deixar passar um apelo como esse? A missão AMIDE trabalha com a proposta do evangelho integral: a pregação da Palavra de Deus anunciando Jesus Cristo como Senhor e Salvador, a tradução da Bíblia para a língua do povo e o apoio às necessidades sociais com projetos nas áreas de educação, saúde, esporte ou desenvolvimento comunitário. Cada cinco igrejas adotam um filho povo e se envolvem em oração, visitas de supervisão ao campo missionário e suporte financeiro. Como resposta ao apelo do grupo Fula, Deus já enviou recursos para a construção da primeira escola da aldeia, com capacidade para atender mais de sessenta alunos em cada turno, de manhã e à tarde, e também já enviou um casal de missionários que está se preparando para assumir o trabalho.

Ana Maria, presidente da Amide, com as crianças do povo Fula.

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SURFISTAS MISSÕES

Os próximos desafios do projeto são a aquisição do material escolar, como mesas, estantes e carteiras; a instalação de painel solar com baterias, que a abre a possibilidade de oferecer aulas também no período da noite; a construção da casa missionária, de uma casa para os professores e de um posto de saúde, com uma farmácia; e a abertura de um poço de água. Essa é a fase de estruturação do projeto. Depois vem o desenvolvimento, com o desafio de manter o sustento mensal dos professores e dos missionários, até que haja entre o povo, uma igreja forte e missionária, com líderes nativos treinados e discípulos de Cristo que vivam uma vida cristã autêntica. Uma igreja de Brasília já se comprometeu como parceira do Projeto Fula. Outras estão em fase de análise e consulta. Precisamos de cinco para desenvolver o trabalho. Que tal ser uma delas? +

COMO PARTICIPAR SENDO UM INTERCESSOR – Adote um filho povo e assuma o compromisso de orar diariamente. COMO IGREJA PARCEIRA – Cada 5 igrejas adotam um projeto com oração, apoio financeiro, cuidado missionário e viagens de supervisão do campo. Há projetos na África, na Ásia, no sertão brasileiro, entre tribos indígenas e um trabalho social no Itapoã, em Brasília, em que sua igreja pode se envolver. SEJA UM VOLUNTÁRIO – Deus pode usar seus dons e talentos na obra missionária, tanto em viagens de curta duração (durante as férias) quanto por algumas horas ou períodos durante a semana, na base da missão. SENDO UM MANTENEDOR – Os projetos têm custos e precisam de recursos para sua estruturação, desenvolvimento e manutenção. Mais importante do que o valor da contribuição, é a fidelidade em contribuir. COM UMA OFERTA ÚNICA – Você pode participar da estruturação do projeto missionário com a oferta de amor que Deus colocar em seu coração. Para adotar um “filho povo”, para conhecer os projetos missionários, para receber informativos sobre desenvolvimento de projetos, para ser um voluntário, ou para contribuir entre em contato com a Associação Missionária para a Difusão do Evangelho - AMIDE. Missão AMIDE (61) 3298-6700 / www.amide.org.br amide@amide.org.br / Facebook: missaoamide

Foto: Sérgio Seiffert - Associação Missionária para Difusão do Evangelho

Equipe da Amide em visita ao povo Fula, em Guiné-Bissau

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Curso básico de

Teologia e Missiologia

Em EaD

Conteudistas

Pr. Valdeir Contaifer Bacharel e mestre em teologia pelo Seminário Teológico Betel do Rio de Janeiro; doutorando em Ministérios Globais pelo Fuller Theological Seminary; diretor geral do Centro de Estudos Avançados de Missões da AMIDE; pós-graduado em História de Missões, Antropologia e Inculturação, Didática do Ensino Superior; terapêutica na Igreja, e Dinâmica do Crescimento da Igreja na América Latina.

Nancy Araújo Trabalha na Associação Missionária para Difusão do Evangelho; bacharel em Teologia com Concentração em Missiologia e Licenciatura em Educação Religiosa, pelo Instituto Bíblico Betel Brasileiro - João Pessoa-PB; mestre em Missiologia pelo Centro Evangélico de Missões - Viçosa-MG; pós-graduada em EaD pela Universidade do Norte do Paraná; coordenadora de EaD da AMIDE.

Pr. Weber Silva Pastor auxiliar da Igreja Presbiteriana de Brasília, tem especialização em Aconselhamento e Psicologia Pastoral pela Escola Superior de Teologia – São Leopoldo-RS; especialização em Teologia Urbana pelo Centro Universitário Filadélfia – Londrina-PR; bacharel em Teologia pela Faculdade Teológica Batista de Brasília; bacharelado em Ciências Contábeis pela União Pioneira de Integração Social - DF.

ArtigoCasamento06.indd 15

Objetivo Auxiliar líderes, membros de igrejas e pessoas vocacionadas ao ministério local e transcultural que, não dispõe de tempo para estudar no Seminário presencial. O curso é totalmente on-line com uma didática dialógica, onde busca aproximar o aluno das temáticas estudadas, para uma compreensão clara dos conteúdos.

Conteúdo O curso é composto por cinco blocos*, a saber:

Doutrina Bíblica Aconselhamento Cultura Bíblica Teologia Prática Cultura Missionária (*) Cada bloco dispõe de três disciplinas.

Curso com duração de um ano letivo. Investimento - 120,00 mensais. Início das aulas - 28 de julho Maiores informações:

eadamide@gmail.com (61) 3298-6700 http://ead.amide.org.br

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SURFISTAS ESTILO DE VIDA

Foto: Cristiano Carvalho

Vivendo “Atentei para todas as obras que se fazem debaixo do sol, e eis que tudo era vaidade e correr atrás do vento” - Eclesiastes 1.14

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sem pressa A sabedoria de viver em paz

em meio do turbilhão da vida moderna

por Mércia Maciel

A

leitura dessa reportagem cairia bem ao som de uma música suave, daquelas de comercial de TV, com uma praia ou outra paisagem relaxante como cenário. Os acordes suaves combinariam com um modo de vida que vem conquistando cada vez mais adeptos pelo mundo – o Slow Life (vida devagar). Essa forma de viver sem pressa, em meio à correria do mundo moderno, começou em 1986, em Roma, quando a rede Mc Donalds anunciou a abertura de uma lanchonete, perto de Piazza di Spagna. Em protesto, Carlo Petrini liderou um grupo de manifestantes, que munidos de tigelas de penne, gritaram palavras de ordem contra o cardápio fast

food. Foi assim que a proposta de preparar refeições com calma, utilizando receitas caseiras e ingredientes frescos, além de dedicar um tempo para saboreá-las (Slow Food) ganhou países da Europa, Japão, Estados Unidos e Brasil. Daí, foi um pulo para o movimento tomar conta de outras áreas, como dos deslocamentos (mais caminhadas e menos carros) e da produção de bens (menos consumo, para preservar mais). Os adeptos do Slow Life nem pensam em espremer a agenda para encaixar mais um compromisso. E nada de comer às pressas, trabalhar alucinadamente, sem tempo de brincar com os filhos ou, simplesmente, de parar para contemplar a beleza de um céu estrelado.

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SURFISTAS ESTILO DE VIDA A vida da engenheira Carla Silva era assim – ditada pela urgência. Para administrar o relógio, dividido em dois empregos, cuidados com os filhos pequenos e estudos para um mestrado, fazia malabarismos com o tempo. Vivia estressada, chegou a ter depressão, mas achava que não podia perder tempo. Queria produzir, conquistar, ter sucesso. Até que um enfarto quase a matou. “Eu estava alucinada e queria tudo e ao mesmo tempo. Muitas vezes, nem almoçava e já partia para o próximo compromisso. Meu casamento quase acabou e foi preciso que eu adoecesse para parar”, lamenta. A Bíblia conta a história do rei Salomão, de suas riquezas e realizações. Quando começou a reinar, ele pediu a Deus sabedoria para liderar seu povo com justiça. Ele escreveu o livro de Eclesiastes o qual mostra um homem boêmio, desvairado e que, a todo custo, buscou prazer na vida. Ao final, frustrado, ele disse que tudo era vaidade, porque nada poderia satisfazer o coração do homem, exceto a presença de Deus. Era assim que Carla Silva também se sentia. Para o pastor da Igreja Congregacional, de Santa Maria (DF), Lúcio Martins, muitos crentes andam “correndo atrás do vento” e deixando de buscar, primeiramente, o reino de Deus. Para ele, essa desobediência à Palavra transforma muitos crentes em cristãos frustrados e ansiosos. “O crente anda cada vez mais fraco, cambaleante e até mesmo coxeando entre dois pensamentos, como nos dias do profeta Elias. Isso tudo por conta do ‘sistema’ em que vivemos submergidos. Nele impera o pragmatismo e o capitalismo, além de mais outros ‘ismos’, como o consumismo desenfreado, contrário ao Evangelho do Reino”.

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A psicóloga e servidora pública, Alessandra da Silveira, da Igreja Presbiteriana Nacional, considera o movimento Slow Life um retorno positivo à simplicidade da vida e à essência de se viver bem. Mas ela chama a atenção para as mudanças extremas. “A tendência das pessoas é mudar radicalmente. Assim, há o risco de elas partirem de uma ideia de que o modo como vivem está errado e deve ser combatido. Isso também gera desequilíbrio e sofrimento psicológicos porque alguns vão conseguir seguir essa filosofia e outros não. Acredito que buscar o equilíbrio pessoal é o mais importante, pois existem pessoas que são naturalmente mais agitadas, se sentem bem quando estão muito ocupadas e existem aquelas mais tranquilas, que precisam de mais tempo para fazer suas atividades”, afirma. Ainda segundo Alessandra Silveira, respeitar o próprio ritmo e saber equilibrar os pilares da vida - espírito, família, lazer e trabalho - é um bom começo para uma vida saudável. No final da década de 50, o cardiologista norte-americano Meyer Friedman batizou a forma agitada de encarar a vida como a “doença da pressa”. Em seu consultório, ele reparou que os braços das cadeiras da sala de espera duravam pouco. Notou ainda que os pacientes se sentavam na ponta dos assentos, na posição de quem pretende se levantar a qualquer momento. Friedman estudou os efeitos do estresse e concluiu que pessoas tomadas por sentimento de urgência e irritabilidade eram mais suscetíveis a ter problemas cardíacos. Os sintomas emocionais também acompanham quem tem pressa. Estudo da pesquisadora Ana Maria Rossi, da Associação Internacional de Gerenciamento do Estresse, feito com 900 pessoas, com idades

“Acredito que buscar o equilíbrio pessoal é o mais importante, pois existem pessoas que são naturalmente mais agitadas.” (Alessandra da Silveira)

entre 24 e 58 anos, em São Paulo e Porto Alegre, mostrou que 36% delas sofriam com a doença da pressa, de forma crônica e sem motivo. O grupo reclamou de crises de ansiedade, angústia, de sentimento de raiva injustificada, além de dores musculares e distúrbios do sono. PRAZER À MESA Nada de pais em frente à TV, enquanto os filhos estão diante do computador, com um prato à mão. Nada de refeições rápidas e mal feitas. A proposta do movimento Slow Food é o direito ao prazer da alimentação sem pressa e utilizando produtos artesanais de qualidade, produzidos de forma que respeite tanto o meio ambiente quanto os produtores. O Slow Food opõe-se à tendência de padronização do alimento no mundo. Na casa da advogada e empresária brasiliense Renata Mandelli, a ordem é aproveitar cada momento e celebrar a vida. Neta de italianos, ela aprendeu desde cedo que, ao redor da mesa, o tempo deve passar devagar, embalado por conversas e comidas feitas com cuidado e carinho. A herança familiar, intensificada nos oito anos que passou na terra


Foto: Divulgação

Além da ameaça à convivência saudável, a psicóloga Alessandra Silveira ressalta que as pessoas estão sendo impelidas a serem proativas e produtivas, enquanto a evolução tecnológica bombardeia a sociedade de informações, que impõe serem transformadas em conhecimento. “Nos preocupamos, excessivamente, com o futuro dos nossos filhos e lhes oferecemos escola, cursos de línguas, academia, dança. Estamos nos

Foto: Divulgação

dos avós, é um estilo de vida. “Em Gênova, é comum a existência de cooperativas de pequenos produtores, onde cada um se especializa em algo. Há aquela senhora que planta abóbora e faz o melhor pão da região. Outro, cultiva, organicamente, as ervas e faz o mais saboroso pesto da redondeza. Assim, sabemos onde encontrar cada produto bem feito, com qualidade ímpar”, afirma a proprietária da empresa Art & Food. A cena se repete na casa de Renata. Uma bela mesa, posta com carinho, está à espera dos convidados. Flores dão as boas-vindas. Ela escolhe o cardápio e seleciona os ingredientes de pratos que serão preparados, enquanto conversa com os amigos e os risos e o cheiro inebriante da comida tomam conta do lugar. Para a advogada, os momentos devem ser vividos com intensidade. “Vou ao supermercado todos os dias. Assim, escolho frutas, verduras e ervas frescas e da estação. Se um pêssego está bonito e cheiroso, é ele que me inspira a fazer uma sobremesa irresistível. Se acho um peixe fresco, ele vai para o carrinho de compras. Gosto de interagir com a natureza, que me entrega tudo isso de bandeja”, afirma animada. Na era da velocidade, em que o lançamento de um aparelho de celular é logo superado por outro e, ansiosas, as pessoas mal aproveitam a última aquisição, as relações pessoais também ficam em segundo plano. Renata conta que, há poucos dias, estava em um shop-ping com uma amiga que recebeu o telefonema da filha. “Ela estava há menos de 200 metros da gente, mas a adolescente preferiu resolver um determinado assunto com a mãe pelo celular. As pessoas não querem mais se encontrar, têm pressa de saber, Deus, de quê”, lamenta.

Renata Mandelli, proprietária da Art&Food

tornando escravos de agendas. Sem contar que, em termos de Brasil, tentamos cobrir um atraso centenário. É uma conta que estamos começando a pagar pela ineficiência crônica que tivemos até hoje. Naturalmente, isso gera muita ansiedade e pode levar a quadros de stress agudo se não for respeitado o ritmo de cada um e se não for considerado o tempo de dedicação a cada pilar da vida”, afirma. Até mesmo as festinhas de criança começam a perder o encanto. Pais não medem esforços para mostrar que seus filhos são melhores do que os dos vizinhos e investem em festas caras, mas plastificadas. Muitos se renderam às superproduções, muitas vezes, para competir com os amigos para ver quem dá a festa mais badalada. Ficaram na fotografia antiga, aquelas festinhas em casa, que contavam com a ajuda da amiga com jeito para decoração, das tias convocadas para enrolar os docinhos, do bolo feito pela vovó e dos primos ajudando a encher os balões. Hoje, parece que as crianças modernas precisam de monitores para conseguir brincar e de brinquedos mirabolantes para distrair os pequenos convidados.

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Foi pensando em resgatar esse gostinho de infância e da simplicidade da vida que a economista e empresária Juliana Falcão abriu seu negócio. A loja Tom & Sophie oferece produtos com pegada “vintage”, que remete aos estilos dos anos 20, 30, 40, 50 e 60. São copos, canudos e pratos de papel e talheres de madeira e bandeirolas. Em respeito ao meio ambiente, os produtos são recicláveis e sustentáveis. A ideia de remeter às festinhas de antigamente já está conquistando uma legião de adeptos, em todo o país. Juliana comemora a nova tendência e leva o mesmo estilo para a sua vida pessoal. Mas isso nem sempre foi assim. O dia a dia da economista e especialista em desenvolvimento sustentável era tão apressado quanto uma agitada estação de trem. Há dois anos, a agenda dos filhos pequenos parecia de gente grande – escola, natação e outras atividades roubavam o tempo de ser criança e de curtir a família. “Estava escrava de tudo isso. Resolvi parar um pouco e ter mais tempo com os meus filhos. Deixei o emprego, abri a empresa que me ajuda a lembrar que a vida deve ser simples e natural”, afirma Juliana Falcão. “VAI UM CAFEZINHO?” O relógio parece não marcar o ritmo dos moradores da 412 Sul, em Brasília. Pelo menos, no Espaço Bookafé. À sombra de uma frondosa árvore, o convite para relaxar é irrecusável. Sombreiros, redário, livros cristãos e café sempre fresquinho recebem quem quer desacelerar e curtir momentos de contemplação. Até internet grátis está à disposição dos visitantes, 24 horas por dia. Ao som do canto de pássaros, sempre há um que se aconchega para apro-

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Foto: Thimóteo Soares

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“O relógio não volta. Se perdemos tempo com coisas que não edificam, deixamos de ter uma vida plena.” (Adriano Rodrigues)

veitar momentos de relaxamento e leitura ou para colocar o papo em dia. Os moradores mal se conheciam. Agora, se reúnem até para fazer festinhas de aniversário. A ideia de transformar uma área ociosa em espaço de convivência foi dos irmãos Souza, moradores da quadra. Movidos pelo amor ao próximo, Adriano, Fernando e Flávio se inspiraram no projeto Vida Para Todos, que espalha a iniciativa pelo mundo inteiro, mas somente na 412 Sul o espaço é debaixo de uma árvore. Para deixar o ambiente aprazível, eles investiram do próprio bolso cerca de três mil reais e contaram com doações de vizinhos, empresários da


Foto: Thimóteo Soares

quadra e de alguns irmãos da igreja. E mais: quem quiser pode deixar, numa caixa, pedidos de oração, que são levados para a igreja dos irmãos Souza. “O objetivo não é pregar uma religião, mas amor fraternal e, principalmente, mostrar a essas pessoas que Deus se importa com elas e tem o melhor para suas vidas”, afirma Fernando. Segundo Adriano, que é bombeiro e historiador, o espaço é um oásis, em meio à agitação da cidade grande. Para ele, as pessoas se agarram às coisas materiais e se esquecem de olhar para Deus e para o próximo. “Vivemos na correria, não damos bom dia e só olhamos para nosso próprio umbigo. O relógio não volta. Se perdemos tempo com coisas que não edificam, deixamos de ter uma vida plena”, resume. A alegria dos irmãos em contar as histórias do lugar é contagiante. Fernando, que é professor de Geografia e se apressa em citar o caso de um morador de rua que passou por lá. Ele lembra que estava de saída

Os irmãos Adriano, Fernando, Flávio e a amiga Sandra, coordenam o Bookafé da 412 sul.

com um dos irmãos, quando sentiu que deveria ficar um pouco mais no espaço de convivência. Alguns minutos depois, chegou um senhor sujo, abandonado e sem esperanças de dias melhores. Acanhado, pediu para ficar ali. Queria um pouco de atenção, um gesto de carinho. E encontrou. “Conversamos sobre a vida, o amor de Deus e como Ele pode mudar as nossas vidas sofri-

das. Ele se converteu naquela noite e prometeu que, no dia seguinte, voltaria. Ele voltou, disse que era um novo homem e queria ser batizado. Soubemos que ele tem família, na Vila da Telebrasília e, agora, encontrou paz”, relembra Fernando, emocionado. Há ainda casos como a da jovem que deixou as drogas e de tantos outros que encontraram refrigério para suas almas ali. Os moradores da quadra aprovaram a iniciativa dos irmãos. Há dois anos em Brasília, a carioca e artista plástica, Sandra Duarte, sente-se em casa. “Não conhecia ninguém na cidade e, agora, tenho amigos que são uma verdadeira família. Neste lugar eu relaxo, penso na vida, desabafo. É o meu cantinho de paz”, afirma, animada. Na era do instantâneo, passar momentos no Bookcafé é como ser embalado pela suavidade da vida, sem o ponteiro do relógio a escravizar e fazendo valer o ensinamento de Jesus, no Sermão da Montanha, ao chamar a atenção dos discípulos para a necessidade de uma vida sem preocupação, sem ansiedade na certeza de que Deus cuida de todas as necessidades de quem Nele confia. +

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CRÔNICAS E CONTOS

por Zazo, o nego

Zazo é servidor público e professor de Gramática e Oficina de Textos no Centro de Formação e Aperfeiçoamento da Câmara dos Deputados.

PROSPERIDADE

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ivera uma vida insossa como crente. Criado em família evangélica desde pequeno, tudo o que vira tinham sido demonstrações de um cristianismo fajuto, sem vida e sem sabor. Quase deixara a igreja, por absoluta falta de confirmação entre o que via nos cultos e a prática de vida de muita gente, incluindo a sua própria. Afligiam-no ainda os efeitos de uma crise de identidade, aliada a uma interminável e insolúvel falta de grana. Esta última, então, completava o cenário desesperador. Foi então que surgiram ventos renovadores. Era o fim dos anos 1980, e as igrejas evangélicas eram varridas por novas ideias e líderes que surgiam. Em Brasília, também era assim. Por conta desses novos ventos, aceitou o convite de um amigo e foi a um congresso no ginásio Nílson Nélson. E lá aconteceu o primeiro milagre: a mulher, que tinha um desvio na coluna havia anos, foi curada pela oração de um dos obreiros. Isso depois de uma pregação inflamada sobre cura, na qual o máximo acontecera: ele vira, com seus próprios olhos, o inimaginável. Começou a aprender que tudo então seria possível, desde que houvesse fé. E, de fato, as coisas começaram a acontecer. Num curto período, não tinha mais sinusite. As crianças não pegavam mais gripe, nem tinham dor de cabeça, enfim, as enfermidades desapareciam. Conhecia então Jeovah Rafah, o Deus que cura. Em razão disso, decorou algumas passagens bíblicas que tocavam no assunto. Ouviu estudos em fitas gravadas, anotou informações e mudou o discurso. Agora era um vencedor! E a vida de crente, até então vazia, come-

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çava a se tornar um negócio interessante. No entanto, corria o risco de cair na monotonia. Precisava de novas descobertas. E elas vinham, pois os ventos continuavam soprando. Numa de suas andanças, ouviu uma palavra sobre vida financeira: “Somos filhos do rei”, dizia o pregador, “um rei que é também o dono do ouro e da prata!”. As palavras vinham com ênfase e tinham tudo a ver com ele, vítima quase fatal do naufragado Plano Cruzado, que o deixara cheio de dúvidas e dívidas. Oraram por ele, para que houvesse um milagre financeiro. E o milagre veio! Saiu das dívidas, aprumou-se. Logo depois, deu uma melhorada na casa, comprou móveis novos, consertou eletrodomésticos estragados, adquiriu outros. O Deus da prosperidade estava em cena. Os filhos já andavam mais arrumadinhos, logo surgiu o carro – e tinha de ser novo, “afinal, somos filhos do rei, ora essa!”. Não se pode negar que já orava – ou, pelo menos, tinha aprendido um palavreado novo, como “tá amarrado”, “eu declaro”, “tá ligado”, “não aceito”, contanto que a fórmula fosse um monossílabo tônico seguido de uma paroxítona, esta bem pronunciada em sua sílaba forte. Tinha de funcionar. Vivia em função disso: orava por um carro melhor, por um salário melhor, por uma casa melhor, por uma posição melhor no trabalho... enfim, a prosperidade financeira era um sinal evidente da presença de Deus. E como as respostas sempre viessem, a vida passou a se resumir nisso: prosperidade financeira e saúde física. Não precisava de mais nada. Absolutamente nada... +


+Música

por Zazo, o nego

Tempero, alegria e negritude São os ingredientes do álbum De Dentro pra Fora, de Mr. Pingo, baiano radicado em Brasília. Ele, que já tocou com muita gente, agora lança seu próprio trabalho e anuncia: o DVD homônimo já foi para o forno. A coletânea viaja entre o soul e a MPB, a pegada é brazuca. Em doze faixas, cinco são escritas pelo cantor, e o trabalho chega surpreendendo quem o conhece apenas como entrevistador do programa online “Os Verdadeiros”. As canções não escritas por ele trazem para um mesmo ambiente compositores que pouco provavelmente se reuniriam para uma roda de viola, dada a diferença de seus estilos. A concepção de arranjos realiza a façanha de torná-los todos com cara de Mr. Pingo. As letras vão desde uma confissão em que Aba Pai se junta à figura do “paizinho”, que cultura baiana encurtou para “Painho”(faixa 01), até expressões de louvor e adoração como No Santíssimo Lugar (faixa 07). No mais, muitas surpresas boas, como a clássica Sonda-me, do saudoso Alisson Ambrósio, baseada no Salmo 139, (Sei que Tu me sondas) e a faixa que dá nome ao álbum; metais e percussão à vontade; instrumental excelente, solistas convidados maravilhosos. Recomenda-se aos amantes do gênero, em especial gente jovem. Mais informações: www.mrpingo.com.br ou www.facebook.com/mrpingobrasil.

Carlinhos Veiga multiplcado por muitos É o resultado do mais recente álbum do cantor e compositor, o CD Parceiragens. O próprio Carlinhos define: “Parceiro é companheiro, aquele que, literalmente, ‘como pão com’, divide o pão, os sonhos, os anseios da alma”. Esse é o tom do álbum, uma celebração à amizade. Com exceção das faixas 08 (Um Mesmo Caminho), de Veiga, e 03, (Casa dos Meus Sonhos), do colombiano Santiago Benavides, traduzida por Carlinhos, todas as canções do disco foram escritas a quatro mãos. E, entre tantos parceiros, registre-se a presença de Gladir Cabral, Reny Cruvinel (Expesso Luz) e Tiago Viana. Carlinhos celebra ainda um fato inédito em sua trajetória musical: a parceria de compositoras, caso das faixas Poética, com Silvana Pinheiro, e Identidade, com Márcia Maranhão. O disco é pura poesia, as harmonias têm alma latinoamericana. A banda brilha, com Cláudia Barbosa (vocal e flauta), Eline Márcia (vocal), Enos Marcelino (acordeão), Felipe Viegas (teclados e violão), Ismael Rattis e Leo Barbosa (percussão) e Pedro “Veiga” Feitosa (baixo). E a Berenice (viola capira do Carlinhos) completa o tempero. Aos interessados, os contatos: www.carlinhosveiga.com.br e/ou cveiga@gmail.com.

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QUALIDADE DE VIDA

por Júnior Sipaúba

TSNIUT: UMA REFLEXÃO SOBRE O CORPO, A BELEZA E O PUDOR

Junior Sipaúba é pastor presbiteriano, mestre em Aconselhamento, matemático, licenciado em Ciências e faixa-preta pela Conferedação Brasileira de Taekwondo.

“Quem é forte? Aquele que domina suas paixões.“ (Bem Zoma) “A beleza é enganosa, e a formosura é passageira; mas a mulher que teme o SENHOR será elogiada”. (Provérbios 31.30).

O

Rabi Eliahu, comentando o verso do Livro de Provérbios, afirma que a graça é enganosa e a beleza fugaz somente quando não são acompanhadas pelo temor aos Céus, pois, então, não passam de características externas. Tsniut (recato) é um termo hebraico que abrange as diversas noções de pudor, humildade, decência, privacidade e contenção de si mesmo. A tsniut expressa um conjunto de qualidades e de comportamentos que indicam o modo pelo qual uma pessoa deve se relacionar com o seu corpo. Não se refere apenas ao comportamento e à vestimenta, mas também à linguagem e ao conteúdo das nossas conversas. Para controlar a força criativa do sexo, em vez de ser consumido e dominado por ela, o judaísmo ensina a virtude e o valor da tsniut. A proposta, segundo a tradição rabínica, é não conceber o corpo humano como algo pecaminoso e parte de uma dimensão inferior como alguns segmentos espirituais apregoam. O corpo, segundo a tradição, é o receptáculo da alma, por isso deve sempre estar coberto de maneira adequada e com bom gosto a fim de que seja preservado em sua sacralidade. A exposição ostensiva e desnecessária do corpo fere, na perspectiva judaica, a dignidade, o valor e a essência da beleza. A beleza não está naquilo que é revelado, mas no que se oculta. A verdadeira beleza nada tem a ver com a imagem artificial promovida por uma mídia que dissocia equilíbrio, postura, sensibilidade e charme da característica física específica. Recentemente um conceituado apresentador de TV brasileira afirmou, numa entrevista, que só sobreviveu

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com o seu clássico programa de humor porque aderiu à tendência ‘humor da cintura para baixo’. Vivemos numa cultura que cantou em alto e bom som nos Anos 80 que “tudo o que é bonito é para se mostrar” e que transformou o corpo numa mercadoria fácil, rendosa e banal. Deveríamos preservar, com todo cuidado, os nossos traços particulares, pois a banalização do corpo tem custado um preço alto. Estamos rasgando as paredes e as restrições da privacidade, esquecendo-nos de que a privacidade é um direito também conquistado. Freud, analisando a psicologia das massas, afirmou: “ Por mais que ela (massa) queira as coisas apaixonadamente, nunca as quer por muito tempo; ela é incapaz de uma vontade durável. Não tolera nenhuma demora entre seu desejo e a realização do desejado. Ela tem um sentimento de onipotência; [...] ela é extraordinariamente influenciável e crédula; é desprovida de crítica; [...] ela pensa por imagens que se evocam associativamente umas às outras, [...] “. Somos bombardeados por imagens e mais imagens. Estamos sendo atropelados por uma cultura ‘pritzut’ (termo que significa revelar, irromper). Temo por uma geração que não sabe esperar e, por isso, não amadurece e vive entorpecida por seus desejos e delírios. Princípios que contribuem para uma boa qualidade de vida: desenvolver a disciplina de saber esperar, preservar nossos traços particulares e discernir os momentos adequados para revelar as diversas faces da intimidade. Lembre-se da exortação bíblica: “A esperança que se retarda deixa o coração doente, mas o anseio satisfeito é árvore da vida” (Provérbios 13.12). +



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