Chamuças de Bacalhau Domingo de ressaca, missa e feira. Ver pornografia com headfones é boa educação. A Feira e o Mercado. E as baratas. De como as hindus se vestem muito melhor que as cristãs. Como fazer Calippos artesanais? A pior mixórdia alguma vez bebida. É arraial tuga, minha gente, “aperta com ela”.
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XXVI Domingo de Arraial É cena ancestral, altamente antropológica, depois do excesso, a santidade. Depois da bebedeira, a ressaca que cura. Depois da tempestade, a bonança. Depois da festa brava, a calmaria. É por isso que hoje é Domingo de missa, e de feira. Espreitámos a primeira e passámos a tarde na segunda, como boas cristãs. Entre as deambulações pela cidade, achei que devia tentar passar as fotografias da máquina para a pen, é óbvio que o computador ia ficar com um vírus, por isso escolhi o computador mais afastado da pequena sala de um hotel. Estava eu muito bem a passar as ditas cujas, quando o único goês presente, que por acaso também estava no fim da sala, bem chegadinho a mim, achou que não havia nada mais engraçado do que ver um filme pornográfico. Como o som estava algo alto, o excelente homem fez o favor de colocar os headfones, ainda assim o histerismo da protagonista era tanto que eu não me estava a conseguir concentrar. Quanto mais tentava apressar o processo mais erros aquilo dava. O desgraçado aproveitava os momentos menos entusiasmantes do filme para fazer conversa comigo. “wichx country, prettii ladii”. Eu só respondia abrindo os olhos ultrajados e chamava “Ó Rita ó Rita” mas Rita nem vê-la e assim que consegui, fugi dali para fora para deixar o senhor aproveitar a matiné! Surreal. Depois da operação cibernética decidimos ir à feira e ao mercado. Queríamos comprar bolachas lá para casa (porque tínhamos acabado completamente com o stock) e umas flores para a Premila. A feira eram quatro corredores de lojinhas. Havia gente a vender flores, peixe, fruta e pulseiras, assim mesmo por esta ordem. E os cheiros, vê-se bem, existiam lá todos, podíamos cheirar à borla, da rara orquídea ao dejecto alheio, não havia maneira de ignorar. Já o mercado estava povoado de especiarias e baratas, tinha-se que ter algum cuidado com o que se pegava não fosse sair um brinde com patinhas. Comprei preparados do género Knorr para trazer, era só juntar à comida e praticamente tínhamos a Baby a cozinhar em Lisboa. A flor que compramos para a Premila não possuía propriamente todo o esplendor do reino vegetal, mas foi assim o arranjinho mais engraçado que coube no budjet destas duas forretas que nem foram ver o Taj Mahal! E depois, ia ficar bem, de certeza, ao pé dos cãezinhos de louça. Ao chegar a casa cheias de sacos, encontrámos o Adolfo na cozinha a preparar-nos Mutton
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Byriani, que comemos sem saber bem o que estávamos a comer, mas como tinha arroz já era meio caminho andado para a compreensão digestiva. Estávamos algo inquietas, a mente já nos pedia novos destinos e novas aventuras. É impressionante como o homo-sapiens se consegue habituar a este efeito peregrinação conquanto lhe chame férias. Andar com a casa às costas tinha-se tornado um vício e como estávamos bem dormidas decidimos que no dia seguinte íamos explorar uma praia mais a sul. Não íamos propriamente levar a casa às costas porque essa ficava em casa dos Fernandes, à qual regressaríamos ainda uma última vez. Mas como ainda era só depois do almoço, fomos mais uma vez deambular. Como já vos disse, Panjin é praticamente uma avenida larga que segue o rio, o trecking não tem muito que saber, vai-se até à ponte, dá-se uma volta pelo centro e regressa-se ao ponto de partida. E foi exactamente isso que fizemos, espreitamos a missa na igrejinha do centro, que estava a ser rezada em Konkani, e constatámos que de facto os hindus se vestem muito melhor que os cristãos, pois as seguidoras de Jesus, renunciaram aos saris e ficaram sujeitas à contrafacção estética de meia dúzia de lojas que por cá designaríamos como “dos chineses” com a diferença que por lá chineses, não há. Visitamos essas lojecas de roupa à ocidental e muni-me de umas quantas tshirts de “marca” para oferecer quando chegasse à terrinha. Falsas ou verdadeiras, aquilo era tão barato que valia só pelo negócio. Ao longo do rio ainda estavam mil tendinhas da festa do Carnaval, vendiam todo o tipo de coisas coloridas para ingerir. Uma delas tinha dezenas de garrafas com líquidos coloridos alinhadas, fomos espreitar e descobrimos que eram gelados, do tipo Calippo, ou seja, eles tinham um paus com bolas de gelo e depois consoante o sabor escolhido, entornavam o liquido para o gelo, que depois se transformava em rupias, como tudo o resto. Uma brisa corria fresca e abanava as centenas de bandeiras e fitinhas que ainda tinham resistido. Decidimos que tinha chegado a altura de comermos qualquer coisa estranha e arriscamos um bolinho branco numa venda regional. Não sei bem descrever o sabor, mas era molhado e meio doce, sim, parece-me uma descrição exacta. A Rita deve ter achado que sabia à mesma coisa e fez me um ar como quem dizia “um chega”. Quando voltamos finalmente a casa, estoiradas de tanta passeata telefona-nos o Atish “Were are you”. Há que dizer que para além do Atish passar o dia inteiro ao telefone, sempre que o fazia, os primeiros vocábulos não eram outros que estes três “Where are you”, também há que sublinhar que este W inicial era substituído por um V. De modo que estas saudações (pois era disso que se tratavam) soavam a qualquer coisa como “vere-hare-you”. Ao que 3
nos respondemos “estamos em tua casa cheias de fome” ao que ele nos revelou que já tinha tudo planeado (obviamente). Fomos então buscar o André a casa e passamos por uma tasquinha muito catita onde se via Tv e se bebia uma das piores mixórdias que o homem criou. Constitui-a a cuja, uma destilação insuportável do fruto cajú. Esse aperitivo tão delicioso no seu estado sólido e tão azedo no seu estado liquido, que ainda se consegue piorar adicionando limão e sal. Bebi um golo que logo estrebuchei para as caras mais próximas e, num incrível erro de diplomacia constatei que aquilo só podia ser uma piada má, que aquilo nem para temperar o guisado servia. Tive que aguentar o olhar ofendido dos autóctones que graças a Deus, estavam mais interessados na novela da noite. Jantámos num pátio ao ar livre de um restaurante “fino”, de seu nome “O Cozinheiro”. O Atish pediu um pouco de tudo. Refastelamo-nos mais uma vez até aos limites do Compensan em peixe frito e caranguejo entre outros moluscos inomináveis mas saborosos. Não podia a noite acabar sem uma surpresa saudosista. Levou-nos o Atish a um autêntico bailarico. Aquilo só podia ser tradição lusa, não faltava o docinho frito nem a musica pimba! Havia panos de muitas cores e mesas de plástico, uma banda desgraçada desafinava um “Mamae eu quero” e, numa exuberância de vinho, já tudo dançava em cima uns dos outros, meninas com meninos, velhotas com velhotas, tudo se abanava ao som dos acordes das mais belas músicas na língua de Camões, “Aperta aperta com elaaaaaa”. Afinal, também era Domingo de arraial.
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