Chamuças de Bacalhau O fetiche do Atish e a minha carreira como actriz em Bollywood. O último dia em Goa foi picante. A Última Ceia pintada por fauvistas. Tendinhas-Fátima em Velha Goa. O Titanic de Candolim. Quando a comida fica entre o esófago e o coração é porque se está a dizer Adeus.
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XXX Spice Up Ao que parece, o Atish tinha um fetiche pelos meus cabelos. Fetiche não confessado, claro está, que geralmente adquiria a forma de um “quanto é que o cortas?”. Aliás, era este mesmo cabelo que me garantia um possível futuro como grande actriz-bailarina-cantora de Bollywood, quanto ao resto, dizia o Atish, tinha que engordar uns kilitos musicais. E assim foi. No último dia de Goa o Atish resolveu fazer-nos uma surpresa. Metemo-nos no carro e olhei uma última vez e com uma certa nostalgia para aqueles bancos brancos e turcos, pensando “e não é que até disto vou ter saudades!”. Í amos ouvindo a rádio Í ndigo enquanto atravessávamos uma das pontes de Panjin e enquanto o Atish ia fazendo a legenda da cidade, “esta rua tem o nome do meu avô”, “esta rua tem o nome do avô do André” e por ai fora de amigos e avós. Metemo-nos por caminhos tropicais, cheios de verdes fortes e boas sombras. Passamos por arrozais imensos e por pescadores de areia, que a apanhavam no rio e a traziam em grandes barcos de madeira. De repente, no meio desta selva o carro parou e nós saímos, tínhamos chegado ao nosso destino. Era uma fazenda de especiarias (Savoy Spicies), que ficava num vale absolutamente cheio de vegetação. Parecia a Amazónia, só faltavam os macacos e os tigres. No meio de todo o tipo de árvores tropicais que possam imaginar e de todas as especiarias a crescer, ficava uma estrutura de madeira com um telhado altíssimo, onde havia mesas. Sentamo-nos numa grande mesa corrida e trouxeram-nos quinze pratos de barro com as mais diversas iguarias. Flores de bananeira trituradas com ingredientes mistério, peixes fritos, vegetais estranhos, batatas disfarçadas, marisco, eu sei lá. Era tanta coisa nova, tanto sabor diferente, tanta cor que nem parecia um almoço parecia a Última Ceia, pintada por fauvistas. E de alguma maneira era! Lavámos as mãos com um coco que ia buscar água a uma bilha e comemos com elas nuns pratos feitos de folhas gigantes de uma árvore qualquer. No fim bebemos um chai maravilhoso e fumamos uns cigarrinhos artesanais que um velhote estava a fazer ao nosso lado. Não sei bem o que é que estes cigarrinhos levavam mas fiquei logo zen. Perdemo-nos na plantação, entre os caminhos verdes. A terra era fértil e o ar húmido e fresco, no meio da savana havia duas cabaninhas que se podiam alugar, que delicia de lugar.
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Saímos de lá com o feitio de Adão depois de ter sido expulso do paraíso, mas logo voltamos a sorrir pois fomos visitar Velha Goa, que é onde ficam as antigas igrejas construídas pelos portugueses. Claro que reparámos que não era só isso que lembrava Portugal. Havia as típicas tendinhas-Fátima onde se vendiam todas e mais algumas relíquias, entre outros divinos objectos. Espreitámos a Sé Catedral, a Igreja de S.Francisco de Assis e a Basílica do Bom Jesus, onde dorme eternamente o corpo de S.Francisco Xavier. O Atish torceu o nariz e declarou que aquilo “era só igrejas velhas”, mas nós saímos de lá de nariz empinado, com aquele sentimento de donas do pedaço, muito portuguesas. Fomos ver o pôr-do-sol (já não era um programa propriamente original) a uma praia cheia de bifes, parecia que tínhamos chegado à Quarteira, com a única diferença que só havia a praia. Deitamo-nos numas redes (o que foi bastante bom para o meu escaldão) e ficamos calados a ver mais um dia a morrer. A praia de Candolim tem uma especificidade de há uns anos a esta parte - um gigantesco cargueiro que ficou enterrado a poucos metros da costa, e ali enferrujou, o que dá ao cenário um ar muito “Titanic”. O caminho para casa foi feito em silêncio. Apurámos os sentidos para levar tudo connosco, cheiros, sons, cores, e tudo parecia fugir a grande velocidade. Como jantar comemos o melhor bife de vaca de sempre, desfaziase na boca e tinha um tempero secreto que o tornava na maior tentação hindu de todos os tempos. Saímos para beber a última Kingfisher em casa de mais um amigo do Atish e a Rita veio a guiar para casa, entre muita gargalhada e confusão por se guiar do lado errado, Panjin já dormia e não a voltaria a ver acordada, pensei, enquanto raspava com as unhas aquelas tontas toalhas onde me sentava. Deitamo-nos vestidas e de malas feitas. Fiquei a olhar para a ventoinha do tecto que tentava arrefecer o ar. Provavelmente a Rita fazia o mesmo. Não queria acreditar que fosse tudo acabar, que já tivéssemos chegado ao fim! Em menos de nada, a Premila vinha acordar-nos, eram 4 e meia da manhã e já estava ela a fazer-nos um pequeno-almoço de despedida. Nem sequer deu para ter aquela sensação-Hemingway-vamos-para-a-caça, estava tudo com uma certa tristeza e com muito sono. A comida ficou-nos entre o esófago e o coração e não desceu sequer quando demos um último abraço, provavelmente não nos voltaríamos a ver mais nesta vida. Enfim, voltei a enrolar-me na minha manta e subimos para o carro, tínhamos um motorista que ia levar-nos ao comboio, imagine-se! Fomos o 3
caminho todo caladas, sem saber se íamos chegar a tempo ou não. Mas lá conseguimos, lá estava a estação com gente a dormir pelos cantos por baixo de cobertores, mendigos e turistas, lá estava a barraquinha das bolachas o papel higiénico, por falar nisso tenho que o levar! O motorista ajudou-nos a encontrar carruagem, e assim que chegámos fizemos as caminhas e tentámos dormir. Adeus Goa.
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