Chamuças de Bacalhau Despertar em Palolem como o Eddie Murphy. “Hello To The Queen” ao pequeno-almoço, almoço e jantar. Como apanhar um escaldão no rabo? Conselhos de um sucedâneo do Robinson Crusué. Rita com feitio de cão indiano. Da Escócia ao Kentucky vai um grande azar. Amor nas dunas. O tecto da cabana do Ben, o judeuzinho excitado.
1
XXVIII Kentucky Fried Kisses Lembram-se do despertar do Eddie Murphy em Zamunda, no “Príncipe em Nova York”? Pois o meu hoje foi mais ou menos do género. Toda eu estava feliz, os bichos já se tinham calado e reinava a paz. A Rita estava com um feitio de cão insone e nem tentei levanta-la da cama. A mim tudo me parecia belo, o dia começava a aquecer e a areia à sombra estava fresquinha nos pés. Peguei no meu livro e fui tomar o pequenoalmoço para a esplanada. Sentei-me e decidi ignorar a estética pós-moderna das pernas magras, pedindo para primeira refeição um grandessíssimo “Hello to The Queen”. E lá veio ele, uma taça oval com bolacha, gelado, chocolate, cajus e raspas de coco. Até chorei perante a visão de tal iguaria, e levantei os olhos para o mar achando que não faltava mesmo mais nada para se ser absurdamente feliz. Estava eu nesse êxtase contemplativo quando reparo num belo rapazote moreno, sentado sozinho a ler um livro (Elááá temos tango). Trocámos olhares e fingi logo um profundo desinteresse, como aliás fazem as mulheres nos tais videoclips. Afinal, era só um rapaz a ler um livro. Como tinha cerca de toneladas de calorias para gastar decidi ir “à praia”, (a bem ver não tinha outra escolha porque só há praia) e assim lá andei eu de um lado para o outro a nadar e a saltitar por entre as águias. Foi então que reparei que mesmo à beira mar havia centenas de caracóis arco-íris (este nome foleiro e nada cientifico provem das atraentes cores que estas conchas tinham) e como não havia mais que fazer, pus me literalmente de rabo para o ar a apanhá-los. Estava muito bem há uma hora neste meu desporto improvisado a olhar para o chão, quando vejo uma sombra a aproximar-se da minha sombra, muito devagar. Olho para cima e o sol cega-me, lentamente começo a distinguir os traços de um homem velho, mas…. era o Robison Crusué!
2
Bom, talvez não fosse O Robison original, mas era um fiel seguidor. Tinha uma longa barba desgrenhada e um corpo bronzeado e seco, como se andasse a comer rúcula há dez anos, dentro de um solário. De roupa, só tinha uma tanguinha de tecido velho que já tinha perdido a cor e uns fios ao pescoço. Para rematar um chapéu de palha na cabeça não fosse o sol fritarlhe as ideias. Fiquei a olhar para ele embasbacada, com certeza queria dizer alguma coisa e eu não sabia bem que língua usaria aquele ocidental naufragado. Mas ele tomou a iniciativa num inglês rouco que passo a traduzir: -São muito bonitas as tuas conchas. -Hmm…o...bri..gada- disse eu. -Mas estão vivas ainda e se as guardares vão cheirar muito mal – profetizou ele enquanto fazia uma cara de quem já o tinha cheirado. -Pois…se calhar… estava a pensar em fritá-los… -Sim, é uma ideia, ou podes pô-los num ninho de formigas que elas comem o bicho e deixam a casca. -Ah – tentei fazer um ar surpreendido com tão simples solução - é isso mesmo que farei, obrigada Robinson (este Robinson foi dito entredentes). -Então até à próxima – despediu-se o velho e pôs se ao caminho, deixando para traz um cheiro a mar e um traseiro à mostra. Depois deste encontro decidi devolver as conchas ao mar, afinal não ia conseguir encontrar nem frigideira nem formigas a tempo. Quando voltava para a cabana reparei que, como a maré tinha descido, tinham ficado mais a cima imensas conchas vazias iguais às outras, fora o hospedeiro. E lá estive mais uma hora a apanhá-las. Entretanto a Rita tinha acordado e almoçou comigo silenciosa. O rapaz do livro continuava lá e de vez em quando olhava para nós mas eu nem disse nada à Rita, farta dos meus romances já ela andava. Aproveitámos e fomos ver se conseguíamos comprar pechinchas aos indianos. Eu andava particularmente interessada numas colchas azuis que eles faziam, todas bordadas com diferentes padrões, eram lindas só que o preço era sempre exorbitante, felizmente todas as lojinhas as vendiam por isso era uma questão de paciência. De 6000Rs consegui descer para 350Rs à
3
décima tentativa, ainda assim era muito dinheiro, e eu tinha metido na cabeça que havia de tê-la por 100 Rs, se não fosse hoje era amanhã. Já a Rita estava num dia de mau karma, tinha perdido a paciência e mandava vir sempre que a tentavam intrujar, e como isso acontecia a cada minuto, o feitio dela estava próximo de um vulcão. Por fim o sol pôs-se. Tenho a certeza que nunca vi tantos pores-do-sol magníficos seguidos, como nestas praias de Goa, toda a gente pára em contemplação e depois descobrem que estão cheios de fome. E mais uma vez lá fomos para a esplanada do Brendon’s onde desta vez estava o livro mas não estava o rapaz. Fiquei cheia de pena a achar que se tinha ido embora e arrependi-me de não ter metido conversa quando pude. Mas disse Ganesh três vezes e, imaginem, ei-lo à minha frente. Bem, estava mais ao lado que à frente, mas preparava-se para comer um peixinho fresco e meteu conversa. Tentem não fazer um ar chocado quando perceberem que eu também jantei um “Hello to the Queen”. “Mas Mami, com tanta coisa boa para comer?”, eu sei, eu sei mas o sangue precisava de açúcar e lambada, era do calor, das palmeiras, do Éden, etecetras. A Rita rapidamente perdeu o interesse e disse “vou-me deitar” e juntou o gesto à palavra. Eu cá por mim fiquei toda contente que a noite estava estrelada e eu estava encantada. O dito rapaz era moreno, alto e magro. A mim, fazia me lembrar o Mulder dos Ficheiros Secretos, com lábios carnudos e um sinalzinho de lado mas sem a paranóia dos E.T’s. Sim, ou era giro ou aquilo era o açúcar a bater! Enquanto trocávamos banalidades, eu ia montando e desmontando umas estrelinhas de papel que tinha comprado, chama-se a isso ter duas mãos a mais e nada para fazer com elas. O rapaz que ainda não tinha nome, tinha 27 anos e uma pronuncia sedutorazinha, que podia bem vir da Escócia mas quando eu percebi que vinha do Kentucky até me benzi. Ou não fosse aquilo um Americano, tranquilo, mas um Americano! A partir daí foi a chacota total da minha parte. Não é todos os dias que se apanha alguém da terra do frango frito. Mas o rapaz surpreendia, sabia onde
4
era Portugal e quem era o Vasco da Gama. Cerveja vem, conversa vai, os olhos a brilhar ou a estrelas, não sei bem… (Parte lamechas do filme, entra a musiquinha foleira) Soprava uma brisa morna, ouvia-se as ondas do mar, o rapaz começa a fazer-me festinhas na perna enquanto fala, “oh meu deus, eu conheço-o há dez minutos”, festinhas no braço sem tirar os olhos dos meus, “eu nem o conheço bem”, beijinho no ombro com aqueles lábios “Mami ele é do Kentucky, o frango frito”, beijinho no pescoçoooo “que se lixeeee”. -‘Bora ver as estrelas?- perguntei eu rapidamente, afinal ainda estávamos na esplanada, para deleite dos voyeures veraneantes. Não sei se ele queria mas a verdade é que fomos. A areia ainda estava quente do dia, e rapidamente nos encheu as roupas, cabelos e tudo o mais, rebolamos quase até ao mar, quentes e excitados (esta parte está a ser copiada dum daqueles romances de cordel que a revista Maria oferece no Verão do género Arlequim-e-qualquer-coisa). Estrelas, nem vê-las! No meio da confusão, lembrei-me de lhe perguntar, cuspindo areia. -Pfff, já agora, pff pfff, como é que te chamas? -Ben. -Tá Ben, muito prazerrrrrrrrrrrrrrrrr. Ao que ele respondeu, sedutor: -Porque é que não vamos para a minha cabana? E aí o mundo parou e eu pensei, “Mami quantas vezes na vida, é que tu vais ouvir esta frase?” Sobretudo em inglês, em que usam a palavra Hut e não é com Pizza à frente. Oh, digamos que fingi 2 minutos de dificuldade. Também, era isso ou sei lá que infecções arenosas, e uma cama sempre é mais asseadinha. A cabana do Ben era igual à nossa, pelo menos o tecto era, o resto não reparei com grande atenção. E a ventoinha também abanava a cabana toda, acho. Às tantas no meio de muito striptease nada intelectual, descubro que o Ben tinha, ao pescoço, um colar estranho, uma espécie de cilindro de prata com uns caracteres gravados.
5
“Ó diabo, pensei eu, queres ver que eu agora apanhei um maluco de uma seita qualquer?” -Hei ó Ben - perguntei eu assim nada a propósito - que colarzinho engraçado é esse? Ao que ele responde, pondo de repente um ar sábio e eloquente, no meio daquela ginástica toda. -É uma Mezuzah, um símbolo judaico…simbolicamente traz frases da Thora lá dentro, tipo os Mandamentos. -Uau - disse eu surpreendida com tantos termos novos de repente – deve ser… pesado! Bem, reflecti, se é judeu está bem, quer dizer, Jesus era judeu, fica tudo em família. E ficou…isto se notarmos que o bom do Bem tinha a sensibilidade de um pedreiro nas mãozinhas que prometiam destrezas de carpinteiro, para além do facto de estar com uma pressa nada bíblica, o que não ia nada com o shanti lá do sítio. Conclusão e moral da história pus me na alheta e deixei o excitadinho hebreu com uma mão à frente e outra atrás à porta da cabana a chamar por mim, “Wait, wait, you don’t like Ben?”. E eu só dizia divertida, “Oh benzinho, não és tu….sou eu, e essas coisas só se fazem depois de um casório judeu, livraaa! ”. E lá fui eu, entre gargalhadas e muitos “já nos safemos”, tomar um duchezinho frio antes de adormecer a olhar para o tecto da minha própria Hut.
6