Chamuças de Bacalhau A Maravilhosa Vaca Milagrosa dos Três Cornos e Três Olhos. Futubol é vicio cristão, já de vê. Em Palolem anda-se meio a dançar. O Romance está no ar e os mosquitos a picar, o que se irá passar?
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XXVII Palolem Chill Out Tinha chegado o dia de mais uma viagem. A Premila deixou-nos na estação de autocarros, apanhámos um deles para Margao e só aí tínhamos que trocar para Palolem. Se o primeiro autocarro era de um profundíssimo azul cueca, o segundo não se diminuía de atractivos. Era ele que levava um poster da Vaca Milagrosa dos Três Cornos e Três Olhos. E mostrava a dita cuja toda envolta em lencinhos. Aquela pobre aberração genética que cá no ocidente seria logo abatida à traulitada, tinha na Í ndia uma vida de vedeta de manjedoura. O povo pagava para tocar nessa divindade tão dotada e nós tentávamos desviar o olhar e não pensar no homem dos dois polegares. Quiçá também ele divino. Estávamos a caminho, apertadas contra dezenas de crianças estudantes, fardadas e bem condizentes que nos intervalos das aulas jogavam futebol em vez de criquet (vicio cristão já se vê). Todas olhavam para nós e riam como se fossemos mais ridículas que a vaca louca. As meninas usavam duas trancinhas e os rapazes joelhos esfolados. Depois de duas horas de caminho, que acreditem, passaram num instante, chegamos a Palolem. Mais uma vez os coqueiros, o verde, o cheiro a fruta e a naans, e todo o comércio das Í ndias. Palolem não era agitado como Arambol, era mais pequena e as pessoas tinham chegado a um estado zen e por isso andavam meio a dançar. Mami e Rita fazem sorriso triunfante porque aquele episódio já elas tinham visto. Chegadas à dita praia, começou a busca de uma cabaninha a jeito. À terceira encontrámos. Como queríamos pagar o mínimo possível, sendo isso exactamente 200Rs, ficamos no Brendon’s, num círculo de cabanas mais dentro da floresta e por isso nada dado a festas trance! Entravamos para a cabana por umas escadinhas, desta vez era feita em contraplacado e de palha era só o tecto. Tinha um grande pano de Ganesh ao lado da cama e um mosquiteiro verde bolor que prometia eficácia nenhuma. A praia estava cheia de barquinhos de madeira, cães, vacas (no prato e fora), corvos, águias, ratos, aranhas, morcegos, borboletas e caranguejos, uns mais visíveis que outros. E em cinquenta minutos ia-se de uma ponta à outra. Como estávamos esganadas sentamo-nos na primeira esplanada e pedi um
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“Hello to the Queen”, que eles tiveram que improvisar por falta de ingredientes, ficando resumido a gelado em cima de bolacha com um fio de chocolate. No ar uma musiquinha mole e mugidos das vacas com dois olhos. Demorei o olhar naquele idílico todo, a única coisa que me saiu foi “E há guerra no Paquistão! Que parvos!” Passámos o dia em banal atitude de bronzear, não posso dizer que houvesse muito pensamento incluído, apenas desfrute. A vida era bela e a água quente, os indianos tentavam tirar fotos e nós tentávamos não ser mal criadas. Não tentávamos muito a sério. O romance estava no ar, estava na areia, estava em todo o lado. Depois de passarmos o lusco fusco a tentar fazer negocio com os vendedores, jantámos, à luz das velas, uns bifes com alho tão bem temperados que juramos que a vaca da proveniência só podia ser a dos olhos em número impar! À noite, na cabana, ouvíamos todos os sons possíveis, estávamos em plena selva, o melhor era nem tentar decifrar que animal fazia o quê, conquanto que se ficassem pelo quintal. A Rita não pregou olho a noite inteira, estava-lhe a dar a espertina e os mosquitos tinham começado a atacar, a ela só lhe faltava comer o repelente, quanto a mim, que já parecia um puto da rua todo picado de percevejos, não fazia diferença mais uma baba menos uma baba. E por fim lá consegui fechar os olhos, os dois!
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