Chamuças de Bacalhau Monkey Temple é bonito e grátis. Chicken Maharajá é o Big Mac. Bus para Pushkar com Hemingway a cantar Julio Iglesias. Chegada à cidade fantasma. Franceses e comida tibetana. As toalhas também aquecem. O Silêncio.
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X Monkey Business
-O Antoni apalpou-te o quê ??????? -Não Rita. Não apalpou nada. Mas juro que me veio a dar a mão o caminho todo. Mas não percebi se era para eu não me espatifar mota fora ou se era outra coisa qualquer. Tipo verdadeiro amor-hindi (ahahahah). Até porque, convenhamos, eu nem lhe dei grande conversa…. Estou a inventar. Não contei nada à Rita. Contar o quê? Eu não tinha grande a certeza do que se tinha passado e de resto no meio daquela maluquice toda, tudo fazia sentido. Quando chegámos ao quarto ontem, olhámos uma para a outra com um ar de “o que é que foi isto” antes do típico momento de risota. E fiquei o resto da noite a remoer o caso da mão, a explorar tudo o que eram possibilidades de enredo côr-de-rosa-bollywood-style, com o sexy professor motard que interrompia os discursos em inglês com muitos “attend, enfin” e outras francesises sedutoras. Oh que cliché, uma paixoneta por um francês na Índia! Mas como diria o Bocage (bem, é mesmo melhor deixar o Bocage fora disto). Na verdade não ia ter que esperar muito para o voltar a ver, já que nos tinha convencido a ir passar o fim-de-semana a Pushkar, uma vilazinha meio hippy, à volta de um lago, que fazia a delícia de tudo o que era malta nova de passagem. Por isso ficamos com o dia de hoje para nos despedirmos de Jaipur, e assim decidimos ir visitar o Monkey Temple (porque era bonito e grátis, lá está). Apanhámos um driver meio briguento que nos sacou 300 Rs pela viagem prometendo que não faria paragens para tapetes, gurus, jóias, casamentos e
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outras patranhas. E nós então exigimos uma paragem no McDonalds para ganhar forças com um Chicken Maharajá, ao que ele nos respondeu com um ar de desprezo “está bem eu deixo”. O Monkey Temple fica num promontório às portas da cidade. Tirando os macacos que reinam no pequeno santuário e as vacas que se bronzeiam ao sol, a única coisa que interessa é a vista fantástica de Jaipur. Foi aí que percebemos que todo aquele caos era uma folha de papel geométrica, completamente organizado à volta de grandes avenidas rectas, pontuado aqui e ali por minaretes. Vale a pena subir a este templo para perceber a imensidão de Jaipur que se estende como um deserto, até onde a vista alcança. De volta ao hotel Pearl decidimos ficar o resto da tarde a apanhar sol no telhado. Até porque naquele país de gente meio bronzeada nós continuávamos com uma palidez que faria inveja ao Nosferatu. Estas horas de descanso, sem nada que fazer, sem nada de inesperado, até nos foram estranhas de tão habituadas que andávamos a não parar quietas, mas precisávamos de esperar que o Antoni acabasse as aulas e eu estava algo irrequieta a pensar com que cara é que ele ia olhar para mim. E a Rita sem desconfiar das minhas divagações…. De repente ele apareceu, de manta enrolada ao pescoço qual aventureiro e de mala de cabedal a tiracolo, cheia de exames para corrigir (Professor Jones, é você?). E eu nesse segundo resolvi ignorar a situação e fingir que tinha acabado de o conhecer. “Estão prontas para Pushkar?”.“Então não? Se soubéssemos como já lá estávamos!” A estação de camionetas de Jaipur parecia um mercado, com indianos a apregoar tudo e mais alguma coisa para a fome, “Chaiii, Chaiiiii” gritavam eles. “Chaiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii” e praticamente nos enfiavam o Chai pelo esófago a baixo. Aquele Chai para mim era uma mistela intragável e decidi manter-me à margem dos líquidos. “Ajjjjmerrrr, Ajmer, Ajmer, Ajmer”. Aí estava o nosso veículo, Ajmer era o nome da cidade em que íamos “fazer escala”. E como a Antoni nos explicava os indianos também apregoavam o destino das camionetas. A excitação era mais que muita e entrei aos saltinhos para me ir sentar na fila de trás, no cantinho ao pé da janela. E aos saltinhos continuei nas 4 horas
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seguintes pois amortecedores era um luxo não presente e a almofada da cadeira já estava visivelmente estafada de tanto rabo saltitante. Ainda assim nada nos podia tirar o sorriso da cara, sobretudo porque, ao menos estávamos sentadas. A malta que entrava ficava de pé ou sentava-se ao colo dos passageiros, era uma maravilha! Estivemos a viagem toda a olhar para um gordo bebé que se babava a olhar para nós e há procura do meu moleskine que se tinha perdido e no fim foi encontrado. O autocarro que nos levou de Ajmer para Pushkar era produto em stock de uma das últimas guerras mundiais e parecia que nos ia levar para a trincheira mais próxima. Já o estão a ver, todo de metal cinzento, com umas lâmpadas amarelas e três pessoas sentadas onde deviam ser duas. O senhor dos bilhetes tinha um ar tão surpreendentemente carismático que fomos a viagem toda a apostar se era ou não o Hemingway. Levava um apito na boca que soprava sempre que alguém dizia que queria sair, e nos intervalos de lamber os dedos para contar notas, cantarolava qualquer coisa que parecia um hit do Júlio Iglesias. Estava tudo tão apertado que quando lá chegamos fomos literalmente vomitados para fora do veículo. Tínhamos finalmente chegado a Pushkar e não se via um palmo à frente dos olhos. Começámos a andar arrastando as mochilas e entrámos numa cidade fantasma. Eram nove da noite, estava muito escuro e não se via praticamente ninguém. Tínhamos que andar muito concentradas no chão para não pisarmos nem as bostas de vaca, nem as próprias vacas que dormiam pesadamente. Aquilo tinha um ar bastante desolado e não percebi sinceramente qual o charme da aldeia. Enfiámo-nos por ruas estreitinhas parámos numa fachada branca que prometia dar-nos guarida sob o pomposo nome de Shai Baba Guest House. Como estava muito escuro não conseguimos ver bem o edifício, mas percebemos que tinha 5 andares de quartos construídos à volta de um pátio a céu aberto. O nosso quartinho ficava no primeiro a andar e era de apetite. Espaçoso e branco, com cortinas coloridas a tapar um grande janelão e uma duríssima cama que prometia belos repousos ortopédicos. Depois de deixarmos as coisas fomos jantar e foi então que conhecemos um grupo de franceses que iam ser os nossos próximos amiguinhos.
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Estavam todos a falar animadamente quando chegámos e depois das apresentações, lá começamos a tentar traduzir aquela salganhada. Eis não quando o Antoni descobre que tinha perdido a carteira, com os documentos todos (pelos vistos o Antoni tinha fama de perder o Universo inteiro) e começa o pânico. Antoni e mais um amigo decidem voltar à estação a ver se lá tinha ficado. Enquanto isso nós fomos com os novos conhecidos para a um restaurante tibetano e ficamos ao relento à espera da comida. Para além de não perceber grande coisa da conversa, estava com um frio de Janeiro, embora estivesse vestida com a roupa toda (mesmo). O resto do pessoal encontrava-se enrolado no que pareciam mantas e cobertores como fazia o Antoni, começámos a achar que aquilo deviam ser ecos de moda parisiense. Esganada por um belo bife, eu estava com azar, pois aquele restaurante era super vegetariano. Comi uma sopa com umas ervitas a boiar e provei uns momos com qualquer coisa não identificada. De qualquer maneira quase não se via o próprio prato por isso mais valia não pensar nisso. Como se não bastasse o Antoni tinha descoberto a carteira, depois de ter ido até casa do motorista e de ter voltado ao nosso quarto, para constatar que a tinha deixado na mala. E já feliz outra vez, sentou-se ao meu lado no jantar e passou o dito a olhar para mim com aqueles olhos indecentes, a perguntar porque é que eu estava sem apetite, porque é que eu não estava a comer “com amor”. E dizia isto tudo com aquela pronúncia muito açucarada “You arrre not iting withh loveee”, e eu batia o dente de frio e de fome e tentava o ar mais sedutor deste mundo. Depois do repasto seguiu-se uma sessão de Kingfisher num barzinho meio clandestino (porque Pushkar é uma cidade sagrada e não convém ser adepto das bebidas espirituosas). Não sei do que se falou porque estava a cair para o lado de cansaço e de fome. Quando voltamos ao quarto pusemos tudo o que era cobertor, toalha e roupa em cima da cama por causa do frio. Pus os belos tampões amarelos nos ouvidos e a venda nos olhos. A Rita adormeceu a ouvir o Mp3 cheia de medo de voltar a sonhar que tinha sarna. Mas entretanto, uma coisa maravilhosa acontecia…. O silencio, finalmente!
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