Chamuças de Bacalhau 13

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Chamuças de Bacalhau Divagações sem Bhang Lassi. Introdução à arte do regateio. A Manta. Ficar ou partir? Contas saldadas e malas aviadas.

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XIII Shopping Mania Já me habituei a certas coisas. Ando por aqui feliz ao Sol. E acho a Í ndia um luxo, mesmo a Í ndia pobre. Um luxo de cores, sons e sabores. Um minuto tem mais vida que uma hora e assim sucessivamente. E no entanto, passa rápido demais. Tento parar o momento enquanto olho para a guest house em frente à minha varanda. Foi pintada no período azul de um Picasso qualquer cá do sítio. Mulheres sentadas à “chinês” fazem chapatis e deixam-nas a secar ao sol. No andar de baixo há uma lojinha que vende mini-embalagens a granel. Há muito disto pela Í ndia, são pequenas embalagens que parecem conter pastilhas, mas que são doces, tabaco de mascar e champô! Eles vendem champô à grama! Ficava aqui um mês. Aliás, já sinto saudades disto tudo. Parece que me habituei ao constante alerta, à excitante incerteza e aos oásis de paz. No meio de noites barulhentas, camas duras e cobertores velhos sinto-me estranhamente revigorada como se só num sítio destes, sem lógica, se pudesse ter tudo. (Juro que isto não são divagações pós Bhang Lassi de Marijuana). Há menos gente nas ruas por ser segunda-feira, os franceses foram se embora e eu e a Rita decidimos ficar. Estávamos a precisar francamente de um frívolo dia de compras. As ruas de Pushkar estão afogadas em lojinhas de quase tudo. São tecidos, lenços e mantas. São calças à Alibabá e saias bordadas. São autocolantes divinos, blocos de notas trabalhados e pulseiras, anéis e colares. E em cada uma somos convidadas a entrar e cada qual nos promete o melhor preço de sempre. Depois de horas de transacções posso iniciar-vos na arte do regateio ou “como comprar qualquer coisa na Í ndia”. Não é tarefa fácil e farta “comó caraças”. Ora vislumbrem o guião: -Namasté Madam, come see, come see! -Quanto é que isto custa? -Ohhh, this very nice. I make good price, madam... -Está bem mas quanto é que é? -Ohh, you say the price. -Ok, 2 Rs! -What? You wanna kill me madam? I’ve got children!

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-Ok, então diz tu o preço. -50 Rs madam! E é neste momento que faço um ar ultrajado e digo “és doido” e viro costas. Fazendo isto parte do ritual, o seboso indianozinho faz a sua parte vindo atrás de mim. -Ok, ok wait. 30 Rs. -5 Rs. -C´mon madam, its very nice. 10 Rs. -5 Rs ou eu vou comprar igual ali ao lado. -Ok, ok – diz ele aborrecido – 5 Rs its done. Parabéns Mami, acabas de comprar a banana mais cara da tua vida! Mas ficou ilustrado o esquema que funciona para todo e qualquer câmbio. Desde o chanato, ao riquexó, passando pelo quarto de hotel. Tudo se regateia. E é sempre segundo este esquema. Nada tem um valor fixado. 100 Rs dá para pagar coisas tão díspares como uma dormida, uma refeição ou um lencinho. Mas de todas as compras que fizemos hoje há uma de que é mister falar. A Manta! Como já tinha percebido, aquela manta que o Antoni trazia sempre tinha uma inspiração. E em Pushkar não havia pessoa que não tivesse uma. E como vim a descobrir, a Manta é muito mais que um cobertor. É todo um conceito viajante. A Manta serve para aquecer do frio, para fazer de saco de cama, para fazer de toalha e para dar estilo. Logo, a Manta só não serve para ser comida, mas tirando isso não há nada que ela não faça. Assim que me apercebi deste potencial só faltava comprar a dita cuja. Tarefa árdua pois não havendo duas pessoas iguais não existem duas Mantas semelhantes. O viajante tem assim que encontrar a sua Manta, num mundo infinito de mantas. Coisa deveras épica. Procurei-a em várias lojas, vi umas muito frias e outras muito quentes. Umas muito feias e outras pirosas de mais. Umas muito curtas e outras muito compridas. Não estava nada fácil. A única certeza que eu tinha é que a minha Manta seria qualquer coisa para o esverdeado. Já me preparava para desistir quando de repente a vi. E, meus amigos, isto foi imediato, como quando o Harry Potter escolheu a própria varinha. Era fofa e leve, e prometia calor e frio conforme o desejo. De um lado abundava verde e do outro grená. E estranhamente ficava a condizer com tudo o que eu tivesse vestido. Era ela! 100 Rs! E a partir daí decidi que se 100 Rs tinha dado para comprar a minha Manta, não iria pagar mais que isso por nada, neste país! 3


Passamos o resto da tarde a levitar para trás e para a frente, Pushkar é praticamente só uma rua que vai dar ao templo de Brahma (criador do Universo) mas como estava tão cheio como o Colombo ao Domingo decidimos ir dar uma volta ao lago, sem chinelos, pois o lago é rodeado por Ghats e como estes são sagrados, só com pezinhos de lã! Sentámo-nos a ouvir música. Já estávamos cheias de saudades do Antoni e de Pushkar e ainda não tínhamos saído de lá mas, ao mesmo tempo, já nos tínhamos habituado ao sentimento nómada e já ansiávamos por outras paragens. Tínhamos fome de desconhecido e de comida também. Antes de irmos devorar paneer para o hotel, fizemos uma paragem para a Internet (não se preocupe o viajante que encontrará sempre Internet em qualquer lado, é isso e cartazes da Vodafone) e numa loja para comprar bilhetes de autocarro. Tínhamos decidido que a próxima paragem seria Jodhpur por ser mais central e daí podermos ir para as outras cidades. Jantámos em grande, pus o hotel inteiro à procura do meu mini gato e fomos dar com ele quase a esticar o pernil, fechado dentro de um armário! Já instaladas nos almofadões conhecemos uma freak suiça que adorava Portugal, por causa do Boom, sendo este a grande referência da pátria, a seguir ao Vasco da Gama. Depois do jantar, fomos saldar as contas. Tínhamos chegado ao pico da nostalgia por deixar este harém mas não havia tempo a perder, tínhamos que sair da cama às 6h para ir descobrir o autocarro. Ia ser bonito, ia. Arrumámos tudo e decidi já dormir vestida e de óculos postos na cara (como se isso já não fosse a prática corrente)! Mas uma coisa era nova, a super manta que me protegia de todos os ácaros deste mundo!

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