Chamuças de Bacalhau 16

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Chamuças de Bacalhau A Camelo ou a pé? Eis a questão. Visitando o palácio do Marajá. Em Jaisalmer ou se sobe ou se desce. Almoço com mantra shanti. Saudades do bitoque e da alheira. O sol nasce para todos.

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XVI No Camel Safari A grande questão que se põe ao felizardo turista de Jaisalmer, não é se vai ou não fazer um Camel Safari, pois isso é óbvio. Mas sim, quanto tempo durará essa cinematográfica tortura de rabo dorido e de insolação forçada. No nosso caso, depois de passarmos o dia a tentar decidir com que “agencia” iríamos arriscar um nascer do sol, concluímos que não íamos ter tempo para esse cliché desértico. Claro que foi com um certo pesar que constatámos que não nos íamos pôr a camelo mas “hei, também não tínhamos ido ao Taj Mahal por isso que se lixe, já não podíamos impressionar ninguém.” Ainda assim, esta grande questão ética iria apenas ser resolvida ao final do dia e nós ainda só estávamos no princípio! Regressemos pois à cama. Ainda não tinha sido desta que tinha apanhado uma micose ou qualquer parasita indiano, por isso tudo estava bem. Tomámos o pequeno-almoço na nossa cama-terraço da muralha (luxo!). O céu estava limpo e a Rita estava a comer o Lonely Planet acompanhado por umas tostas de queijo com tomate. Decidimos depressa que a melhor ideia era irmos ver o palácio do Marajá. Este voyeurimo começava a ser um hábito e em menos de nada, já nos encontrávamos de áudio-guides a seguir as cenas da vida doméstica do tipo rico lá do sítio. Achei muita piada ao Marajá em questão por ter no quarto uma pintura de uma moçoila ocidental, tinha sido uma marotice europeia com certeza. No fim de umas horas de deambulações, acabei de boca aberta na loja de um tipo que tinha entrado para o Guinness por pintar deuses em fios de cabelo (vá se lá saber para quê) e escrever todos os nomes do mundo em grãos de arroz. O filho do cujo, inchado de orgulho, mostrava que o seu talento era outro. Ele criava anéis narrativos, ou seja, anéis ilustrados com a história da vida da pessoa. Havia uns com as maravilhas do mundo e outros com cenas da Í ndia, e tudo isto em prata trabalhada. A Rita constatou logo que “era tudo mas é uma grande foleirada” e eu achei que era uma foleirada bastante criativa e jeitosa. Não fossem caríssimos, já cá cantava um a narrar a bela da odisseia. Antes do almoço, andámos para baixo e para cima a ver lojinhas e comprei uma mala com o Taj Mahal (remorsos? nem pensar). Em 10

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minutos já toda a gente sabia que éramos portuguesas e a rua chamava por nós. Fora das muralhas encontrámos um spot perfeito para almoçarmos. Era uma espécie de varanda trabalhada e alta que estava a apanhar sol. Quando lá chegámos demos de caras com o tipo francês (oh não) e comi um Paneer Butter Masala (andava viciada naquilo). Almoçámos ao som de uns dos mantras que tínhamos ouvido em Haridwar, tentei saber qual era mas o tipo queria vender-me uma cópia pirata do cd ou nada. Mas era uma musiquinha repetitiva e shanti que nos fazia gostar de toda a gente ao mesmo tempo, cena muito anos 70. “Ahhh, está-se mesmo bem em Jaisalmer”, diz a minha Coca-Cola. Os conflitos do Paquistão eram ali só uma miragem e tudo o resto era pacífico e relaxado. Como já sabem, passamos o resto da tarde a decidir se íamos ou não fazer o Camel Safari. A ideia de ver o nascer do sol no deserto às costas de um animal que cospe é sempre sedutora mas o grande problema é que ainda queríamos ir a Udaipur, antes de ter que apanhar o comboio em Bombaim e ia ser difícil ficar mais tempo em Jaisalmer. Acabámos por decidir que não ia haver Camel Safari para ninguém e não julguem que foi uma decisão fácil, mas por vezes a sensatez aparecia em jogo para nos guiar um pouco. Acabámos por trocar o camelo pelo autocarro e comprar um bilhete de volta para Jodhpur que partiria logo de manhãzinha. Tanta decisão tinha-nos deixado outra vez com fome, o problema é que não podíamos parar no Pingo Doce lá do sitio para comprar uns pãezinhos de alho, ali ou se come nans ou nada, ou melhor, ou tudo, em grandes pratadas. No caminho para o hotel, demos com um pequeno restaurante que ficava mesmo em frente à lojinha da Internet, onde eu comprava os chocolates anoréxicos, e ao lado da cave, onde a Rita regateava papel higiénico como de ouro se tratasse. Chamava-se Little Tibet e, apesar do nome, não tinha um ar oriental por ai além. Era pequenino mas tinha uma coisa que nos encantou: uma televisão! O facto de estarem a passar irritantes videoclips indianos não interessava nada. O que interessava era que aquele cubo mágico nos ligava um pouco a casa e não foi a única coisa que nos fez lembrar Portugal! Quando já estava embrenhada numa pasta qualquer, percebemos que as raparigas que estavam na mesa ao lado tinham acabado de responder com um perfeito “obrigado” ao isqueiro que a Rita lhes tinha passado. Como Decartes concluiria, eram conterrâneas.

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Criou-se logo ali uma alegre converseta de comadres, muita pancadinha nas costas, muito palavrãozinho empregue na descrição do território e outros etecetras. A Rita e a Ariana eram do Porto e andavam com uma holandesa atrelada. Estavam a vir do Sul e disseram-nos que Goa era o paraíso e que Udaipur tinha saído das “Mil e Uma Noites”, para serem mais específicas disseram que tinha saído de um filme do 007 (?!). Falou-se da saudade do bitoque, da alheirazinha com ovo a cavalo, de uma boa casa de banho e de outros luxos modestos que na Lusitânia nem damos valor. Depois dos desejos de feliz aventura, despedimo-nos das nossas camaradas e voltamos para o hotel. Mais uma vez ia dormir vestida (como se não andasse já à dois dias com a mesma roupa). A noite estava outra vez fria e já nos tínhamos arrependido de ter escolhido o autocarro da manhã, mas não havia outra hipótese. Í amos ter que passar o dia inteiro em autocarros se queríamos chegar a Udaipur! Afinal ainda íamos ver o belo nascer do Sol.

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