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1.4 Os mascotes

Imagem 11 As transmissões da rede Bandeirantes de televisão do desfile das escolas de samba do Rio de Janeiro transmitiam também fragmentos do desfile de São Paulo. A imagem que analisamos neste momento, é o inicio do desfile da VaiVai trazendo alegoricamente, no carro abre alas (O primeiro carro do desfile), o mascote da escola Criolé, um sambista “nato”, contrapondo às necessidades cinematográficas que se esperava das escolas, apesar do efeito esfumaçante presente. O personagem criado por Otávio Câmara de Oliveira, cartunista traz consigo alguns estereótipos que serão analisados posteriormente. Podemos destacar, ainda, no que se refere às coberturas, o elogio feito ao personagem da Vai-Vai e a bateria da nenê de Vila Matilde na Folha de São Paulo.

1.4 Os Mascotes

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Com a ampliação da divulgação das escolas de samba, em coberturas de telejornais sobre preparativos, escolhas dos sambas, ensaios etc., vão ganhando notoriedade algumas personificações criadas e identificadas, com as escolas, os chamados mascotes.

Apesar de não fazer parte dos enredos diretamente, entendemos que se deva dar uma atenção especial a estas criações, pois refletem a massificação da representação artística carnavalesca. Muitos pesquisadores mundo a fora voltam os seus esforços para compreender como historicamente os diversos personagens de quadrinhos do século XX surgem, se transformam, se relacionam com seus cotidianos, se posicionam ideologicamente, ou seja, dialogam com suas sociedades. Sendo assim, utilizando este olhar contemporâneo das ciências humanas e analisaremos esta característica adotada por três das escolas de samba de São Paulo que reforçam a linguagem visual do carnaval em uma realidade de difusão televisiva que se concretiza no período em estudo. Embora eles não tenham sido criados na década de 1980, estes mascotes vão se tornando popular, e carismaticamente, despertam afeição e empatia não somente aos membros das agremiações, mas também ao público espectador. Este tipo de linguagem visual lúdica, muito utilizada em propagandas comerciais televisivas, programas humorísticos, programas infantis, programas de entretenimento, chamou a atenção dos responsáveis pela edição de imagem da Rede Bandeirantes de televisão durante o televisionamento do desfile carioca, quando escolhem justamente o início do desfile da Vai-Vai em 1983 com a presença do Criolé para reportar em aproximados três minutos como estava o desfile paulista, assim como a Folha de São Paulo na cobertura dos preparativos. Como já visto anteriormente. Neste momento, analisaremos o Criolé, da Vai-Vai; o Perucinho da Unidos do Peruche; e o Criolinho, da Barroca Zona Sul.

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Criado pelo cartunista Otávio, o Criolé, mascote do Vai-Vai, carrega toda a representatividade da malemolência já cristalizada do sambista carioca. A camisa listrada, a calça e sapatos brancos remete a figuras de “malandro” romanceado dos anos de 1930 na capital nacional. Descrito da seguinte forma por Maria Aparecida Urbano:

No ano de 1970, o cartunista Otávio Câmara de Oliveira, jornalista do Diário de S. Paulo, frequentador da Escola Vai Vai, prestando atenção nos sambistas dentro da quadra, resolveu criar a figura de um bonec o a que deu o nome de “Criolé”, homem negro, beiçudo, com cigarro na boca, camisa listrada e um tamborim na mão. Esse desenho, Izidoro Vasconcelos, escultor, artista plástico e cenógrafo da TV Cultura frequentador e colaborador do Vai Vai, transformou em um grande boneco, que foi colocado na entrada da quadra. Era um verdadeiro talismã, quem entrava na quadra passava a mão sobre ele para dar sorte102 .

102 URBANO, Mari a Apareci da. Carnavales cos e s uas criações de arte. São Paul o: Cl ube do Bem Es tar. 2003. P. 53.

Outra explicação para o surgimento do mascote se remete às transformações pelas quais a escola passou no ano de 1972, quando o estandarte é substituído pela bandeira, inserção de instrumentos leves na bateria, surge a ala das baianas e comissão de frente e o Criolé teria sido inspirado no presidente da época, o sambista Chiclé103 . O Criolé foi alegoricamente utilizado no desfile de 1983, que questionava a “modernidade”, em 1990, quando o enredo indagava a influência e a exploração econômica estadunidense no Brasil. Portanto, reforçando simbolicamente a resistência às intervenções pelas quais o país e consequentemente o carnaval, estava passando e, em 1988, quando o enredo homenageava Jorge Amado.

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Assim como o mascote da Vai Vai, a Unidos do Peruche tem um personagem chamado de Peruchinho, que compões o brasão e, consequentemente, a bandeira da escola, que se caracteriza pela constelação do Cruzeiro do Sul, símbolo nacionalista, e o Peruchinho em primeiro plano, Oficilamente, as cores da Unidos do Peruche é o verde, amarelo, azul e branco.

103 BELINE, Antonio. Es col a de Samba VAI-VAI. O Orgul ho da Saracura. São Paul o: Antoni o Bel i ne Edi tora e Cul tura, 2003. P.33.

O traje de nobre com a peruca e a casaca nos remete ás linguagens representativas carnavalescas, cômicas, satíricas e paródicas que se estabeleceram na idade média europeia104 e se estenderam ao Brasil, onde as diversas formas de manifestações carnavalescas se tornaram sinônimo da festa e abrem espaço para esta representação “exótica”.

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O terceiro mascote a ser analisado é o Criolinho, um bêbe que também compõe o pavilhão da Faculdade do Samba barroca Zona Sul. Assim como muitas escolas de samba de São Paulo, a Barroca Zona Sul foi fundada na década de 1970 representava algo novo, um bebê engatinhando. Este mascote foi criado por Zé Carlinhos, compositor que se destacou na Vai-Vai por compor 14 sambas escolhidos para os devidos enredos, há uma proximidade entre a Barroca Zona Sul e a Vai-Vai, proporcionando estes diálogos que constroem a cultura. A figura do Criolinho está presente no samba exaltação da Barroca Zona Sul, tamanha importância deste mascote para a agremiação:

Com o choro do cavaco Tamborim e marcação Verde e rosa é Barroca, dona do meu coração No céu o Pé Rachado, eterno baluarte São tantos bambas formados na faculdade Sou raiz e tenho história Honro esta bandeira

104 BAKHTIN, Mi khai l .A Cul tura popul ar na Idade Médi a e no Renas ci mento: o contexto de François Rabel ai s . 7º edi ção. São Paul o, Edi tora Huci tec, 2010. P. 9.

Batizada pela Estação Primeira de Mangueira O Crioulinho é só felicidade Tem baiana e velha Guarda muito axé comunidade.

Estes mascotes são muito valorizados e explorados artisticamente pelas suas agremiações. Em comum, os três mascotes são figuras masculinas, em movimento, tocam tamborim, seja de maneira indolente, imponente, ou inocente. Este instrumento musical, que se tornou sinônimo de samba, obrigatório nas baterias e bastante marcante na composição sonora de um desfile ou gravação. Outra semelhança entre as três representações de negritude são os lábios desenhados de maneira proporcionalmente grandes. A estereotipagem do corpo negro se fez presente em inúmeras circunstâncias no mundo ocidental, desde que o projeto colonial eurocêntrico tem, como um dos seus resultados o trabalho escravo africano no Brasil que se inicia no século XVI. São vastos os estudos e ensaios sobre as representações caricaturizadas do corpo negro e os lábios, constantemente, são alvos das estereotipagens racistas inclusive no carnaval.

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No Início do século XX, mesmo quando os ranchos contentavam a intelectualidade com seu tom aparentemente cordato e civilizado, a elegância buscada por seus integrantes era constantemente objeto de sátira da imprensa (Careta, 20 de fevereiro de 1909)105 A necessidade de inclusão social e aceitação dos povos negros nos centros urbanos que se formavam ao longo do século XX, fazia com que grupos negros se identificassem com o uso de trajes formais durante o carnaval que já fazia parte da cultura urbana de diversas formas, incluindo desfiles e paradas. A ilustração da Revista Careta e, duas décadas depois, a percepção de Paulo da Portela para os primeiros desfiles das escolas de samba no Rio de Janeiro (como visto anteriormente) mostram este tipo de comportamento. Da mesma forma, o escarnio em forma de estereotipagem se mostrava presente. Podemos entender a formação dos estereótipos como práticas de formação de significados rasos que são facilmente compreendidas ao mesmo tempo em que reduz, essencializa, naturaliza e fixa a “diferença”. Esta estratégia de “cisão” divide o normal e o aceitável do anormal e inaceitável106 . É dentro deste contexto de cristalização da representação do corpo negro onde se legitima o traço, originalmente pejorativo, ressignificado dentro de narrativas afirmativas tomando uma postura de resistência na perspectiva de inverter o caráter “negativo”, imposto pelos padrões eurocêntricos. Destacamos aqui a dramaticidade de tal estratégia de combate ao racismo descrito por Frantz Fanon, que leva as populações negras a circunstâncias conflituosas, alimentadas por fantasmagorias antagônicas e desumanas107 . Percebemos esta mesma estratégia de valorização da cultura negra quando alguns adjetivos pejorativos para desqualificar algumas práticas religiosas se fazem presente nas letras dos sambas ressignificados, não mais como negativos, mas agora fazendo apologia a estas práticas.

105 Imagem e texto: CUNHA, Maria Clementina Pereira. Ecos da folia: uma história social do Carnaval carioca entre 1880 e 1920. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.

106 HALL, Stuart. Cul tura e Repres entação. Ri o de Janei ro, Edi tora PUC-Ri o: Api curi , 2016. P 191 107 FANON, Frantz. Pel e negra mas caras brancas . Sal vador; EDUFBA, 2008.

Em 1978 a Rosas de ouro apresenta o enredo “Salamanca do Jarau” uma lenda gaúcha que descreve o “herói“ do conto como:

“Eta nego mandi nguei ro Amarrou o fei ti cei ro E s umi u pra ni nguém vê”

Em 1985, para fazer apologia à cultura brasileira o samba do Camisa verde e Branco diz:

“Tem feitiço na dança É canjerê”

Da mesma forma, em 1987, a Camisa Verde e Branco homenageia a Barra Funda, no enredo:” Barra Funda estação primeira” descreve o bairro como:

“Berço de encantos e magia Do samba, futebol, feitiçaria”

Assim como a palavra “mandingueiro” reverte a característica pejorativa do termo, caracterizar o bairro da Barra Funda como berço do “feitiço” reforça as práticas religiosas de origem africana. Como visto anteriormente, a criação da União das Escolas de Samba de São Paulo estava engajada no combate ao racismo e o gênero musical denominado samba também se caracteriza como uma arte de protesto.

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