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3.3 A consolidação das superproduções e o lugar adequado para o desfile
Num país cor de canela Alegria de milhares Já cruzei os sete mares Sou o rei da passarela
vem a barroca em alto astral coroando o negro é festa original158
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3.3 A consolidação das superproduções e o lugar adequado para o desfile
A visibilidade dos desfiles do ano anterior, geraram grandes expectativas para o ano de 1989, assim como a visibilidade para as questões negras se fazem presente nos jornais, apesar das primeiras páginas de Folha de São Paulo e O Estado de São Paulo dividirem as manchetes do sábado, 4 de fevereiro, dia do desfile entre o carnaval, a queda do ditador paraguaio Alfredo Stroessner e a inflação de 70,28% no mês de janeiro. Os preparativos para o carnaval já eram abordados ao longo da semana. Fotos das montagens dos carros alegóricos, matérias sobre os enredos e os carnavalescos, O Estado de São Paulo aborda as diferentes estéticas afro presente nos desfiles das escolas de samba. No dia do desfile, destaca: “O carnaval de São Paulo nunca teve tanto prestígio como este ano com 2 redes de televisão transmitindo”...Tratava-se da cobertura da Rede Globo e a Rede Manchete. A reportagem ainda faz apologia ao desfile paulista destacando a sua característica de arte popular diferentemente do Rio de Janeiro que era um show da indústria do turismo. A reportagem de uma página inteira ainda destaca o teste da administração petista de Luiza Erundina diante do desafio de organizar o carnaval em pouco tempo de gestão e a festa da bateria, baianas, passistas, mestre sala e porta bandeira da Vai-Vai na praça Antonio Prado sexta feira abrindo oficialmente o carnaval de São Paulo. A folha de São Paulo ainda aborda a dificuldade das emissoras de televisão em vender as suas publicidades comerciais.
158 Enredo: Nova Mente. Compositores: Dorinho Marques e Márcio Madruga. Barroca Zona Sul, 1988.
Em 1989 a Unidos do Peruche apresenta um enredo denominado “Os sete tronos dos divinos orixás”. A subjetividade do ano anterior foi substituída por um desfile linear no que se refere à linguagem musical e visual, com o enredo proposto por Joãozinho Trinta, samba composto por Ideval e interpretado por Jamelão. Os desfiles das escolas de samba de São Paulo aprimoram um visual televisivo aos moldes do carnaval carioca, narravam e exibiam as características de Exu, Oxosi, Ogum, Obaluaê, Omolu, Iemanjá, Xangô, Iansã, Oxumaré, Nanã e Oxala. Destaca-se neste desfile os grandes carros alegóricos e as fantasias bem detalhadas e grandiosas.
Senti Um bom fluido envolvendo Tão longe foi meu pensamento E pedi licença pra buscar Oh! senhores deuses africanos E quando hoje ergue o pano Os peruchianos vem mostrar
Majestade rei no comando da eternidade É olorum no infinito é a claridade De vermelho e preto liga o sagrado ao profano
Senhor Exu, faça um favor Nos abra os caminhos este ano
Ogum guerreiro destemido enfrenta o perigo É o bem contra o mal Lá nas matas tem Oxossi o que cai Muitas folhas pra você Ossanhê Não, não tem saída o canto é vida silêncio é morte
Senhor Omulú de braços com Obaluayê
Iemanjá senhora dos mares sagrados Oxum das cachoeiras e do rio dourado Sentado lá na pedreira, caô Justiceiro pai Xangô, lá está Trovejou relampeou, o raio anunciou Inhassã que vai chegar Nos dê a paz, pai Oxalá Cobra coral é Oxumaré Não vem de Orum de onde vem chama ayê
Abençã nanã Salve os iberês Em meu jacutá faça entrar nova manhã159
O primeiro desfile da Leandro de Itaquera, no grupo especial teve como enredo “Babalotim - a História dos Afoxés, e dentro de uma narrativa também
159 Enredo: Os sete tronos dos divinos Orixás. Compositor: Ideval. Unidos do Peruche, 1989
linear, demonstra as características dos cordões de Afoxé com as suas particularidades religiosas e festivas.
Ô, ô,ô Eu vim de longe, cruzei mares, quem diria Ô, ô, ô Sou afoxé irradiando energia
A benção Pai Oxalá Os tambores vão rufar Hoje é dia de festa O cortejo vai passar
Olha o padê Exu é guarda na avenida Espanta intrigas Deixa o povo vadear Époeira, poeira, poeira Vai levantar poeira Igexá Banguleando todo o povo se incendeia
Babalotim Abra os caminhos dessa gente Que tão contente vem desfilar
Ornadas em louvor A todos orixás Num canto que ecoa pelo ar Chegou Em forma de afoxé na passarela Os filhos da Leandro de Itaquera Axé pra quem tem fé, e quem não tem Axé pra você também160
O enredo que destaca o Babalotim, boneco alegórico que representa a ancestralidade e contém todo o mistério (axés) que possibilitam o bom andamento do cortejo161 . Ainda no mesmo ano, a Nenê de Vila Matilde traz o enredo “Eu tenho origem". Ao contrário da tendência seguida pelas tradicionais escolas, a Nenê adotou para aquele ano uma comissão de carnaval chefiada por Betinho, filho do fundador da escola, para colocar na avenida um enredo que questionava os
160 Enredo: Babalotim – A história dos afoxés. Compositores: Clarisse, Thiago Lee, Grrupo relíquia, Sandrinha. Leandro de Itaquera, 1989.
161 Des cri ção de uma babal oti m ci nti do em http://academi ados amba.com.br /pas sarela/ academi cos docubango /fi cha-2009.htm
caminhos pelos quais o carnaval de São Paulo ia se dirigindo. Comemorando os 40 anos da escola em um momento onde a presença humana estava sendo ofuscada por grandes carros alegóricos e grandes fantasias, o samba de Filé, Ney do Cavaco e Ricardo se posiciona politicamente em relação ao projeto da construção de uma passarela permanente na região do Anhembi, zona Nortre de São Paulo, tal projeto já era cogitado desde a construção do sambódromo no Rio de Janeiro e se intensificara com a criação da Liga em São Paulo e prometido publicamente pela então prefeita Luiza Erundina, registrado nos jornais do dia 7 de fevereiro. A canção dizia:
Não quero ser alienado à cultura Nem escravo do luxuoso carnaval Quero manter a tradição Do meu samba pé no chão, na avenida central Não quero um triste fim Tenho em mim um princípio imortal.
No mesmo samba, além de resgatar as questões tradicionais questões diaspóricas religiosas, o samba resgata a presença nordestina no bairro de Vila Matilde e a musicalidade popular que faz parte do cotidiano da população daquele bairro. Terminado o desfile, já com a Camisa verde e Branco iniciando o seu desfile, Betinho em entrevista para a repórter Sabina Petrovski da Rede Globo diz quando questionado sobre o desfile das escolas:
Eu acho que...este espetáculo que as escola de samba estão apresentando e que o Camisa Verde e Branco vai apresentar, é uma resposta a uma pessoa que nos deixou no final do ano numa situação muito delicada, aonde o senhor estiver seu Jânio Quadros, olha, o povo tem força, quando o povo se organiza, consegue fazer uma festa tão bonita que o senhor é tão insensível e não consegue ver.162
Podemos perceber a dificuldade que foi a organização do evento diante do desprezo da gestão anterior mencionado neste depoimento.
162 Depoi mento de Beti nho durante a trans mi s são da rede gl obo, 1989.
Imagem 23 Representação dos terreiros de umbanda e candomblé com matriarcas negras, primeiro carro do desfile da Nenê de Vila Matilde em 1989, fazendo referências à sua origem. As coberturas dos desfiles novamente tiveram destaque, O Estado de S. Paulo aborda chuva que trouxe problemas para as escolas enquanto a Folha diz que apesar das dificuldades os sambistas estão animados, aborda a diferença entre as escolas de Vai-Vai e Rosas de ouro que tem uma estrutura empresarial ao contrário da Passo de ouro que conta com uma organização familiar, além de trazer um intenso debate sobre os limites da nudez. O Estado de S. Paulo trouxe duas grandes fotos da Camisa verde e Branco e Rosas de ouro, colocadas como favoritas ao título, além de trazer uma reportagem onde o Doutor Nenê, Francisco Lucrécio, dentista por formação, militante e historiador da cultura negra, descreve um panorama daquela noite de desfile.
“ hoje, como ontem, a escola se preocupa com a história do Brasil. Mas hoje é melhor porque a preocupação é com a História que está sendo escrita, com temas atuais. Com informações políticas que precisam ser pensadas para o povo todo, muito ludibriado. Os enredos hoje são consientizadores. Ainda sobre os desfiles” Antigamente o povo participava. Hoje assiste. No Máximo aplaude. Nem isso este ano”.
Apesar do tom de lamento quanto a participação popular no evento, ele elogia a qualidade dos instrumentos musicais, grandes alegorias e material que compõe as fantasias. Este relado do Doutor Nenê, vai de encontro com consolidação de um espetáculo que se volta ao reconhecimento do espectador, que instrui, faz parte da realidade da população, mas que inibe a sua participação. Os enredos apresentados pelas escolas de samba de São Paulo no carnaval de 1990 ampliaram a tendência de 1989, em que onde os temas principais abordaram as desigualdades socias, dificuldades materiais do cotidiano, a corrupção e os escândalos políticos, desmatamento e desequilíbrios ecológicos todos eles aliados à projeções de um futuro melhor, assim como as coberturas dos desfiles seguindo a tendência de ampliação dividiam espaços com discussões daquela contemporaneidade como os desafios da política econômica do governo Collor, assim como as costuras necessárias para o novo governo que se iniciou no mês anterior ao carnaval. Quanto ao carnaval, as abordagens que anteciparam o desfile mostravam as expectativas de um desfile grandioso, com novos recursos tecnológicos nas escolas, investimentos cifras jamais vistas no carnaval de São Paulo, presença de personalidade, modelos e artistas televisivos, podemos destacar as palavras de Joãozinho Trinta que naquele ano foi carnavalesco novamente da Unidos do Peruche: São Paulo está a caminho de ter um excelente carnaval. Afinal uma cidade que se transformou num verdadeiro país, tem tudo para fazer um espetáculo grandioso”163
Todavia, é durante os desfiles televisivos que percebemos o contraponto das percepções de um carnaval que seguia naturalmente os rumos do empresariais como percebemos no diálogo entre Carlos Tramontina, narrador e a sambista Leci Brandão, comentarista durante o desfile da Rosas de Ouro:
Tramontina: - A gente precisa explicar porque que a Rosas de Ouro é chamada de escola empresa. É que durante todo o ano ela se prepara com muito cuidado para o desfile de carnaval. Ela tem uma programação intensa de Shows, bailes, festas e ao longo do ano prepara com muito cuidado tudo o que vai apresentar na avenida.
163 Fol ha de São Paul o, 24 de feverei ro de 1990. Pri mei ra pági na.
Outro dia Leci, quando estávamos no barracão da escola, Basílio, presidente da escola lembrava que os carros alegóricos já estavam prontos há duas semanas. Acho que isso é prova maior de organização neste sentido empresarial que eles dão trabalho.
Leci: - Não vamos nem levar pelo lado empresarial, eu acho que também existe uma coisa chamada administração né? Uma boa organização, você não precisa necessariamente ser uma empresa para trazer o seu trabalho organizado. Se você der tempo hábil para o carnavalesco preparar o enredo tudo sai a contento.
É justamente nas transmissões televisivas da Rede Globo por meio do comentaristas Leci Brandão e Evaristo de Carvalho que o trabalho comunitári o ganha destaque, com menções constantes aos trabalhos dos diversos setores das escolas e os seus agentes, para exemplificar destacamos a homenagem de Evaristo de carvalho feita aos merendeiros:
Os merendeiros são aquelas pessoas que empurram as alegorias. Um sacrifício gostoso, eles empurram aquilo com o maior carinho. Parabéns aos merendeiros do nosso carnaval de São Paulo.
Nenhuma escola apresentou um enredo com uma temática majoritariamente negra, mas as menções ás negritudes se fizeram presentes nas entrelinhas dos sambas que não são comentadas pelos jornais, que destacam principalmente a intensa chuva da madrugada, diante deste fato as percepções foram distintas. Na Folha de São Paulo, a cobertura assinada pelo jornalista Luiz Caversan mostra uma certa decepção mas reconhece a animação das escolas e do público: - Muita empolgação para pouca competência, muita folia para pouco carnaval no sentido de um espetáculo que cada vez se teatraliza mais, se consagra mais como um evento de mídia. Nada funcionou, nem raio lazer, máquina de neve, carros mirabolantes. Em outra abordagem na mesma página em reportagem menor, o Jornalista George Alonso pondera: A vai-Vai sacudiu a bananeira e a Tiradentes vibrou (trocadilho com o enredo “60 anos no reino das Bananas) ainda na mesma reportagem: prometeu raio lazer, mas a chuva intensa quase toda a noite impediu o seu funcionamento. Sobre o Camisa Verde e Branco destaca: refrões que conquistaram o público.
A cobertura do O Estado de S. Paulo traz muitas fotos de momentos dos desfiles, destaca a animação das escolas e um público “sonolento” mas descreve a animação do público fiel da Vai-Vai e a simpatia com a “farofa na areia” (refrão do samba da Rosas de ouro) reporta o estrago que a chuva trouxe para as apresentações com carros danificados que não desfilaram, fantasias danificadas. Novamente, o maior reconhecimento dos desfiles na chuva vem da transmissão televisiva com o comentário de Evaristo de Carvalho quando lembra do primeiro desfile da Rosas de Ouro no ano de 1971 que desceram o morro da Brasilândia em baixo de temporal. Não mais sobre a cobertura do desfile, mas sobre o carnaval, o Estado de S. Paulo traz reportagens sobre o Sr. Nenê, os primórdios de sua escola, as dificuldades materiais, destaca o enredo de 1985 em homenagem ao deputado Juruna e a luta pela democracia.
“Defendia a chance de todos os brasileiros chegar ao poder auxiliado pela união entre as raças”
Sobre os rumos do carnaval ele afirma:
Passou da hora de fazer nosso sambódromo, terra de trabalhador, precisa de lugar para o caboclo pobre assistir o carnaval”.164
Diante das palavras do S. Nenê, notamos que é muito consolidado neste período a percepção de um desfile para o público. Na edição do dia 24 de fevereiro o caderno de cultura traz uma matéria sobre as “raízes” do samba de São Paulo na festa de Bom Jesus de Pirapora abordando como funcionava, como era a organização, a influencias das marchas no samba e a dificuldade enfrentada por estes grupos diante da segregação sofrida por eles.
“Em São Paulo, o sambista sofria restrições da sociedade. Era de se entender, em razão disso, que o carnaval paulista tivesse poucas condições de firmar-se como manifestação na cidade”
164 O Es tado de São Paul o 25 de feverei ro de 1990. P. 18.
Foram destaque também outros problemas de ordens diversas, como violência, mortes no trânsito, afogamentos na Baixada Santista dentre outros eventos do carnaval. Nada se abordou em relação aos desfiles ou enredos, apenas a presença de jogadores de futebol profissional na escola de samba Camisa verde e Branco.