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Considerações finais

Considerações finais

A pesquisa realizada sobre as memorias negras apresentadas pelas escolas de samba no carnaval de São Paulo entre os anos de 1977 a 1990 nos permite afirmar que as narrativas de cunho religioso de matrizes africanas e as diferentes formas de resistências às condições de escravidão no Brasil foram mais presentes. Antes de refletir sobre elas, seria coerente apontar para alguns elementos que influenciaram as narrativas carnavalescas e consequentemente a apresentação artística das memórias negras dentro da realidade do espaço tempo nacional em estudo. O primeiro ano adotado pela pesquisa se caracterizava pela ampliação do evento, entendia-se que a avenida Tiradentes seria um espaço mais adequado que a avenida São João pela capacidade de abrigar um público maior diante da crescente demanda. O estado ditatorial organizava e estimulava este evento em contrapartida não havia algum tipo de estímulo aos carnavais dos bairros, apesar de não terem sido proibidos, não se percebeu, pelos jornais estudados, nenhum interesse em suas realizações. Assim sendo, nos bairros periféricos surgem agremiações carnavalescas para se alinharem ao modelo de desfile competitivo organizados pela UESP e promovidos pela prefeitura de São Paulo na avenida Tiradentes. Tamanho crescimento das divisões pleiteantes que os desfiles vão se ampliando para bairros também centrais. Todos os enredos deveriam passar pela autorização da censura para serem apresentados. Essa realidade se deu até o ano de 1983. Portanto, o mesmo Estado que organizava, vigiava a manifestação artística que seria apresentada no carnaval, inibindo apresentações que desagradassem ao poder público. Diante do processo de abertura política e eleições diretas de 1982 (ainda que restrições se faziam presente) para governador, senador, deputados federais e deputados estaduais, há uma aproximação de pleiteantes aos cargos públicos, principalmente àqueles que pertenciam aos grupos que controlavam a “máquina pública” e promessas de espaços para aquisições de quadras,

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essenciais para a sobrevivência econômica e fortalecimento comunitário das dezenas de escolas de samba espalhadas pela cidade. Tal realidade vai se prolongar até o recorte final da pesquisa. Podemos citar também como influenciador das apresentações o televisionamento do evento. A primeira transmissão ao vivo para todo o Brasil foi realizada em 1983 pelo SBT, em 1987 o televisionamento foi realizado pela Rede Globo, o dia do desfile foi deslocado do domingo para o sábado para evitar concorrência com os desfiles cariocas que ocorriam no domingo e segunda feira. Antes disso alguns desfiles foram transmitidos pela TV Cultura de São Paulo, eles não foram contínuos, a impossibilidade de pesquisa nos arquivos e as informações desencontradas nos jornais não nos permite afirmar com precisão os anos de televisionamento. Com a presença consolidada das transmissões televisivas se amplia as verbas publicitárias para as grandes escolas de samba, adequando as suas produções artísticas para o desfile televisionado. Os depoimentos dos agentes que fizeram parte dos desfiles no período, pelos jornais ou pelas entrevistas analisadas, apontam para a necessidade de reconhecimento de um público fora de suas comunidades ou aceitação por parte do Estado e o cuidado com possíveis descaracterização de suas matrizes culturais. Ou seja, existe uma tensão característica do campo cultural que vai resultar em diferentes abordagens.

O significado de um símbolo cultural é atribuído em parte pelo campo social ao qual está incorporado, pelas práticas às quais se articula e é chamado a ressoar. O que importa não são os objetos culturais intrínseca ou historicamente determinados, mas o estado do jogo das relações culturais: cruamente falando e de forma bem simplificada, o que conta é a luta de classes na cultura ou entorno dela. 165

165 HALL, Stuart. Da Diáspora: Identidades e mediações culturais. Editora da UFMG. Belo Horizonte, 2009. P.241, 242.

A tenção presente na relação entre os enredos e a censura do Estado, ou os enredos e o interesses de patrocinadores vai resultar na disputa pelas memórias. Se por um lado se percebe que algumas escolas descrevem enredos onde as presenças de divindades de religiões africanas são meramente figurativas, outras narram a presença do poder espiritual presente no dia a dia, outras ainda, descrevem histórias mitológicas onde, didaticamente, se apresentam a importância delas para a compreensão de suas lógicas morais. Outra vertente desta disputa se dá no alinhamento das narrativas com os interesses ditatoriais enquanto outras apresentam nas palavras de duplo sentido nos enredos dentro do período ditatorial, como liberdade, esperança, injustiças. É percebido que com a presença maciça da televisão e a iniciativa privada as memórias negras vão se alinhando às memórias trazidas pelos programas televisivos. Contudo, narrativas anti hegemônicas vão rememorar revoltas ou resistências culturais quilombolas. Portanto percebemos que esta disputa cultural entre a necessidade de manutenção dos valores hegemônicos se contrapõe a volúpia de apresentar variadas formas negras de ser e estar dentro de uma realidade de segregação mantida pelas veladas estruturas sociais que impedem a emancipação de parte da população, vai se caracterizar como enculturação. Interpretamos as realidades dos desfiles das escolas do período como uma enculturação do sentido da definição atribuída por Jesus Martin barbeiro entendendo que o processo de misturas culturais não se da simplesmente pela cooptação do hegemônico, tornando as culturas populares subalternas, ou ainda a existência de uma justaposição entre os interesses das elites econômicas aos interesses dos grupos periféricos. A escolha por temas que sejam mais atrativos à própria comunidade do que ao patrocinador ou à ao público televisivo se faz presente. As ponderações que fazemos sobre a cobertura da imprensa passa pela percepção da relação dialógica entre os veículos de comunicação, as escolas e a UESP. Os dois veículos analisados abordaram o carnaval de São Paulo de maneiras distintas até 1984, enquanto Estado de S. Paulo, timidamente vai

ampliando as reportagens sobre o carnaval em seu jornal, a Folha de São Paulo destina um espaço considerável ao Carnaval e consequentemente ao desfile de São Paulo. As coberturas que vão de 1982 até 1984, são as que mais ganham espaços nas edições da semana anterior e durante o carnaval, associando as diferentes expressões carnavalescas às questões políticas governamentais. Na medida em que as escolas de samba vão aprimorando a divulgação dos seus enredos e tudo o que envolve a realização do desfile, as reportagens vão se tornando relativamente similares, paralelamente a isto a televisão vai fazer coberturas mais dinâmicas que as dos jornais impressos. Outra característica marcante nas coberturas é a maior atenção dada do desfile aos preparativos das agremiações do que para a cobertura do desfile. Ao longo da semana, os jornais iam divulgando entrevistas, matérias dos últimos preparativos, reflexões de estudiosos e acadêmicos sobre a cultura negra, realidades sociais, censuras, transformações nos carnavais. Sendo assim, podemos afirmar que os olhares sobre a negritude têm mais espaço nos preparativos do que no próprio desfile. A semelhança das linhas editoriais sobre o carnaval vai se dar pela presença de seus leitores mais familiarizados ás escolas de samba de São Paulo. Ainda que não se interesse pelo desfile, percebem-nas como uma realidade dentro da cidade digna de atenção e pela adequação das escolas às formas industriais de cultura. Ou seja, se a divulgação e reconhecimento faz parte das propostas artísticas, seria necessário ir de encontro aos canais de divulgação. Nitidamente, as reportagens são voltadas ao público que não faz parte das comunidades carnavalescas, assim como algumas das análises e reportagens são abordadas de formas preconceituosas e estereotipadas. Contudo, são as narrações televisivas onde as memórias negras foram mais divulgadas e valorizadas. Além das narrações contarem com todas as informações técnicas detalhadas passadas pelas escolas de samba, os comentaristas, Evaristo de carvalho e Leci Brandão destacavam particularidades e realidades de membros de dentro das comunidades, enriquecendo as transmissões com pontos de vistas que iam além de uma simples narração.

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