LIÇÃO MAL FEITA PARA O ENSINO TÉCNICO

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NATAL, SEXTA-FEIRA, 6 DE AGOSTO DE 2010 / NOVO JORNAL /

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LIÇÃO MAL FEITA PARA O

ENSINO TÉCNICO / FRACASSO / REDE ESTADUAL COLECIONA EXPERIÊNCIAS DESASTROSAS NESTA MODALIDADE DE ENSINO, APESAR DOS RECURSOS INVESTIDOS PELO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO NO RIO GRANDE DO NORTE WALLACE ARAÚJO / NJ

MARCELO LIMA DO NOVO JORNAL

A PROPOSTA ERA

OS CURSOS TÉCNICOS de ensino mé-

dio voltaram a ficar em evidência a partir das duas últimas décadas. A rede de institutos federais, por exemplo, está em plena expansão. O resultado do Enem de 2009, divulgado recentemente, também comprova a qualidade dessas instituições: 82% das escolas técnicas avaliadas pelo levantamento do Ministério da Educação ficaram entre as melhores em todo o país. Na rede estadual do Rio Grande do Norte, porém, ao contrário do que ocorre em outros estados, essa modalidade de ensino não prospera, apesar dos recursos investidos pelo Ministério da Educação (MEC), que somam cerca de R$ 125 milhões somente entre os anos de 2008 e 2009. A única instituição estadual que oferece ensino médio integrado a um curso técnico é o Centro Estadual de Educação Profissional Jessé Pinto Freire (Cenep), em Natal. Fora disso, sobram experiências fracassadas e mal planejadas. O atraso da rede estadual nessa modalidade de ensino está explícito em uma “experiência piloto” que prejudicou, há quatro anos, a vida escolar de quase 700 alunos na Escola Estadual Edgar Barbosa, loca-

FAZER DA MESMA FORMA QUE O CEFET, MAS O ESTADO NÃO TEM PROFESSORES COM QUALIFICAÇÃO” Josenildo Xavier Professor da Escola Estadual Edgar Barbosa

lizada no bairro de Lagoa Nova. O que seria exemplo para as outras escolas de ensino médio converteu-se em desastre. A escola em questão só ofereceu ensino médio técnico integrado durante dois anos. A princípio, os alunos cursariam as disciplinas do seu curso profissionalizante junto com as do ensino médio regular (português, biologia, física, geografia e outras da grade curricular), distribuídas ao longo de

quatro anos, em vez dos três do ensino médio atual. Com a formatação do ensino médio integrado, a ordem em que as disciplinas são ministradas também é diferente. A instituição estadual iniciou turmas no ensino médio integrado em 2006. Cerca de 320 alunos ingressaram neste ano e no ano seguinte, distribuídos em turmas pela manhã e à tarde no 1º série do ensino médio. O problema é que nesses dois anos, a escola não rece-

beu estrutura necessária, tampouco professores qualificados para habilitação técnica do curso integrado de Secretariado Executivo. Segundo o vice-diretor da escola à época, Josenildo Xavier, a Secretaria Estadual de Educação havia prometido reestruturar o laboratório de informática da escola e incrementar a biblioteca com acervo técnico. Mas tudo ficou em promessa. No que diz respeito aos professores, mais uma vez a solu-

ção do órgão gestor da educação estadual foi enviar estagiários. “A proposta era fazer da mesma forma que o Cefet [atual IFRN], mas o estado não tem professores com qualificação para lecionar essas disciplinas no seu quadro”, disse Josenildo Xavier, hoje professor dae História da escola. Diante da experiência frustrante, ele afirmou que, na ocasião, os pais acharam por bem acabar com a “experimentação”. “A co-

munidade escolar se reuniu em assembleia e decidiu interromper o curso no segundo ano de existência”, disse. A Escola Edgar Barbosa foi escolhida pelo governo para começar o projeto porque era bem avaliada entre as demais instituições estaduais. Mesmo assim, o conselho escolar e a assembleia da comunidade tinham autonomia para aderir ou rejeitar a modalidade de ensino. Quando foi proposto pela Secretaria de Educação, o projeto de ensino médio integrado parecia interessante. “Dizem os colegas daqui, que se vendeu um peixe e nos entregaram outro”, acrescentou o professor. O pior transtorno para os alunos foi sair da grade curricular do ensino médio integrado para voltar ao ensino médio regular. Os estudantes do 1º ano do ensino técnico, por exemplo, não tinham a disciplina de biologia, porque o conteúdo seria diluído nos três anos seguintes. Ao cancelar o curso técnico integrado, acabaram por não estudar o conteúdo em nenhuma série do ensino médio regular. Depois que os alunos já estavam no 3º ano, para não serem prejudicados ainda mais, puderam entregar trabalhos de biologia referentes aos assuntos da 1º série, mesmo sem tê-los estudado em sala de aula.

WALLACE ARAÚJO / NJ

REFERÊNCIA NO ESTADO, CENEP TAMBÉM TEM DEFICIÊNCIAS

EU JÁ TERIA ACABADO O ENSINO MÉDIO E PODERIA ESTAR TRABALHANDO AGORA” Waleska Borges Estudante

QUATRO ANOS DEPOIS, AINDA SEM PROFISSÃO O exemplo de quem foi prejudicada e até hoje sofre com as conseqüências do mal planejamento governamental é a estudante Waleska Borges, 19. Ela passou dois anos estudando na grade curricular do ensino médio integrado e voltou para o ensino médio regular depois de pedir transferência da escola. Para ter ideia da desorganização, Waleska não foi informada de nenhuma mudança curricular ou da introdução do curso técnico integrado no momento em que foi se matricular no 1º ano, ainda em 2006. “Só depois que começaram as aulas é que disseram que ia ter esse curso. Mas onde estavam os professores, a estrutura da escola? Não tinha nada”, relatou a ex-aluna. Mesmo nessas condições, os alunos tiveram aulas de duas disciplinas específicas no primeiro ano, ministradas por estagiários. “Só vieram dois professores da grade nova, os de economia e informática”, disse. As turmas ficaram o ano inteiro sem professor de Língua Espanhola. A estudante teve que sair da

escola e não pode repor as disciplinas perdidas no Edgar Barbosa. “Quem ficou lá, fez uns trabalhos e passou. Mas eu tive que vir morar aqui [No conjunto Vale Dourado, Zona Norte de Natal] e mudar de escola”, disse. Waleska foi cursar o 3º ano na Escola Estadual Professor Francisco Ivo, onde, aliás, foi reprovada. Depois, pediu transferência para outra escola. A estudante deveria ter concluído o ensino médio no final de 2008, caso tivesse permanecido em uma escola de ensino médio regular. Entretanto, ela ainda está cursando o 3º ano do ensino médio na Escola Estadual Felizardo Moura, nas Quintas. “Eles falaram que eu ia ter que fazer uma adaptação”, declarou a jovem. Hoje, Waleska pensa que poderia estar em condição melhor se não tivesse caído na cilada da Secretaria de Educação. “Eu já teria acabado o ensino médio e poderia estar trabalhando agora”, lamentou. Segundo ela, havia uma promessa que os estudantes com as melhores notas seriam encaminhados para estágios.

O Centro Estadual de Educação Profissional Jessé Pinto Freire (Cenep) foi criado especialmente para oferecer ensino médio integrado e subseqüente - modalidade de curso técnico em que o estudante ingressa só depois de concluir o ensino médio regular. O centro começou a funcionar no final de 2006 com o curso de técnico subseqüente de Biodiagnóstico. No ano seguinte, a escola recebeu os primeiros alunos para o ensino médio integrado em duas habilitações técnicas diferentes: Gestão Empresarial e Montagem e Manutenção de Computadores. A escola também possui educação profissionalizante para jovens e adultos (Proeja). Essa modalidade é direcionada para maiores de 15 anos que estão fora da faixa etária ideal. Conforme o coordenador pedagógico interino, professor Leopercino dos Santos, atualmente a instituição possui cerca de mil alunos matriculados em três turnos (manhã, tarde e noite). Embora seja considerada referência na rede estadual, a realidaMAGNUS NASCIMENTO / NJ

▶ Leopercino dos Santos, coordenador: falta espaço físico

MAGNUS NASCIMENTO / NJ

▶ Kaliany Kerolyn Batista, aluna: “Vim para cá porque a escola é técnica e o ensino é melhor que as escolas comuns” de do Centro Estadual de Educação Profissional Jessé Pinto Freire não é completamente diferente da dos outros estabelecimentos de ensino da rede. “Esse ano não abrimos turmas para o curso subsequente de Biodiagnóstico por falta de espaço físico”, informou o coordenador. Ainda segundo ele, a escola não possui laboratórios para os estudantes desse curso técnico. As turmas que já concluíram tiveram a formação improvisada. “Os professores combinavam com eles para ter aula em algum laboratório da UFRN, por exemplo. Existe a sala para o laboratório, mas falta o instrumental”, revela. No caso do curso de Montagem e Manutenção de Computadores, os laboratórios existem, “mas precisam ser melhorados”. De acordo com o coordenador pedagógico da escola, a renovação dos equipamentos não ocorre na velocidade que o mundo da informática exige. Se um equipamento quebrar, por exemplo, os alunos fi-

cam na dependência da burocracia pública para recuperá-lo. Se não faltam professores para lecionar as disciplinas técnicas, como garante o coordenador, as condições oferecidas acabam não sendo atrativas para os profissionais do magistério, segundo atesta o professor Isaías Chagas. Como professor de informática há dois anos no Cenep, ele conta que o “tratamento especial” que recebe do governo para trabalhar numa “escola de referência” lhe valeu, entre outros dissabores, o atraso de cinco meses no salário no ano passado. “Há dificuldade no pagamento e o processo de contração é lento. O difícil é encontrar um profissional que aceite as condições contratuais, ainda mais na área de informática”, comentou Chagas. O governo contrata professores para as disciplinas técnicas a partir de um único critério: análise de currículo. O contrato tem a validade de um ano e pode ser renovado por igual período. Não há docen-

tes para esta área no quadro efetivo do estado. O professor avalia que os laboratórios estão “dentro da realidade do que o governo pode oferecer. “Tem algumas deficiências, mas o próprio IFRN também tem as suas”, disse, com conhecimento de causa, já que é formado pelo instituto federal. Boa parte desses estudantes procura o Cenep com esperança de uma formação mais consistente no ensino médio. É o caso da estudante do 2º ano Kaliany Kerolyn Batista da Silva, de 17 anos, que faz parte do curso técnico integrado de Gestão Empresarial. “Vim para cá porque a escola é técnica e o ensino é bem melhor que as escolas estaduais comuns”, justificou. No último ano do curso de Gestão Empresarial, os alunos são “encaminhados” para estágio. Porém, não é certeza de serem aceitos por uma empresa para exercitarem a prática profissional.

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/ NOVO JORNAL / NATAL, SEXTA-FEIRA, 6 DE AGOSTO DE 2010

PROGRAMA BRASIL PROFISSIONALIZADO PREVÊ IMPLANTAÇÃO DE 10 CENTROS

WALLACE ARAÚJO / NJ

▶ Raimundo Nonato, coordenador de curso: empresas buscam estagiários WALLACE ARAÚJO / NJ

De acordo com a subcoordenadora de Educação Profissional da Secretaria Estadual de Educação, Ana Moreira, o Programa Brasil Profissionalizado, em parceria com o governo federal, prevê a construção de mais dez centros de educação profissional no Rio Grande do Norte. Além desses, mais 75 escolas já existentes na rede estadual serão contempladas com o ensino médio integrado, mas somente 54 passaram por alguma obra de reforma ou ampliação. Só não há data para que todas essas mudanças se concretizem. A única previsão de Ana Moreira é de que 26 escolas estejam prontas para iniciar o ano letivo de 2011 com essa modalidade de ensino. Assim como há quatro anos foi prometido para a Escola Edgar Barbosa, existe hoje a promessa de ampliação e reforma dessas instituições de ensino, bem como para a compra de matérias de laboratório e aquisição de livros específicos para os novos cursos, a citar: técnico em Sistema a Gás; Agroecologia; Fruticultura; Apicultura; Informática; Manutenção e Suporte de Informática; Guia de Turismo; Hospedagem; Transações Imobiliárias; Edificações; Enfermagem e Segurança do Trabalho. De acordo com a Secretaria Estadual de Educação, os cursos serão instalados nas regiões, de acordo com as potencialidades econômicas e o mercado de trabalho. No que diz respeito à formação dos professores, apenas três seminários estão programados para os profissionais que atuam – ou vão atuar - nessas escolas. O Brasil Profissionalizado também prevê instalação de Núcleos de Educação à Distância (EAD).

REPASSES PARA O RN DO PROGRAMA BRASIL PROFISSIONALIZADO

IFRN, PADRÃO DE QUALIDADE

TALES PAULO / ESPECIAL NJ

2008

R$ 64.445.387,35 2009

R$ 59.676.546,88 Total

R$ 124.121.934,23

▶ INVESTIMENTO EM 2009 R$ 55.229.737,80 foram para construções de prédios

R$ 4.446.809,08 foram destinados para recursos pedagógicos e formação de professores

Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN) é uma instituição referência no ensino técnico–profissional com os seus mais de 100 anos de existência. O curso integrado de informática, por exemplo, é um dos mais procurados e com grande absorção de profissionais no mercado de trabalho. De acordo com o coordenador do curso de informática do ensino médio integrado, Raimundo Nonato, as empresas procuram os alunos para estágio e em algumas ocasiões não há ninguém disponível. “O instituto sempre foi generalista, em que o aluno cursa a área de redes, manutenção e desenvolvimento de software e, depois de fazer o curso, pode escolher a área que tiver mais afinidade para se especializar”, explicou o coordenador. O próprio IFRN possui cursos técnicos subseqüentes (cursados depois da conclusão do ensino médio) e graduações tecnológicas (um curso de nível superior com três anos de duração; mais dinâmico que uma graduação comum). O estudante Gabriel Rodrigues da Fonseca, 17, concluiu o ensino médio integrado em informática este ano. “Antes de entrar no curso, eu achava que era algo mais básico, pensava que não era para fazer progra-

▶ Gabriel Rodrigues, aluno: “Eles mostram a parte prática” mas de computador”, confessou. Ele cumpriu o estágio obrigatório em uma escola de informática atuando no departamento de suporte tecnológico. Para ele, a teoria não teve grandes distorções da prática. “Quando eu cheguei lá já sabia fazer praticamente tudo. Porque aqui eles mostram muito a parte prática”, declarou, acrescentando que pensa em seguir a carreira, ingressando numa engenharia afim, computação ou software. Outro detalhe que ele relatou ao NOVO JORNAL é que não houve um momento sequer no curso que tivesse ficado sem professor por um longo período. “Se faltou algum professor, foi por um ou dois dias”. Obviamente, não significa dizer que todos os cursos técnicos do IFRN têm o mesmo êxito com sua clientela, mas a maioria deles consegue cumprir o seu objetivo: qualificar um profissional e contribuir para uma formação cidadã.


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