ENTREVISTA: Suzann Cordeiro, especializada em arquitetura prisional.

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Natal • Rio Grande do Norte Domingo, 12 de fevereiro de 2017

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PROFESSORA DE ARQUITETURA E URBANISMO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS (UFAL) E ESPECIALISTA EM ARQUITETURA PENAL

“Não é só o concreto que garante a segurança”

FOTOS CEDIDAS

« PRESÍDIOS » Especialista em arquitetura penal,

Suzzan Cordeiro critica a falta de planejamento do poder público na construção de penitenciárias MARCELO LIMA Repórter

alabouços construídos em terrenos rejeitados e na base do improviso. Para a professora de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), Suzzan Cordeiro, essa é a síntese do sistema prisional brasileiro. Especializada em arquitetura penal, a alagoana criticou a falta de planejamento do poder público nessas edificações. Ela não poupou nem mesmo as gestões municipais que, a princípio, não têm responsabilidade com sistema prisional. Cordeiro defende que os municípios estabeleçam, em sua legislação de uso do solo, áreas com essa finalidade. Na visão da professora, a omissão do planejamento municipal se reverte inevitavelmente em insegurança. Por outro lado, falta legislação para a construção de estabelecimentos penais em outras esferas de poder. Em nível federal, há uma resolução (09/2011 do CNPC) sem força de lei. Na entrevista a seguir, Suzann explicou a diferença entre presídios comuns e presídios modulados, alternativa apontada pelo governo do Rio Grande do Norte para acelerar a construção de unidades prisionais. Além das críticas, Suzann falou de bom exemplo. O Espírito Santo foi o único Estado brasileiro que não teve mortes dentro de estabelecimentos penais ano passado – embora passe por crise de segurança pública que nada tem a ver com o sistema prisional. A arquiteta participou da reorganização do sistema capixaba.

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Os materiais construtivos não podem ser materiais comuns. Não dá pra colocar tijolo de alvenaria na área de alta segurança. Então, é preciso gastar um pouco mais com materiais mais resistentes”

O solo é uma questão decisiva para construir um presídio em um dado local ou há solução construtiva para isso?

Existe solução para cada problema identificado no terreno. O ideal é que o solo não seja arenoso, seja mais firme. Mas nem sempre a gente consegue terrenos assim. A engenharia e a arquitetura já têm tecnologias que permite que se construa até em mangue, mas isso demanda mais dinheiro. Mas no Brasil não se quer investir tanto em penitenciária.

Então, tem que haver interação entre municípios e governos estaduais?

É necessário que se discuta de forma intersetorializada. Na verdade, o município gera presos. Se gera presos, tem que acolher essas pessoas em um lugar. A rigor, os municípios não podem expulsar os presos para outros municípios. Por uma questão de logística do Estado, se faz um mapeamento e se coloca em alguns municípios estratégicos, mas acabam colocando nos estabelecimentos penais dos municípios que aceitam receber. Assim, todo o planejamento é furado quando se entra na base da negociação de quem doa e quem não doa terreno. O que não pode faltar em um projeto de arquitetura de presídio?

Por que não se consegue terrenos adequados?

Os municípios pegam esses terrenos que não dão para construir nada e doam para construir presídios: 'joga para o sistema prisional e o povo que se vire'. No final das contas, isso compromete a segurança da população. Quando se constroi uma unidade prisional fora do perímetro urbano, tem que levar água, energia, esgotamento sanitário, pavimentação. Esses investimentos geram um crescimento daquela área. Quando vai tendo habitações na circunvizinhança da unidade prisional, aí você tem vários problemas de segurança. Em geral, são habitações que não têm legalização de terreno. Aí, se cria um problema para o município. Se o município planejasse onde seriam construídas essas unidades e se fos-

sem áreas de segurança, esse problema seria minimizado. Mas os municípios não querem discutir isso na hora que eles estão elaborando o planejamento urbano. Nas regulamentações municipais, tem o plano diretor, o código de edificações, plano de uso e ocupação de solo. Mas quando existe referência aos estabelecimentos penais, eles pedem para se reportar à norma específica, só que não existe norma específica. Então, não se é obrigado a obedecer nenhuma norma.

Materiais antivandálicos são aqueles resistentes à ação de vandalismo. Se constroi um vaso sanitário encapsulado com concreto, do lado de fora, para que não quebre. Mas quando o cara está urinando ali, o concreto vai se desintegrando”

Os materiais construtivos não podem ser materiais comuns. Não dá pra colocar tijolo de alvenaria na área de alta segurança. Então, é preciso gastar um pouco mais com materiais mais resistentes. Outro ponto é o conforto ambiental. Quando se fala nisso, a sociedade já reclama: 'mas prisão não tem que ter conforto'. Mas se não se trabalha a ventilação natural, os presos têm possibilidade maior de contrair tuberculose por exemplo. A ventilação natural, dentro das celas, permite que o bacilo transmissor da doença vá embora. A iluminação natural mata o bacilo nas roupas, cama. Aí a sociedade diz assim: é bom que morra mesmo. Mas as visitas que vão pra lá são pessoas que, em geral, trabalham em casas de pessoas ricas. São diaristas, porteiros, domésticas. Não tem como dizer que a população prisional está isolada no espaço. A segurança é também ter um espaço saudável. Do ponto de vista ético, quem não trabalha com isso está infringido o có-

digo de ética da arquitetura. E a respeito da função dos espaços?

Lá dentro tem atendimento social, jurídico, tem educação e trabalho como instrumentos ressocializadores. Mas essas estratégias são feitas completamente fora da realidade. Tipo: o preso que está costurando bola, vai ter empregabilidade quando ele sair? Como? Um preso que era pedreiro vai costurar bola lá dentro. Por que não aperfeiçoa esse cara com ensino na área de construção civil? Isso está começando a ser discutido no Brasil, mas tem poucas iniciativas de sucesso. A gente olha para os espaços da arquitetura prisional como um calabouço que a gente vai jogar um monte de gente. 'Os que forem bonzinhos a gente premia. Entre 10% a 15% a gente deixa costurando bola, dá emprego e o resto a gente deixa se matar'. Existe uma resolução do Ministério da Justiça para a arquitetura prisional. Os Estados podem ser penalizado se construírem presídios fora das especificações desse documento?

O ministério público pode usar isso argumentando que é uma orientação do CNPC [Conselho Nacional de Política Criminal do Ministério da Justiça]. Mas acontece que a resolução não foi divulgada. Ela não foi impressa pelo Ministério da Justiça. As unidade penais são construídas sem preocupação com relação à sistema anti-incêndio, iluminação natural, acessibilidade, ventilação. O que a resolução fez foi dizer que os estabelecimentos penais tinham que obedecer às normas de instituições públicas. Para poder amarrar alguns parâmetros para poder se construir uma penitenciária. Qual a diferença entre um presídio comum e um presídio modulado?

Temos poucas empresas dentro do Brasil. Elas têm fábricas, constroem as celas que são transportadas de caminhão até o local do presídio. Nenhuma dessas empresas atendem integralmente a resolução 09 [norma do Ministério da Justiça para construção de presídios]. Mas a construção modulada é mais rápida. Isso, de fato, é uma vantagem. Em seis meses, no máximo, um ano, o presídio está construído. É mais caro, mas o benefício é maior.

Ì QUEM Professora do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), Suzann Cordeiro é consultora na área de arquitetura penal e socioeducativa. Entre 2011 e 2013, fez parte do Conselho Nacional de Política Criminal (CNPC) do Ministério da Justiça, órgão colegiado que elaborou as diretrizes básicas da Arquitetura Prisional no Brasil. Autora de vários projetos de unidades penais na América Latina e África, é pósdoutoranda em criminologia na Katholieke Universiteit Leuven, Belgica.

A segurança também é superior?

Nas empresas que trabalham com as celas de concreto, a resistência é mais alta. O normal de uma construção de concreto é de até 40 Mpa [Megapascal, unidade de medida de resistência]. Essas pré-fabricadas trabalham com a resistência de até 90 Mpa. Mas não é só o concreto que garante a segurança. O funcionamento é outra parte importante: os momentos em que o agente penitenciário entra em contato o preso; a forma como eles se locomovem dentro da unidade. A especificação técnica de material é só um ponto. Tem uma das empresas que trabalham com a circulação dos agentes num pavimento superior e, no térreo, ficam os presos. Mas no momento em que vão vistoriar as celas, os agentes têm que descer. Nesse momento, a segurança fica fragilizada. Nessa tipologia, os presos têm uma visão melhor de baixo pra cima do que a dos agentes. Cada uma tem problemas e soluções. Hoje, as pré-fabricadas no Brasil estão construindo 26% dos estabelecimentos penais. Só tem quatro ou cinco empresas que trabalham com isso.

Como os presos estão o tempo todo pensando em fugir, começam a descobrir essas estratégias. Eles estão um passo a nossa frente. A arquitetura e engenharia só consideram o antivandálico em relação a fogo, a grandes impactos, mas não consideram as pequenas ações humanas. Sendo que a ação humana é a principal fonte de vandalismo em qualquer edifício. Ou a arquitetura e engenharia olham para esses edifícios vendo que o humano é um componente, ou a gente nunca vai resolver a questão. Existe uma solução para esse exemplo da latrina?

Se colocassem o vaso sanitário de inox, que não é susceptível a ureia? Só que ele é 15 vezes mais caro. Aí, todo mundo prefere o vaso mais barato. Essa é a visão no Brasil, sempre na base do ajeitadinho. Quando a gente leva o projeto para os secretários eles dizem, 'ah, é muito dinheiro. Não vou construir, não. Pode tirar'. O Espírito Santo foi o único Estado que não teve mortes de presos ano passado. Você participou desse trabalho lá. O que foi feito?

A gente fez um diagnóstico robusto e, a partir dele, fez uma prospecção para os próximos cinco anos. Vai crescer quanto o semiaberto? O índice de violência deve crescer quanto? Quanto isso significa de presos provisórios? As políticas de educação e trabalho foram trabalhadas no sistema prisional e se construiu várias outras unidades de regime misto pequenas e em lugares estratégicos, já que se precisava de vários regimes no mesmo lugar. Aí, redistribuímos a população carcerária. É claro que é necessário, a cada cinco anos, fazer uma reavaliação. Mas é um sistema que está redondo, tendo em vista o atendimento dos direitos básicos do preso.

O que seria um prédio com alta resistência antivandálica?

Como a senhora avalia as ações dos governos nessa crise?

Materiais antivandálicos são aqueles resistentes à ação de vandalismo. Se constroi um vaso sanitário encapsulado com concreto, do lado de fora, para que não quebre. Mas quando o cara está urinando ali, o concreto vai se desintegrando. Ele pode até usar o vaso sanitário como uma arma se quiser. Então tem que colocar um material que resista a isso.

A gente tem uma declaração do ministro [da Justiça], dizendo que vai destinar R$ 44 milhões para cada Estado. Esse valor dá para construir uma unidade penal de 350 presos. Pra mim, deveria recuperar as antigas e trabalhar com diagnósticos e prospecções, porque tem estabelecimentos penais inabitáveis. Só construir unidades novas, não vai servir.


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