SINESTESIA: Imagens para ouvir, sons para ver.

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Imagens para ouvir, sons para ver. Mรกrcio Fรกbio Oliveira Leite 1


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Imagens para ouvir, sons para ver. Mรกrcio Fรกbio Oliveira Leite 3


© Márcio Fábio Oliveira Leite Monografia apresentada para conclusão do curso de Pós Graduação em Comunicação Audiovisual - Cinema, TV e Vídeo, departamento de Comunicação da PUC - PR Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Orientadora: Celina do Rocio Paz Alvetti

Curitiba, 2001.

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Documento revisado e reeditado. São Paulo, Novembro de 2020.

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“… então Alice entrou através do espelho …

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Índice INTRODUÇÃO

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Capítulo I / AS DROGAS E A CONTRACULTURA/SUBCULTURA

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Capítulo II ELEMENTOS DA PSICOLOGIA FORMA, COR E CONTEÚDO SIMBOLOGIA A PERCEPÇÃO VISUAL A PERCEPÇÃO SONORA Capítulo III AS SUBSTÂNCIAS ALTERADORAS Capítulo IV CULTURA DO DELÍRIO TRAJETÓRIA E DIFUSÃO SENSAÇÕES DELÍRIO COLETIVO O SOM HIPNÓTICO Capítulo V OUTROS ÊXTASES XAMANISMO O ÊXTASE XAMÂNICO

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Epílogo CONCLUSÕES

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Anexos IMAGENS

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Bibliografia REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Sobre o Autor

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INTRODUÇÃO Ø O título da presente pesquisa pede uma explicação. Sinestesia - o ato de perceber ou sentir um estimulo dado em um sentido por outro - pretende demonstrar os diversos níveis mentais envolvidos pela percepção, o das experiências aprendidas, dos instintos inatos e outros processos superiores cognitivos. Relevar essas indagações pode a principio ter pouco ou nada a ver com o âmbito da comunicação audiovisual enquanto seus meios (TV, Cinema, Video). Realmente o trabalho aqui apresentado não descreve ou enquadra em suas linhas os meios de comunicação audiovisuais convencionais, ele apresenta algo que antecede esses meios: os processos cognitivos da percepção e suas alterações dentro de um ambiente ou meio especifico enquanto in loco. Como em uma apresentação teatral, uma performance ou happening, onde o previsível ganha contornos de imprevisível Evidencio aqui, neste trabalho, uma "instalação audiovisual" de estimulo-resposta instantânea e de envolvimento coletivo um "audiovisual" ao vivo. Para isso, o presente projeto analisa a percepção audiovisual tomando por objeto de estudo as festas e festivais de música eletrônica típicas do grupo de contracultura dos anos 90 - os Ravers - encarando esses acontecimentos como grandes instalações audiovisuais providas de uma estrutura 9


elaborada de estímulos e induções sensoriais. A análise recai sobre a percepção audiovisual alterada pelos estados extáticos e hipnóticos promovidos nessas festas, próprios de rituais primitivistas. Acredito que um jogo de computador, um filme assistido em uma sala de cinema e uma festa deste tipo, têm muito em comum, principalmente enquanto experiência audiovisual compartilhada. As formas de produção do "espetáculo", um roteiro com fases de envolvimento, estimulação, conflitos e claro, o "feed-back", a resposta do espectador. Uso aqui as palavras de Jalver Bethônico1:

"NA VERDADE, AUDIOVISUAL "DIZ-SE DA MENSAGEM CONSTITUÍDA DA COMBINAÇÃO DE SOM E IMAGEM" SEM IMPORTAR A EXISTÊNCIA OU A AUSÊNCIA DE PRÓTESES TECNOLÓGICAS, SE DURÁVEL OU EFÊMERA, FOLCLÓRICA, INFOGRÁFICA, DOMINANTE, DOMINADA.(…) MESMO QUE O TERMO AUDIOVISUAL ESTEJA CORROMPIDO POR OUTRAS SIGNIFICAÇÕES CAUSADAS PELOS MAIS DIVERSOS USOS, INSISTIMOS NESTE SENTIDO ETIMOLÓGICO. (…) ASSIM, A RELAÇÃO AUDIOVISUAL, PARA NÓS, É O ENCONTRO DE SIGNOS DE DUAS LINGUAGENS DIFERENTES, QUE TANTO PODE REALIZAR-SE Bethônico, J.- "Classificação das relações entre comunicação visual e comunicação sonora", in Visualidade, Urbanidade Intertextualidade - São Paulo : Haker Editores; C.P. Sóciossemióticas (PUC SP.COS - USP-CNRS), 1998. (p.302) 1

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NUMA FORMA, NUM DOS BRAÇOS DA MÍDIA, NUM CANAL, NUM CÓDIGO OU NUM PENSAMENTO." A vida é em si multimídia, a comunicação é a partilha e a permuta de signos diversos entre pessoas ou entre um individuo e sua realidade, ou seja, entre uma fonte sígnica de informação sobre um suporte e um leitor de signos, um emissor de mensagem em um meio e um receptor. O uso aqui feito e defendido, em vários momentos, da expressão "audiovisual", foi o modo mais conveniente encontrado para contextualizar o nosso objeto de estudo (as festas) e para fazer um contraponto com as visões existentes de outros autores e outros campos da ciência e das artes. Não há a pretensão de firmar novos tipos ou divisões, aponta-se aqui uma possibilidade de uma outra interface audiovisual, mesmo que esta seja um caso distinto e efêmero.

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Capítulo I

AS DROGAS E A CONTRACULTURA/SUBCULTURA Ø O uso de substâncias alteradoras da percepção humana remonta a história da própria humanidade. Não há como saber ao certo quando ou exatamente por que o homem passou a ingerir substâncias que lhe tirassem o domínio de suas capacidades cognitivas e nem como isso passou a fazer parte de seus rituais religioso. Certamente a primeira substância alteradora popularizada foi a que conhecemos hoje como sendo o vinho. Esse fermentado de uvas foi usado exacerbadamente em festividades pagãs por toda cultura de influência grecoromana. Baco e Dionisio eram deidades que personificavam a embriagues pelo "suco dos deuses". No Egito antigo outro fermentado, o da cevada, era comumente chamado de "poção da alegria" e "bebida da alma" e tantos outros nomes característicos da beberagem que provocava alucinação alcóolica. Em outros povos e culturas exóticas, diversas outras poções e misturas de compostos vegetais tinham como finalidade a elevação do espirito e a proximidade com um mundo celeste e entidades divinas. Essas poções eram como chaves mágicas para escancarar as portas da percepção humana.

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Porém o que outrora eram consideradas substâncias divinas, hoje transformaram-se no "grande mal" da sociedade contemporânea. Esse perigo social advém no entanto, não necessariamente dessas substâncias de uso primitivo, mas dos diversos derivados sintéticos de alto poder viciante, produzidos em laboratórios a partir dessas plantas, o que possibilitou a comercialização ilegal em grande escala, a conseqüente formação de grandes cartéis e máfias em todo o mundo e em contra-partida uma forte repressão mundial ao consumo de qualquer droga. Apesar de ilegais, as drogas sempre foram ligadas contracultura/subcultura, ou cultura da juventude. Assim, contraculturas diferentes foram, e são, associadas a diferentes tipos de drogas e seus efeitos particulares. Os jovens Mods da década de 60 com suas Anfetaminas, os Hippies com a Maconha e o LSD, os Punks com a Heroína e atualmente os Clubbers e Ravers com o Ecstasy. Contudo, o uso das drogas nunca foi tão difundido como nos dias de hoje. Segundo Sara Johansson, estudante de Ciências Sociais da Umeå University, na Suécia, em seu ensaio monográfico "Youth Culture in Manchester - a study of Manchester as a pop city"2 , estima-se que mais de cinquenta por cento dos jovens de grandes centros urbanos como Manchester, terão experimentado ao menos um tipo de droga ilícita antes dos 18 anos. No Brasil, o "IV Levantamento Nacional Sobre o Uso de Drogas" realizado entre os estudantes do 1º e 2º graus em Disponível na Internet http://www.eng.umu.se/tt/proj8/start8.htm [08/12/00] 2

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1997, publicado pelo CEBRID3 (em comparação aos levantamentos de 1987-1989-1993) mostrou que o uso frequente (de seis ou mais vezes no mês) e o uso pesado (uso de vinte ou mais vezes no mês) de tóxicos psicotrópicos em geral, cresceram de maneira estatisticamente significante. Porém, a visão que se tem das drogas hoje, na virada do século XXI, não é mais a mesma das décadas de 50 ou 60 quando jovens tornavam-se adictos dessas substâncias e impregnavam a elas caráter ideológico e/ou transcendental. Apesar da mídia frequentemente enquadrar os jovens usuários como pobres viciados, vítimas do tráfico mundial de entorpecentes, é comum comunicadores e especialistas referirem-se hoje a essas mesmas substâncias como "clubdrugs", ou "drogas de final-de-semana”. A grande maioria dos jovens de hoje, usuários dessas drogas, o fazem em atitude hedonista, pelo simples prazer que as "viagens" lhes proporcionam, em festas e “clubs”. Ambientes que propiciam o uso - seja pelo status que essa atitude lhes proporciona, pelo fato do uso se tornar como um código dentro dos micro-grupos a que pertencem, ou pelo custo/beneficio em relação às drogas legalizadas como o álcool e bebidas estimulantes. Assim como acontece com o jovem da periferia do Rio de Janeiro que fuma a cannabis nos bailes Funk, ou com o jovem de classe média-alta de São Paulo que aspira a cocaína nas caras danceterias dos bairros nobres da cidade, em sua atitude agressivamente elegante.

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CEBRID, (Boletim n°36, dezembro/98 e março/99) 14


Apesar desta "desmitificação/desritualização" do uso de entorpecentes e alucinógenos, um grupo especifico da contracultura jovem, surgido no Reino Unido, no inicio dos anos 90, apropriou-se gradualmente de elementos visuais e sonoros de estilos de contracultura de outras épocas, criou novos e os reuniu numa ampla linguagem visual de signos, cores e significados, com uma nova sonoridade característica dos movimentos de contracultura do fim do século XXI - a música eletrônica - em todas as suas variações de estilos. Tudo isso relacionado a uma nova droga e às sensações proporcionadas por ela, em busca de um estado letárgico numa verdadeira alusão aos estados extáticos e hipnóticos dos rituais religiosos de povos primitivos. A ação dessas substâncias químicas na percepção desses indivíduos pertencentes a esse sub-grupos sociais muito específicos e o resultados dessa alteração na percepção refletida nos produtos culturais gerados por eles, especificamente suas festas que com toda a sua planejada estrutura de organização constituem, a meu ver, um ambiente de forte estimulação sonora e visual. Uma verdadeira instalação audiovisual onde diversas pessoas compartilham dos estímulos sonoros e multicoloridos. A partir de relatos e descrições de frequentadores dessas festas e usuários dessas substâncias alteradoras da percepção, registrados por pesquisadores como Thimoty Leary, Aldous Huxley e Nicholas Saunders, foi possível desenvolver essa abordagem usando como base as teorias da percepção humana formuladas pela Psicologia experimental, como veremos nos próximos capítulos. 15


Capítulo II

ELEMENTOS DA PSICOLOGIA Ø A Psicologia Experimental considera as implicações sensoriais num encadeamento analítico controlado estímulos (sejam eles imagens ou sons) e seus significados ligados ordenadamente em cascata - tendo como base observações, experiências e deduções, na manipulação das reações (estímulo-resposta) de seres ou indivíduos, face às condições do meio que os cercam. Assim pode-se entender de forma simplificada, a relação estimulo-resposta, como a seguinte equação: REAÇÃO = CONTEXTO + PERSONALIDADE (INSTINTO)

Constata-se que a reação de um individuo depende, incondicionalmente, dos registros sensoriais "arquivados" em sua mente, acerca daquele estimulo. Assim, é possível por exemplo, um individuo ao tocar e sentir o perfume de uma maçã num ambiente com pouca luminosidade, afirmar com convicção que ela é vermelha, pois em sua memória, a imagem que ele tem da fruta é de cor rubra, quando na verdade, o objeto proposto pode ser uma fruta verde. Como argumenta U. Neisser (1967) - psicólogo americano nascido na Alemanha e membro da Academia Nacional de

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Ciências dos EUA - em seu livro "Psicologia Cognitiva"4, tornase cada vez mais claro que diferentes funções cognitivas participam de tais processos complexos de percepção, a informação raramente deriva apenas de percepções instantâneas que se apagam imediatamente da consciência, ao contrário, as percepções se prolongam pelo menos por um curto período na imagem primária da memória. Isso permite a continuidade da nossa percepção do ambiente e também facilita a utilização de lembranças de experiências anteriores e a aplicação de raciocínio e julgamento na avaliação de acontecimentos antes de agir ou reagir a acontecimentos. Em muitos casos a percepção imediata é na verdade um resultado de decisão e julgamento e consecutivamente por esses complementada. Deve-se entender que, no dia-a-dia, só em momentos relativamente raros o comportamento é uma função da percepção de estímulos e acontecimentos isolados. Na verdade, na grande maioria das vezes, o comportamento é determinado pela continuidade global de conhecimento e experiencia a que tais percepções estão associadas na memória do individuo. Essa interligação dos dados físicos, com dados fisiológicos e psicológicos na formação das sensações foi estudado por Herman L. F. Helmholtz (1852)5. Ao estudar a percepção sensorial, Helmholtz definiu a distinção entre SENSAÇÃO (um simples resultado da estimulação de um órgão sensorial) Neisser, U. (1967). Psicologia cognitiva. Penhascos de Englewood: Prentice-Hall 4

Helmholtz, Hermann von - On the Sensations of Tone as a Physiological Basis for the Theory of Music (1863) https://archive.org/ details/onsensationsofto00helmrich [20/11/2020] 5

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e PERCEPÇÃO (tomada consciente de objetos ou acontecimentos exteriores). Porém a constatação da permanência da influência dos estímulos sobre os reflexos partiu de Ivan Petrovitch Pavlov (1849-1936)- fisiologista russo conhecido principalmente pelo seu trabalho no condicionamento clássico e prêmio Nobel de Medicina de 1904 - com uma Psicologia fundada sobre a introspecção e a memória implícita chamada "associativa". Assim, somente a partir de 1879, a Psicologia recai seus estudos experimentais sobre o que se refere como processos superiores (memória, natureza das imagens mentais, imaginação, faculdade de compreender, sugestionabilidade, sentimento estético, sentimentos morais, etc.) a partir de testemunhos de grande número de pessoas sobre a natureza visual, auditiva e outras imagens mentais que certas palavras evocam. Em seguida o próximo passo da Psicologia, já no inicio do século XX, foi a sistematização desses processos superiores tomando a memória como base, a partir dos domínios da sensação e da percepção. A Psicologia passa então a focalizar-se no estudo dos problemas relativos à totalidade psíquica, segundos quais o principio de que a potencia ou a funcionalidade da forma não depende da simples particularidade e número de seus elementos constitutivos, mas de sua estruturação, uma vez que qualquer alteração de situação (contexto em que é empregada) origina outro sentido e percepção, originando outra situação (outro contexto).

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FORMA, COR E CONTEÚDO Ø Essa constatação da interdependência da parte com o todo levou um grupo de psicólogos alemães a considerar os fatos psicológicos como unidades organizadas em determinados padrões ou formas - a Gestalt. Os psicólogos gestaltistas apresentaram a hipótese de que a percepção da forma é inata e básica, e o elemento fundamental da forma seria seu contorno ou limite. A escola gestaltiana, ou movimento gestáltico, foi fundada por Max Wetheimer, psicólogo de origem tcheca, junto com Kurt Koffka e Wolfgang Köhler. A psicologia da Gestalt, procura examinar os fenômenos psicológicos como formas inteiras estruturadas, ao invés de analisar seus componentes como unidades separadas, é o reconhecimento do valor cientifico, explicativo e heurístico da aplicação das noções de estrutura, forma ou totalidade ao estudo dos fenômenos psicológicos. Na utilização estética, como as artes visuais, a teoria da Gestalt exerce enorme atração aos comunicadores que utilizam a forma e a cor como meio de expressão, por centralizarem seus esforços no conhecimento da funcionalidade dos elementos estruturais.

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Realmente existe uma relação entre forma e cor, segundo Israel Pedrosa, em seu livro "Da Cor à Cor Inexistente"6

"PERCEPTIVELMENTE, HÁ CERTA ANALOGIA ENTRE OS PADRÕES DE COR E OS DA FORMA: A ALTERAÇÃO POR ACRÉSCIMO, DIMINUIÇÃO OU MUDANÇA DE POSIÇÃO DE UMA COR EM RELAÇÃO AO CONJUNTO ALTERA TAMBÉM O SIGNIFICADO DA ESTRUTURA. O QUE É NECESSÁRIO LEVAR EM CONSIDERAÇÃO, COM REFERÊNCIA À COR, É QUE SUA CAPACIDADE DE INFLUÊNCIA PSÍQUICA TENDE SEMPRE MAIS PARA OS ASPECTOS EMOTIVOS, AO PASSO QUE A DA FORMA É PREDOMINANTEMENTE LÓGICA." Essa relação entre conceitos emotivos e as cores pode ser detectado pelas inúmeras associações feitas entre as cores, seus nomes e os sentimentos que procura-se se exprimir por sua utilização, seja nas artes visuais ou nas artes aplicadas. A relação entre cor/emoção pode ser exemplificada pelos cultos religiosos brasileiros de origem africana onde, como em outras religiões, possui uma forte simbologia da cor, reveladora do nível mental e do desenvolvimento social do meio onde surge. Como afirma Luis Câmara Cascudo7 em seu "Dicionário do Folclore Brasileiro":

PEDROSA, Israel "Da cor à cor inexistente"- RJ, Léo Christiano Editorial Ltda., 2° edição 1980 6

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CASCUDO, Luis C. - "Dicionário do Folclore Brasileiro" (Rio, 1954) 20


"OS SANTOS AFRICANOS (ORIXÁS JEJENAGÔS) TEM SUAS CORES, E SUAS FILHAS USAM ESSAS CORES COMO OS FIDALGOS USAVAM AS CORES DAS CASAS ONDE SERVIAM COMO VASSALOS. OXALÁ É BRANCO, XANGÔ É VERMELHO, OMULU É PRETA, ANAMBURUCU E AZUL-ESCURO” Nessas manifestações religiosas as cores surgem em adereços e decorações dos rituais representando essas entidades metafísicas, seu nível em uma hierarquia e suas características de poder e influência (bom, mau, tranquilo, severo, malicioso, etc.).

SIMBOLOGIA Ø O homem sempre fez uso da simbologia para se expressar. A própria comunicação baseia-se numa estruturação de códigos convencionados. Criamos e atribuímos valores a sinais de modo que, combinados, transmitam uma mensagem ou conteúdo a outros. Os sinais, sejam eles sonoros, gráficos, visuais ou gestuais, criados por meio da memorização das formas passam então a constituir códigos. Os símbolos são constituídos do agrupamento desses sinais e a comunicação se dá pelo

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encadeamento dos códigos. Como afirma João Francisco Duarte Júnior no livro "O Que é Realidade”8:

"ESTA É A RADICAL DIFERENÇA ENTRE HOMEM E ANIMAL: O MEIO SIMBÓLICO CRIADO PELA LINGUAGEM HUMANA, LINGUAGEM QUE CAPACITA O HOMEM A PROFERIR O SEU "EU". (…) SOMOS TAMBÉM A CONSCIÊNCIA DESTE CORPO, QUE SABEMOS FINITO. NESTE SENTIDO É QUE, EM LINGUAGEM FILOSÓFICA, SE FALA DA TRANSCENDÊNCIA HUMANA: O HOMEM TRANSCENDE, VAI ALÉM DA IMEDIATIVIDADE DO AQUI E AGORA EM QUE ESTÁ O SEU CORPO.” Dessa maneira, todo pensamento expresso é sempre uma abstração simbólica do objeto comunicado, em maior ou menor escala, devido a impossibilidade de representação de todos os componentes do objeto real. Vivemos desta forma não somente num universo fisico e material mas fundamentalmente simbólico. Pouco a pouco, resultado da representação de idéias, vai se tornando mais complexo, com códigos, contextos e sinais mais aperfeiçoados, cada vez mais abstraídos do real, num processo de valorização desses sinais que por vezes podem até tornar-se subjetivos, fugindo à função de comunicar exatamente o que se quer ou dificultando a leitura por parte JÚNIOR, J.F. Duarte - "O que é realidade" Brasiliense, (SP, 2000, p.115) 8

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de indivíduos que não sejam alfabetizados nesse vocabulário, ou não tenham familiaridade acerca desses sinais, ironicamente contradizendo a própria teoria gestaltiana, pois então, certos sinais, de tão abstraídos de seu real, tornam-se apenas passiveis de entendimento após o uso constante, uso este que só então passa a impregná-los de conteúdos. Dado este entendimento, percebemos que a coerência simbólica, ou sentido das coisas é pertencente ao mundo dos homens. As "coisas" e os animais da natureza o são enquanto o homem existe pois, o mundo com suas definições é um conceito emitido, representado e entendido pelo homem e para o homem. O mundo como aquilo que entendemos é formado por tudo aquilo que nossa linguagem determina e reconhece dentre uma lista de nomes de "coisas" que nos cerca. Nossa percepção é, fundamentalmente, derivada da linguagem que empregamos. O sistema lingüístico de um grupo é o que determina e o permite interpretar o seu mundo real e as coisas nele presentes. Tomada noção de que nossa percepção deriva-se da linguagem que utilizamos, o sentido do termo percepção extrapola seu significado mais geral de "compreensão" envolvendo mesmo a percepção entendida como o produto de nossos órgãos e sentidos pois também os sentidos sio "educados" culturalmente por derivação, ou seja, aprendidos durante a vida.

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A PERCEPÇÃO VISUAL Ø Quando se toma uma série de testes, percebe-se que a percepção audiovisual difere sensivelmente de individuo para individuo, por uma série de fatores físicos e biológicos. O tipo de motivação e a experiência individual (memória) também geram percepções diferentes da realidade, sobretudo em relação as motivações advindas das áreas de interesse desses indivíduos. Essas percepções alteradas se formam por expectativa, sugestão e, portanto, pela influência de um estimulo sobre suas sensações em memória. O estado psíquico como fadiga, cansaço, debilidade e a ingestão de certas drogas psicotrópicas excitantes do sistema nervoso central ou alucinógenas podem causar essas variações ou distúrbios, motivando uma hipersensibilidade a estímulos externos como cores, sons e formas. Conforme os diversos estudos feitos acerca da relação entre a debilidade de certas vitaminas e a origem das doenças mentais e especialmente em sua experiência pessoal sob a ação de tóxicos, Aldous L. Huxley (romancista, contista e ensaísta, eminente biólogo, famoso por seus ensaios acerca dos efeitos da mescalina, na década de 60) afirma em seu ensaio "As portas da Percepção”9: HUXLEY, A. L. - "As Portas da Percepção" tradução de Osvaldo Araújo Souza - 15. Ed. (São Paulo: Globo, 2000) 9

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"O CÉREBRO É DOTADO DE UM CERTO NÚMERO DE SISTEMAS ENZIMÁTICOS QUE SERVEM РARA COORDENAR SEU FUNCIONAMENTO. ALGUMAS DESSAS ENZIMAS VISAM REGULAR O FLUXO DE GLICOSE DESTINADO A ALIMENTAR AS CÉLULAS CEREBRAIS. A MESCALINA, INIBINDO A PRODUÇÃO DESSAS ENZIMAS, DIMINUI A QUANTIDADE DE GLICOSE À DISPOSIÇÃO DE UM ÓRGÃO QUE TEM UMA FOME CONSTANTE DE AÇÚCAR. (…) O NÚMERO DE CASOS OBSERVADOS AINDA É DIMINUTO E, POIS, AINDA NÃO É POSSÍVEL APRESENTAR UMA RESPOSTA CONCLUSIVA. MAS O QUE TEM ACONTECIDO À MAIORIA DAQUELES QUE TOMAM O ALCALÓIDE, SOB CONTROLE, PODE SER ASSIM RESUMIDO: 1) A CAPACIDADE DE LEMBRAR-SE E DE RACIOCINAR CORRETAMENTE NÃO SOFRE REDUÇÃO PERCEPTÍVEL. (…) 2) AS IMPRESSÕES VISUAIS TORNAM-SE GRANDEMENTE INTENSIFICADAS E O OLHO RECUPERA UM POUCO DA INOCENTE PERCEPÇÃO DA INFÂNCIA, QUANDO O SENSO NÃO SE ACHAVA DIRETA E AUTOMATICAMENTE SUBORDINADO À CONCEPÇÃO. O INTERESSE PELO ESPAÇO DIMINUI E A IMPORTÂNCIA DO TEMPO CAI QUASE A ZERO. 3) EMBORA O INTELECTO NADA SOFRA E A PERCEPÇÃO SEJA GRANDEMENTE AUMENTADA, A VONTADE EXPERIMENTA UMA GRANDE TRANSFORMAÇÃO PARA PIOR. O INDIVIDUO QUE INGERE A MESCALINA NÃO VÊ RAZÃO PARA FAZER SEJA O QUE FOR, E CONSIDERA PROFUNDAMENTE INJUSTIFICÁVEL A MAIORIA DAS CAUSAS, EM 25


CIRCUNSTÂNCIAS NORMAIS, SUFICIENTES PARA MOTIVÁ-LO E FAZÊ-LO AGIR. ELAS NÃO O PREOCUPARÃO PELA SIMPLES RAZÃO DE TER ELE MELHORES COISAS EM QUE PENSAR. (…)

ESSES EFEITOS DA MESCALINA CONSTITUEM O TIPO DE REAÇÃO QUE SE PODERIA ESPERAR DE UMA DROGA QUE TENHA O PODER DE REDUZIR A EFICIÊNCIA DA VÁLVULA REDUTORA QUE É O CÉREBRO. QUANDO ESSE ÓRGÃO É ATINGIDO PELA CARÊNCIA DE AÇÚCAR, O SUBNUTRIDO EGO SE ENFRAQUECE, JÁ NÃO MAIS SE PODE PERMITIR EMPREENDER SUAS TAREFAS ROTINEIRAS E PERDE O INTERESSE POR ESSAS RELAÇÕES DE TEMPO E ESPAÇO QUE POSSUEM TÃO GRANDE VALOR PARA UM ORGANISMO PREOCUPADO COM A VIDA NESTE MUNDO (…) EM CERTOS CASOS, PODERÃO DAR-SE PERCEPÇÕES. OUTRAS PESSOAS PODERÃO DESCOBRIR UM MUNDO DE VISIONÁRIA BELEZA (…) A ESSE RESPEITO, QUÃO SIGNIFICATIVA É A ENORME AMPLIAÇÃO DA PERCEPÇÃO DAS CORES SOB O EFEITO DA MESCALINA! (...) A MESCALINA AVIVA CONSIDERAVELMENTE A PERCEPÇÃO DE TODAS AS CORES E TORNA O PACIENTE APTO A DISTINGUIR AS MAIS SUTIS DIFERENÇAS DE MATIZ QUE, SOB CONDIÇÕES NORMAIS, SER-LHE-IAM TOTALMENTE IMPERCEPTÍVEIS."

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A PERCEPÇÃO SONORA Ø Tal qual na comunicação visual, também na expressão sonora, um som isolado (tomado como um sinal) não faz sentido, mas organizado em grupos, combinados numa estrutura cadente, é entendido como uma "mensagem sonora" (melodia) podendo expressar ideias e despertar sentimentos. Essa capacidade de percepção estaria ligada às propriedades do som (altura, timbre, intensidade) e como estas são sentidas por nosso organismo. Como afirma em texto Vilma Akemi Okamoto em "Ruído: Riscos e Prevenção”10, apesar de ainda pouco conclusivos e controversos, os estudos referentes aos efeitos da exposição a ruídos e sons intensos em outros órgãos e sistemas, além do aparelho auditivo, são crescentes as evidências de sua nocividade, especialmente na produção de alterações neuropsíquicas. O estimulo auditivo, antes de atingir o córtex cerebral, passa por diversas estações sub-corticais, em especial as estações das funções vegetativas que explicam os efeitos não auditivos induzidos pelo ruído. A estimulação acústica pode provocar várias reações das quais destacam-se duas que, apesar de muito semelhantes tem significados diferentes.

SANTOS, Ubiratan de Paula e Vilma Akemi Okamoto- "Ruído: Riscos e Prevenção", (Ed. Hucitec - 1996) 10

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Os estudos de Jansen (1970) e Davis (1955) sobre a reação de alarme e reação neurovegetativa, têm contribuído muito para a compreensão destas alterações. Reação Alarme é uma resposta rápida e de curta duração provocada por uma estimulação inesperada (por exemplo um estouro ou um bater de porta). Segue-se imediatamente após o estímulo, com duração e intensidade que não dependem da duração do ruído. Suas características, denominadas como reação de defesa, provocam aumento dos batimentos cardíacos e frequência respiratória, da pressão arterial, vasoconstrição periférica, vasodilatação cerebral, aumento da secreção salivar, dilatação da pupila, brusca contração muscular, aumento da excreção de hormônios suprarrenais (adrenalina e noradrenalina). A Reação Neurovegetativa é uma resposta lenta que persiste, com variação durante toda a estimulação. Dependendo do nível sonoro do estimulo e pode seguir a reação de alarme. Caracterizam a Reação Neurovegetativa: minima variação da frequência cardíaca e da pressão arterial, vasoconstrição periférica (exceto na cerebral onde há aumento do afluxo), rareamento da frequência e aumento da profundidade respiratória, alteração da sudorese, hipertonia da musculatura, modificação da motilidade gastrointestinal. Além dessas reações a alta intensidade sonora, há outros distúrbios relacionados à exposição prolongada à ruídos. Verifica-se que ruídos de baixa frequência (graves) são captados por barorreceptores de órgãos ocos (vasos de grosso calibre, estômago e intestino) desencadeando a estimulação neuroquímica com indução de vasoconstrição e 28


consequentemente estimulação do Sistema Nervoso Central (SNC) com ocorrência de hipermotilidade e hipersecreção gastroduodenal. Apesar da ocorrência destas alterações aparecerem após um tempo de exposição mais longo do que o necessário para causar efeitos nocivos à audição, elas são desencadeadas pela exposição a ruídos com menor intensidade. Há de se considerar que o limite de tolerância para reduzir ou impedir a incidência destas alterações deva ser o de 70db (A) à frequência de 1.000 Hz (85). Ainda segundo Vilma Akemi Okamoto e Ubiratan de Paula Santos, seguem os efeitos da superexposição sonora e suas consequências estudadas e detalhadas, descritas abaixo: HABILIDADE - provas de habilidade demonstraram que a exposição continuo diminuía o rendimento, aumentando o número de erros e que, a partir de certa intensidade, a influência do ruido aumentava em relação ao começo do teste. Isso significa que não só o rendimento poderia ser afetado mas também um provável aumento de acidentes pode ocorrer como consequência da redução na habilidade. ALTERAÇÕES CARDIO-CIRCULATÓRIAS - Vários estudos comprovam que o ruído age diretamente sobre o aparelho circulatório, mais precisamente sobre o calibre vascular. A vasoconstrição é um dos principais efeitos da não auditivos da exposição a ruídos. Alguns autores sugerem também um maior efeito dos ruídos de baixa freqüência na elevação da pressão diastólica. VISÃO - A reação visual à exposição a ruído é a dilatação das pupilas, A reação de piscar, inclusive, está estreitamente 29


ligada aos reflexos de convergência e acomodação visual, o que nos possibilita a sensação de visão estroboscópica. ALTERAÇÕES NEUROPSÍQUICAS – As alterações neuropsíquicas estão na base dos efeitos extra-auditivos, incluída a hipertensão arterial. São também as alterações neuropsíquicas as mais freqüentes com manifestações como ansiedade, inquietude, desconfiança, insegurança, pessimismo, depressão e alteração do ritmo-sono vigília. Pessoas expostas há mais tempo são as mais afetadas. Alterações na atenção, memória, funções cerebrais superiores, também tem sido verificadas. (Okamoto e Santos p.90, p.91) A partir dessas informações é possível constatar, como veremos a seguir, que os efeitos e distúrbios provocados pelo som são, além de potencializados pelas drogas, muito semelhantes aos efeitos produzidos quimicamente por elas.

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Capítulo III

AS SUBSTÂNCIAS ALTERADORAS Ø Neste trabalho, serão levados em consideração os efeitos das substâncias classificadas como Perturbadoras do SNC e Alucinógenas, o LSD e o MDMA (Ecstasy), amplamente associadas com movimento de contracultura abordado neste trabalho. Essas substâncias são descritas a seguir.

O LSD Nas palavras de Jordan (1986)11,

"O LSD-25 É UM PSICOTRÓPICO DA CLASSE PSICODÉLICA, DAQUELAS QUE DESESTRUTURAM A ATIVIDADE MENTAL, INFLUINDO DIRETAMENTE SOBRE O SISTEMA NERVOSO CENTRAL E PROVOCANDO ALUCINAÇÕES, DELÍRIOS, PERCEPÇÃO FALSA DA REALIDADE, SENSAÇÃO DE DESPERSONALIZAÇÃO OU DE BIPARTIÇÃO DA PRÓPRIA PERSONALIDADE.” (P. 40)

JORDAN, E. (1986). "Entorpecentes, tóxicos". São Paulo: Ed Salesianas. 11

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De acordo com Tiba (1999)12 seus efeitos se distribuem ao longo de três fases:

"1ª FASE: AÇÃO FORA DO SNC, COM AUMENTO DO RITMO CARDIACO, PUPILAS DILATADAS E TEMPERATURA ELEVADA. 2ª FASE: EFEITOS SENSORIAIS, COM DISTORÇÕES SENSORIAIS E PSEUDOALUCINAÇÕES. 3 FASE: O RACIOCÍNIO SE INTERROMPE, SURGINDO AS VERDADEIRAS ALUCINAÇÕES E ATÉ EPISÓDIOS PSICÓTICOS, ALÉM DO MEDO DE DESPERSONIFICAÇÃO E PERDA DE IDENTIDADE." (P 134)

O MDMA Segundo nos mostra Tiba (1999, p. 126), as anfetaminas são comumente empregadas como moderadoras de apetite, antidepressivas e no tratamento de algumas patologias como a hiperatividade infantil. Suas substâncias sintéticas possuem estrutura semelhante aos neurotransmissores dopamina, norepinefrina e serotonina, e portanto, atuam em conjunto 12

TIBA, I. (1999). "Anjos caidos”. São Paulo: Ed. Gente. 32


com estes. Ferroni & Scheinberg" (2000)13 esclarecem que seu efeito estimulante:

"É PROVOCADO PELA LIBERAÇÃO DE ALTAS DOSES DE DOPAMINA, NEUROTRANSMISSOR CONHECIDO POR ATUAR NO MECANISMO DE RECOMPENSA DO CÉREBRO. ELA ENGANA OS NEURÔNIOS E ASSUME O PAPEL DA DOPAMINA." (P. 53) Jordan (1986, p.52) lista alguns distúrbios psíquicos em decorrência do abuso de anfetaminas como: euforia, ansiedade, irritabilidade, impulsividade, agressividade, agitação psicomotora, ausência de fadiga e sono, sentimento de poder ou superioridade, lapso de memória, alucinações, entre outros. Tiba (1999, p.127) diz que estas substâncias se acumulam no cérebro e diante de uma situação que haja liberação de adrenalina, inicia-se um processo de "luta-e-fuga" liberando as anfetaminas depositadas no tecido gorduroso. Essa liberação em usuários crônicos pode provocar agressões físicas e psicoses recorrentes conhecidos como “flashbacks”.

FERRONI, M. & Scheinberg, G. "Drogas: fatos e fantasias”, artigoRevista Galileu - Editora Globo (Setembro de 2000). 13

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Capítulo IV

CULTURA DO DELÍRIO Ø Na mesma linha dos estudos e pesquisas realizados nas décadas de 60 e 70 a respeito da mescalina e do LSD-25 e seus efeitos na percepção humana, mais recentemente, ia década de 90, outro pesquisador, Nicholas Saunders, desenvolveu um amplo relato e pesquisas acerca dos efeitos de uma outra substância, o MDMA, ou Ecstasy, como ficou popularmente conhecido. Segundo relata em seu livro "Ecstasy e a Cultura Dance"14 a substância MDMA foi patenteada no inicio do século, em 1912, pelo laboratório alemão Merk. Na verdade não existe nenhum registro confiável que defina qual o real emprego da substância quando de sua sintetização. Presume-se que inicialmente foi usada como emagrecedor e os relatos existentes acerca dos seus efeitos colaterais chegam a ser cômicos. Mas o MDMA nunca chegou a ser comercializado e somente em 1953 teve um real emprego pelas forças armadas norte-americanas, que então testavam drogas para emprego na guerra psicológica. Só na metade da década de 60, o PhD em bioquímica, Alexander Shulgin, químico- pesquisador (considerado o paiadotivo do MDMA), iniciou um forte trabalho acerca das SAUNDERS, Nicholas - "Ecstasy e a cultura dance" - tradução Tinia Marques, Publisher - Brasil (São Paulo. 1996) 14

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drogas psicodélicas. Sua abordagem dos agentes psicodélicos é focada nas fenetilaminas e nas sutis diferenças entre as diversas variações entre as substâncias dessa família de drogas. O MDMA é uma das quase 200 substâncias psicoativas que ele descreve em seu livro biográfico “PiHKAL Phenethylamines I Have Know and Loved- A Chemical Love Story.”15, sendo que o MDMA é o de efeitos mais sutis dentre as muitas outras substâncias listadas. É também a que mais se aproxima de uma droga terapêutica e de uma função prática em consultórios. Shulgin sintetizou o MDMA pela primeira vez em meados dos anos 60, mas seu trabalho sobre a droga so iniciou-se em 70, quando encontrou relatórios de outros pesquisadores muito entusiasmados acerca do assunto. Euforias a parte, a verdade é que o MDMA chegou a ser usado como instrumento terapêutico por psicólogos e psiquiatras em aproximadamente 4000 pessoas somente naquela época. Eles realmente deveriam estar extasiados com a descoberta de uma substância que chegou a ser considerada "a penicilina da alma”. A não comercialização dessa droga como produto terapêutico se deveu muito a entraves legais relativos à sua patente e aos dispendiosos investimentos pesquisas que seriam necessários sobre seus efeitos colaterais que justificassem os riscos em relação aos benefícios de seu SHULGIN, A. & Ann, “PiHKAL - Phenethylamines I Have Know and Loved” Estados Unidos (1998). 15

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emprego. A única forma de recuperar esses investimentos seria a exclusividade na venda do remédio (como acontece atualmente com o Prozac - droga terapêutica utilizada no tratamento de depressão). Mas não havia (e não há) esse interesse por parte dos grandes laboratórios em comercializar uma droga que presume pouquíssimas doses ao invés de longos e caros tratamentos. A constante preocupação de que o MDMA não se tornasse uma droga de rua fez com que seu uso marginal só se popularizasse por volta de 1984, época em que o MDMA não era proibido e estava se difundindo muito rapidamente entre os estudantes norte-americanos. Seu uso como "dancedrug" (droga para dançar) só aconteceria alguns anos depois com a disseminação da música eletrônica. Em 1985, quando o consumo do Ecstasy já havia se espalhado em grande parte dos Estados Unidos, a pílula do amor chegou à mídia como um terrível perigo aos usuários, comparado à Heroína e outras drogas pesadas de alto poder viciante e altamente danosa ao cérebro. Isso levou o Congresso norte-americano a aprovar em caráter de urgência a primeira lei de proibição no dia 1º de julho de 1985. Essa proibição conseguiu apenas deter as pesquisas legais que estavam sendo realizadas pois o consumo recreativo tendeu a aumentar ainda mais com os estardalhaços provocados pela imprensa. A qualidade da droga caiu consideravelmente em decorrência da produção marginal da droga em laboratórios clandestinos que começaram a surgir por todos os lados. Durante a Convenção internacional sobre Substâncias Psicotrópicas, em 1985, os Estados Unidos criou um lobby 36


sobre os demais países-membros para que o MDMA fosse incluído como uma droga de Categoria 1 (altamente viciante). Porém o Comitê discordou de uma imediata mobilização para controle internacional e criou uma cláusula estimulando os países membro a promover a pesquisa dessa "substância interessante”. A discussão provocada foi grande e a lei provisória durou apenas um ano. O Comitê recomendou a inserção da substância em uma categoria menos restritiva com base nas provisões do artigo 7 da Convenção mas, por falta de evidências que indicassem a utilidade terapêutica da substância e a imprensa causando grande polêmica acerca dos "perigos" do MDMA, o Drug Enforcement Agency se recusou a voltar atrás na decisão e, apesar dos apelos ao Tribunal Superior, a droga acabou criminalizada sob decisão final em 23 de março de 1988.

TRAJETÓRIA E DIFUSÃO Ø Durante a década de 80, o Ecstasy chegou à Europa por meio de duas correntes distintas: usuários de seitas religiosas que buscavam a transcendência por meio da droga e por jovens hedonistas que a usavam para se divertir. Por esse segundo grupo de pessoas, o Ecstasy aportou em Ibiza balneário de verão na Espanha, considerado o berço da cultura da musica eletrônica na Europa. O estilo de música 37


eletrônica denominado Acid House foi um fenômeno da contra-cultura jovem do final da década de 80 que marcou essa época, surgiu no balneário espanhol. O Segundo Verão do Amor, em 1985, ficou conhecido como a data de nascimento desse estilo que revolucionou o cenário da cultura eletrônica no mundo. Apropriando-se da ideologia Hippie da década de 70, uma juventude altamente hedonista se declarava "One Nation Under One Groove”(Uma Nação Sob Um Ritmo) e esse ritmo, claro, não podia ser outro senão as batidas sincopadas da música sintética que despertava naquele momento. Como afirma o autor Matthew Collin, na "bíblia" "Altered State: The Story of Ecstasy Culture and Acid House"16

"QUANDO O ECSTASY FOI COMBINADO PELA PRIMEIRA VEZ COM A HOUSE MUSIC, A REAÇÃO RESULTANTE DISSO IMPULSIONOU O MAIS VIBRANTE E DIVERSIFICADO MOVIMENTO JOVEM QUE O REINO UNIDO JAMAIS VIU.” Após o badalado verão de 85, essa juventude suada, de olhos bem abertos e um enorme sorriso estampado no rosto, quis reproduzir em Londres esse mesmo conjunto de sensações e energia experimentado em Ibiza. Foi o surgimento da cultura de clube associada ao Ecstasy no Reino Unido.

COLLIN, Matthew - "Altered State: The Story of Ecstasy Culture and Acid House" - Editora Serpent Tail. Estados Unidos (1998). 16

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Em Londres, o Project Club e depois o Shoom dois históricos clubes, foram os primeiros a oferecer ritmos próprios da ilha A essência Hippie era evidenciada no estilo de se vestir dessa tribo, como em camisetas Smiley (sorriso), estampas psicodélicas, tie-dies, e o velho "paz e amor" reformulado com um aspecto mais sofisticado - eletrônico. Paralelo aos clubes, as tipicamente ilegais "festas de galpão" eram chamadas de Rave - delírio, na tradução literal. E não era para menos, o consumo de Ecstasy era crescente e, nessas festas, inevitável. Com a crescente repressão do governo sobre essas festas clandestinas, a saída para esses jovens foi a escolha de lugares cada vez mais distantes dos centros urbanos e mais inusitados. Dos galpões abandonados à tendas de circo em áreas rurais paradisíacas, os esquemas tornaram-se cada vez mais complexos na divulgação dessas festas. Telefonemas, pontos de encontro em rodovias, os flyers - panfletos que rodam de mãos-em-mãos - com informações devidamente codificados, tudo para burlar os esquemas de repressão da policia, que chegava a confiscar a aparelhagem de som acabando com as festas. As festas cresceram rapidamente em popularidade e milhares de jovens reivindicavam juntos, no Reino Unido, o "Direito de Festejar" contra a opressão do governo. Era o ápice do sentimento de liberdade e de expressão. E a pílula da felicidade acompanhava em popularidade, a cada festa, a cada delírio. Com esse mesmo sentimento de liberdade, em julho de 1989 poucos meses antes da queda do muro de Berlim, um grupo de DJ's alemães resolveram quebrar a rotina das festas 39


nos clubes fechados e registraram na policia uma passeata de fundo "politico". A ideia era promover um festival de rua sem preocuparem-se com uma infra-estrutura de limpeza e segurança. Com um único carro de som acelerado pelas batidas ensurdecedoras da música Techno e pouco mais de uma centena de jovens que dançavam enlouquecidos, surgia a primeira "Love Parade" - a parada do amor. Hoje, 10 anos depois, a Love Parade é mundialmente conhecida e seu publico chega a atingir 700.000 pessoas. Calcula-se três milhões de adeptos da música eletrônica somente na República Federal da Alemanha. O carnaval da musica eletrônica rende milhões de marcos ao pais que recebe, anualmente, milhares de jovens de todas as partes do mundo para a parada. Todos juntos celebrando a Paz, Amor, União e Respeito, sentimentos claramente pontuados pelas sensações provocadas pelo Ecstasy.

SENSAÇÕES Ø O Ecstasy provoca sensações muito particulares em relação às outras drogas. De vinte a trinta minutos após a ingestão de um único comprimido com 75 miligramas, o MDMA cai na corrente sangüínea e começa a surtir os efeitos. A substância N-Metil 3,4 Metilenodioxianfetamina ė uma substância sintética que libera, entre outros, a produção de 40


serotonina, um neurotransmissor responsável pela sensação de bem-estar que regula nossas emoções, humor, domínio sensorial, motor e a capacidade associativa do cérebro. As sensações descritas pelos usuários aproximam-se da descrição dos orientais do Nirvana. Total bem-estar, leveza, amor incondicional, empatia, felicidade, harmonia emocional, sensualidade e uma infinidade de outras sensações altruístas. A comunicação fica muito solta, muito facilitada - um dos principais motivos do interesse por seu emprego em psicoterapia. Conforme relatos de usuários colhidos por Nicholas Saunders17, tem-se a sensação de (…) voltar à idade de uma criança de 3 anos, com um pirulito na mão" ou da “ (…) emoção da manhã do dia de Natal". As cores são avivadas, há uma nítida e ingénua percepção do mundo que nos cerca. Os sons tomam forma, tornam-se densos, interativos. A luz se intensifica e também adquire forma e volume, “(…) (a luz) torna-se tão palpável quanto visivel (…)” como afirma uma usuária. Ainda conforme outro usuário que descreve sua primeira experiência:

"(...) FOI UMA VIAGEM EM QUE A VARIEDADE DE ESTÍMULOS PARECIA INFINITA, MUITO SENSUAL (…) TUDO SE TORNOU MAIS BRILHANTE, MAIS COLORIDO, TUDO GANHOU IMPACTO. AS COISAS SE TORNARAM MAIS REAIS! (…) O SOM TAMBÉM SE AMPLIFICOU E, SAUNDERS, Nicholas - "Ecstasy e a cultura dance" - tradução Tinia Marques, Publisher Brasil (São Paulo. 1996) 17

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MAIS UMA VEZ, TORNOU-SE MAIS DISTINTO E REAL. UMA INFINIDADE DE TONS E TIMBRES SUTIS, PORÉM BEM MARCADOS. (…) O SENTIDO DO TATO TAMBÉM SE ALTEROU. PODÍAMOS NOS DELICIAR COM AS SENSAÇÕES DE FRIO, CALOR, MACIO, RÍSPIDO, SECO, MOLHADO SÓLIDO, INSÓLITO EM TODAS AS COISAS MATERIAIS. (…) EU ME SENTIA COMO UMA PARTE NATURAL DO UNIVERSO, AO LADO DE TODOS - E TODOS SE TORNARAM INTERESSANTES E IMPORTANTES PARA MIM (.) FOI COMO SE EU TIVESSE TRÊS ANOS DE IDADE NOVAMENTE." A respiração torna-se profunda, regular e o peito fica inflado toma-se cheio. Conforme relata um usuário, "como que repleto de borboletas em seu interior". O corpo torna-se relaxado e a leveza descrita como a de “(…) uma bailarina sobre a ponta dos pés”. Todo o corpo torna-se uma grande área erógena, muito sensível ao toque, a sensibilidade fica demais aguçada e não é muito raro ver várias pessoas se excitando em danças sensuais numa pista de dança sob o efeito do Ecstasy. A sensação de união e empatia com as pessoas é total. Tem-se a sensação de fazer parte de um todo. Daí a autodenominação desses jovens de "Happy Nation" ou "Nação Feliz". O ato de abraçar constantemente outras pessoas é muito comum de se ver em uma festa. Essa empatia estimula o 42


sentimento de comunhão e interação das pessoas. Apesar da visão de uma "almôndega" (grupo de pessoas que, sob o efeito do Ecstasy, se beijam e se acariciam mutuamente) ser inicialmente chocante, o que normalmente acontece em uma festa Rave é que pouquíssimas, ou quase ninguém, está interessado em "encontrar alguém", o maior interesse está na comunhão dos sentidos e sensações num ambiente introspectivo e hipnótico. As pessoas dançam sozinhas, de cabeças baixas ou usando óculos escuros, numa atitude totalmente introspectiva. O uso de óculos escuros num ambiente normalmente semi-iluminado se deve ao fim de amenizar as luzes estroboscópicas e os lasers, uma vez que sob o efeito da droga as pupilas tornam-se muito dilatadas e a iluminação ofusca a visão. O neurotransmissor serotonina também é responsável pelo controle da temperatura corporal e sob o efeito do MDMA e pelo esforço ininterrupto e constante da dança provoca um superaquecimento do organismo Então, uma forma de refrescar e evitar a hidratação do corpo é ingerir muita água evitando qualquer tipo de bebida alcoólica. Uma das fases dos efeitos da droga, é descrito pelos usuários como a de “derretimento”, quando o corpo começa a dar sinais de cansaço. As pernas pesam, a transpiração é constante, e é necessário fazer pausas. A sensação de perfeita compreensão e entendimento dos mecanismos sociais e físicos é outra frequente. Sob o efeito do Ecstasy surgem muitos insights em decorrência do 43


raciocínio que se torna turbulento e cheio de associações de ideias. Nicholas Saunders relata em seu livro "Ecstasy e a cultura dance” 18 uma de suas experiências pessoais com o Ecstasy em sua primeira festa Rave:

"A EXPERIÊNCIA FOI UMA VERDADEIRA REVELAÇÃO PARA MIM. EU ME SENTIA COMO SE TIVESSE COMPREENDIDO PLENAMENTE O QUE ERA UMA RAVE - E ISSO INCLUÍA A MÚSICA , QUE ANTES INVARIAVELMENTE ME IRRITAVA. A FALTA DE HARMONIA NÃO TINHA IMPORTÂNCIA: A ENERGIA DO SOM GARANTIA O ALTO-ASTRAL DAS PESSOAS, JAMAIS DECEPCIONAVA; CRESCIA MAIS E MAIS SEM NUNCA ATINGIR O CLÍMAX. PERCEBI QUE EU NÃO SOMENTE DANÇAVA CONFORME A BATIDA, RESPIRAVA COM ELA, DE VEZ EM QUANDO DEIXANDO ESCAPAR SONS PARA ACOMPANHAR A MÚSICA. A CADA VEZ QUE A BATIDA MUDAVA, PERCEBIA UMA PROVOCAÇÃO MUITO SUTIL, QUE ME FAZIA SORRIR. E ME SENTIA MUITO SAUDÁVEL, COMO SE ESTIVESSE ME MOVENDO DE UMA FORMA QUE CORRESPONDESSE À VERDADEIRA EXPRESSÃO DE MIM, CADA PARTE DO MEU CORPO LIVRE E FLEXÍVEL. (…)

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Ibdem 17 44


DELÍRIO COLETIVO Ø "A CENA RAVE É O PRIMEIRO PASSO PARA O DESPERTAR. VOCÊ DANÇA HORAS AO SOM DE PERCUSSÃO TRIBAL XAMÂNICA. ISSO LIMPA A SUA CABEÇA DE TODO O CONDICIONAMENTO E SUA MENTE É ABERTA. ENTÃO VOCÊ TEM DE REPROGRAMÁ-LA COM UMA FILOSOFIA DIFERENTE.” Fraser Clark - ex-hippie por Matthew Collin em seu livro Altered State Após a disseminação do Ecstasy e da música eletrônica por toda Europa começa a fase da profissionalização dos organizadores de festas e DJ's. É a formação dos núcleos profissionais para a promoção das festas Rave. Núcleos como a Tribal Gathering, da Inglaterra e Alemanha, chega a reunir, atualmente, mais de 30 mil pessoas, com uma grande infraestrutura preocupada com a satisfação e a segurança dos participantes, com serviço de atendimento médico, banheiros químicos, áreas de alimentação, descanso e relaxamento e água, muita água fresca e potável para um batalhão de jovens sorridentes e suados. As festas atuais não se parecem em nada com as improvisadas festas clandestinas que aconteciam em todo

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Reino Unido, antes organizadas de última hora em lugares escondidos e sob o temor da repressão da polícia. Mesmo no Brasil onde a onda chegou quase dez anos depois, em meados dos anos 90, grupos como a XXXperience (experiência, o X é uma abreviação para Ecstasy ou geração X), Avonts (à vontade, relaxado), e a Fusion (fusão) promovem festas organizadas e apoiadas em causas internacionais como o Greenpeace e o movimento pela paz no Tibete. Foram as Raves que ajudaram a popularizar a musica eletrônica e a tiraram do caráter marginal dos clubes de São Paulo e Rio de Janeiro. Como descreve Erika Palomino19:

"NA NOVA FASE FUNCIONA ASSIM: OS PROMOTERS ALUGAM CHÁCARAS OU PEQUENOS SITIOS, LEVAM PARA LÁ OS EQUIPAMENTOS (…) DJ'S, APRESENTAÇÕES DE MÚSICA AO VIVO, DECORAÇÃO FLUORESCENTE PSICODÉLICA, ATRAÇÕES VISUAIS, MALABARISTAS, ENGOLIDORES DE FOGO COMPLETAM O CLIMA; TUDO EXPLICADO EM FLYERS QUE CONTÉM UM PASSO A PASSO DE COMO CHEGAR AO LUGAR - O QUE EM ALGUNS CASOS PODE LEVAR QUASE DUAS HORAS (…) OS CONVITES GANHAM ESTÉTICA BEM DIFERENTE DA CENA CLUB URBANA; CONTÉM FRACTAIS, RECURSOS PALOMINO, Erika - "Babado Forte - moda música e noite na virada do século 21" Slo Paulo, Ed. Mandarim (1999) 19

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GRÁFICOS QUE REMETEM À PSICODELIA E ELEMENTOS RELACIONADOS À CULTURA HINDU. A DECORAÇÃO SE BASEIA EM ELEMENTOS FLUORESCENTES, COM ÁRVORES ENVOLVIDAS EM PAPEL BRILHANTE, SOB A LUZ NEGRA. (…)” As festas iniciam por volta de meia-noite a podem durar doze, quatorze, vinte e quatro horas, até dias no caso de festivais em lugares muito distantes como a Transcendence, organizada recentemente em meio ao Planalto Central brasileiro na Chapada dos Veadeiros, em Alto Paraíso-GO. Como descreve Beto Lima20:

"TRANCENDENCE FOI UMA FESTA PERFEITA, PRINCIPALMENTE QUANDO SE IMAGINA QUE SE ESTÁ NO MEIO DO NADA TENDO A VOLTA BANHEIROS COLETIVOS FEMININOS E MASCULINOS PARA BANHO; CABINES ISOLADAS BEM ARTESANAIS E APROPRIADAS PARA AS NECESSIDADES FISIOLÓGICAS; COMIDA QUENTE E SABOROSA; BEBIDA GELADA E MUITO VARIADA COM DESTAQUE ESPECIAL PARA O RARÍSSIMO CHAI; ÁREA DE CAMPING LISA, COM ÁRVORES E O LUXO DE FOLHAGENS SECAS PARA MELHOR AMORTECER CORPOS CANSADOS; E CHILL OUT LINDAMENTE DECORADO COM TONS DE Artigo publicado. Disponível na Internet www.raveon.com.br [06/02/2001] 20

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VERMELHO E DESENHOS GEOMÉTRICOS, CARPETE VINHO, ALMOFADAS ENORMES E OUTRAS PEQUENAS RECHEADAS COM AREIA PARA MELHOR SE MOLDAR A NUCA, ALÉM DE UM VISUAL DESLUMBRANTE DA CHAPADA QUASE INFINITA SINALIZADA POR BANDEIROLAS BRANCAS QUE BALANÇAVAM A MAIS LEVE BRISA. (...) GERAÇÕES DE FREAKS ESTAVAM PRESENTES, DESDE DE GESTANTES, CRIANCINHAS E ATÉ OVER FIFTY’S, PROVANDO QUE A IDADE É SÓ MAIS UMA CONTAGEM DE TEMPO E NÃO A ROTULAÇÃO DE NADA." Em geral, é armada uma grande tenda de circo, aberta e muito arejada, que serve de pista de dança. A decoração remete as tradições religiosas e filosóficas do oriente e do imaginário infantil: grandes tecidos exibem pinturas de deuses hindus, mandalas, Budas e ET's, que sorriem em meio a gnomos e seres fabulosos, suspensos no alto da tenda. Cogumelos gigantes e coloridos espalhados pela área conferem um ar de conto-de-fadas, fantasia e magia ao local. Muitos recursos de iluminação e lasers que induzem ainda mais a um transe hipnótico. Tudo é muito colorido, tons fluorescentes e ácidos. É surpreendente a semelhança existente entre as visões induzidas quimicamente (ou alcançadas espiritualmente) e as terras e países fabulosos dos contos populares e parábolas religiosas. Luzes preternaturais; intensidade preternatural do colorido, tudo muito além do toque e da descrição. Essa menção de paraísos terrestres acham-se na mitologia greco-romana - Jardim das Héspedes, 48


Campos Eliseos, ilha de Leuke - nas menções maravilhosas das ilhas encantadas dos celtas e dos japoneses. Essas cores e luminosidade acercam-se de significados e realmente influem no transe, como afirma, em hipótese levantada por Aldous Huxley21.

“(…) OS OBJETOS BRILHANTES PODEM RECORDAR A NOSSO INCONSCIENTE AS VISÕES QUE ELE DESFRUTA NOS ANTÍPODAS DA MENTE, E ESSAS OBSCURAS INSINUAÇÕES DA VIDA NO OUTRO MUNDO SÃO TÃO FASCINANTES QUE PASSAMOS A DAR MENOS ATENÇÃO A ESTE MUNDO E, ASSIM, NOS TORNAMOS CAPAZES DE EXPERIMENTAR, CONSCIENTEMENTE, ALGO QUE, NO INCONSCIENTE, JAMAIS NOS ABANDONA.” Observamos que toda a cor e brilho disposto nesse ambiente possuem o poder de transportar nossa mente para seus opostos, para longe do mundo dito"real", do dia-a-dia conduzindo-a para um Outro Mundo. O Outro Mundo em questão pode ser amado pela terra assim designada pelos hindus no Ramayana, um lugar muito belo, cercado de uma natureza de cores muito vivas e brilhantes, com lagos resplandecentes qual o sol da manhã, adornados por flores exuberantes e com o brilho das pedras preciosas como as safiras, arvores de ouro que exalam suave fragrância e estão sempre povoadas de pássaros.

HUXLEY, A.L. - "Céu e Inferno" - tradução de Osvaldo Araújo Souza - 15. Ed - São Paulo: Globo (2000). 21

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Localizado entre o extremo ocidente e o extremo oriente, Outro Mundo hindu, ou a terra de Uttarakuru, como observa Huxley em "Céu e Inferno", assemelha-se às visões provocadas pela mescalina e aos ambientes fantasiosos reproduzidos na cenografia das festas Rave. Nestas festas podem haver ainda, parques de diversão (!) com rodas gigantes, loopings, montanhas-russas e guindastes de salto livre (buggie-jump). Tudo para provocar mais euforia e adrenalina. Em contra-ponto outra área desaquece quem já está no limite da alta agitação. A tenda conhecida como "chill-out" (desaquecer, na tradução) é sempre montada com muitas almofadas, grandes e macias, sob um som melódico e suave, incensos e até massagistas que relaxam esses jovens para uma nova sessão de euforia na tenda principal. Nas festas menos produzidas essa área pode ser substituída por um grande gramado à beira de um lago ao amanhecer, com frutas e sucos naturais para repor as energias e hidratar. Apesar de muitos estarem buscando apenas diversão em meio a essa profusão de apelos e atrativos, uma outra porção desses jovens cultua esse estilo com um grande um grande apelo à transcendência e misticismo. Eles estabelecem relação direta de toda essa parafernália sensorial com os efeitos provocados pelo Ecstasy e os rituais xamânicos primitivos de celebração. Os "verdadeiros" Ravers creem que através desses recursos psicodélicos e hipnóticos é possível estabelecer uma perfeita sintonia espiritual e liberar todas as neuroses e enclaves psico-sociais provocados pela vida repetitiva, estressante e vazia que levam no dia-a-dia. 50


As imagens apresentadas na pista de dança levam qualquer observador a sentir a energia primal de expressão religiosa gerada por esse gigantesco esforço coletivo despendido em função da busca do transe. Os movimentos repetitivos do dançar, as luzes frenéticas, as imagens de seres fantásticos e o som repetitivo de baixograve, ensurdecedor, somados ao Ecstasy e outros estimulantes, tudo leva a crer que cada coisa está ali em seu lugar afim de levar a um estado de êxtase similar aquele experimentado por religiosos e pessoas ditas "iluminadas" espiritualmente. E tudo isso realmente funciona. Atualmente as Raves são os espaços mais propícios à elevação espiritual e exaltação da mente, pois não requer nenhuma iniciação especial (senão a aceitação do individuo no meio, por outros jovens) ou o aprendizado de uma doutrina severa. Ao mesmo tempo que as atitudes de cada participante expressam o máximo do individualismo, uma Rave é um ambiente onde todos acabam se confraternizando, seja nos constantes abraços sentimentais aos amigos (atitude estimulada pelo Ecstasy), seja no "basedo" (maconha) fumado por eles na manhã seguinte em uma roda de desconhecidos e amigos relação não é tão improvável. Frente a uma festa Rave, um leigo pode tranqüilamente afirmar estar de frente a uma celebração de Umbanda Candomblé, Vodoo ou mesmo de uma festa indígena, típica das tribos do Amazonas. A musicalidade expressa eletronicamente por meio de sons sintetizados tem as mesmas origens do Jazz, do Soul, do Funk, do Rock, do Samba e todos os ritmos crioulos: os 51


atabaques, tambores e batuques dos nossos antepassados vindos da Africa. Seja em maior ou menor escala de aproximação, a origem desses sons derivados das musicalidades modernas, são enraizados nos mesmos terreiros de orixás, mães-de-santo e entidades da cultura da diáspora africana. Seja o Techno, o Hip-Hop, o House, o Jungle ou o Trance, todos tem origem nos guetos jovens negros das grandes cidades das Américas. Os novos xamãs da Tecnologia do transe detonam a vitória dos negros. E a resposta mutante da fusão das máquinas da sociedade pós-industrial com a cultura e a música primitiva

O SOM HIPNÓTICO Ø Para se entender a música Trance é preciso nos remeter à origem da música eletrônica e de como ela chegou a esse estado de evolução: um som sintético, decupado, abstraído e refeito a partir de apropriações, pilhagens e distorções de outros sons e canções, na verdade uma simbiose do som eletrônico com os sons acústicos. Muito mais antiga do que qualquer adolescente "pósmoderno" do século 21 pode imaginar, os primeiros experimentos de música eletrônica foram feitos ainda no

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século 19 com a criação do primeiro instrumento musical elétrico o "Cynamophone". Nos primeiros anos do século XX foram feitos diversos manifestos e experimentações acompanhando os movimentos de vanguarda que fervilhavam nas artes, como o "Manifesto Futurista", em 1911 que pregava um mundo robotizado, dominado pelas máquinas. Durante as décadas seguintes os sons eletrificados fizeram a história dos estilos musicais com o surgimento dos ritmos precursores do Rock and Roll: o Rythm and Blues, o Soul e o Funk, por sua vez advindos do Gospel e das tristes canções dos negros norte-americanos. Na década de 50 o experimentalista alemão Karlheinz Stockhausen grava seu clássico Canção dos Adolescentes". Nas décadas seguintes estouram os ritmos Jamaicanos, surgem os primeiros sintetizadores de sons e teclados, a discotecagem (manipulação sonora pelo "scratch" - ou arranhões - nos discos de vinil) e a mixagem de músicas já gravadas. No final da década de 70, no auge da Disco Music, em outro sentido, o grupo alemão Kraftewerk lança o primeiro disco produzido com bateria eletrônica, "Trans-Europe Express" e se tornam os pais do Techno e "de toda uma geração", como se intitulam. Jean Michel Jarre, o tecladista francês, já antecipa a música Trance com suas experimentações em seus dois primeiros discos: "Oxigene" e "Equinoxe". Nos anos 80 a tecnologia MIDI e samplers e os computadores pessoais (PC's) tornam-se populares e facilitam 53


a manipulação e distorção de sons. O livro "A Terceira Onda” de Alvin Toffler serve de fonte de inspiração para os criadores da música Techno. Em 1988 acontece o Segundo Verão do Amor e Londres quer tornar-se Ibiza. Já na virada dos anos 90, em meio toda a crise e tensão política mundial, jovens de Berlim, na Alemanha, lançam o estopim da maior celebração da música eletrônica no mundo - a Love Parade. Westbam, DJ e produtor, foi o mentor da Love Parade Junto com Paul Van Dyk, Sven Vätch e Talla 2 XLC, foram os responsáveis pelo frenesi eletrônico em toda a Alemanha. Criadores de músicas históricas na trajetória do Trance, são reconhecidos mundialmente no meio pelos esforços e conquistas na divulgação desse estilo musical. Como afirma o próprio Paul Van Dyk22

"O TRANCE É A MÚSICA QUE FAZ AS PESSOAS ESQUECEREM TUDO A SUA VOLTA, EMBARCANDO NUMA VIAJEM QUE PODE LEVAR SEU INCONSCIENTE A QUALQUER LUGAR, UNINDO AS PESSOAS EM QUALQUER PARTE DO MUNDO. É A MELHOR FORMA DE MÚSICA AO LADO DA HOUSE. NO BRASIL, O TRANCE COMBINA COM A BELEZA DOS CLUBES E DAS PESSOAS.”

Mundo Mix Magazine - "A histeria mundial do trance” p. 100 odiçlo XIII (2000). 22

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Com essa propriedade de ser universal, não só o Trance, mas toda música eletrônica, absorve características culturais do local onde é produzida. Assim, como ocorre como Techno, o House, o Drum'n Bass e outros estilo, vão surgindo subestilos, variantes de um estilo principal. Em 94 surge um outro segmento do Trance, o Goa-Trance ou Psy-Trance. De característica muito mais lisérgica e turva, com muitos efeitos de teclados e vocais que "voam" pela música, evocam melodias árabes e indianas. Com muitos artistas especializados no estilo, os israelitas estão à frente na produção dessa música. Outras variações são o Hard-Trance, o Acid-Trance, NRG (energy)-Trance e o Psicodélico. Diferenciam-se pela quantidade de melodia e pela qualidade do ritmo, mais abrasivo, mais pesado, turvo ou melódico, muitas vezes se confundindo com estilos como House e o Techno - outras vertentes do estilo eletrônico. No Brasil, o Trance surgiu com toda a força em Trancoso, na Bahia, por meio de estrangeiros que promoveram as primeiras Raves a beira mar por volta de 1993. Na época, em São Paulo, a sonoridade do Trance misturava-se ao estouro de estilos do momento como o House e o Techno e só tomou força depois da popularização das festas Raves em sítios da região.

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Hoje qualquer casa noturna toca o estilo, sejam os clubes "undergrounds" que fizeram história, sejam as ricas boates de qualquer bairro mais abastado de qualquer capital do país. A partir de 99 a cena Trance conquista outras localidades, com cenas sólidas então, como Curitiba, Florianópolis, Porto Alegre e Goiânia. Selos comerciais nacionais como a Trama e a Sambaloco, especializadas em música alternativa, começam a lançar coletâneas e álbuns de DJ's estrangeiros, tornando acessível o que antes era importado.

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Capítulo V

OUTROS ÊXTASES Ø A intenção deste capitulo é tão somente explicitar os comparativos dos estados de êxtase citados ao longo do trabalho. Também estes rituais primitivos podem ser interpretados como grandes espetáculos onde os estímulos audiovisuais são imprescindíveis para as alterações neuropsíquicas.

XAMANISMO Ø O Xamanismo é um conjunto de práticas mágicas, filosóficas e místicas muito antiga, que busca o reencontro do homem e ensinamentos da natureza e com o seu próprio mundo interior usando de rituais e instrumentos de elevação da mente. Não existem registros de sua origem, e por isso não há raizes históricas ou geográficas determinadas. Na verdade, o Xamanismo é um conjunto de ensinamentos e crenças milenares que se perpetuaram até os dias atuais através da tradição de tribos primitivas em todo mundo. Esses ensinamentos seriam baseados em elementos da natureza e em figuras arquetípicas coletivas. 57


Segundo o pensamento Xamanista, seria possível através dos Rituais Xamânicos realizar vivências espirituais transcendentais, processos de cura e arte. A raiz da palavra Xamā deriva da língua dos povos Tugus, da Sibéria. Foi adotada amplamente pelos antropólogos para se referirem indivíduos de várias culturas primitivistas, com poderes e conhecimentos místicos, inicialmente denominadas por pajés, curandeiros, magos e videntes. A prática Xamânica se deu pela primeira vez antes mesmo que o homem primitivo dominasse completamente a palavra Por esta razão uma das características desta arte é a poesia cantada, que marca a oralidade da própria concepção da linguagem poética, marcada nas canções dos velhos Xamãs. Os Xamãs sabiam que a palavra cantada dava um sentido de presentificação, rompendo os limites de suas possibilidades físicas de movimento e visão, entrando assim em contato com novos fatos e mundos que, através do poder de seu canto, tornavam-se audíveis, visíveis e presentes. Estabelecendo, pelo poder da palavra, uma relação sutil em diversos planos, entre o nome e a coisa nomeada, trazendo a própria presença dos seres visualizados, passando ou retornando a níveis de consciência que reportam para o principio da Criação, onde tudo é paz. O Xamanismo prega que é possível chegar-se à transcendência. Acreditam que no decorrer do tempo é possível dominar processos de comunicação extra-sensorial tornando o caminho um conjunto de várias artes como: a competência de curar, de operar milagres; a poesia, a música, 58


a filosofia, envolvendo também a função sacerdotal e a mística, num processo de ajuda ao próximo, resultando numa grande aventura mental e emocional onde todos os presentes ficam envolvidos em transcender a noção normal e comum que têm acerca da realidade. Apesar desse compartilhamento sensorial, o conhecimento Xamânico só poderia ser adquirido através da experiência individual e introspectiva (transe ou êxtase). É considerado um Xamã aquele que consegue entrar e sair dos estados alterados de consciência, trazendo ensinamentos e curas fisicas e espirituais para si e para os outros, com técnicas que lhe são exclusivas, tendo à sua disposição espíritos, seres ou entidades, que segundo a crença, quando chamados o atendem prontamente. O Grande Xamã é aquele que conhece a Lei do Som, das vogais comuns para toda a humanidade, como força criadora de tudo o que existe encima da Terra Xamanismo do é considerado uma religião mas sim como o principio inspirador delas. O Xamã é a figura dominante em todos os lugares onde a experiência do êxtase é considerada uma experiência religiosa por excelência. Segundo o xamanismo, o Novo Mundo continuará a se fazer devido o SOM, que são verdadeiros PORTAIS de um mundo exterior e interior do consciente e do inconsciente, do manifesto do visível e do invisível Por esta razão os seus cantos são considerados tão importantes, as palavras (energias espirituais). De acordo com suas crenças o seu SOM integrado na nova ordem UNIVERSAL - assim sentem que já

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deram a sua contribuição para o mundo e garantiram o futuro de novas gerações na Terra.

O ÊXTASE Ø A Arte do Êxtase "ex stasis", termo grego, significa literalmente - "ficar fora", "libertar-se" da dicotomia da maior parte das atividades humanas. Êxtase é o termo exato para a intensidade de consciência que ocorre no ato criativo. Não é algo irracional, é supra-racional, une o desempenho das funções intelectuais, volitivas (processo cognitivo pelo qual um indivíduo determina sua vontade) e emocionais. É a experiência com o LUMINOSO, a CONTEMPLAÇÃO do TODO, UNIDADE, ENCONTRO. Êxtase e o termo exato para a intensidade de consciência que ocorre no ato criativo, não sendo racional, mas supraracional, envolve o desempenho das funções intelectuais, volitivas e emocionais, eliminando a separação entre objeto e sujeito alargando as fronteiras da consciência humana levando o sujeito a CRIATIVIDADE. Na Grécia Antiga as experiências do êxtase eram chamadas de experiências “extáticas" e estavam vinculadas às declarações proféticas, principalmente no Oráculo do Templo de Delfos, como também nos templos romanos, egípcios, os dervixes do Islã, algumas seitas cristãs inglesas e os Ranter (falar com exaltação) - na Grécia, o deus nascido duas vezes, 60


Dionisio, através do transe gerado pelo vinho novo, criou a arte da representação divina para divulgar as boas novas e ensinar à humanidade as coisas do céu e da terra; aos que tinham acesso ao êxtase, à experiência extática, até então praticada dentro das cavernas pela elite de sacerdotes e bacantes. Acredita-se que a iluminação, ou estados de êxtase, produzem uma remodelação no cérebro, re-conectando partes desconectadas do sistema nervoso. Quando o limiar é transposto, há mudanças na bioquímica celular, resultando na criação de novas terminações nervosas; surpreendendo, acordando e religando tudo num único sistema mental reestruturado.

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Epílogo

CONCLUSÕES Ø A partir dos dados discutidos neste trabalho é possível entender as novas formas de relações sociais a que chegamos, resultado da vida em uma sociedade capitalista, pósindustrial, de comportamento automatizado onde seus indivíduos perdem a noção de todos os processos. Observando uma sociedade com o nível tecnológico como a em que vivemos, e pelos avanços que ainda estão por vir, é possível afirmar que os sujeitos gerados nela estejam buscando um retorno às necessidades primais e, eu diria, quase instintivas, através dos novos métodos e meios tecnológicos.

UMA ATITUDE ESQUIZOFRÊNICA DE RECRIAR UM PASSADO COM BASE NOS CONHECIMENTOS DO PRESENTE. Tratar a percepção humana apenas a partir de dados fisiológicos parece apenas uma unilateral, posto vimos que as interferências dos aspectos culturais aprendidos influenciam diretamente nos diversos contextos do que entendemos e formulamos como sendo a realidade. O produto cultural gerado, reflete portanto, toda a linguagem e aparato icônico do meio de onde surge, espelhando apenas uma faceta da realidade que o constitui. 62


No caso desses jovens, a catarse e êxtase ansiado advém claramente desse artificio audiovisual a que se constituem essas festas, da música sincopada e hipnótica e da parafernália visual exposta do que propriamente da droga consumida, que na verdade visa ser apenas um potencializador desse 'parque de diversões. Boa parte deste projeto foi dedicada à discussão dessas substâncias psicoativas, seus efeitos na percepção e sua influência na produção de um ferramental cultural muito singular. No entanto parece que tais efeitos e consequentes interpretações de seus significados e importância ainda permanecerão restritos a esses pequenos grupos marginais por um bom tempo até que haja uma efetiva pesquisa sobre a contracultura como síntese da sociedade e seu reflexo direto na mesma. Até la resta-nos consumir e procurar entender esses movimentos por meio dos simulacros dessas culturas marginais que chegam até nós já digeridos pelos meios convencionais de comunicação, devidamente embalados e vendidos como produtos.

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Anexos

IMAGENS Ø A seguir um apêndice de imagens que fazem referência aos muitos fragmentos de textos e conceitos de êxtase e transcendência apresentados neste estudo. São imagens registradas por diferentes fotógrafos de expressões e manifestações culturais, artísticas, folclóricas, místicas, religiosas e arquitetônicas de povos de diferentes países e regiões do mundo.

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Foi feito um grande esforço no sentido de localizar e dar o devido crĂŠdito de direito sobre todos os materiais e imagens reproduzidos nesse documento acadĂŞmico. Grande parte do material visual ilustrativo advĂŠm de sites de imagens de uso livre ou sob licença de Creative Commons. O autor se desculpa por qualquer omissĂŁo ou engano nos crĂŠditos, se dispondo a corrigir em futuras reediçþes. • Tambores africanos - Image by Paul Brennan from Pixabay

by Irsyad Ibrahim from Pexels • Ramadã em Meca - Photo by Haydan As-soendawy from Pexels

• Celebração Afro - Photo by Roger Sekoua from Pexels

• Deviches Turcos - Image by klimkin from Pixabay

• Deidade do folclore da Bulgåria Image by GEORGID from Pixabay

• Dolmo da Mesquita - Image by sofiane dougheche from Pixabay

• Deidade Bulgåria - Photo by Chavdar Lungov from Pexels • Deidade Bulgåria - Photo by Chavdar Lungov from Pexels

• Muçulmano ajoelhado em tapete de uma mesquita - Image by Sharon Ang from Pixabay

• Floresta Bulgara - Photo by Francesco Ungaro from Pexels

• Dolmo de mesquita do Irã - Image by Fatemeh Hashemi from Pixabay

• Holi, festival das cores �ndia - Photo

• Dream catcher, filtro de sonhos indígena norte americano - Photo by fotografierende from Pexels

by Yogendra Singh from Pexels • Holi, festival das cores �ndia - Photo by Yogendra Singh from Pexels

• Xamãs apaches - Photo by Gabriela Custódio da Silva from Pexels

• Deus Hindú - Photo by Akshay Moncy from Pexels

• Ă?ndios TupinambĂĄs observados por Hans Staden durante sua viagem ao Brasil (1552). ExtraĂ­do de 'Newe Welt und Americanische Historien', de Johann Ludwig Gottfried, publicado por Mattaeus Merian, Frankfurt, 1631. Gravura de Theodore de Bry (1528–98). Coleção privada. Public Domain.

• Festival de Ganesha - Photo by đ&#x;‡Žđ&#x;‡ł Amol Nandiwadekar from Pexels • Mandala de oferendas - Image by Photocurry from Pixabay • Fumo em festival na Ă?ndia - Photo

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• Cipó de ayahuasca - https:// bepureinside.com/wp-content/ uploads/2017/11/Uma-viagemespiritual-A-Ayahuasca3.jpg

21 de maio de 2008. Fotografia tirada por Colonel Warden. • Fractal digital - Image by Okan Caliskan from Pixabay

• Pajelança amazônica - Foto de Ninawa Inu Huni Kuin

• Monges budistas - Image from Pexels

• Amanita Muscaria - Photo by Pixabay from Pexels

• Templo Tailandês - Image by Alex Azabache from Pexels

• "Alice and the Caterpillar in Wonderland" ilustração de John Tenniel para o Livro "Alice's Adventures in Wonderland" (1865) de Lewis Carol - Domínio Público

• Beatas em êxtase - Luis Quintero from Pexels • Velas queimando - Image by S. Hermann & F. Richter from Pixabay

• Raver na lama - https:// 25.media.tumblr.com/ tumblr_mc1mh61ZTP1qjp4iko1_12 80.jpg

• O êxtase de Santa Teresa - Foto Wikimedia - https:// pt.wikipedia.org/wiki/ O_Êxtase_de_Santa_Teresa#/ media/ Ficheiro:Ecstasy_of_Saint_Teresa_S eptember_2015-2a.jpg

• Decoração de festas rave pelo mundo - https://psymedia.co.za/ best-psytrance-festivals/ • Malabares de fogo - Photo by Pixabay • Sinapse neural - https:// amenteemaravilhosa.com.br/wpcontent/uploads/2019/04/ representacao-de-uma-sinapse.jpg • Rede neural - Image by Gerd Altmann from Pixabay • Catedral da Sagrada Família -Image by BERK OZDEMIR from Pexels • Foto de uma Mandala Chenrezig Sand criada e exibida na Câmara dos Comuns, em Londres, por ocasião da visita do Dalai Lama em

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Bibliografia

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Sobre o Autor

MÁRCIO FÁBIO OLIVEIRA LEITE Ø

Mestre em Design Gráfico pela University of the Arts London / LCC - London College of Communication; pós graduado em Linguagem Audio-visual, Cinema e TV pela PUCPR, Curitiba-PR e graduado em Design Gráfico pela Unifatea, Lorena-SP. Como planejador criativo une conceito, forma, conhecimento do mercado e percepções sobre as pessoas para construir estratégias e ações de inovação, através do pensamento de design, para produtos, marcas e serviços. Acumula 20 anos de experiência em projetos de design e comunicação realizados para indústrias nacionais e internacionais, grandes marcas de diversos segmentos de serviços a bens de consumo, como bebidas, cigarros, bancário, telecomunicações, cosmética, higiene pessoal, têxtil/moda e alimentício. Atualmente lidera projetos estratégicos de design e processos de inovação para grandes marcas de mídia e conteúdo audiovisual.

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SI N3S T3 SIA Imagens para ouvir, sons para ver.

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