Em Matosinhos, durante o festival Literatura em Viagem, Claudio Magris falou sobre a Europa, a memória e o futuro.
Parágrafo S U P L E M E N T O L I T E R Á R I O D I R E C T O R M A R C O C A R VA L H O E D I T O R A S A R A F I G U E I R E D O C O S TA
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FEIRA INTERNACIONAL DO LIVRO DE BOGOTÁ
“O horror é sempre vizinho da beleza”, palavras da Nobel da Literatura Svetlana Alexievich em Bogotá, onde se recordou Chernobyl e a herança desse momento trágico. ponto final • SEX. 20 MAI, 2016
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Q Quando eu For Grande, em chinês
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s traduções de livros em língua portuguesa continuam a chegar, mesmo que lentamente, ao enorme mercado editorial chinês. No campo da edição para a infância e juventude, há um novo
título nas livrarias a confirmar esse movimento. Quando Eu For... Grande, com texto de Maria Inês Almeida e ilustrações de Sebastião Peixoto (edição portuguesa da Planeta), foi traduzido na China e publicado pela Jilin Fine Arts Press. O livro que reúne algumas das muitas hipóteses que uma criança se coloca em relação ao seu futuro recebe agora o
título 当我长大后, numa tradução assinada por Wu Xun, e promete confirmar que a vontade de crescer para poder
comer todas as pastilhas elásticas que a vontade pedir ou para arriscar a suprema liberdade de voar são ânsias
universais.
Man Booker Prize para Hang Kang
Literatura coreana em destaque
venceu o Man Booker Prize. O livro
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distinguido, The Vegetarian, acompanha
interesse, recenseando as traduções de autores coreanos que
uma família e as suas dinâmicas de conflito-culpabilização-
foram sendo publicadas em inglês, a Coreia é, agora, capa do
desmoronamento, tema sempre fértil na literatura universal.
mais recente número da revista Asia Literary Review. Jovens
Tem publicação em Portugal prevista para Setembro, na Dom
autores, de ficção, poesia e não-ficção, assinam um conjunto
Quixote, com tradução de Maria do Carmo Figueira (a partir
de textos que traçam um retrato intenso e polifónico do que
da edição inglesa) e o título Vegetariana.
anda a ser escrito no país.
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Mann Booker Prize atribuído a Hang Kang veio confirmar a vitalidade da
epois de uma shortlist que incluía José Eduardo Agualusa e Yan Lianke, foi a autora sul-coreana Hang Kang que
ADMINISTRADOR: Ricardo Pinto DIRECTOR: Marco Carvalho
literatura contemporânea produzida na Coreia do Sul. Depois de ter sido país convidado no Salon du Libre, de Paris,
e de a imprensa literária ocidental ter demonstrado o seu
EDITORA: Sara Figueiredo Costa
Propriedade, administração e distribuição: Praia Grande Edições, Lda
COLABORADORES: Hélder Beja, Cristina de Almeida Carvalho ILUSTRAÇÃO: Rui Rasquinho PAGINAÇÃO / DESIGN: Catarina Lopes Alves
Impressão: Tipografia Welfare Ltd.
• O Parágrafo é um suplemento do jornal Ponto Final e não pode ser vendido separadamente.
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suplemento literário •
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uando um autor ouve anunciar o seu nome como vencedor do Prémio Nobel da Literatura, sabe que a vida não voltará a ser a mesma. Doris Lessing, recebida pela imprensa à porta de sua casa, quando regressava das compras, lamentava a confusão toda ali instalada e, depois de saber que era a mais recente galardoada, explicava que tinha coisas para tratar em casa. Aconteceu em 2007 e terá sido difícil voltar a ter esse ritmo que cada escritor define como estruturante da sua vida – e que passa pelo tempo da escrita, mas também, imaginamos, pela vida doméstica, familiar, afectiva – quando todos os convites para todos os debates e sessões e conversas caem diariamente na caixa do correio. Svetlana Alexievich, distinguida com o Nobel em Outubro passado, parece não se deixar afectar demasiado pela notoriedade pós-Nobel, participando em sessões com leitores com a candura de quem quer conhecer os que a lêem e, simultaneamente, com um espírito de missão que muito deverá aos textos que escreve. Jornalista de profissão, a autora trabalha a partir da realidade, talvez como muitos romancistas, mas com a particularidade de não escrever ficção. A tragédia de Chernobyl, a guerra no Afeganistão ou o desmoronamento da União Soviética são alguns dos temas espinhosos a que se tem dedicado. Na Feira do Livro de Bogotá, na Colômbia, Svetlana Alexievich falou sobre o seu trabalho, sem dar demasiada importância ao debate sobre se o que escreve é literatura (e, portanto, merecedor de um Nobel), perante uma plateia esgotadíssima e nós fomos até lá ouvir o que tinha para dizer. Noutra latitude, na cidade portuguesa de Matosinhos, escutámos os autores que participaram na décima edição do Literatura em Viagem, um festival literário capaz de encher uma sala com centenas de pessoas em dia de final do campeonato de futebol e com a concorrência da festa do Senhor de Matosinhos a poucos metros. Claudio Magris, um dos grandes pensadores da Europa contemporânea, deixou pistas para pensarmos o futuro sem esquecermos a memória e lançou alguns alertas sobre o drama dos refugiados e o perigo de uma nova ascensão da extrema-direita. Entre livros e leituras, há ainda espaço para destacar a atribuição do Man Booker Prize à autora coreana Han Kang, pelo livro The Vegetarian, para espreitarmos as novidades publicadas neste último mês e para mais um conto finalista dos concursos anuais que o festival literário Rota das Letras tem realizado, abrindo espaço para a prosa com Macau como pano de fundo.
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SARA FIGUEIRED O COSTA
CÂMARA MUNICIPAL DE MATOSINHOS
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á dez anos que o Literatura em Viagem se instalou em Matosinhos, recebendo escritores-viajantes e outros que, passando mais tempo em casa, não deixam por isso de andar pelo mundo e pelas suas muitas geografias sempre que agarram na caneta ou se sentam ao computador. Uma década depois da primeira edição, é notório que o público do LeV cresceu, de tal modo que começa a parecer urgente encontrar um espaço maior, capaz de acolher as centenas de pessoas que se instalam na Biblioteca Municipal Florbela Espanca (preterindo, como aconteceu este ano, a procissão do Senhor de Matosinhos e os jogos finais e decisivos do campeonato nacional de futebol). Claudio Magris era um dos nomes em destaque no programa deste ano, onde também constavam Howard Jacobson, José Pacheco Pereira, Teolinda Gersão, David Toscana e Andrés Barba, entre outros. O italiano nascido em Trieste, autor de romances, ensaio e crónica, foi entrevistado por Rui Tavares, numa conversa que percorreu os seus principais livros sem nunca sair do tema europeu, eixo fundamental da sua obra: “É chocante que em tantos países europeus, perante problemas terríveis como este, floresçam respostas tão regressivas.” Magris referia-se aos refugiados, milhares de pessoas fugindo da guerra e da miséria que chegam diariamente a uma Europa onde os discursos xenófobos e o ódio a quem vem de fora estão a espalhar-se. “Na Europa democrática está-se a difundir um modelo perigoso, com reacções inumanas. Temos de combatê-lo, e não podemos fazê-lo de forma abstracta, ‘boazinha’. No futuro, vai haver um sinal de alarme perigoso”. Como tantas vezes acontece com os grandes pensadores, a intervenção de Claudio Magris não aponta caminhos, preferindo a dúvida e a reflexão aturada às certezas absolutas. Numa passagem de Às Cegas, o autor coloca um astronauta soviético dentro de uma nave no momento em que a União Soviética cai. Rui Tavares escolhe esse excerto para questionar Magris sobre a Europa e o seu futuro, numa altura em que tantas incógnitas se instalaram, da ascensão da extrema-direita em alguns países à sobrevivência financeira dos estados membros. O autor responde, cruzando a literatura com a história, sem esquecer aquilo a que chamamos natureza humana, afinal, a mistura fina de que são feitos todos os tempos, todos os dias: “A ironia é que, dentro da nave, a URSS continuou a existir durante mais uma série de meses, mas não aqui na terra. A descontinuidade espáciotemporal é uma coisa que atribuímos à ficção
A Europa a caminho de quê? A Festa do Senhor de Matosinhos inclui várias eucaristias, uma procissão, dezenas de barraquinhas de comes e bebes, fogo de artifício, uma feira onde barristas, construtores de alfaias e doceiras resistem ao lado dos produtos de plástico anunciados como artesanato. Até aqui, tudo igual às festas populares e romarias de todo o país; a originalidade é a inclusão de um festival literário na programação oficial dos festejos.
científica, mas por vezes ela acontece na nossa vida. Teremos, com certeza, dificuldade em acreditar que as coisas, bonitas ou feias, possam mudar. (…) Vivemos com a confiança cega de que tudo continuará como sempre foi. Lembro-me, por exemplo, dos primeiros dias de Novembro de 1989. Estava em França, num encontro de escritores e artistas, e estava lá um realizador de cinema alemão que, a propósito das manifestações que decorriam em Berlim, dizia que o Muro
ia durar muitos mais anos. O medo dele era que as manifestações, do lado oriental, fossem reprimidas. Poucos dias depois, o Muro caiu, mas naquele momento ele não podia imaginar que a realidade mudasse tanto em tão poucos dias. Estamos sempre prisioneiros disto.” A Europa e a incógnita dos seus caminhos futuros acabou por ser tema central em muitas sessões deste LeV. Para além de Claudio Magris, também José Pacheco Pereira
percorreu a história e a cultura do velho continente através dos livros da sua biblioteca, os 5 km de estantes que guardam edições do século XVIII ou os panfletos do tempo do PREC. E Howard Jacobson, vencedor do Booker Prize de 2010, andou pelos terrenos movediços do humor, elogiando a comédia – “que realmente é o âmago das coisas” – , e pelas questões da história e da identidade judaica, elemento sem o qual a argamassa que sustenta a Europa, histórica e culturalmente, não seria a mesma. Satisfeito com a avalanche de público e com o decorrer das conversas entre escritores e leitores, o vereador da Cultura da Câmara Municipal de Matosinhos, Fernando Rocha, falou ao Parágrafo sobre o LeV: “Tínhamos algumas expectativas à volta desta décima edição, que era um ponto de viragem, e apostámos num programa forte. Resultou. Tivemos o maior número de pessoas de sempre, com as actividades nas escolas e aqui sempre com grande adesão. Agora, não podemos recuar.” As datas do próximo ano já estão anunciadas. Dias 12, 13 e 14 de Maio de 2017, o Literatura em Viagem volta a desembarcar em Matosinhos. As farturas, o andor do Bom Jesus na igreja engalanada e o fogo de artifício lá estarão também, cumprindo a tradição de uma das mais antigas romarias do norte do país e acolhendo, sem necessidade de traçar fronteiras ou erguer muros, um festival literário onde escritores e público não desdenham os livros nem a festa popular.
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Todas as vozes de Svetlana Alexievich
um dia qualquer depois de 26 de Abril de 1986, há 30 anos. O dia exacto não interessa. O tempo, como tudo o resto, dilui-se
numa mancha radioactiva que alastra de Chernobyl para a então República Socialista Soviética Bielorrússia e para todos os lugares onde sopra e chega o vento venenoso do progresso. Svetlana Alexievich, jornalista, está em Chernobyl para, como muitos outros repórteres, tentar perceber o que se passa. “Recordo-me de estar num táxi e de o condutor me dizer ‘vou parar de trabalhar, não aguento mais isto. Todos os dias sete ou oito pássaros se estatelam contra o vidro do táxi e morrem’.” Tudo estava a mudar, mesmo que isso ainda não fosse visível. Vieram os helicópteros, as viaturas marciais e as fardas que as enchem. Vieram pessoas de todo o lado para ver, para ver o espectáculo de uma catástrofe sem par às mãos do homem e que à noite brilhava a partir dos reactores nucleares. Os militares “estavam perdidos”, enfrentavam um inimigo invisível. “Contra quem iam eles disparar? Não sabiam. Eles recolhiam material radioactivo com as mãos, aguentavam meia hora... Pagámos com as nossas vidas”, recorda Alexievich. Hoje, 30 anos volvidos, a mais recente vencedora do Prémio Nobel da Literatura está na Feira Internacional do Livro de Bogotá (Filbo) e o auditório principal, que leva o nome de José Asunción Silva, poeta modernista colombiano do século XIX, transborda para ouvi-la falar. “O que vi foi um mundo antes e depois de Chernobyl. Tudo se transformava em Chernobyl (...). Toda a gente dizia ‘queremos ver’. À noite, a central [nuclear] iluminava-se e era bonito. Vi pessoas nas aldeias com caras completamente loucas. Havia espécies de cemitérios onde as pessoas iam enterrar a comida” que já não podia ser ingerida. “Percebi que não poderia escrever rapidamente sobre aquilo.” E não escreveu. Vozes de Chernobyl, agora editado em Portugal pela nova Elsinore, com tradução de Galina Mitrakhovich e prefácio de Paulo Moura, foi publicado pela primeira vez em 1997. Com ele entra-se num mundo em que a morte e o amor, temas de sempre, aparecem não pela voz da autora mas das mais de 500 pessoas que ela entrevistou uma e outra vez. Svetlana Alexievich foi percebendo devagar algumas coisas. Que, para falar 4.
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A mais recente vencedora do Nobel da Literatura esteve na Feira Internacional do Livro de Bogotá para falar da sua obra e do acontecimento que marcou para sempre a sua vida e a do povo bielorrusso: o desastre nuclear de Chernobyl, há 30 anos. “O horror é sempre vizinho da beleza”, diz Svetlana Alexievich.
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de Chernobyl, não queria seguir o modo simplista que os jornais privilegiavam, que era preciso ouvir e, acima de tudo, que “não somos assim tão fortes quando o horror nos ultrapassa”. Com o desastre nuclear desapareceram mais de 300 aldeias, contabiliza a autora. Famílias abandonaram as suas casas,
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deixaram para trás paisagens bucólicas que ainda conservavam toda a beleza, mas que estavam contaminadas por um mal oculto, que não dava tréguas. “As pessoas passaram a viver num mundo novo, a dizer coisas novas, inesperadas, que nem a nossa literatura conhecia. Há pouco tempo falei sobre isto no Japão e disseram-me que para
eles era mais fácil perceber, porque tiveram Fukushima”, diz a Nobel da Literatura. “O que mais me comoveu e me ajudou a expressar-me foi andar por aquelas aldeias e sentir a morte ao meu redor – não a vês, mas não podes comer, não podes banhar-te no rio. Estás parada num mundo de morte nova. Comoveu-
me ver como as pessoas deixaram esses lugares bonitos, dos mais bonitos do meu país. Não estávamos preparados para isto, achávamos que nem sequer tínhamos uma central nuclear.” O acidente de Chernobyl mostrou, talvez como nunca antes, que “o horror é sempre vizinho da beleza” que, “a beleza e a morte vão de mão dada”. E foi fazendo esse caminho que a autora encontrou uma forma de contar as histórias daquelas pessoas. O livro abre com o testemunho de uma mulher que, no meio da tragédia, viveu e morreu uma história de amor formidável. “É a história destas pessoas recém-casadas, que até ao supermercado iam de mão dada”, lembra. Ele, Vassíli Ignatenko, era bombeiro. Recebeu o alerta de incêndio na central de Chernobyl e lá foi, com a farda normal a cobrir o corpo, para dar conta do fogo. Os níveis de radioactividade a que foi exposto, com os seus companheiros, superam os limites do imaginável. As consequências também. Depois do acidente nuclear tudo foi feito com grande segredo, incluindo o tratamento de homens como este, expostos à radiação, e todos aqueles a quem chamaram ‘liquidadores’, por terem acorrido à central nuclear para tentar para o incêndio e terem sofrido as devidas consequências. Um avião levou Vassíli e outros bombeiros para Moscovo, deixando as famílias para trás. Mas Liudmila Ignatenko, mulher do bombeiro Vassíli, não se deu por vencida. “Ela era uma mulher pequenina, uma cozinheira, decide ir para Moscovo e,
neste país em que tudo está sob segredo, o primeiro taxista com quem fala diz-lhe onde estão os bombeiros de Chernobyl.” Toda a gente sabia. Alexievich interrompe a história, faz uma pausa. Diz: “As pessoas morrem de radiação de uma forma horrível.”. O auditório da Filbo sente o peso daquelas palavras. Lá fora, centenas de leitores que esperaram durante horas para ouvi-la não puderam ouvi-la. A autora prossegue. As famílias não tiveram acesso aos bombeiros de Chernobyl, mas Liudmila conseguiu ver o marido. Enganou os médicos, escondeu que estava grávida, inventou que já tinha dois filhos. De repente, está do lado de lá da caixa de vidro onde os homens, contaminados, eram observados. “Ela subia pelas escadas de incêndio para visitá-lo, subornava funcionários (...). Mas os médicos só lhe perguntavam porquê e se ela sabia o que estava a fazer. Diziam-lhe ‘esta não é a pessoa que amas mas um objecto que deve ser desactivado, tu não podes tocarlhe, nem sequer deves vê-lo’. Mas ela não escutava, acompanhou-o até ao fim.” Esse fim, terrível fim, está descrito nas páginas que abrem o livro de Svetlana Alexievich. Liudmila sobreviveu, foi mãe e a criança viveu apenas uns dias. Não deixou que a levassem para que pudesse ser estudada pela ciência. Arranjou uma caixa de bonecas, colocou-a lá dentro e enterrou-a ela mesma junto ao marido, no cemitério onde depositaram os corpos dos bombeiros de Chernobyl. “Percebeu-se depois que foi a filha que
a salvou, foi a filha que absorveu quase toda a radiação. Fui com Liudmila ao cemitério, eu caminhava mas ela não. Foi de joelhos até à campa, a chorar, a gritar e a pedir perdão à filha. Eu não sabia sobre o que estávamos a falar, se sobre a morte, se sobre o amor”, descreve a escritora. A ARROGÂNCIA DO HOMEM E DA CIÊNCIA Chernobyl pôs tudo em causa, aquilo em que as pessoas acreditavam e não acreditavam, o lugar do homem e da ciência. “Acho que o homem deve avaliar de outro modo a sua posição no mundo. É certamente necessário haver formação ecológica, teremos de deixar de usar algumas máquinas. A natureza já começou a vingar-se de nós”, diz Svetlana Alexievich. Depois da catástrofe de há três décadas, os cientistas que tentaram visitar as aldeias da região foram “corridos a pau” e as poucas igrejas que existiam estavam cheias. “Era claro que o mundo das ciências estava à beira do colapso.” Se a ciência estava prestes a colapsar, a Bielorrússia não estava muito melhor. Anos depois de Chernobyl, em 1994, Alexander Lukashenko é eleito Presidente da República, cargo que ainda ocupa em 2016, e a vida de qualquer livre pensador torna-se difícil. “Na época em que saí da Bielorrússia [em 2000], fi-lo para protestar, como outros”, conta Svetlana Alexievich. “Acreditávamos que o comunismo estava condenado. Naquela altura os livros de Aleksandr Solzhenitsyn já estavam por
O acidente de Chernobyl mostrou, talvez como nunca antes, que “o horror é sempre vizinho da beleza” que, “a beleza e a morte vão de mão dada”. E foi fazendo esse caminho que a autora encontrou uma forma de contar as histórias daquelas pessoas.
todo o lado mas as pessoas não queriam saber. As pessoas queriam mais comida, roupas novas, ver o mundo. Os livros que falavam de campos de trabalho, dos gulag, já não eram proibidos, estavam nas lojas, mas ninguém queria saber.” Ninguém queria saber? Como é isso possível? “Alguém que sai de um campo de
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“Sempre tive esta ideia de que a ficção é algo que não capta [a realidade]. É a minha opinião. Não estou a dizer que é preciso reescrever o Guerra e Paz, só acho que a verdade não cabe num só coração, mas em muitos.”
concentração não pode ser completamente livre porque não sabe o que é a liberdade. Nós íamos para as praças, gritávamos ‘liberdade!’, mas não sabíamos o que isso significava. Assustei-me quando vi escritores a contarem, com brilho nos olhos, como tinham espancado um polícia. Eram escritores!” Alexievich passou mais de uma década entre Paris, Gotemburgo e Berlim. “Saí para ver como viviam as pessoas noutros lugares do mundo. Vejo que aqui na Colômbia também têm uma cultura de guerra. Ou estamos preparando a guerra ou estamos vivendo a guerra. Não entendemos quão anormal é o nosso mundo e quão anormais são os nossos valores”, lamenta. Com os anos e o muito trabalho vieram os livros – as cinco obras em prosa que constituem o projecto literário “Vozes da Utopia” e que são Vozes de Chernobyl, A Guerra não Tem Rosto de Mulher, O Fim do Homem Soviético, As Últimas Testemunhas e Rapazes de Zinco – e veio também o reconhecimento. Entretanto, foi preciso voltar a casa, em 2011. “Não se pode ir do socialismo ao capitalismo em um passo. Entendi que ia demorar muito. Durante esse período morreram os meus pais, a minha neta cresceu. Eu só tenho uma vida, quero estar com aqueles que me são queridos. Além disso, para escrever estes livros tenho de estar com as pessoas, não é qualquer coisa que se faça pela internet. Então, regressei.” Como antes, “o poder [político] fez de 6.
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conta que não existia”. Só que entretanto veio o Prémio Nobel da Literatura e “agora é mais difícil para Lukashenko ignorar” o poder das palavras de Svetlana Alexievich. A vida na Bielorrússia, apesar dos prémios e das honras, não é fácil para a escritora. “Os meus livros são muito caros lá. É uma das formas de fazer com que não muitas pessoas os leiam. Não posso dar conferências ou entrevistas, como aqui.” Essas limitações, no entanto, são largamente compensadas por aquilo que sente junto das pessoas. “O que sei é que quando saio à rua, as pessoas abraçam-me, agradecem-me, dizem-me ‘mostraste que nós existimos’. Isso não é o mais importante agora, o importante é que o escritor faça o seu trabalho e que esteja do lado da bondade”, acredita. A FORÇA DO REAL Svetlana Alexievich conta que “quando era jovem não era nada compassiva” com o seu pai bielorrusso e com a mãe ucraniana. “Dizia-lhes ‘Como foram capazes [de compactuar com o regime]?’ Agora é estranho pensar nisso. Quando a minha neta crescer pode também perguntar-me ‘Como foste capaz?’ A força de um regime autoritário é que nos converte a todos em cúmplices, com leis de medo.” A Nobel da Literatura esteve no terreno durante a Guerra do Afeganistão, que se estendeu por uma década (1979-1989). Quando regressou, a sua visão do mundo tinha-se alterado. “Já não falava do mesmo com os meus pais. Ali percebi que a única coisa que nos pode salvar não é o ódio, mas o amor. Hoje, se pudesse voltar a falar com o meu pai [já falecido], só falaria sobre o amor”, confessa. “Diziam-nos que o Afeganistão era uma guerra justa, mas não era. Regressei do Afeganistão uma pessoa livre. Não acreditava no socialismo, no comunismo. Não se pode romantizar a violência, é um caminho sem saída. Temos de encontrar um caminho de igualdade.” Quando encara a realidade e os sistemas que criámos para torná-la mais suportável, Alexievich continua a ter dúvidas. Acredita que o socialismo possa regressar, mas lembra que “o socialismo requer avanço tecnológico e um nível de desenvolvimento alto”. Já o capitalismo “é sem dúvida uma das nossas utopias”. A autora considera que a justiça pura não existe, que haverá sempre injustiças”, mas, olhando para o Ocidente, “percebe-se nas sociedades europeias que as pessoas podem defender-se” melhor perante os sistemas em que estão inseridas. “A vida será sempre uma luta entre o bem e o mal, como dizia o grande Dostoievsky. Posso concluir que a democracia é um mecanismo humano melhor trabalhado e que podemos e devemos falar sobre como melhorá-la”, conclui Svetlana Alexievich.
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UMA PESSOA-OUVIDO Há qualquer coisa de poético e ao mesmo tempo profundamente triste na forma como a Nobel da Literatura se dirige à audiência colombiana. Fala dos sonhos e das aspirações do ser humano, diz que “tudo o que estamos sonhando é uma utopia”. Está a escrever um livro sobre o amor e um dos protagonistas diz-lhe que haverá um avião que nos levará ainda mais rapidamente de um lugar ao outro. Ela atira: “Para quê? Para se chegar duas horas antes à mulher que não se ama? A tecnologia não nos salva.” Alexievich trabalhou sete anos como jornalista, viajou muito, escutou incontáveis conversas. “Sempre tive esta ideia de que a ficção é algo que não capta [a realidade]. É a minha opinião. Não estou a dizer que é preciso reescrever o Guerra e Paz, só acho que a verdade não cabe num só coração, mas em muitos.” Por isso, o seu método é como uma melodia polifónica. “Quando escrevo, o meu mundo é um tecido que escuto. Demoro muito a escrever os meus livros. Dediquei 40 anos a cinco livros, falei com milhares de pessoas. Era como criar uma enciclopédia do sonho comunista”, diz. Svetlana Alexievich considera-se “uma pessoa-ouvido”. Conta que “é intuitivo o modo como sente que uma pessoa pode ser umas das suas personagens. “Posso voltar cinco ou sete vezes para falar com ela. O mais importante não é reunir uma colecção
de horrores, mas formar um novo ponto de vista, um novo significado. Vivemos num mundo muito banal, o trabalho do escritor é retirar as pessoas dessa banalidade e darlhes uma meta mais alta na vida, mostrarlhes que não vivemos apenas para comprar coisas caras.” A escritora não se aproxima dos seus protagonistas como de objectos ou como emissores prestes a debitar informação, “mas como alguém que vive o mesmo tempo e a mesma realidade” que essas pessoas. “As minhas personagens são pessoas pequenas, a quem ninguém faz perguntas, nada, a quem só diziam ‘vai e morre’, na melhor das hipóteses em troca de algum dinheiro.” Das histórias desses “pequenos homens e mulheres” nasce uma “grande história”, acredita. “A história colectiva dos Estados é uma grande mentira”, diz. “A guerra não é tudo na vida, a vida é muito mais que a guerra.” Svetlana Alexievich recorda a infância, a avó ucraniana vestida com trajes tradicionais, um tempo sem carros, sem progresso. “Sim, tenho o prémio Nobel, mas o mais importante ficou na minha infância. A vida é um enigma, um mistério.” Para conseguir viver a este eterno enigma, “qualquer pessoa tem de se agarrar a alguma coisa. Ao amor de um filho, por exemplo”. Na Bielorrússia, com Chernobyl, sofreu-se talvez como nunca antes e o enigma alastrou, tornou-se mais complexo e continua à espera de respostas. “Dizem que nós, bielorrussos, somos caixas negras. Estamos a guardar informações para o futuro.”
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A HÉLDER BEJA
Tudo isto é arte?
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a Feira Internacional do Livro de Bogotá deste ano houve um fenómeno a que o jornal Semana chamou “O efeito Avelina Lésper”. Lésper, académica e crítica de arte, é a autora de um pequeno e incendiário livro, El Fraude del Arte Contemporáneo. Na obra, a mexicana arrasa artistas, curadores, museus, galerias, críticos e, em suma, toda a engrenagem da máquina de arte contemporânea dos nossos tempos. O livro está organizado em quatro segmentos. Aborda aquilo a que a autora chama “o dogma inquestionável” da arte contemporânea, a performance, as “formas de cópia na arte” e a relação entre arte e feminismo. Avelina Lésper defende que a arte contemporânea, esvaziada de talento, originalidade e sentido estético, se transformou em crença. “Tudo o que o artista elege e designa converte-se em arte. A arte fica reduzida a uma crença fantasiosa e a sua presença a um
significado.” Para a autora, “vemos como em nome da crença de que tudo é arte se está a demolir a própria arte”. Um dos pontos mais interessantes do argumentário nem sempre coerente de Lésper é este: qualquer objecto se transforma em arte através de um fenómeno de linguagem, centrado na conceptualização da obra, no significado, na intenção do artista, no discurso curatorial, no contexto e, em última análise, num exercício retórico. Lésper acredita que tal acontece “para encobrir a sua banalidade e superficialidade com ideias, num disfarce retórico para o vazio de criação e talento”. Recorrendo a exemplos práticos, que vão de Damien Hirst a artistas latinoamericanos, Lésper não poupa nem mesmo as instituições nacionais. “A arte converteu-se numa ONG que lucra com a ignorância do Estado”, escreve. Fala de obras “supostamente contestatárias, que se realizam com a comodidade e protecção das instituições e com o apoio do mercado”.
O livro ataca ainda o contexto, ou seja, a legitimação dada a obras de arte por museus e galerias. “Esta falsa arte chamada contemporânea requer esses muros, essa instituição, esse contexto para poder existir aos olhos do público como arte.” Finalmente, sobra pancada para os curadores. “Ao converter a arte em especulação retórica e teoria, ao reduzila a uma construção discursiva, o artista deixa o seu lugar de criador para entregálo ao teórico, ao[s] curador[es]”, que qualifica de “incontinentes retóricos”. Em suma, Avelina Lésper vê na arte contemporânea um “desprezo endémico” pela beleza e pelo talento. Sendo muito politicamente incorrecta, tem, como seria de esperar, ferozes detractores e outros tantos partidários. De um modo geral, El Fraude del Arte Contemporáneo peca pelas generalizações, sempre perigosas, e por uma postura que alguns considerarão demasiado purista, para não dizer retrógrada, sobre os diferentes fenómenos
Avelina Lésper
El Fraude del Arte Contemporáneo Libros Malpensante
artísticos. Abre, no entanto, um importante debate: tudo isto que nos é impingido por artistas, curadores, associações, galerias, museus e quejandos é verdadeiramente arte? Dá que pensar.
SARA FIGUEIRED O COSTA
A salvação pelos livros
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Ella Berthoud e Susan Elderkin Remédios Literários Quetzal
inda se encontram, em alfarrabistas e feiras, aqueles velhos volumes assinados por médicos, umas vezes, ou curiosos, outras tantas, que proclamavam a cura pela água, ou pelo ar puro, ou pelo exercício físico. Tudo coisas que sabemos essenciais a uma vida com saúde, mas ainda assim, dificilmente aceitáveis quando apresentadas em receitas que incluam banhos gelados pela madrugada ou treinos físicos impossíveis para a maioria das pessoas de hoje. Remédios Literários segue a estrutura desses volumes, listando problemas e apresentando a sua solução. A diferença é que, aqui, os problemas misturam a vertente emocional com as contrariedades do dia a dia ou com a saúde, e a solução passa pela leitura de um ou mais livros. Ella Berthoud e Susan Elderkin conheceram-se quando ambas estudavam Literatura Inglesa em Cambridge e a sua
devoção à leitura levou-as a criarem, juntas, um serviço de biblioterapia que funciona na School of Life, em Londres. Este livro será, então, uma espécie de manual para principiantes, uma pequena amostra daquilo que poderá ser desenvolvido através de uma consulta mais personalizada. Sem disfarçar alguma ligeireza, e não fugindo às fórmulas dos muitos livros de auto-ajuda que pululam pelas prateleiras das livrarias, prometendo soluções para tudo a partir de uma atitude optimista, Remédios Literários consegue, ainda assim, não se levar demasiado a sério. Receitar a leitura de O Diário de Bridget Jones, de Helen Fielding, para o “problema de ser solteiro”, ou Fernão Capelo Gaivota, de Richard Bach, para quem se sente diferente, prenuncia um caminho escorregadio. Por outro lado, há Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley, para quem consome demasiadas drogas, ou Madame Bovary, de Flaubert, e Anna
Karénina, de Tolstoi, para quem se sente tentado pelo adultério, e aqui não há vestígio de moralismo, ou de conselhos cor-de-rosa para mudar a sua vida em dez minutos... Apresentado como um guia de livros que podem salvar a vida do leitor, este volume ganha muito em ser lido como uma espécie de diário de leituras. Poucos exercícios ajudam tanto a contrariar o tédio de um leitor como espiolhar as leituras dos outros, apontar-lhes as virtudes e as falhas (como é que O Conde de Monte Cristo, de Alexandre Dumas, não é remédio para a vontade de vingança?). Os cépticos da “cura”, se forem igualmente voyeurs de bibliotecas alheias, ficarão tão satisfeitos como todos aqueles que estão dispostos a acreditar no poder de um livro para resolver a sua vida. Os restantes podem sempre tentar a panaceia recomendada e dedicar-se à leitura de O Eleito, de Thomas Mann, para curarem a misantropia.
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CONTO POR CRISTINA DE ALMEIDA CARVALHO
ILUSTRAÇÃO RUI RASQUINHO
¼ de Noite em Macau
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sta é uma lembrança que ficou de quatro quando nossas línguas se tocaram; nenhum interesse em comum; não crescemos na mesma rua; não tivemos uma vida confinados um no corpo do outro; trocámos algumas horas entre o mar e o que chamam de civilização (chamava-se Macau); era do tipo comum; tinha olhos que não eram nem claros e nem escuros; possuía uma voz e uma dicção que não se podia dizer se era branca ou negra (Macau era hermafrodita – órfã e refém de um Smartphone e um vidro de L’Occitane) não gostava de ser chamado de ele, nem de ela; não se sentia a vontade com classificações; seu nome era Macau (e seu segredo não se revelava na pronúncia de seu nome); o cotovelo direito de Macau era como a ponta de um iceberg, e o seu outro cotovelo, o esquerdo, representava toda a Atlântida perdida entre rugosidades da pele e cicatrizes Macau era tímida; pedia que olhassem suas geografias como se olhasse um passarinho que voa do galho quando se sabe observado (depois de Hokusai percebeu que não estava só no mundo); deu-se conta de que era diferente e ao mesmo tempo igual a todos os que circulavam pelo mundo - Certa vez Macau caiu de joelhos; machucou não apenas os joelhos, mas também sua sensação de mundo Macau, como uma criança que aprende a andar, entendeu da queda tudo aquilo que sabe o bicho selvagem sobre a vida e a morte; ainda que tivesse um nome, Macau entendeu que fazia parte de um organismo maior, como se os planetas e as estrelas, e o horizonte e o mar, tivessem qualquer responsabilidade pelo fato de Macau se chamar Macau; não que os nomes importassem tanto para Macau (mas Macau, dito por Macau, era diferente de Macau dito por alguém que não fosse Macau) mais ou menos no fim do verão daquela noite, Macau disse que não queria ser quem era Não quererá não tinha qualquer desejo de ser outra coisa que
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não Macau mesmo, mas no ínterim de uma possibilidade de ser outra coisa que não Macau - pensamento esse que se abate sobre nós uma hora ou outra, Macau pensou que poderia ser uma planta; Quer ser um jasmim, Macau? Macau pensou que poderia ter sido um jardim inteiro... Suspenso e babilônico - Macau não respondeu Macau já fora mulher de muitos homens, e também amante de muitas mulheres, Macau que sentia que seu corpo não lhe pertencia, não podia dar o que não tinha, Macau se deixava tomar por qualquer um que lhe tivesse olhares (quase havia silêncio) iluminada por neons que apagavam o brilho das estrelas, Macau se deixou tocar pela minha boca e língua (num raio furtivo de dedos e mãos, me entreguei naquela noite, inteiramente nu, entre um vão e outro de sua arquitetura, tão completamente que quase me deixei atropelar duas vezes por carros que corriam sem entender o que acontecia entre a gente; Macau devia achar que eu não tinha muito juízo, mas o que Macau não entendeu naquela noite, e possivelmente ainda não entende, é que eu estava totalmente entregue - Ainda que tenha sido apenas uma noite, é nessa noite que mergulho todas as noites quando me deito para dormir) Macau me conduziu por avenidas imensas em direção ao centro, como as que tinha marcadas em seu liso abdômen Silenciosamente decidida a me dar distrações rápidas em nosso breve encontro, Macau me levou a sua casa, ao seu quarto (abajur lilás em formato de Godzilla) - É aqui que começam nossas núpcias e se divide o tempo entre o agora e o depois então, foi ali que me sentou calmamente em sua cama com lençóis desarranjados de seda sintética e caminhou até a outra extremidade do aposento; lembrou uma pintura erótica colada junto a parede (Nu em pé – Elvira, 1918, Modigliani) - O ritual necessário do corpo que deve ser tomado com suavidade
os pés mediam a distância de nossos corpos que diminuíam a cada passo, a cada passo diminuíam as peças de roupa que cobriam as curvas e esquinas de Macau que iam ficando pelo chão, desarrumadas, em harmonia com a decoração do quarto e com o caos das buzinas e do comércio que vinha do lado de fora da janela - Só não me olhe assim nos olhos como se olhasse pra essa janela virada de lado para tudo aquilo que você já sabe que existe no mundo não foi um pedido - Parece um marinheiro que não vê terra firme há tempos o som de sua roupa íntima estalou como um estilingue em suas nádegas, e foi arqueando levemente o tronco, com a cabeça inclinada para frente e os olhos estáticos em mim, enquanto retirava cada centímetro do último pedaço de tecido que escondia seu corpo (fora daquele quarto inundado do cheiro de perfume e incenso) outras mil cabeças se moviam para todos os lados em busca do tempo; a Menina de olhos rasgados, ignorada pela ideia de Pai, de Mãe, de Governo, de Ministério do Trabalho, retirava um saco plástico do bolso e aspirava Éter; dali a sete quadras um Homem de barba grisalha punha de lado sua bengala para dar passagem ao Progresso; vinte milhões de Kilowatts brilhavam nas pupilas ameaçadas de um milhão de corpos se trombando na coqueluche workaholic seguindo a trilha da felicidade proferida em alguma revista semanal - Dói tateava seu corpo como um cego a ler em braile - Não dói entregue ao volume das minhas mãos que pareciam agora menores, buscava em Macau cada beco de seu corpo, cada marca de atropelamento, esfregava com força suas coxas de placas luminosas, espremidas pelas sinalizações de trânsito, pelo ronco dos motores de carros motos e ônibus, quando lhe toquei a face - Estamos causando um curto-circuito na cidade, você sabe disso (e não se importa)
até onde meu braço alcançava - Quer que eu vire de costas (Me olhe nos olhos, Macau! De costas, sim Mas continue me olhando) - De bruços as longas escadarias de seus dentes abrigadas por um sorriso que se assemelhava a um rosnar de dentes, na parede pendia uma página de jornal CASINO LISBOA (a luz estava já apagada?) de onde estava sentado via as luzes tremeluzindo junto ao corpo, luzes que vinham de fora, dentro de Macau um milhão de sons se acumulavam - Chegamos... pode entrar, fique à vontade um Renault Clio vermelho atravessa o túnel que liga o centro à cidade baixa, o casal acoplado ao painel (Chegaremos a tempo para ver a sessão das 21:15?) o túnel é atravessado em alta velocidade, até que a noite está agradável, a janela aberta refresca os passageiros do automóvel vermelho, o vento levanta perguntas que serão caladas logo depois da sessão de cinema - Posso? Macau promete não apenas as curvas estáticas de suas avenidas, mas distingue o concreto do palpável, em outras palavras, Macau acende a centelha de amor com uma língua de mão dupla - Confesso que não imaginava nada disso quando cheguei na cidade (então cale a boca) diz os dedos de Macau me pressionando os lábios, colando o lábio inferior ao lábio superior, me conduzindo como um cavalo agarrado pelos beiços de maneira que posso apenas relinchar e chicotear com o rabo - Daqui a um minuto a lua vai sangrar no céu - Já vi uma superlua uivamos sem descuidar do silêncio, as horas eram contadas num relógio pendurado na parede e não tínhamos muito tempo para verificar precauções e antecedentes - Posso fingir que não sei fazer o que faço, e que não sabia que você era Macau antes de atravessar suas alamedas era dever meu e não de Macau dizer onde doía - Vale a pena tentar fingir que não sabemos onde estamos - Consigo fingir que sou uma cidade habitada por dentro, se você conseguir explicar como é morar dentro de mim (não conseguiria dizer) num cartão postal pode-se estabelecer indiferenças íntimas, o carteiro conseguirá ler o que escrevo, mas não poderá decifrar o pouco que é dito, assim, moro dentro de você, por isso não te mandarei postais, a não ser à noite, quando estiver dormindo; posso conseguir algum dinheiro e te mandar por correio também, posso ganhar um pouco a mais para te pagar o aluguel, já que moro agora dentro de você, e você, Macau, você ainda não sabe disso, mas estou habitando sua cidade de ostras e mel - Não gosto da maneira como você fala ninguém dizia nada, o silêncio era um imperativo, >>>
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mas ainda assim, eu podia ouvir o que Macau calava dentro de mim, enquanto uma multidão de homens e mulheres recém-chegados na cidade, e outros que partiam, se acumulava na porta de sua casa e queriam falar-lhe em segredo - Se mova com mais força e sentia que estava a deitar em espinhos, ou como se dormindo com a luz do sol de um meio-dia diretamente no rosto - Você tem o rosto perfeito era tocada de cada lado por protuberâncias musculares que davam a impressão de um maxilar masculino, e eram tão bem feitos como o mármore de uma estátua grega - Tive um namorado com hemoptise (esgoto a céu aberto) - Eu já tive uma tia com hemoptise assim que nos vimos pela primeira vez pensei que não poderia trocar uma palavra sequer com Macau sobre o livro que eu estava lendo, e estava certo sobre isso; pensei que não poderia dançar com Macau no salão das flores, e estava certo sobre isso também; pensava que não poderia pronunciar o seu nome sem sentir que estava me despedindo de Macau, e estava certo - Você nunca está certo (estava certo que sim) não - Gosto de você não - Olha, sinceramente não temos muitos interesses em comum não - Vamos terminar com isso sim (a probabilidade de um sujeito acertar propositadamente uma bolinha de papel num cesto de lixo embaixo de uma mesa a nove metros de distância, é o que diferencia o homem do macaco, e é o que distancia a ideia de amor do prazer que se sente) - Me passe a toalha
evidentemente Macau não vestiu roupas, mas enrolou a toalha na cabeça em forma de turbante de onde pendiam cabelos que escorriam pelo dorso, tão compridos quanto os trilhos do trem, que vagueavam subterraneamente num ir e vir entediante e barulhento Lembro de Macau perguntar o meu nome enquanto desembaraçava os cabelos, mas não sei se respondi Lembro de Macau perceber que estava só, ainda que eu estivesse no quarto e tagarelasse muito Lembro que Macau já estava dormindo (conheci uma pessoa, alguns meses depois de Macau, que já tinha ouvido falar em Macau, mas não sabia de nada do que tinha se passado com a gente a gente fica meio burro no meio da cidade e das pessoas da cidade) Lembrava Macau Macau não estava longe de mim - Pertenci a você, Macau, naquele verão à noite cruzamos com pedestres com caras de pedra e Macau era macia como a casca do pêssego - que gosto de cheirar quando tenho fome - mas não gosto do gosto Macau é só uma lembrança - Eu não posso saber o nome de todas as pessoas com quem dormi e nem dormi, continuei revirando na cama no quarto de Macau pensando se teria percebido alguma coisa que tivesse magoado Macau Quando amanheceu Macau tinha se transformado em memória Enviei um postal Um, dois Nada mais Macau não respondeu a nenhuma tentativa de se fazer presente (sempre há um última tentativa de se romper o silêncio) - Que são essas ruínas próximo ao Largo dos seus ombros acima de suas costelas magras, largas costas; omoplatas apontadas para três direções, noroeste, sudeste, e uma península portuária para o sul rabiscava tremulações sobre o vasto oceânico daquele quarto abafado; Macau
se olhava no espelho para não responder a uma pergunta indelicada (todos que passam por Macau deixam marcas) aquela ruína fora deixada por mim, Macau, que hora marca o relógio - Vou esperar lá fora segui pelo corredor até ser cuspido pra fora daquele prédio cilíndrico, arrisquei olhar para o alto, já na rua, e olhar para a janela como se mirasse bem firme nos olhos de Macau - (Macau balbuciou alguma coisa abafada atrás da janela) a chama acendia um cigarro que pendia na sua boca, esfumaçou o ar preso naquele quarto, Macau abria a porta para o próximo da fila Na calçada, atropelado por pedestres que iam se amontoando na entrada de seu prédio, (a fila daria uma volta inteira no quarteirão) a noite estiava completamente e esfriava o coração de Macau, de dentro para fora (isso não é uma verdade) Macau na fila do cinema assistiria a um filme e de seus olhos desaguariam monções - Esta é a lembrança que ficou de quando nossas línguas se tocaram; nenhum interesse em comum; não crescemos na mesma rua; nem nos confinamos uma vida no corpo do outro (a não ser em mim) trocamos algumas horas entre o mar e o que chamam de civilização (Macau não era nem ele nem ela – era órfão e refém de um Smartphone e um vidro de L’Occitane) - Seu nome ainda é Macau e seu segredo não se revelou na pronúncia de seu nome; o cotovelo direito de Macau era como a ponta de um iceberg, e o seu outro cotovelo, o esquerdo, representava toda a Atlântida perdida entre rugosidades da pele e cicatrizes (engraçado esse seu nome, Macau) - Não que os nomes importassem tanto assim, mas Macau, dito por mim, é diferente de Macau pronunciado pela boca de Macau, na boca de outra pessoa
COLECÇÃO DE CROMOS DO
EURO 2016 JÁ À VENDA NA LIVRARIA PORTUGUESA!
suplemento literário •
SEX. 20 MAI, 2016
ABERTO TODOS OS DIAS DAS 11 ÀS 19H RUA DE S. DOMINGOS 16-18 • 板 樟 堂 街 16-18 號
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M O N T R A
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L I V R O S
João Manuel Loureiro Macau e os Territórios Lusófonos – Colecção Iconográfica Única de Postais Fotográficos Arquivo de Macau/Instituto Cultural
António Caeiro
Peregrinação Vermelha. O longo caminho até Pequim D Quixote
Manuel de Oliveira Paiva
Dona Guidinha do Poço Sistema Solar
Richard Zimler e Júlio Pomar
O Cão Que Comia a Chuva Porto Editora
Novo livro do jornalista António Caeiro, correspondente da Lusa em Pequim desde os anos 90, aborda as aproximações políticas entre Portugal e a China, dos contactos entre Salazar e Mao Zedong ao fascínio que o maoísmo granjeou entre alguma esquerda portuguesa, sobretudo no pós-25 de Abril. Vários protagonistas envolvidos nestas aproximações partilham com António Caeiro as suas histórias na primeira pessoa.
Prosseguindo o seu trabalho de garimpo literário, a Sistema Solar recupera um romance brasileiro do século XIX, inspirado na história verídica de uma tragédia apaixonada, envolvendo a mulher de um fazendeiro, o jagunço que contratou para matar o marido e a loucura que se seguiu aos anos de prisão. Realismo, dimensão trágica e faca na liga, pelas mãos de um autor que sabia o que fazia com as palavras.
“Aprender quando temos medo é praticamente impossível. Foi por essa razão que decidi explorar este tema.” O tema é o do bullying e as palavras são de Richard Zimler, o autor de uma história que coloca a violência e o medo no centro da narrativa, enquanto procura formas de mostrar igualmente os pontos de fuga e a esperança que sempre se encontra. As imagens são de Júlio Pomar.
Maria de Lourdes Sirgado Ganho (coord.)
Dicionário Crítico de Filosofia Portuguesa Temas & Debates
Frank Tashlin
O Urso que Não Era Bruaá
VVAA
As Mais Belas Fábulas Africanas Nuvem de Letras
Álbum que reúne uma colecção detalhada de postais fotográficos impressos em países e regiões onde se fala, ou falou, português, com destaque para Macau. São mais de dez mil postais, datados de entre 1898 e 1999, que reflectem aspectos culturais, geográficos, económicos ou sociais de lugares como Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné Bissau, Timor, Macau ou Goa, entre outros.
Uma obra de referência composta por 278 entradas dedicadas a filósofos e obras representativas da filosofia portuguesa. Assinado por uma equipa do Centro de Estudos de Filosofia da Universidade Católica, este dicionário vem suprir uma lacuna importante no conhecimento geral sobre o pensamento filosófico produzido em espaço português.
Originalmente publicado em 1946, este é um daqueles livros intemporais e sem restrição etária, apesar da etiqueta ‘infantil’. A história do urso que acorda da hibernação e vê o seu habitat transformado em estaleiro coloca questões sobre a identidade, o direito ao espaço, o modo como convivemos e insistimos na inevitabilidade do que tem de acontecer.
Com prefácio de Nelson Mandela, este volume reúne uma série de lendas e fábulas da tradição africana, mostrando os temas comuns e a pluralidade de culturas e tradições que compõem o complexo mosaico que tantas vezes as visões eurocentristas resumem a um monolito uniforme.
Frank Dikötter
The Cultural Revolution: A People’s History, 1962-1976 Bloomsbury Press
Paulo Moura
Extremo Ocidental Elsinore
Mike Sharp e John Peters
Fishing in Hong Kong: A How-To Guide to Making the Most of the Territory’s Shores, Reservoirs and Surrounding Waters Blacksmith Books
No último volume da trilogia que dedicou à Revolução Cultural, o professor de Hong Kong aborda os processos propagandísticos deste período e o modo como contribuíram para a criação da imagem de soberania absoluta de Mao Zedong (na China, mas também no estrangeiro, sobretudo entre alguma esquerda europeia).
No Verão passado, Paulo Moura assinou, no Público, uma série de reportagens sobre a costa portuguesa. No formato livro, essas reportagens ampliam-se e acompanham a viagem do repórter, de mota, de Caminha, no Minho, a Monte Gordo, no Algarve, sempre pela linha da costa, mostrando os lugares, as histórias e as pessoas que foram surgindo neste on the road português.
Em Hong Kong também se pode pescar. De acordo com os autores deste guia, basta ignorar as águas escuras de Victoria Harbour e rumar à limpidez de certas áreas pouco frequentadas e longe dos arranha-céus. Entre reservatórios e mar, zonas rochosas e cais sossegados, há muitos spots onde instalar a cana e lançar o anzol.
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António Graça de Abreu
Haikus do Japão e do Mundo Gradiva
VVAA
Ai Weiwei Taschen
VVAA
AlliterAsian: Twenty Years of Ricepaper Magazine Arsenal Pulp Press
VVAA
Granta #7 Tinta da China 12.
Os livros do mês
Novo livro de poemas que partem da estrutura do haiku para a sua construção, expandindo-lhe a forma ou alterando-a quando a medida do verso assim o exige. De um certo modo, o livro propõe também uma viagem pelos lugares do Oriente que o autor conhece bem, como a China e o Japão, para além de outras geografias, entre Portugal e a Europa que o contém.
Edição monográfica especial da Taschen dedicada à obra e à vida do mais reconhecido artista chinês da actualidade. Ai Weiwei reúne imagens dos muitos trabalhos do artista, bem como textos de especialistas, curadores e alguns amigos. Documentos, esboços e outros materiais ajudam a perceber o processo de trabalho associado a algumas peças.
Antologia de textos publicados na Ricepaper Magazine, a revista canadiana que tem sido, ao longo dos últimos vinte anos, um dos locais mais activos na divulgação da literatura asiática na diáspora, celebrando essa actividade com esta edição especial em formato de livro. Inclui textos de Joy Kogawa, Sky Lee, Fred Wah ou Kim Fu, entre muitos outros.
O sétimo número da edição portuguesa da revista Granta é dedicado ao palco, contando com colaborações de Abel Barros Baptista, Mathias Énard, Harold Pinter, Julian Barnes, Harold Pinter ou Filipa Leal. A capa é de Jorge Colombo e as ilustrações de Danuta Wojciechowska.
suplemento literário •
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Segundo romance do autor que venceu o Prémio Leya em 2011, Postal de Detroit parte do acidente ferroviário que marcou a vila de Alcafache, no concelho de Viseu, em 1985, para erguer um mosaico de histórias e personagens que confirmam a aleatoriedade do mundo, a sua injustiça, mas também a sua beleza.
João Ricardo Pedro
Um Postal de Detroit Dom Quixote
António de Andrade
Cartas do Tibete Livros de Bordo
Claudio Magris
Uma Causa Improcedente Quetzal
Novo livro da editora que publica, em Portugal, obras que colocam em diálogo a Ásia e a Europa, Cartas do Tibete é a narrativa da viagem do missionário português, natural de Oleiros, que em 1624 chegou pela primeira vez ao reino de Guge, no Tibete Ocidental.
Romance monumental que cruza a narrativa com a história da Europa, tema central na escrita e no pensamento do seu autor. O homem que colecciona artefactos bélicos e o único campo de extermínio nazi em Itália são duas linhas de força deste livro que confirma, se preciso ainda fosse, a importância da obra de Claudio Magris nestes tempos pouco dados à memória.
Cinquenta anos passados sobre o início da Revolução Cultural chinesa, as edições em língua inglesa multiplicam-se, com destaque para as que são assinadas por historiadores que há muito acompanham esse período doloroso da história da China. No capítulo dos livros que, em português, abordam temas relacionados com o Oriente, este mês está a ser pródigo em novidades, do volume do jornalista António Caeiro aos poemas de António Graça de Abreu, passando pela edição das Cartas do Tibete, de António de Andrade. Num âmbito mais vasto, a edição portuguesa prepara-se para um dos seus momentos altos anuais, com a chegada da Feira do Livro de Lisboa, e já começaram a sair os títulos capazes de atrair multidões às sessões de autógrafos (como o novo romance de José Rodrigues dos Santos, O Pavilhão Púrpura, editado pela Gradiva) e aqueles que procuram um lugar nos muito concorridos escaparates livreiros daqui até o Verão. Novos títulos de João Ricardo Pedro (Um Postal de Detroit), Pepetela (Se o Passado Não Tivesse Asas), Afonso Cruz (Vamos Comprar Um Poeta) ou Lídia Jorge (O Amor em Lobito Bay) serão destaques seguros na Feira, a par com as novidades nos livros ditos para a infância, álbuns ilustrados ou livros onde as imagens são linguagem central e onde se destacam, com a qualidade habitual, a Pato Lógico (com uma colecção dedicada às cidades, começando com Beja e Edimburgo), a Planeta Tangerina, a Kalandraka, a Bruaá e a Orfeu Negro.Noutra latitude, um artigo do site Straits Times chama a nossa atenção para uma espécie de renascimento da literatura de Singapura. Ainda que os leitores locais dêem pouca atenção ao que ali se escreve, uma série de jovens autores assinou recentemente contratos para publicação de livros com editoras internacionais. Sharlene Teo Wen-Ning, que venceu o Deborah Rogers Writers’ Award com o livro Ponti, verá este título publicado em breve no mercado inglês, assim como Balli Kaur Jaswal, que assinou contrato para a publicação do romance Erotic Stories For Punjabi Widows e de um outro livro, ainda sem título, ambos em editoras inglesas e norte-americanas. Se as literaturas contemporâneas da China e do Japão andam a conquistar leitores ocidentais há pelo menos uma década, interesse recentemente ampliado à literatura coreana (agora reforçado com a atribuição do Man Booker Prize a Han Kang), talvez Singapura seja o próximo território literário a conquistar as editoras de língua inglesa. É esperar para ver.