19 minute read

Modernidade e Menoridade: A Reflexão de Immanuel Kant sobre a Filosofia da História

MODERNIDADE E MENORIDADE: A REFLEXÃO DE IMMANUEL KANT SOBRE A FILOSOFIA DA HISTÓRIA

Filipe Silveira de Araújo1

Advertisement

Introdução

A Modernidade sempre foi marcada pelas narrativas emancipatórias, aquelas que nos faziam crer nas soluções para os males da humanidade. O projeto moderno, oriundo da filosofia das Luzes, sempre buscou a solução na Razão. A concepção de um curso progressivo da história, marca da filosofia dos enciclopedistas – franceses ícones do Iluminismo – destituiu o caráter teísta da evolução da história humana. Voltaire, Diderot, D’Alembert, Rousseau, Montesquieu, bem como Condorcet2 – este já em uma fase posterior ao grande momento do Iluminismo Francês – veem na razão e no uso do intelecto a mola propulsora para o avanço histórico dos homens. De um modo geral, a característica comum entre tais autores, não obstante as diferenças entre suas concepções filosóficas, era a defesa da necessidade do crescimento da autonomia do indivíduo, mas sempre tendo em vista a conquista da igualdade pelo coletivo. O século das Luzes conseguiu produzir, com efeito – embora não se possa culpar diretamente tais autores –, uma era de terror e medo, decapitações e atrocidades de todo tipo, sob a batuta daqueles que defendiam os ideais iluministas da “liberdade” do povo. Sob o domínio de Robespierre, os ideais de “Liberdade, Igualdade e Fraternidade” se tornaram pouco credíveis, e a história já não caminhava para o seu melhor, como antes se acreditava. Por fim, o triunfo da burguesia e, à plebe francesa, coube o mesmo papel social exercido na era dos reis absolutistas.

1 Bolsista CAPES 2010.02 e 2011.02. E-mail: fsafilos@gmail.com Mestre em Filosofia pela Universidade Federal do Ceará (UFC); Doutorando em Filosofia da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). 2 Os “enciclopedistas”, como ficaram conhecidos os grandes pensadores franceses do século XVIII por participarem da formulação da Encyclopédie, foram, além de astutos inimigos do poder do clero, ícones de uma era da filosofia. De Voltaire a Condorcet, a razão é a arma para os males e vícios que aprisionam o homem. Originando o termo Filosofia da História, Voltaire (1696-1778) compreendeu a história como um avanço progressivo das ideias; Condorcet (1743-1794) – de fato o último grande da geração do Iluminismo Francês, e no qual todas as ideias se sintetizam – compreende antes a história como o local da ação da perfectibilidade humana, conduzindo assim a humanidade a um progresso irrefreável, terminando em um mundo livre de desigualdades, e o perfeito espírito da natureza humana completo em sua evolução.

Diante de tais fatos, a descrença no pensamento iluminista se propagou pela Europa. Na Alemanha, como relata Emilio Estiú, os jovens – sobretudo a juventude literária alemã, do movimento Stürm und Dräng3 – se recusavam a seguir os preceitos do Iluminismo. Na contracorrente de sua época, Immanuel Kant não pretendia livrar-se por completo do pensamento iluminista, mas superá-lo: “À paixão dos Stürmer und Dranger, Kant opunha a moderação; enquanto os primeiros consumiam suas energias na destruição do herdado, Kant – de acordo com o preceito de Goethe – buscava conquistar a herança que vinha do passado para, desse modo, possuí-la”4 . Assim, a posição do filósofo de Königsberg, assumida em seus escritos pré-críticos (como são conhecidas suas obras anteriores à formulação da Crítica da Razão Pura), buscava compreender o lugar da racionalidade ao longo da história humana, crendo em um rumo progressivo e emancipador da racionalidade, que proporcionaria aos indivíduos fazerem o uso daquelas faculdades das quais a natureza nos dotou para o uso correto de sua razão e entendimento, sem a “tutoria” ou o comando de outrem.

A questão

Kant se caracteriza como o grande herdeiro do Iluminismo, dando início ao projeto moderno. Para além do avanço progressivo das ideias ao longo da história humana, ele a compreende antes como um projeto da natureza que buscava emancipar o homem de sua “menoridade” , a incapacidade do homem se fazer uso de sua própria razão, seu próprio entendimento. Para Kant, o homem moderno encontrava-se rumando ao esclarecimento, sob um “plano oculto da natureza” com a finalidade de libertá-lo, ao lhe prover unicamente da razão perante os artifícios dispostos aos outros animais.

Pode-se considerar a história da espécie humana, em seu conjunto, como a realização de um plano oculto da natureza para estabelecer uma constituição política perfeita interiormente e, quanto a este fim, também exteriormente perfeita, como o único estado no qual a natureza pode desenvolver-se plenamente, na humanidade, todas as disposições5 .

3 Stürm (tempestade) und Dräng (ímpeto): Movimento literário romântico alemão, surgido em meados do século XVIII, que combatia o racionalismo defendido pelo Iluminismo, pregando antes a superioridade da emoção perante a razão. 4 ESTIÚ, E. “Filosofia kantiana de la historia”. In: KANT, I. Filosofía de la Historia. Org. e trad. esp. de Emilio Estiú. Buenos Aires: Editorial Nova, 1964, p. 8: “A la pasión de los Stümer und Dränger, Kant le oponía la moderación; mientras que los primeros consumían sus energías en la destruición de lo herdado, Kant – de acuerdo con el precepto de Goethe –trataba de conquistar la herancia que venía del pasado para, de ese modo, poseerla”. 5 KANT, I. Ideia de uma História Universal de um Ponto de Vista Cosmopolita [1784]. Org.

Contudo, podemos nos perguntar certamente “que lugar ocupa a história no contexto da arquitetônica kantiana?”6 . De fato, as questões que levam Kant a ocupar-se com uma reflexão sobre a história, dentro de seu pensamento sistemático, não são ocasionais. Eles constituem o caminho traçado ao longo de suas obras com o objetivo de buscar os pontos essenciais para a moralidade. O agir do homem se dá na história; daí a atenção dada ao autor para tais questões. Atento aos problemas de sua época, Kant concebe o homem moderno como responsável por sua situação de “menoridade” , uma vez que, por “covardia” e “preguiça” , estes entregam sua autonomia de pensamento a tutores: “é tão cômodo ser menor de idade! Se tenho um livro que pensa por mim, um pastor que guia minha consciência moral, um médico que controla minha dieta, e assim sucessivamente, não necessitarei de meu próprio esforço”7 . Esses tutores dos homens, ao terem controle do pensamento destes, agem logo de modo a lhes impor medo, mostrando os riscos e ameaças que enfrentariam tentando conduzir a si mesmas. Como a maioria dos homens (e entre eles a totalidade do belo sexo) consideram muito perigoso o passo à maioridade, além de ser penoso, aqueles tutores muito amavelmente tomaram para si semelhante tarefa. Depois de ter domesticado suas reses, de modo que estas pacíficas criaturas não ousem dar um só passo fora do curral no qual estão mantidas, lhes mostraram o risco que as ameaça se tentam caminhar só. O certo é que esse risco não é tão grande, pois depois de algumas quedas haveriam aprendido a caminhar; mas os exemplos desses acidentes para alguém comum produzem timidez e espanto, e distanciam toda tentativa posterior de refazer semelhante experiência8 .

Ricardo Terra. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 17. 6 GIANNOTTI. J. “Kant e o Espaço da História Universal”. In: KANT, I. Ideia de uma História Universal de um Ponto de Vista Cosmopolita. Org. De Ricardo R. Terra. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 109. 7 KANT, I. “Respuesta a la pregunta ¿Qué es la ilustración?”. In. KANT, I. Filosofía de la Historia. Org. e trad. esp. Emilio Estiú. Buenos Aires: Editorial Nova, 1964, p. 58: “¡Es tan cómodo ser menor de edad! Si tengo un libro que piensa por mí, un pastor que reemplaza mi conciencia moral, un médico que juzga acerca de mi dieta, y así sucesivamente, no necesitaré del propio esfuerzo”. 8 Idem, p. 58-59: “Como la mayoría de los hombres (y entre ellos la totalidad del bello sexo) tienen por muy peligroso el paso a la mayoría de edad, fuera de ser penoso, aquellos tutores ya se han cuidado muy amablemente de tomar sobre sí semejante superintendencia. Después de haber atontado sus reses domesticadas, de modo que estas pacíficas criaturas no osan dar un solo paso fuera de las andaderas en que están metidas, les mostraron el riesgo que las amenaza si intentan marchas solas. Lo cierto es que ese riesgo no es tan grande, pues después de

Então, como sair dessa condição de menoridade e tentar caminhar seu próprio caminho? Como pode o homem superar sua condição e chegar à maioridade? Para Kant, somente quando livre, o homem pode alcançar tal objetivo da natureza. Eis, então, o fio condutor que liga seus escritores sobre a história com suas teorias mais caras: a liberdade. Daí o autor afirmar que, quando em liberdade, é plenamente possível ao público esclarecer-se; é mesmo quase que inevitável:

De fato, sempre existiram alguns homens que pensam por si próprios, até entre os tutores instituídos pela massa confusa. Eles, depois de terem se livrado das presilhas da menoridade, ampliaram o espírito com uma estima racional do próprio valor e da vocação que todo homem tem: a de pensar por si mesmo

9 . Mas, que coisa significa “pensar por si mesmo”? Não é, pois, o pensamento uma faculdade que depende exclusivamente do indivíduo? Para Kant, por toda parte, o homem é limitado a fazer uso de sua razão. “O oficial diz: não pense, obedeça! O financista diz: não pense, pague! O pastor diz: não pense, tenha fé! Por todos os lados, pois, encontramos limitações à liberdade”10 . A saída, para o autor, é que o uso público da razão deve ser sempre livre, sendo esta a garantia para que o esclarecimento se estabeleça entre todos os homens. Por uso público da razão, podemos compreender o uso que se faz desta diante da “totalidade” do público, quando se expõe em público suas ideias. Um sacerdote está obrigado a ensinar a seus fiéis e a sua comunidade segundo o símbolo da igreja a que serve, já que é essa sua função. Contudo, enquanto douto, tem plena liberdade, e até mesmo a missão, de comunicar ao público suas ideias – cuidadosamente examinadas e bem intencionadas – acerca dos defeitos desse símbolo; ou seja, deve expor ao público proposições que busquem um melhoramento da instituição, no que se refere à religião e à Igreja11 .

algunas caídas habrían aprendido a caminar; pero los ejemplos se esos accidentes por lo común producen timidez y espanto, y alejan todo ulterior intento de rehacer semejante experiencia”. 9 Ibidem, p. 59: “En efecto, siempre se encontrarán algunos hombres que piensen por sí mismos, hasta entre los tutores instituidos por la confusa masa. Ellos, después de haber rechazado el yugo de la minoría de edad, ensancharán el espíritu de una estimación racional del propio valor y de la vocación que todo hombre tiene: la de pensar por sí mismo”. 10 Ibidem, p. 60: “El oficial dice: ¡no razones, adiéstrate! El financista: ¡no razones y paga! El pastor: ¡no razones, ten fe! Por todos lados, pues, encontramos limitaciones de la libertad”. 11 Ibidem, p. 61: “Un sacerdote está obligado a enseñar a sus catecúmenos y a su comunidad según el símbolo de la Iglesia a que sirve, puesto que ha sido admitido en ella con esa

Modernidade e Esclarecimento

Logo, se nos perguntarmos se vivemos agora uma época esclarecida, responderíamos que não, mas sim em uma época de esclarecimento. Falta ainda muito para que a totalidade dos homens, em sua atual condição, sejam capazes ou esteja em posição de servir-se bem e com segurança do próprio entendimento, sem acudir a condução de outro. Contudo, agora tem o campo aberto para trabalhar livremente pela conquista de tal meta, e os obstáculos para um esclarecimento geral são cada vez menores. Já temos claros indícios disso. Desse ponto de vista, nosso tempo é a época do esclarecimento, ou o ‘século de Frederico’12 . Ora, para Kant o homem moderno se encontra em vias de esclarecimento. Isso se deve ao fato de que, dada a devida liberdade – que o autor defende existir no Estado prussiano sob o governo de Frederico, O Grande13 –, os homens podem gradualmente sair de sua rusticidade e, por seu próprio esforço, sair de sua condição de menoridade. Assim, cumpriria os desígnios da natureza, que dotou o homem de disposições racionais, na intenção de ampliar o uso de suas forças para além do instinto natural. O homem deve constantemente “ensaiar, exercitar-se e instruir-se, para ultrapassar de modo contínuo e gradual a inteligência dos demais”14 . Contudo, mesmo com o exercício contínuo das faculdades e disposições, o

condición. Pero, como docto, tiene plena libertad, y hasta la misión, de comunicar al publico sus ideas – cuidadosamente examinadas y bien intencionadas – acerca de los defectos de ese símbolo; es decir, debe exponer al publico las proposiciones relativas a un mejoramiento de las instituciones, referidas a la religión y a la Iglesia”. 12 Ibidem, p. 64-65. “Luego, si se nos preguntara ¿vivimos ahora en una época ilustrada? responderíamos que no, pero sí en una época de ilustración. Todavía falta mucho para que la totalidad de los hombres, en su actual condición, sean capaces o estén en posición de servirse bien y con seguridad del propio entendimiento, sin acudir a extraña conducción. Sin embargo, ahora tienen campo abierto para trabajar libremente por el logro de esa meta, y los obstáculos para una ilustración general, o para la salida de una culpable minoría de edad, son cada vez menores. Ya tenemos claros indicios de ello. Desde este punto de vista, nuestro tempo es la época de la ilustración o ‘el siglo de Federico’”. 13 Por seu amor às artes e às letras, Frederico II foi admirado pelos intelectuais da época. Embora tenha constituído um Estado militar forte, ficou conhecido como “déspota esclarecido”. Permitiu certa liberdade nas questões religiosas, tema considerado pelo autor como o mais propício à liberdade de pensamento. 14 KANT, I. “Idea de una historia universal desde el punto de vista cosmopolita”, In. KANT, I. Filosofía de la Historia. Org. e trad. esp. Emilio Estiú. Buenos Aires: Editorial Nova, 1964, p. 41. “ella misma – la razón – necesita ensayar, ejercitarse e instruirse, para sobrepasar de un modo continuo y gradual la inteligencia de los demás”.

homem dispõe de uma curta vida para poder chegar ao seu final tendo cumprido o objetivo de esclarecer-se. É daí que Kant apresenta sua crença na saída do homem de sua condição de menoridade. A transmissão, ao longo das gerações, do esclarecimento, é a possibilidade de desenvolver aquilo que a natureza tenciona para o homem. O processo de esclarecimento é contínuo ao longo da história, e deve o homem ter tal compreensão, tendo como meta a execução de suas disposições até então desenvolvidas; do contrário, suas ações seriam consideradas vãs e carentes de finalidade. Sendo a finalidade da natureza desenvolver, no homem, todas as disposições das quais o dotou, quis esta que ele retirasse inteiramente de si próprio as condições para tal, por meio do uso da razão e exercício da liberdade de vontade, fundamentadas nela mesma – natureza –, na intenção de que o homem evite conduzir-se pelo instinto. Por isso, deve conquistar tudo por si mesmo, sem artifícios – o homem depende exclusivamente de si para obter os meios de sustento e felicidade, diferentemente dos animais, dotados apenas de instinto de sobrevivência e “ferramentas” naturais, como chifres, garras, etc. –; suas obras devem ser resultado de seu próprio avanço. Na intenção de aperfeiçoar o homem e potencializar suas disposições originais, quis também a natureza que o homem se aperfeiçoasse mediante o antagonismo entre as vontades, e as divergências decorrentes entre os desejos de liberdade. A “insociável sociabilidade” – sua tendência de se socializar, confrontada com sua inclinação a ilhar-se em si mesmo, a individualizar-se –, manifesta a disposição que reside na natureza humana. Através do confronto entre o desejo de querer guiar tudo por meio de seu modo de pensar, e a resistência que encontra nos demais para a realização de tal, suas faculdades são despertas, e é forçado a superar sua inclinação à preguiça. Não podendo suportar, tampouco evitar seus semelhantes, é levado a superar sua grosseira disposição natural em discernimento ético. Sem a mencionada qualidade da insociabilidade –que, considerada em si mesma, não é, certamente, amável – na qual surge a resistência que cada um encontra necessariamente, em virtude de pretensões egoístas, todos os talentos ficariam escondidos em seus embriões pela eternidade, em meio a uma primitiva vida de pastores, dado o completo acordo, satisfação e amor que haveria entre eles. Os homens, doces como as ovelhas que pastoram, procurariam apenas um valor superior para a existência que aquele das lidas domésticas, e não teriam chegado ao vazio da criação no que diz respeito ao fim que lhes é próprio, entendido como natureza racional. Agradeçamos, pois, à natureza pela incompatibilidade, pelo orgulho invejoso da rivalidade, pela insaciável ânsia

de posse e poder! Sem isso todas as excelentes disposições da humanidade estariam eternamente adormecidas e carentes de desenvolvimento. O homem quer harmonia; mas a natureza, que sabe melhor o que é bom para a espécie, quer discórdia. O homem quer viver cômodo e satisfeito; mas a natureza quer que saia de sua inércia e inativa satisfação para que se entregue ao trabalho e aos penosos esforços para encontrar os meios de livra-se de tal condição [de preguiça e comodismo]15 . Contudo, diante da insociável sociabilidade, na qual as forças e vontades se enfrentam mutuamente, deve haver uma força para pôr um limite. Para Kant, tal força é um senhor, que garanta o estado de direito, evitando os abusos que possam ocorrem entre os homens, “pois, certamente, abusaria da liberdade para com seus semelhantes e embora, como ser racional, tenha o desejo de uma lei que ponha limites à liberdade de todos, sua inclinação egoísta e animal o incitará a excetuar-se”16 . Embora pareça haver uma contradição, é importante caracterizar o modelo de senhor que Kant prevê para a boa sociabilidade entre os homens. Diferentemente daquele que, outrora, servia como um tutor, conduzindo os homens na direção de seu pensamento, agora o autor busca uma saída para a questão do bem-estar social, que depende de uma força mediadora para o conflito decorrente da liberdade do homem. Se o homem ainda não se encontra esclarecido – sendo guiado ainda por instintos, dos quais a natureza também o dotou –, o discernimento ético não é de todo presente, e a grosseira dos impulsos ocasionados por sua inclinação natural deve ser controlada. Na

15 Idem, p. 45: “Sin la mencionada cualidad de la insociabilidad – que, considerada en sí misma, no es, por cierto, amable – por la que surge la resistencia que cada uno encuentra necesariamente, en virtud de pretensiones egoístas, todos los talentos hubiesen quedado ocultos por la eternidad en sus gérmenes, en medio de una arcádica vida de pastores, dado el completo acuerdo, la satisfacción y el amor mutuo que habría entre ellos. Los hombres, dulces como las ovejas que ellos pastorean, apenas si le hubieran procurado a la existencia un valor superior al del ganado doméstico, y no habrían llenado el vacío de la creación con respecto del fin que es propio de ellos, entendido como naturaleza racional. ¡Agradezcamos, pues, a la naturaleza por la incompatibilidad, la envidiosa vanagloria de la rivalidad, por el insaciable afán de posesión o poder! Sin eso todas las excelentes disposiciones de la humanidad estarían eternamente dormidas y carentes de desarrollo. El hombre quiere concordia; pero la naturaleza, que sabe mejor lo que es bueno para la especie, quiere discordia. El hombre quiere vivir cómodo y satisfecho, pero la naturaleza quiere que salga de su inercia e inactiva satisfacción para que se entregue al trabajo y a los penosos esfuerzos por encontrar los medios, como desquite, de librarse sagazmente de tal condición”. 16 Ibidem, p. 47: “Pues, con seguridad, abusaría de la libertad con relación a sus semejantes y aunque, como criatura racional, desea una ley que ponga límites a la libertad de todos, la inclinación egoísta y animal lo incitará, sin embargo, a exceptuarse osadamente a sí mismo”.

ausência de uma conduta moral, regida pela razão, cabe aos homens buscarem um fim outro para os problemas da insociabilidade.

Conclusão

A proposta do trabalho se resume a analisar a perspectiva kantiana da história e suas consequências na compreensão teleológica da mesma. Seus apontamentos dos caminhos a percorrer para que o homem moderno ultrapasse sua condição perpassam sua parte grande de sua extensa obra, não se limitando aos textos aqui tratados [Ideia de uma História Universal de um Ponto de Vista Cosmopolita e O que é o Esclarecimento (Aufklärung)?]. O papel dos “senhores” , na filosofia da história kantiana, adquirem diferentes significados ao longo de seus escritos. Em um primeiro momento, adquire um tom genérico, referindo-se aos homens que buscam seguidores para seus pensamentos, limitando estes a pensarem por si mesmos. Noutro momento, posterior, a ideia de “senhor” traz um significado de importância política da figura de um soberano, da necessidade de um governo, que pode ser composto por um único homem, ou mesmo por um grupo de homens, que, mesmo também expostos à inclinação natural de exercer sua máxima liberdade perante os demais, devem também impor ao conjunto de homens, restrições e limites às suas liberdades individuais, a fim de evitar o conflito, ou mesmo que alguém use da sua liberdade para subjugar outrem, na intenção de impor certas regras morais para contornar os problemas da insociável sociabilidade humana. A filosofia da história kantiana, que se faz coro a inúmeras outras expressões do pensamento da Modernidade – além dos enciclopedistas já acima mencionados, o Idealismo Alemão é marcado pelas narrativas teleológicas de Lessing, Schiller, Hegel, entre outros –, buscava compreender uma finalidade para a história, afirmando que o rumo da história conduz à emancipação, ou simplesmente ao esclarecimento do gênero humano. Efetivamente, o pensamento contemporâneo superou a ideia de uma teleologia da história, na medida em que as “metanarrativas” – como foram nomeadas as narrativas com fundo legitimador da Modernidade, segundo Jean François Lyotard – se mostraram pouco credíveis, ou ainda mesmo contrastante com a realidade. Não só não percebemos sinais de progresso da racionalidade, como também estamos cada vez mais submersos em um mundo de horror e barbárie. As guerras mundiais que vivemos no século XX tornaram difícil a compreensão que o gênero humano ruma para o melhor; talvez tenhamos, antes, que aprendermos a conviver com nós mesmos para, então, pensar um novo estágio do homem, no qual possamos desfrutar de nossa liberdade sem agredirmos aqueles que nos circundam.

Referências Bibliográficas

ESTIÚ, E. “Filosofia kantiana de la historia” . In: KANT, I. Filosofía de la Historia. Org. e trad. esp. de Emilio Estiú. Buenos Aires: Editorial Nova, 1964.

GIANNOTTI. J. “Kant e o Espaço da História Universal” . In: KANT, I. Ideia de uma História Universal de um Ponto de Vista Cosmopolita. Org. de Ricardo R. Terra. São Paulo: Martins Fontes, 2003. KANT, I. “Respuesta a la pregunta ¿Qué es la ilustración?” . In. KANT, I. Filosofía de la Historia. Org. e trad. esp. de Emilio Estiú. Buenos Aires: Editorial Nova, 1964. ______. “Idea de una historia universal desde el punto de vista cosmopolita” , In. KANT, I. Filosofía de la Historia. Org. e trad. esp. de Emilio Estiú. Buenos Aires: Editorial Nova, 1964. ______. Ideia de uma História Universal de um Ponto de Vista Cosmopolita [1784]. Org. de Ricardo Terra. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

This article is from: