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O Lugar da Estética no Pensamento de Immanuel Kant

O LUGAR DA ESTÉTICA NO PENSAMENTO DE IMMANUEL KANT

Roberta Liana Damasceno Costa1

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Resumo: O presente texto tem como propósito examinar na obra Crítica da Faculdade do Juízo de Immanuel Kant, o lugar ocupado em suas análises sobre os conceitos de beleza ou belo, a definição sobre arte e o papel do gênio como o produtor da arte bela. Dentro deste empreendimento analítico kantiano, torna-se evidente a diferença existente feita pelo filósofo entre os juízos estéticos (juízo de gosto) e os juízos do conhecimento, para, então, compreender que a emissão de juízo estético se dá apenas pelo conhecimento racional, cujos juízos emitem conceitos que possuem validez geral e por se basearem em propriedades do objeto, mas por um conhecimento cuja característica se dá pelo conhecimento afirmado por uma reflexão estética sobre o belo da natureza, ou seja, que não está pautado sobre juízos lógicos do conhecimento, mas sobre juízos de gosto que decorrem de uma simples reação pessoal do contemplador diante do objeto, e não de propriedades deste. Será notável verificar que o projeto filosófico kantiano traz a reflexão sobre estética como uma via possível, não só para o conhecimento, pois sua pretensão de descolocar o centro da existência da beleza ou belo do objeto para o sujeito vai além como sendo uma possibilidade de efetivação de uma vida melhor. Palavras-chave: estética, juízo de gosto, belo, arte bela e gênio.

Introdução2 A definição sobre o conceito de Estética se torna uma tarefa difícil porque sempre existiu uma diversidade de opiniões entre os teóricos sobre o conceito. Não é raro vermos o seu significado ou o termo empregado com diferentes sentidos na Filosofia. Nossa intenção é examinar a definição kantiana de arte, aproximando da elaboração, não de uma ciência do belo como desejaria que a estética fosse para Baumgarten, mas colocar a reflexão

1 Bolsista CAPES 2010.02. E-mail: robertadamasceno@msn.com Mestranda do Programa de Pós-graduação em Filosofia da Universidade Federal do Ceará - UFC. Bolsista da Fundação Cearense de Pesquisa - FUNCEPE. 2 A introdução deste artigo está baseada nas reflexões feitas durante a exposição das primeiras aulas do curso Tópicos Especiais em Estética no mestrado de Filosofia – UFC semestre 2010.01, ministrado pelo prof. Fernando Barros cujo tema: Palavra, som e imagem: a arte e os seus meios, e como proposta, compreender dentro da história da filosofia os movimentos que constituíram as argumentações sobre o que é definido por arte.

sobre arte ou a estética como tema de uma análise sobre a faculdade de efetuar um ajuizamento e formular um juízo sobre as mais diversas coisas ou situações deparadas pelo indivíduo. Desde a Grécia antiga, o “belo” já era objeto de análise filosófica. Mas, diferentemente de hoje, o estudo do belo não se dirigia, naquela época, à beleza de um objeto artístico. Muito pelo contrário, o “belo” era entendido de maneira mais ampla, abrangendo o todo o que seria então o belo natural. Para os gregos, a arte seria a verdadeira poética humana. Autônoma, pessoal e imitação da realidade. Coube a Platão modificar essa relação da Arte com o Belo, afastando-os em significações, pois o Belo seria muito superior à poética. Enquanto Aristóteles buscava um fim, pois, para ele, a arte era representada pela função da purificação (catarse). A Idade Média foi marcada pelo empréstimo da filosofia platônica da Arte. Aristóteles foi retomado somente a partir do Renascimento. A apropriação da teoria aristotélica visou, sobretudo, ao estabelecimento de regras para a produção artística. Um marco na história da filosofia cuja temática sobre o belo esteve pautada, foi o estudo (em 1750) sobre as sensações de Alexander Gottlieb Baumgarten, almejando, justamente, analisar o que nos provoca tais sensações, denominando essa área de investigação de “estética” . Essa foi a primeira vez que a palavra “estética” foi empregada. Baumgarten pretendeu com essa análise fundar uma ciência da sensibilidade. Hume retoma a investigação introduzindo a questão do gosto. A partir de então, o gosto passou a ser compreendido como um responsável por discernir a beleza, dentro e fora de um objeto artístico. Mas foi com Immanuel Kant que a questão das sensações e do gosto foi amplamente desenvolvida. Apesar de não concordar com o emprego do termo “estética” de Baumgarten, Kant o utiliza para estabelecer o seu famoso juízo estético. Os juízos estéticos se formam do prazer resultante do jogo livre entre a imaginação e a intuição. A visão kantiana nos mostra que a verdadeira arte está dentro do sujeito, não nos objetos, mas com fim em si mesmo. Assim surgiram filósofos como Baumgarten, Schelling, Hegel, compelindo-a para ser estudada dentro da arte. Observaremos que o belo em Kant não está no objeto, mas no próprio sujeito. É o sujeito que, por meio da sua sensibilidade, forma juízos, até mesmo sobre o belo. Não há finalidade no belo, como em Aristóteles, uma vez que, em Kant, o belo existe como fim em si mesmo. Com sua obra Crítica do Juízo, a estética começou a se configurar como disciplina filosófica e, desde então, passou a ser tratada com maior seriedade. Após Kant, várias escolas passaram a pensar o estudo sobre o belo de maneira atrelada ao estudo da Arte, deixando de lado a investigação acerca do “belo

natural” . Gradativamente, o sentido dado por Baumgarten, referente às sensações, foi se apagando. Mais recentemente no século XIX, alguns filósofos, como Hegel e Schelling, sugeriram uma estética que analisasse o belo somente dentro da obra de arte, excluindo de uma vez o belo natural. A partir de então, emerge a noção de Estética como Filosofia da Arte. Assim, Estética dentro da Filosofia, apresenta essas variedades de sentido e não é mais simplesmente “escolas filosóficas” , mas é a visão da Filosofia da Arte, que toma qualquer investigação, análise, reflexão ou estudo acerca da Arte e do Belo, sendo hoje, denominado Estética. Além disso, a palavra “Estética” não está mais restrita ao âmbito da Filosofia; observa-se, atualmente, cada vez mais a sua utilização no senso comum.

Kant A Ciência do Belo em Baumgarten versus a Analítica do Belo em

A problemática sobre o conceito de Estética ou sobre a reflexão sobre o belo é assim apresentada por Kant: “Não há uma ciência do belo, mas somente crítica, nem bela-ciência, mas somente bela-arte”3 . Estética só é possível através da faculdade inferior da razão. Estética como ciência visa à perfeição do conhecimento sensitivo. A natureza do esteta deve pertencer a um refinado e elegante talento inato, cujas faculdades inferiores sejam mais facilmente excitadas em função da elegância do conhecimento. O exercício deve permitir a gradual aquisição do hábito de pensar com beleza. Baumgarten vê o belo como um conceito, deixando um impasse que Kant buscará resolver entre objetividade e subjetividade, ao afirmar que belo é “aquilo que agrada universalmente, ainda que não se possa justificá-lo intelectualmente” . O belo é uma ocasião de prazer, cuja causa reside no sujeito. É esse sujeito que emite um juízo sobre a sensação que o objeto belo lhe provoca, portanto já adiantamos que o belo é definido pelo juízo estético (juízo de reflexão). O princípio do juízo estético, portanto, é o sentimento do sujeito e não o conceito do objeto. Apesar de esse juízo ser subjetivo, ele não se reduz à individualidade de um único sujeito, uma vez que todos os homens possuem as mesmas condições subjetivas da faculdade de julgar. É algo que pertence à condição humana, isto é, porque sou humano, tenho as mesmas condições subjetivas (categorias do conhecimento) de emitir um juízo estético que meu vizinho ou o crítico de arte. O que o crítico de arte tem a mais é o seu conhecimento de história e a sensibilidade educada. Assim, o belo é uma qualidade que atribuímos aos objetos para exprimir um certo estado da nossa subjetividade, não havendo, portanto, uma ideia de belo nem regras para

3 KANT, Immanuel. Critica da Faculdade do Juízo. 2008, p. 150.

produzi-los. Existem objetos belos que se tornam modelos exemplares e inimitáveis, o que veremos que Kant chamará de obras do gênio. É oportuno, neste momento, informar que Kant apresenta o juízo sobre beleza que definirá o que seja arte denominando-o de juízo de gosto, um juízo reflexivo. Por isso, temos que observar que a obra de Kant – Crítica da Faculdade de Juízo – é uma análise sobre a faculdade de efetuar um ajuizamento e formular um juízo sobre as mais diversas coisas ou situações deparadas pelo indivíduo. O termo juízo havia sido utilizado por Kant quando da análise sobre o processo de conhecimento da verdade efetuado na Crítica da Razão Pura. O procedimento de conhecimento estabelece juízos referentes ao objeto de análise que o homem deseja e pode conhecer. Desse montante de juízos é que se formam todas as ciências conhecidas pelo ser humano. Então, podemos dizer que toda filosofia kantiana está dedicada à faculdade de julgar, sendo o processo de conhecimento uma constante formulação de juízos? Na Crítica da Faculdade de Juízo, Kant não analisa juízos de conhecimento como na Crítica da Razão Pura, nem juízos morais como fez na Crítica da Razão Prática. Para o filósofo, existem juízos que não são determinados nem pelas leis inexoráveis do método de obtenção do conhecimento e muito menos pelas leis que regem a moralidade e o agir humano. Os juízos próprios à capacidade de julgar são os que ele denomina juízos estéticos puros ou juízos de gosto.

Juízo de Gosto – Entre o conhecimento racional e estético

Para Kant, ao adquirirmos o conhecimento das coisas, não temos acesso às coisas mesmas tais como elas são em si; nos apropriamos dos objetos (coisas) como elas chegam até nós, nosso contato é com a aparição fenomênica das coisas tal como as percebemos, essa percepção de algo, daquilo que, para tornar-se objeto de conhecimento, necessita mover-se para uma posição ou lugar que seja acessível tanto para mim como para os outros, torne-se manifesto de maneira válida para todo e qualquer sujeito. Mas, o que isso me quer dizer é que preciso pensar que é necessário visualizar para compreender a diferença entre o que seja um juízo de gosto e o juízo lógico (conhecimento). Rohden destaca essa diferenciação como: Uma notável diferença – antes admitida que elaborada – do juízo de gosto em relação ao juízo lógico decorre de que ele não é um Urteil (juízo, em sentido lógico) mas uma Beurteilung (ajuizamento, em sentido reflexivo), pela qual se entende em primeiro lugar um juízo apreciativo, que não amplia o conhecimento, mas somente expressa aprovação ou desaprovação, como quando se diz: avaliar o mérito de um poema, apreciar uma paisagem. Neste caso, o apreciador assume o

Standpunkt da crítica, que é o de julgar se o ajuizamento em causa preenche o requisito da comunicabilidade.4 Isso significa que o juízo de gosto é um juízo apreciativo, não é um formador de conhecimento, mas somente aprova ou desaprova o objeto analisado. Nesse sentido, quem aprecia toma o partido do ponto de vista crítico, visto que julga se o ajuizamento efetuado pode ser comunicado ou se não é passível de difusão. Rohden discorre que quem realiza em “Beurteilung” (juízo inacabado) está a caminho de formular um juízo. Tal percurso ocorre porque o ajuizamento é um “juízo inacabado” em processo de formulação. Assim não há juízo lógico, sem ajuizamento inacabado estéticoreflexivo5 . Entende-se daí a distinção kantiana de dois tipos de juízo reflexivo: o juízo estético e o juízo teleológico. Os juízos determinantes ou lógicos são tidos como juízos de conhecimento (Esta rosa é branca) e emitem conceitos que possuem validade geral por se basearem em propriedades do objeto. Os juízos estéticos (Esta rosa é bela) não emitem conceitos, decorrem de uma simples reação pessoal do contemplador diante do objeto, e não de propriedades deste. Este juízo exprime somente o fato de que tal rosa me agrada, exprime uma sensação de prazer que o sujeito manifesta diante do objeto, mas, mesmo sendo uma simples sensação de agradável, pretende que todos também sintam a beleza que sente. Para Kant, “a satisfação determinada pelo juízo de gosto (juízo estético)” – que é como ele preferia chamar a Beleza ou belo – é “aquilo que agrada universalmente sem conceito” , ou seja, “um universal sem conceito”6 . Segundo Rohden, na Crítica da Faculdade de Juízo, Kant admite que existe ajuizamento sem juízo porque o caráter determinante de um conceito, ligado a um juízo lógico, não se encontra no conjunto do ajuizamento estético. É, por isso, que um juízo de gosto tem a imaginação como princípio e se expressa por meio da sensação. Não se trata de um juízo lógico como na Crítica da Razão Pura, mas sim um juízo estético. Para ajuizar uma beleza da natureza enquanto tal não preciso ter antes um conceito de que coisa um objeto deva ser, isto é, não preciso conhecer a conformidade a fins material (o fim), mas a simples forma sem conhecimento do fim apraz por si própria no ajuizamento. Se, porém, o objeto é dado como produto da arte e como tal deve ser declarado belo, então tem que ser posto antes

4 ROHDEN, Valério. Aparências estéticas não enganam – sobre a relação entre juízo de gosto e conhecimento em Kant. In: DUARTE, Rodrigo (Org.). Belo, sublime e Kant. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1998, p. 61. 5 Idem, p. 62. 6 SUASSUNA, Ariano. Iniciação à Estética. Ed. Universitária, 1979, p. 69.

como fundamento um conceito daquilo que a coisa deva ser, porque a arte sempre pressupõe um fim na causa (e na sua causalidade); e visto que a consonância do múltiplo em uma coisa em vista de uma destinação interna da mesma enquanto fim é a perfeição da coisa, assim no ajuizamento de uma beleza da arte tem que ser tida em conta ao mesmo tempo a perfeição da coisa, que no ajuizamento de uma beleza da natureza (enquanto tal) absolutamente não entra em questão. Na verdade, no ajuizamento principalmente dos objetos animados da natureza, por exemplo, do homem ou de um cavalo, é habitualmente tomada também em consideração a conformidade a fins objetivos para julgar sobre a beleza dos mesmos; então, porém o juízo também não é mais puramente estético, isto é, um simples juízo de gosto. A natureza não é mais ajuizada como aparece enquanto arte, mas na medida em que ela é efetivamente arte (embora sobre-humana); e o juízo teleológico serve ao juízo estético como fundamento e condição que este tem que tomar em consideração.7 Pedro Costa Rêgo8 afirma que o juízo de gosto em Kant não pode estar fundado em conceitos – mesmo que seja necessário para ser pensado universalmente um objeto no qual será julgado esteticamente, ele deve ter conexão com o entendimento – só que esse juízo tem que ter a liberdade de uma indeterminação conceitual. A faculdade da imaginação (enquanto faculdade de conhecimento produtiva) é mesmo muito poderosa na criação como que de uma outra natureza a partir da matéria que a natureza efetiva lhe dá. Nós entretemo-nos com ela sempre que a experiência pareça-nos demasiadamente trivial; também a remodelamos de bom grado, na verdade sempre ainda segundo princípios que se situam mais acima na razão (e que nos são tão naturais como aqueles segundo os quais o entendimento apreende a natureza empírica); neste caso sentimos nossa liberdade da lei da associação (a qual é inerente ao uso empírico daquela faculdade), de modo que segundo ela na verdade tomamos emprestado da natureza a matéria, a qual porém pode ser reelaborada por nós para algo diverso, a saber, para aquilo que ultrapassa a natureza.9

7 KANT, Immanuel. Crítica da faculdade do juízo, 2008, p. 157. 8 REGO, Pedro Costa. A improvável unanimidade do Belo- Sobre a Estética de Kant, 2002, p. 174. 9 KANT, Immanuel. Crítica da faculdade do juízo, 2008, p. 159.

Será, então, essa faculdade – (a imaginação – faculdade produtiva) que servirá de base para a emissão do juízo de gosto e influencia na produção do belo. Através do exercício da liberdade impressa no livre jogo da imaginação, traçando e projetando suas atividades produtivas, o indivíduo realiza o julgamento desinteressado de um objeto que, de um certo modo, lhe causará uma representação de satisfação ou desprazer. Rohden explica que a relação com conhecimento tem a ver com a existência desse objeto ajuizado da maneira ou do modo como o ajuizamos na simples contemplação, como o acolhemos em nós ou o que fazemos quando nos abstraímos de um interesse por tal objeto para captá-lo. A independência de interesse favorece o conhecimento do mesmo como a representação desinteressada possibilita o juízo de gosto puro, o desinteresse pela existência desidentifica a relação estética da relação veritativa. O juízo meramente contemplativo volta-se para o sujeito, e como tal é desinteressado dessa relação veritativa. A independência de interesse evita a parcialidade no juízo de gosto, tornando-o formal e universalizável. [...] A comunicabilidade do juízo, que apreende a relação entre as faculdades do conhecimento sob a forma do jogo, torna-se, pelo envolvimento de todo o ânimo (Gemüt), uma comunicabilidade máxima, não só pela relação interna das suas faculdades, mas pela relação dos próprios ânimos entre si no juízo de gosto.10 Entendemos que o juízo de gosto envolve as faculdades da imaginação e do entendimento pela universalidade de seu ponto de vista, pois envolvem na sua produtividade todos os ânimos que julgam. De acordo com Kant, a faculdade da imaginação é responsável pela produção dos juízos estéticos, porém existe um princípio do qual é chamado de ‘espírito’, que faz com que sejamos tencionados a aspirar algo para além dos limites de nossas experiências, partindo dessa vivificação da alma a formulação do juízo; pode-se constatar isso a partir da seguinte afirmação: Ora, eu afirmo que este princípio não é nada mais que a faculdade da apresentação de ideias estéticas; por uma ideia estética entendo, porém, aquela representação da faculdade da imaginação que dá muito a pensar, sem que contudo qualquer pensamento determinado, isto é, conceito, possa ser-lhe adequado, que consequentemente nenhuma linguagem alcança inteiramente nem pode tornar compreensível. Vê-se facilmente que ela é a contrapartida

10 ROHDEN, Valério. Aparências estéticas não enganam – sobre a relação entre juízo de gosto e conhecimento em Kant. In: DUARTE, Rodrigo (Org.). Belo, sublime e Kant. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1998, p. 67.

<Pendant> de uma ideia da razão, que inversamente é um conceito ao qual nenhuma intuição (representação da faculdade da imaginação) pode ser adequada.11 Entendemos por Juízo estético puro – as duas faculdades do conhecimento, a imaginação (faculdade das intuições) e o entendimento (faculdade dos conceitos), – trabalhando de maneira livre e harmônica no sujeito que empreende o ato de contemplação de um objeto ou uma paisagem. Para finalizar essa demonstração, afirmamos que a tese de Kant sobre o juízo de gosto se define em dizer, a universalidade do juízo de gosto mostra uma relação com o conhecimento, não propriamente enquanto é um juízo de reflexão sobre a forma do objeto em vista do sujeito, mas enquanto o conhecimento, à medida que existe, é de fato comunicável e portanto pressupõe a comunicabilidade do juízo como uma condição. O fato do conhecimento prova a possibilidade da comunicação do juízo, como condição estética do conhecimento.12

A Bela Arte e a natureza do Gênio

A produção de uma bela arte, para Kant, requer a reunião das faculdades da imaginação, do entendimento, do espírito e do gosto. E como podemos definir o que seja a bela arte para o filósofo: A arte bela mostra a sua preeminência precisamente no fato de que ela descreve belamente as coisas que na natureza seriam feias ou desaprazíveis. As fúrias, doenças, devastações da guerra, enquanto coisas danosas, podem ser descritas muito belamente, até mesmo ser representadas em pinturas.13 É compreensível, em Kant, que a bela arte é algo que produzido possa parecer natureza, porém sem que seja percebida sua característica de imitação da natureza, observamos que um produto da bela arte exige de seu artífice o uso perfeito das faculdades; então, será na figura de um gênio que a bela arte logrará uma transformação estética da realidade, representando objetos do ponto de vista de uma universalidade subjetiva. O livre jogo das faculdades converge de maneira mais pura no talento e no gosto da pessoa do “gênio” . Por meio de sua aptidão incomum, ele leva o jogo da imaginação ao máximo, de forma a estabelecer regras e exemplos de

11 KANT, Immanuel. Crítica da Faculdade do Juízo, 2008, p. 159. 12 ROHDEN, Valério. Aparências estéticas não enganam – sobre a relação entre juízo de gosto e conhecimento em Kant. In DUARTE, Rodrigo (Org.). Belo, sublime e Kant. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1998, p. 67. 13 KANT, Immanuel. Crítica da Faculdade do Juízo, 2008, p. 157.

produtividade verdadeira a serem não imitados, mas seguidos. O Gênio é um talento natural e a bela arte é produto de uma liberdade que é dom natural desse gênio. O que Kant mostra é “o gênio é a nata disposição de ânimo (ingenium) pela qual a natureza dá regra à arte” . Apesar de Kant dizer que o gênio é um receptáculo dos ditados da natureza, o ato de criação artística não se resume a uma simples imitação da natureza, pois o “gênio ao imitar a natureza, não o faz apenas como reprodução do que se coloca diante de si, mas como reprodução do seu processo de produção” . O idealismo da beleza da natureza significa, pois, que nela não dependemos nem do realismo das sensações nem de fins determinados, mas apenas da forma de seu acolhimento. Isso é ainda mais visível na bela arte, que não pode ser considerada um produto do entendimento ou da ciência, mas do gênio.14 O gênio age como que “possuído” pela natureza, visto que é uma extensão dela e cria como e da mesma forma que ela, ou seja, de maneira original e sempre nova. O trabalho original de um gênio não pode ser imitado, mas apenas seguido. “Este prosseguimento envolve o seu estado, no sentido de aprendizagem metódica das regras introduzidas, pelo detentor de uma capacidade criativa incomum, inédita e genial” . O gênio é, pois, “a originalidade exemplar do dom natural de um sujeito no uso livre de suas faculdades de conhecimento”15 . Tal originalidade não consegue ser imitada, só prosseguida. Este prosseguimento envolve o seu estudo, no sentido da aprendizagem metódica das regras introduzidas pelo gênio. Para Kant, o Gênio tem um papel de sempre instaurar uma nova regra, mas que o juízo de gosto, apesar de ter uma intensidade maior na pessoa do gênio não é uma exclusividade deste. Qualquer pessoa pode apurar sua percepção estética e seu juízo de gosto se passar por um processo de formação, que inclui o aprimoramento da capacidade de apreciação da natureza ou das obras artísticas. A arte não é natureza, mas um produto humano, que isso seja explicitado, porém esse produto é guiado pela intenção de dar a uma certa matéria, uma forma escolhida; sua intenção não é de enganar e sim de comprazer.

14 ROHDEN, Valério. Aparências estéticas não enganam – sobre a relação entre juízo de gosto e conhecimento em Kant. In: DUARTE, Rodrigo (Org.). Belo, sublime e Kant. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1998, p. 72. 15 KANT, Immanuel. Crítica da Faculdade do Juízo, 2008, p. 159.

Considerações Finais

A real demonstração deste estudo foi uma tentativa de compreender que, para Kant, o relevante é a apreensão da fruição estética e não a formulação de julgamentos racionalmente elaborados. Está em destaque, na Crítica da Faculdade do Juízo, a maneira pela qual o sujeito percebe as coisas a partir de suas sensações sem a intermediação das apreciações cognitivas efetuadas pela razão. Podemos concluir que o juízo de gosto ocupa um lugar de suma importância na estética kantiana, pois este é um dos caminhos, juntamente com os conceitos lógicos, que possibilita ao homem a apreensão do mundo em que vive e uma compreensão maior de si como um ser cognoscível.

Referências Bibliográficas

JIMENEZ, Marc. O que é Estética? Tradução de Fulvia M. L. Moretto. São Leopoldo: Ed. UNISINOS, 1999. LEBRUN, Gérard. Kant e o fim da Metafísica. Tradução de Carlos Alberto Ribeiro de Moura. São Paulo: Martins Fontes, 1993. KANT, Immanuel. Crítica da Faculdade do juízo. Tradução de Valério Rohden e Antônio Marques. 2ª edição. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008.

REGO, Pedro Costa. A improvável unanimidade do Belo – sobre a Estética de Kant. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2002. ROHDEN, Valério. Aparências estéticas não enganam - sobre a relação entre juízo de gosto e conhecimento em Kant. In: DUARTE, Rodrigo (Org.). Belo, sublime e Kant. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1998. SUASSUNA, Ariano. Iniciação à Estética. Recife: Editora Universitária, 1979. WOOD, Allen W. Kant: introdução. Tradução de Delamar José Volpato. Porto Alegre: Artmed, 2008.

J. G. FICHTE E F. J. W. SCHELLING

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