III.2. Argumentação e Retórica
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III.2.1. O discurso argumentativo - A Procura de adesão do auditório. A abordagem da racionalidade do discurso pode assumir duas vertentes: formal e argumentativa. RACIONALIDADE LÓGICO-FORMAL: prescinde-se do conteúdo e considera-se apenas a obediência a regras e princípios lógicos na estruturação dos raciocínios, isto é, a sua forma.
Estamos no campo da Lógica formal (demonstração, dedução)
RACIONALIDADE ARGUMENTATIVA: não é possível separar forma e matéria, ou seja, estruturação e conteúdo, pois encontramo-nos no campo do debate de opiniões. Não se pode ignorar o contexto nem o assentimento (positivo ou negativo) daqueles com quem falamos - o auditório. Trata-se de uma Lógica da discussão e das preferências, em que aquilo que se defende entra em linha de conta no modo como se raciocina e se argumenta. Estamos no campo dialético da Lógica informal (argumentação). «Enquanto a Lógica formal é a lógica da demonstração, a Lógica informal é a da argumentação. Enquanto a demonstração é correta ou incorreta (constringente no primeiro caso e sem valor no segundo), os argumentos são mais ou menos fortes, mais ou menos pertinentes, mais ou menos convincentes. Na argumentação não se trata de mostrar (como na demonstração) que uma qualidade objetiva, como a verdade, passa das premissas para a conclusão, mas que se pode fazer admitir o carácter razoável ou aceitável de uma decisão, a partir daquilo que o auditório já admite, a partir das teses a partir às quais este adere com uma intensidade suficiente.» (Charles PERELMAN, Da Metafísica à Retórica)
Dedução: operação intelectual em que, a partir de uma ou mais premissas gerais, tomadas como antecedentes, se chega a uma conclusão. A validade depende unicamente da sua forma lógica e a conclusão é necessária. Argumentação: ato comunicativo com o qual se defende uma opinião, apresentando provas que permitam persuadir o recetor, visando interferir nas suas atitudes e comportamentos. Um argumento não é correto e constrangedor ou incorreto e sem valor, mas é relevante ou irrelevante, forte ou fraco, em função de razões que justificam o seu emprego na ocorrência. Marina Santos
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1. Ao invés da demonstração, a argumentação não se preocupa c/ a verdade abstrata (categórica ou hipotética), mas com o verosímil – o que pode ser suscetível de aceitação numa dada situação. 2. Enquanto a demonstração é impositiva e necessária - não deixa margem para dúvidas -, a argumentação representa sempre uma proposta de adesão que, enquanto tal, é sempre discutível. 3. Na demonstração, a ideia ou a opinião que o auditório tem do orador não é importante para a avaliação das conclusões que este apresenta, o mesmo não acontecendo na argumentação, onde se verifica uma interação constante entre a pessoa do orador e o auditório para o qual discorre. 4. Enquanto na demonstração se raciocina sempre no interior de um dado sistema (supostamente admitido), na argumentação tudo pode ser sempre recolocado em questão e pode sempre retirar-se a adesão: aquilo a que se dá assentimento é um facto e não um direito. Assim, numa demonstração tudo é solidamente dado, enquanto na argumentação os pontos de partida são frágeis. 5. A demonstração é constringente, forçosa ou necessária, o mesmo não se passando com a argumentação: as noções utilizadas na argumentação não são unívocas e o seu sentido não está fixo invariavelmente, pelo que as conclusões de uma argumentação não são constringentes. 6. ) Na demonstração, a prova de uma proposição dispensa e torna supérfluas outras provas; já na argumentação nunca se sabe ao certo qual é o limite para a acumulação útil de argumentos; 7. Se na demonstração a ordem pela qual são apresentados os axiomas e a sucessão de etapas não é importante, desde que cada um dos encadeamentos possa ser percorrido com a aplicação das regras de inferência adotadas, já na argumentação a ordem pela qual se apresentam e se dispõem os argumentos é de máxima importância para os efeitos por ela produzidos; 8. Outra distinção entre demonstração e argumentação é que o tempo não desempenha qualquer papel na 1ª, enquanto na 2ª é essencial. 9. Na demonstração é exigida uma definição precisa dos termos; na argumentação, as noções empregues são muitas vezes ambíguas e confusas. 10. A demonstração é um processo de raciocínio rígido, na argumentação existe uma grande flexibilidade.
O esquema anterior salienta a relação entre a argumentação e o princípio da discutibilidade. Se a discussão não é possível, a argumentação é apenas aparente. Sem o exercício da argumentação, do debate, da troca de pontos de vista, ou da contestação, o princípio da discutibilidade é meramente ilusório. Por isso mesmo, a argumentação nem é compatível com o dogmatismo, nem com a evidência, que não deixa alternativa senão à sua verdade. O domínio da argumentação é o do mais ou menos plausível, o do razoável, o da negociação de assentimentos. Desta forma, também a noção de argumentação, enquanto associada ao princípio da discutibilidade, é concomitante com a rejeição do princípio da autoridade (no sentido em que é a sensibilidade à força dos argumentos que deve prevalecer), com a valorização das opiniões, devidamente justificadas e assumidas nas suas consequências e com a renúncia de tomadas de posição ou uso de critérios absolutistas. Marina Santos
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AUDITÓRIO: conjunto de sujeitos que o orador quer influenciar com a sua argumentação. O orador tem como objetivo influenciar o auditório, provocando ou aumentando o seu grau de adesão às razões que apresenta. A persuasão decorre do uso de técnicas argumentativas, aliadas à sensibilidade do orador em relação ao contexto particular em que o discurso ocorre - sobretudo adaptando o seu discurso ao tipo de auditório a que se dirige. RETÓRICA: disciplina que, desde a antiguidade grega, tem por objeto a racionalidade prática. É o «estabelecimento de conclusões na vida corrente» A procura do verosímil, do plausível ou do provável nos domínios da sociedade justa, da vida feliz ou da arte bela, na medida em que tais domínios escapam às certezas do mero cálculo. Enquanto arte ou técnica de produzir discursos persuasivos, a retórica ensinava os jovens atenienses e, mais tarde, os jovens romanos, a procurar, a desenvolver e a apresentar os meios de persuadir as assembleias através de discursos eficazes. A situação retórica costuma ser apresentada como um triângulo, cujo vértice é o discurso, sendo os ângulos de base o orador e o auditório. O esforço do orador deve centrar-se na procura da adesão do auditório, c/ consciência de que: 1) o auditório é sempre soberano para decidir se adere ou não às suas ideias e/ou práticas; e 2) face ao seu discurso, podem surgir outros mais pertinentes e persuasivos do que o seu.
Tabela 1 - situação retórica
Tabela 2 - meios de conquista da adesão
Os meios de conquista da adesão do auditório são: - “ethos”: a credibilidade do orador aos olhos do auditório. - “pathos”: os sentimentos que o orador gera no auditório. - “logos”: os argumentos em si (se são fortes ou fracos). O valor persuasivo não reside apenas na racionalidade e força dos argumentos, mas também na credibilidade daquele que argumenta e nos sentimentos ou afetos que é capaz de suscitar para “provocar ou aumentar a adesão dos espíritos”. Contudo, sem argumentos fortes, baseados num conhecimento efetivo, mais cedo ou mais tarde o orador será desacreditado.
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O objetivo deste esquema é o de ligar a noção de retórica à noção de auditório. Se a retórica se ocupa de técnicas discursivas (orais ou escritas) que visam persuadir e convencer, é bom não esquecer que a prática argumentativa é simultaneamente uma forma de comunicar com os outros, mas, também, uma tentativa de agir sobre eles. Esses «outros», relativamente aos quais se pretende o acordo ou ganhar a adesão, é o que se designa com a palavra «auditório». Há várias espécies de auditório: quando argumentamos perante nós mesmos, estamos no caso da deliberação íntima. Quando argumentamos apenas com uma pessoa, o auditório é constituído pelo nosso interlocutor. Quando pretendemos que os nossos argumentos sejam aceites por qualquer pessoa dotada de razão, então dirigimo-nos ao auditório universal.
O esquema anterior põe em evidência o carácter adaptativo e dinâmico da prática argumentativa. Enquanto prática, a argumentação remete sempre para aquilo que podemos considerar os elementos formais da situação argumentativa. São eles: a) a comunicabilidade (a argumentação supõe um «contacto entre os espíritos»), b) a discutibilidade (o debate e o confronto de pontos de vista); c) a contextualidade (que são todos os elementos circundantes e circunstanciais – lugar e condições – em que ocorre a argumentação. Não é indiferente desenvolvermos uma argumentação num tribunal ou numa mesa de café, por exemplo). Marina Santos
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Por isso mesmo, o dinamismo argumentativo remete para o princípio da adaptabilidade, ou seja, para a capacidade de «gerir» a situação dialógica em que nos encontramos.
A Competência Argumentativa Neste esquema pretende-se caracterizar a competência argumentativa através de quatro itens: 1) Por um lado, a competência argumentativa é a capacidade de dialogar, a abertura às relações com outrem, no que isso significa de desejo de comunicar e de disposição para ouvir. 2) Por outro, uma vez que as argumentações não são dissociáveis de tomadas de posição, a competência argumentativa implica capacidade de optar, de tomar decisões acerca do peso dos argumentos e do apuramento de quais é que são considerados convincentes. 3) Por outro lado, ainda, a competência argumentativa remete para a capacidade de se comprometer, no que isso significa de empenhamento, interventividade e de compromisso. De facto, as argumentações não são meros jogos verbais inconsequentes, pois neles a pessoa e os seus atos estão sempre em jogo. 4) Por fim, a competência argumentativa requer a competência para pensar. Longe de ser uma competência meramente técnica, ela remete para uma atitude crítica e atenta, que busca o discernimento quanto aos problemas em jogo e ponderação quanto às soluções a adotar.
Marina Santos
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ARGUMENTAR É CORRER RISCOS «Quando queremos controlar a ação ou crença de outra pessoa mas, ou nos faltam meios de controlo efetivo ou, possuindo-os, não os queremos usar, argumentamos com a pessoa. A argumentação é, portanto, controlo não efetivo. Argumentar com outrem é olhá-lo para além do objetivo do controlo efetivo (...) contanto que o outro seja capaz de ouvir a argumentação e saiba que nós o estamos a considerar. Damos-lhe a opção de nos resistir e, assim que lhe retiramos esta opção, deixamos de estar a argumentar. Argumentar é correr inerentemente o risco de falhar, tal como um jogo é arriscar-se a perder. Uma argumentação cuja vitória nos esteja garantida deixa de ser uma argumentação real, tal como um jogo cuja vitória esteja garantida deixa de ser um jogo real.» (H.W.JOHNSON, “Algumas considerações sobre argumentação”)
Marina Santos
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