II.3.1.4. Ética, Direito e Política O PROBLEMA DA JUSTIÇA DISTRIBUTIVA
FILOSOFIA - 10º ano - Prof.ª Marina Santos
O problema da Justiça • Segundo a definição de Justiniano, imperador romano: Justiça = «vontade constante de dar a cada um o que lhe é devido».
• Há 2 tipos principais de Justiça: 1. Justiça retributiva: forma adequada de punir infrações à lei.
2. Justiça distributiva*: forma apropriada de
distribuir bens e encargos entre pessoas diferentes.
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O problema da Justiça distributiva • Questão principal: critério de distribuição de bens/ riqueza Facto: a atividade dos seres humanos em sociedade gera bens e encargos. Mas como saber aquilo que cada indivíduo deve receber, quer em termos de benefícios (educação, assistência médica, dinheiro, poder), quer em termos de encargos que deve suportar para o bom funcionamento da sociedade e do Estado (impostos, serviço público)? => critério(s) Sendo os recursos limitados, quem deverá ficar com o quê? Como distribuir os bens pelos indivíduos de modo a que cada um tenha o que lhe é devido? FILOSOFIA - 10º ano - Prof.ª Marina Santos
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O problema da Justiça distributiva Qual deverá ser o critério da distribuição?
• Todos devem receber uma igual quantidade? • Devem receber mais aqueles que mais precisam? • Devem ser beneficiados os que têm mais competência ou
mérito? • Deverá o Estado redistribuir a riqueza ou Deixar que cada um fique com o esforço do seu trabalho? • Os impostos devem ser progressivos ou Deverá haver uma taxa fixa, igual para todos? ...
O modo como a justiça é definida/ interpretada conduz a diferentes teorias políticas.
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1. Justiça como Igualdade A justiça como igualdade: todos devem receber o mesmo. => IGUALITARISMO
Considera que não há diferenças significativas entre os seres humanos, pelo que deverá haver um tratamento absolutamente igual entre todos.
Numa sociedade justa, cada pessoa deverá receber uma igual parte dos benefícios e encargos sociais.
CRÍTICA: ignora a ideia de proporcionalidade, ou seja, o que cada um recebe deve ser proporcional ao que faz ou ao que merece.
Ex: Se todos ganharmos exatamente o mesmo, quer trabalhemos 45h/semana com empenho ou sem produtividade, será justa esta igualdade de tratamento? FILOSOFIA - 10º ano - Prof.ª Marina Santos
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2. Justiça como Igualdade de Oportunidades A justiça como igualdade de oportunidades: todos iguais no ponto de partida. • Distinguem entre a igualdade política e a igualdade económica.
• Os direitos políticos e as oportunidades económicas devem ser distribuídos igualmente,
mas os benefícios económicos devem ser distribuídos desigualmente de acordo com diferenças relevantes entre os indivíduos => no plano económico admitem desigualdade no ponto de chegada desde que haja igualdade de oportunidade no ponto de partida
•A igualdade estrita (igualitarismo) pode ter efeitos perversos, pelo que se defende uma
versão moderada: tentativa de dar aos indivíduos iguais condições de acesso a determinados benefícios sociais, quer mediante a redistribuição da riqueza, quer através de medidas que impeçam a discriminação de certos grupos étnicos e sociais. Ex: A progressão na carreira, segundo regras, deve permitir àqueles que trabalharem mais e melhor terem melhores ordenados e cargos.
CRÍTICA: não é exequível colocar todas as pessoas no mesmo ponto de partida. Não há pessoas que já estão à partida em vantagem? E será que iguais condições à partida se traduzem necessariamente em resultados semelhantes? FILOSOFIA - 10º ano - Prof.ª Marina Santos
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3. Justiça Social A justiça social: é justo o que é socialmente útil. • Uma sociedade é justa se atribui a cada indivíduo aquilo que lhe é devido e promove o bem-estar dos seus membros. • O critério fundamental da justiça é o interesse do todo, sendo justas as decisões e medidas que promovem a satisfação dos interesses do maior número de cidadãos. O papel dos governantes é criar situações de maior bem-estar geral. • A igualdade de direitos deve ser complementada pela criação de condições que permitam a igualdade de oportunidades no acesso aos bens disponíveis na sociedade => a solidariedade efetiva para com os mais desfavorecidos. • CRÍTICA: A aplicação do princípio da utilidade social não gera situações de injustiça? Deverão ser prejudicados certos indivíduos ou grupos minoritários, em benefício da maioria da sociedade? Não terão as pessoas direitos inalienáveis, que não deverão nunca ser violados? FILOSOFIA - 10º ano - Prof.ª Marina Santos
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4. Justiça como Equidade*
John Rawls (1921-2002)
• Rawls pretende demonstrar que a sua sociedade JUSTA é também BOA • Pressupostos de Rawls o Kant: igualdade racional de todos os Homens; o Homem é um fim em si mesmo e nunca um meio; a dignidade humana é inalienável. o Locke: indivíduos livres e racionais acordam entre si determinadas regras básicas que lhes permitam viver em harmonia (contratualismo). • Busca os princípios racionais de uma «sociedade bem ordenada», através dum contrato social: => hipotética “posição original” anterior ao contrato social; os indivíduos escolhem sob o “véu da ignorância”.
Se não soubéssemos que posição ocupamos na sociedade, que bens possuímos, nem quais os nossos talentos, que princípios políticos escolheríamos como justos? => O contrato social tem de ser estabelecido com base numa total imparcialidade de todos os indivíduos, i.e., sem que tenham nele qualquer interesse particular. É nesta hipotética escolha que surgem os princípios da justiça como equidade. FILOSOFIA - 10º ano - Prof.ª Marina Santos
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4. Justiça como Equidade* “ (…) Parte-se do princípio de que as partes desconhecem certos factos concretos. Antes de mais, ninguém conhece o seu lugar na sociedade, a sua posição de classe ou estatuto social; também não é conhecida a fortuna ou a distribuição de talentos naturais ou capacidades, a inteligência, a força, etc. (…) Mais ainda (…) as partes não conhecem as circunstâncias particulares da sua própria sociedade, isto é, desconhecem a sua situação política e económica e o nível de civilização e cultura que conseguiu atingir. (…) É dado como adquirido, no entanto, que conhecem os factos gerais da sociedade humana. Compreendem os assuntos políticos e os princípios da teoria económica; conhecem as bases da organização social e das leis da psicologia humana. Na verdade, presume-se que as partes conhecem os factos gerais que afetam a escolha dos princípios da justiça.(…) Os princípios da justiça são escolhidos a coberto de um véu de ignorância. Assim se garante que ninguém é beneficiado ou prejudicado na escolha daqueles princípios pelos resultados do acaso natural ou pela contingência das circunstâncias sociais. Uma vez que todos os participantes estão em situação semelhante e que ninguém está em posição de designar princípios que beneficiem a sua situação particular, os princípios da justiça são o resultado de um acordo ou negociação equitativa (fair). […] Isto explica a designação «justiça como equidade»: ela transmite a ideia de que o acordo sobre os princípios da justiça é alcançado numa situação inicial que é equitativa.» Rawls FILOSOFIA - 10º ano - Prof.ª Marina Santos
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4. Justiça como Equidade* • Posição original: é uma situação imaginária ou hipotética de imparcialidade (as pessoas pensam no que é justo e não simplesmente no que é pessoalmente vantajoso) em que pessoas racionais, livres e iguais criam uma sociedade regida por princípios de justiça. Para que tal imparcialidade se verifique, essas pessoas devem estar «cobertas» por um «véu de ignorância».
• Véu de ignorância: o desconhecimento por parte de cada indivíduo da sua condição social e económica no momento do estabelecimento do contrato social, no momento em que dão origem a uma determinada forma de sociedade.
• Regra maximin: uma estratégia de decisão que pessoas razoáveis seguem, numa situação de incerteza, sob o véu de ignorância. É a estratégia do menor mal, i.e., são preferíveis princípios de justiça que estejam na base de uma sociedade em que o pior não será muito mau, do que uma sociedade em que haja muita pobreza e muita riqueza (correndo o risco de eu ser muito pobre). FILOSOFIA - 10º ano - Prof.ª Marina Santos
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4. Justiça como Equidade* • Quem escolhe? Pessoas singulares igualmente racionais, livres e iguais (e seletivamente ignorantes) => as escolhas que farão parte do contrato poderão ser efetuadas por qualquer pessoa escolhida ao acaso.
• O que escolhe? A estrutura básica da sociedade, de acordo com os princípios da justiça => deve reger-se pelo “império da lei” (rule of law)
• Como escolhe? Sob o “véu da ignorância”, cada parte na P.O. desconhece a sua situação particular e os aspetos específicos da sociedade em que vive, conhecendo contudo os factos gerais da psicologia e das ciências sociais. => o “véu da ignorância” é um artifício para garantir a imparcialidade das partes, anulando aspetos da “lotaria” genética e social => o acordo sobre os princípios da justiça é alcançado numa situação inicial que é equitativa. FILOSOFIA - 10º ano - Prof.ª Marina Santos
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O Contratualismo de Rawls* • Contratualismo: teoria que defende que a
organização social e a vida dos membros de uma sociedade dependem, em termos de justificação, de um acordo/ pacto social/contrato que estabelece os princípios básicos dessa sociedade. 3 elementos: situação inicial (pré-contratual); contrato; e resultado deste. Contratualismo político: reflete sobre questões associadas ao valor da justiça: a estrutura básica da sociedade, direitos e deveres dos cidadãos, ou o exercício do poder político.
Rawls é um contratualista: Afirma que “o meu objetivo é apresentar uma conceção da justiça que generaliza e eleva a um nível superior a conhecida teoria do contrato social desenvolvida, entre outros, por Locke, Rousseau e Kant.” Segundo ele, as partes, numa hipotética situação pré-contratual, pensam sobre quais “os princípios de justiça aplicáveis à estrutura básica da sociedade” que pretendem incluir no “acordo original”. Os princípios da justiça que serão objeto do pacto social “são os que seriam aceites por pessoas livres e racionais, colocadas numa situação inicial de igualdade e interessadas em prosseguir os seus próprios objetivos, para definir os termos fundamentais da sua associação”. FILOSOFIA - 10º ano - Prof.ª Marina Santos
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https://www.youtube.com/watch?v=A8GDEaJtbq4 FILOSOFIA - 10º ano - Prof.ª Marina Santos
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4. Justiça como Equidade* • Rawls pretende conjugar a liberdade e a justiça social. Porquê? Se apenas houver liberdade, põe-se em causa a justiça social, i.e., uns indivíduos possuirão sempre mais bens do que outros e os que possuem mais possuirão sempre mais (a riqueza gera mais riqueza); Se apenas houver justiça social, põe-se em causa a liberdade, i.e., limita-se a liberdade dos indivíduos possuírem mais bens do que aqueles que possuem - em resultado do seu trabalho e esforço. Exemplo de desequilíbrio entre liberdade e justiça social: as heranças Os princípios da justiça como equidade são a base de um «novo contrato social» pensado pelo filósofo americano contemporâneo John Rawls na sua obra “Uma Teoria da Justiça”, publicada em 1971.
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4. Justiça como Equidade* A justiça como equidade: compatibilizar liberdade individual e justiça social. Teoria de Rawls: Como se deverá organizar uma sociedade para que o seu funcionamento seja justo? Não admite o sacrifício dos menos favorecidos em nome da eficácia económica (contra o liberalismo desregrado), nem o sacrifício dos mais favorecidos em nome do igualitarismo (contra o socialismo). Os bens sociais primários (liberdade e igualdade de oportunidades, receitas e riqueza, as bases do respeito) deverão ser distribuídas de igual modo, a não ser que uma distribuição desigual de um ou mais bens beneficie os menos favorecidos. EQUIDADE: justiça imparcial reajustada a cada caso concreto. => os direitos e liberdades básicas são prioritários; => uma imparcial distribuição de bens só tolera a desigualdade se permitir que os menos favorecidos fiquem o melhor possível. FILOSOFIA - 10º ano - Prof.ª Marina Santos
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4. Justiça como Equidade* 1. Princípio da igual liberdade: «Cada pessoa tem igual direito a um conjunto de liberdades básicas, compatível com um regime de liberdades para todos.» prioridade sobre o seguinte, pois importa garantir os direitos e liberdades básicas dos indivíduos - até ao ponto em que não limitem as dos outros.
2. Princípio da diferença (e igualdade de oportunidades): «As desigualdades económicas e sociais obedecem a duas condições: 2.a Os maiores benefícios possíveis devem ser distribuídos aos mais desfavorecidos; 2.b Devem resultar do exercício de cargos e funções disponíveis para todos em condições de uma igualdade equitativa de oportunidades». => duplo princípio, que visa a igualdade e a justiça social. FILOSOFIA - 10º ano - Prof.ª Marina Santos
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4. Justiça como Equidade* • Prioridade para... a necessidade de todos terem as mesmas oportunidades de acesso aos cargos e posições sociais. Só então, se permanecerem as desigualdades sociais e económicas... se deve distribuir a riqueza de modo a beneficiar os mais necessitados. A desigualdade só é admissível se fomentar a igualdade. #1 deve ser satisfeito antes do #2; o 2b antes do 2a. (1º Igualdade na liberdade; depois, igualdade de oportunidades; só então é admissível uma distribuição de riqueza desigual).
Uma vez resolvido o problema dos direitos e liberdades básicas nas sociedades democráticas liberais, o grande problema é o de saber como devem ser distribuídos os recursos económicos — trata-se do problema da justiça distributiva, expresso pelo princípio da diferença. FILOSOFIA - 10º ano - Prof.ª Marina Santos
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Fonte: http://blog.domingosfaria.net/2011/04/os-principios-da-justica-segundo-john.html FILOSOFIA - 10º ano - Prof.ª Marina Santos
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5. Justiça como Titularidade legítima A justiça como titularidade legítima: tenho o direito de dispor livremente daquilo que adquiri legitimamente.
=> Titularidade das posses justas: «O que é meu é meu». • TESE: Uma sociedade justa não impõe limites aos níveis de desigualdade económica nela presentes. Cada cidadão tem direito ao que herdou, recebeu ou ganhou legitimamente e esse direito de propriedade não deve ser violado pelo Estado. Cada um deve exigir do Estado a máxima liberdade, sobretudo para adquirir e dispor de uma quantidade desigual de bens sociais. • Defende um Estado mínimo (guarda-noturno”), que proteja a segurança e as liberdades políticas dos cidadãos mas não interfira na vida económica. O Estado mínimo é o único poder político legítimo e cada indivíduo é titular absoluto do que adquire legitimamente. Aceita que o Estado cobre impostos para serviços mínimos (governo, administração pública, exército e polícia) mas só o necessário para tal. • Nozick é um libertário: os direitos como liberdade e propriedade são absolutos. FILOSOFIA - 10º ano - Prof.ª Marina Santos
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EXEMPLO: Será moralmente aceitável cobrar mais impostos ao Ronaldo? • Cristiano Ronaldo assinou novo contrato com o Real Madrid em que ganhará cerca de 2 milhões de euros de salário por mês.
• Será justo? Deve o Estado intervir e cobrar mais impostos ao seu vencimento para equilibrar a riqueza, redistribuindo?
• Para Nozick, Ronaldo tem o direito de dispor livremente do que ganhou e que legitimamente obteve, por razões como ser um jogador excelente e disciplinado de quem o público gosta e que contribui com o seu esforço para as vitórias da sua equipa. • Mas se considerarmos que Ronaldo não é totalmente responsável pelo seu talento (resultado da “lotaria genética” e das condições que a comunidade lhe deu) será justo ganhar mais do que os outros que não podem competir em igualdade de circunstâncias? E o seu esforço para contribuir para o bem comum não é menor do que o da maioria? FILOSOFIA - 10º ano - Prof.ª Marina Santos
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Considera um padrão de distribuição numa determinada sociedade (D1), aceitável para ti. Pensa agora no “caso Wilt Chamberlain”, um famoso basquetebolista da NBA que combina com a equipa que, cada vez que jogar, cada fã pode colocar Eur 0,25 numa caixa no início do jogo. Deste modo, no final da época, Wilt Chamberlain está mais rico devido a um novo padrão de distribuição da riqueza que alterou o padrão inicial (D2).
Fonte: http://blog.domingosfaria.net/2011/04/critica-de-nozick-teoria-da-justica-de.html
Para Nozick, a interferência do Estado, ao cobrar impostos sobre as doações voluntárias dos fãs, constitui uma violação dos direitos individuais, pois as pessoas devem ser livres de fazerem o que quiserem com os seus bens e Chamberlain adquiriu mais riqueza de um modo legítimo. => As livres trocas entre as pessoas perturbam os padrões de justiça FILOSOFIA - 10º ano - Prof.ª Marina Santos
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Fonte: http://blog.domingosfaria.net/2011/04/criticade-nozick-teoria-da-justica-de.html
[1] O princípio da diferença é uma conceção padronizada da justiça: a propriedade deve ser distribuída de forma a que os mais desfavorecidos fiquem o melhor possível. Para Rawls, se não se respeitar este padrão então a sociedade será injusta. [2] Mas, uma vez dado o rendimento e riqueza às pessoas segundo o princípio da diferença, algumas gastá-lo-ão, outras obterão mais. Portanto, algumas ações livres (trocas, ofertas) conseguem alterar o padrão inicial. [3] Para que o padrão inicial seja reposto, a propriedade terá de ser redistribuída. O Estado teria de intervir através de meios como a cobrança de impostos. Deste modo, para se concretizar o padrão do princípio da diferença, o Estado tira a alguns indivíduos (sem o seu consentimento) parte daquilo que possuem legitimamente, para beneficiar os mais desfavorecidos. [4] Porém, de acordo com Nozick esta redistribuição interferirá consideravelmente com a liberdade e os direitos de propriedade que as pessoas deveriam gozar. Segundo Nozick, esta interferência do estado é eticamente inaceitável, pois: viola os direitos de propriedade dos indivíduos e desrespeita a liberdade individual. Para além disso, Nozick defende claramente que “a tributação dos rendimentos do trabalho é equiparável ao trabalho forçado” FILOSOFIA - 10º ano - Prof.ª Marina Santos
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Como a liberdade perturba os padrões (de distribuição) “(…) Cada uma destas pessoas escolheu dar vinte e cinco cêntimos do seu dinheiro a Chamberlain. Podiam tê-los gasto indo ao cinema, ou em caramelos (...). Mas todas elas, pelo menos um milhão delas, convergiram em dá-los a Wilt Chamberlain em troca de o ver jogar basquetebol. Se D1 era uma distribuição justa, e as pessoas, passaram voluntariamente daí para D2, transferindo parte das parcelas que lhes foram dadas em D1 (para que serviam se não fosse para fazer algo com elas?), não é D2 também justa? Se as pessoas tinham o direito de dispor dos recursos de que eram os justos titulares (em D1), não inclui isso o terem o direito de os darem a Wilt Chamberlain, ou de os trocarem com ele? Pode qualquer outra pessoa queixar-se de injustiça? Qualquer outra pessoa possui já a sua legítima parte em D1. (…)Por que processo poderia tal transferência entre duas pessoas dar origem a uma legítima reivindicação de justiça distributiva sobre uma porção do que foi transferido, por uma terceira parte que não tinha qualquer reivindicação de justiça sobre qualquer posse dos outros antes da transferência? (…). O aspeto geral ilustrado pelo exemplo de Wilt Chamberlain (…) é que nenhum princípio de estado final ou princípio de distribuição da justiça padronizado [como o princípio da diferença de Rawls] pode ser continuamente aplicado sem uma contínua interferência nas vidas das pessoas. (...) Para manter um padrão, ou tem de se interferir continuamente para impedir as pessoas de transferirem recursos como desejam, ou interfere-se continuamente (ou periodicamente) para tirar de algumas pessoas recursos que as outras, por alguma razão, escolheram transferir para elas. (...)” Robert Nozick, Anarquia, Estado e Utopia, 1974 FILOSOFIA - 10º ano - Prof.ª Marina Santos
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Sandel, Justice - 16 Rawls https://youtu.be/xdP4in7u1_c
https://youtu.be/kAPkBCJ94EM FILOSOFIA - 10º ano - Prof.ª Marina Santos
Sandel, Justice - 6 Libertários https://youtu.be/I-trFTLJ56E
https://youtu.be/jc-NAx7t9zk 24
Críticas a Rawls* “Há quem pense que a tributação redistributiva não é correta, porque o governo não deve interferir na vida das pessoas, a não ser que elas façam algo errado, e as transações económicas que produzem todas estas desigualdades não são erradas, mas antes perfeitamente inocentes. Também há quem sustente que não há nada de errado nas desigualdades resultantes: que, mesmo que sejam imerecidas e as vítimas não tenham culpa, a sociedade não tem obrigação de as remediar. A vida é assim, dirão: algumas pessoas têm mais sorte do que outras. A única altura em que temos de fazer alguma coisa é quando o infortúnio resulta da ação errada de uma pessoa sobre outra.” Thomas Nagel (2001), Que quer dizer tudo isto? Uma iniciação à Filosofia. FILOSOFIA - 10º ano - Prof.ª Marina Santos
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Críticas a Rawls * 1. A crítica libertária (Nozick)
A. Rawls está errado ao partir do princípio de que os bens vêm ao mundo
sem serem pertença de ninguém (como se “as coisas caíssem do céu como um maná”) e que aguardam uma distribuição baseada numa conceção de justiça; B. As livres escolhas/trocas desequilibram os padrões de distribuição; C. Redistribuir os benefícios sociais implica o uso ilegítimo da coerção pelo Estado. Opõe-se ao conceito de justiça social de Rawls: esta interferência contínua do Estado, redistribuindo riqueza, é eticamente inaceitável, pois viola os direitos de propriedade e desrespeita a liberdade individual. “A tributação dos rendimentos do trabalho é equiparável ao trabalho forçado.” => pode e deve-se apelar à generosidade dos mais favorecidos, mas não é justo obrigá-los a socorrer os mais necessitados. FILOSOFIA - 10º ano - Prof.ª Marina Santos
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Críticas a Rawls * 2. A crítica comunitária (Michael Sandel, Charles Taylor, M. Walzer, etc.)
A. A noção de pessoa integrada na P.O. é “excessivamente formal e abstrata”, desligada interesses e afetos particulares, bem como da identidade cultural. Esquece que existe uma comunidade em que cada indivíduo está integrado e a preocupação c/ as comunidades reais. B. A escolha dos bens primários na P.O. (liberdade, oportunidades, riqueza, rendimento) é etnocêntrica, favorecendo uma organização individualista e económica da sociedade, e ignorando a importância de bens não-económicos e partilhados pelas comunidades. Assim, embora Rawls os considere neutros relativamente às conceções do bem, na verdade assentam numa perspetiva das economias capitalistas modernas baseada no lucro, salários e na posse de bens materiais, bem como no primado da liberdade individual. FILOSOFIA - 10º ano - Prof.ª Marina Santos
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Críticas a Rawls 3. A estratégia de escolha “maximin” na P.O. assenta numa perspetiva conservadora ou pessimista: se os contratantes fossem jogadores racionais escolheriam certamente uma maximização da utilidade esperada, correndo um risco pequeno para terem um proveito razoável (em vez de “jogarem pelo seguro”).
4. Não é possível conciliar os Princípios da Liberdade e da Diferença, porque: A) Se queremos equiparar a liberdade dos indivíduos, temos também de tornar igual a propriedade ― pois os ricos conseguem fazer mais que os pobres e, portanto, ter maior liberdade => o Princípio da Diferença permite a existência de desigualdades de liberdade, entrando em contradição com o Princípio da Liberdade. B) Contudo, limitar a quantidade de propriedade que as pessoas podem adquirir e aquilo que podem fazer com ela é uma forma de restringir a liberdade individual. Dar liberdade às pessoas implica não impor restrições às posses individuais de propriedade => não aceitar o Princípio da Diferença. FILOSOFIA - 10º ano - Prof.ª Marina Santos
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