Os desafios da economia brasileira

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martina cavalcanti revista@cidadenova.org.br

Os desafios

da economia brasileira

Nova equipe econômica. E/D: o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini e os novos ministros da Fazenda, Joaquim Levy e do Planejamento, Nelson Barbosa

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rrumar a casa para depois crescer”: com esse mote, a nova equipe econômica do governo Dilma Rousseff tomou posse em janeiro de 2015, sob as bênçãos do mercado financeiro e certa desconfiança dos próprios petistas e de outras entidades trabalhistas. Encabeçada por Joaquim Levy, no Ministério da Fazenda, a tríade se completa com Nelson Barbosa, no Planejamento, e Alexandre Tombini, reconduzido ao Banco Cen-

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tral. A missão deles será resgatar a confiança do empresariado sem comprometer as políticas sociais, plataforma eleitoral de Dilma. “É uma aposta da Dilma para conseguir recuperar algo que o Lula tinha conseguido fazer muito bem: montar uma coalizão de interesses tão variados quanto os dos trabalhadores e do empresariado”, afirma Alexandre Saes, professor de economia da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP).

Segundo o especialista, a presidente enfrentou um contexto menos favorável que seu antecessor, deixando de lado, nos primeiros quatro anos de governo, alguns grupos da economia, cujo apoio tenta retomar nessa segunda gestão, na qual pretende também imprimir sua marca pessoal. “O que passa pela cabeça da presidente é fazer o mesmo que Getúlio Vargas no seu segundo governo (1951-54). Pró-desenvolvimento e nacionalista, ele recebeu a economia

Wilson Dias | Agência Brasil

CRESCIMENTO ECONÔMICO Uma nova equipe econômica assume com a missão de retomar a confiança do empresariado, sem comprometer as políticas sociais. Mas os desafios são muitos


com inflação alta e decidiu fazer um governo Campos Sales (1898-1902) – Rodrigues Alves (1902-1906). Ou seja, dois anos mais rígidos na questão orçamentária e fiscal, para arrumar casa, e mais dois anos de retomada de crescimento”, compara. O preço a se pagar para colocar a economia de volta aos trilhos promete ser alto. São esperados para os próximos dois anos mais impostos, cortes nos investimentos públicos, baixo crescimento e inflação elevada. Para Antonio Evaristo Lanzana, professor da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), é preciso acreditar na máxima “não se faz omelete sem quebrar ovos”. “É necessário fazer ajuste fiscal e isso é sinônimo de sacrifício. É o preço que se tem de pagar pelo desequilíbrio do [mandato] passado”, afirma.

Cortes A escolha de Levy, ex-braço direito do ex-ministro Antonio Palocci foi recebida com entusiasmo por empresários e economistas, como Lanzana. Segundo ele, o setor vê no doutor em economia pela liberal Universidade de Chicago (EUA) uma gestão mais técnica e austera, o que é positivo para retomar a confiança do sistema financeiro, abalada no primeiro mandato com o rebaixamento da nota do Brasil pelas agências internacionais de classificação de ris­co – a Standard & Poor’s rebaixou o Brasil para BBB –, o mais baixo patamar da faixa de grau de investimento. O grande temor é que a ortodoxia prejudique os avanços sociais do governo petista. Mas o novo chefe da Economia faz questão de frisar que a manutenção de programas sociais e o baixo nível de desemprego dependem diretamente da estabilidade da economia, que só pode ser alcançada arrumando as contas públicas e melhorando o resultado fiscal.

Tendo em vista poupar R$ 18 bilhões em gastos federais, o governo anunciou regras mais rígidas para a concessão de benefícios da Previdência Social, como o auxílio-doença e a pensão por morte, e de benefícios trabalhistas, tais quais o seguro-desemprego e o abono salarial. A medida foi recebida com muitas críticas e a promessa eleitoral de Dilma de não alterar benefícios sociais “nem que a vaca tussa” virou piada nas redes sociais.

Salário mínimo Outra atitude que espantou as entidades trabalhistas partiu de Nelson Barbosa. O ministro anunciou a alteração do modo como é feito o reajuste do salário mínimo – mas logo depois levou uma bronca de Dilma e recuou. Enquanto a atitude da petista foi celebrada pelas centrais sindicais, para o empresariado o episódio colocou em cheque a autonomia da nova equipe econômica perante a presidente, conhecida por uma personalidade controladora. Os dois especialistas ouvidos por Cidade Nova, no entanto, diminuem o impacto do caso. “É um fato isolado, uma questão de aprendizado: Barbosa deve ser mais cuidadoso nos próximos pronunciamentos. O ministro do Planejamento não vai se sentir desautorizado de tomar outras atitudes daqui para a frente e a própria Dilma vai ter mais cuidado ao fazer qualquer desautorização como essa. Não a vejo entrando em confronto com Levy, por exemplo”, afirma Saes. Ainda que a nova proposta de reajuste não tenha vingado, a regra atual de reposição salarial deve resultar em um mínimo menor no segundo mandato. Isso porque o reajuste é calculado em cima do crescimento da economia, que promete ser nulo ou próximo de zero neste ano.

Lanzana argumenta que, com a intervenção, a presidente conseguiu mandar o recado que a ajudou a se reeleger: “Vamos fazer ajuste fiscal, mas não vamos mexer no lado social”. O economista qualifica como infeliz a antecipação de Barbosa, mas mesmo assim aposta na importância do ministro como contraponto à eventual ortodoxia excessiva de Levy. “O papel do Barbosa será evitar que o ajuste seja alto e forte e que comprometa o programa social.” Com Nelson Barbosa, ex-secretário Executivo da Fazenda, a pasta do Planejamento vive uma ressureição após perder influência e poder sob o comando de Miriam Belchior. Na gestão atual, o ministério terá o controle dos principais programas de investimentos do governo, como o Minha Casa, Minha Vida e o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Além disso, o gestor também terá a incumbência de destravar as concessões em infraestrutura e logística, especialmente em ferrovias e portos, e de avançar com as Parcerias Público-Privadas. Já Tombini, mantido como presidente do Banco Central, deve ter em Levy um grande aliado na defesa da autonomia e da independência do BC. “No primeiro mandato Tombini acreditou nas promessas dos ministérios da Fazenda e do Planejamento de ampliar o superávit primário, esperando que o governo reduzisse seu papel, mas aconteceu exatamente o contrário. Agora, ele vai ter como aliado o ajuste fiscal, então não adianta pedirem para baixar a Selic, porque vai ter que ter juros altos. Há cheiro de maior independência”, acredita Lazana.

Impostos Como o corte de gastos será limitado para não atingir os programas sociais, os impostos terão que Cidade Nova • Fevereiro 2015 • nº 2

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cn em série Brasília 2015 subir para cumprir as metas estabelecidas pela nova política econômica, explica Lanzana. Segundo ele, só assim o governo poderá poupar recursos suficientes para o superávit primário (a economia do governo para pagar os juros da dívida) e reduzir a dívida pública – atualmente em 63% – a 50% do PIB. Além disso, o aumento dos tributos passa credibilidade ao Congresso, onde o governo terá que aprovar os cortes definitivos no Orçamento. Na mira da nova equipe está a cobrança do Cide (Contribuição de Intervenção do Domínio Econômico), mais conhecido como imposto da gasolina, que está zerado desde 2002. Também se fala em aumento da cobrança de PIS/Cofins sobre importados e na alta sobre a tributação de cosméticos. Estima-se que a medida possa elevar a arrecadação do governo em quase R$ 9 bilhões. Ainda pode haver aumento na tributação sobre os pequenas empresas prestadoras de serviço, que pagam atualmente 4% de Imposto de Renda, em vez dos 27,5% de Pessoa Física. A medida deve afetar trabalhadores que recebem seus rendimentos através de empresas in­dividuais. Isso tudo ainda são suposições, uma vez que a Fazenda não havia formalizado nenhuma alteração tributária até o fechamento desta edição.

Sem privilégios O que já é tido como certo é o acordo entre Dilma, Eduardo Braga, o novo ministro de Minas e Energia, e Levy, de que o Tesouro não fará mais injeções de recursos no setor elétrico em 2015. Como consequência, a conta terá de ser paga pelo consumidor através de reajuste extra. Para reduzir o valor que vai para a conta de luz, o governo tentará enxugar as despesas com a Con20

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ta de Desenvolvimento Energético (CDE), um fundo que banca subsídios para o fornecimento de energia à população de baixa renda. Segundo projeções da LCA Consultores, a conta de luz deve subir 31,2% em 2015 e a inflação pode atingir 7%, meio ponto porcentual acima do teto da meta. O cálculo já inclui o aumento do Cide e o reajuste das tarifas de ônibus. Nas entrelinhas de um discurso do novo ministro da Fazenda, outra ação que se pode antever é o fim dos recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) a juros baixos para setores selecionados. Lanzana aponta que o impacto sobre a inflação deve vir apenas a curto prazo, mas já deve ser suficiente para pressionar a Selic. A taxa básica de juros, atualmente em 11,75%, deve subir para 12,5%, encurtando os prazos de financiamento. O resultado esperado é uma contração do consumo e, consequentemente, do crescimento econômico. Para não colocar em risco a expansão da economia, Saes defende a importância de incentivos governamentais. “O governo precisa identificar o gargalo para favorecer determinados setores. Não dá para deixar o crescimento econômico exclusivamente nas mãos da iniciativa privada, senão os ganhos sociais não acompanham esse crescimento”, sugere.

Produtividade Para Lanzana, é inevitável que o consumo diminua. As novas ações marcam o fim da estratégia econômica do governo petista iniciada com Lula, em uma gestão marcada pela ascensão da classe C. Até o momento, a ampliação de oferta de empregos no país se deu pelo au-

mento de mão de obra, modelo que se esgotou com a proximidade do pleno emprego. “Esse modelo que incentivou o endividamento e deu crédito para todo mundo se esgotou. Mas isso não é nenhuma tragédia, só foi uma estratégia de política econômica concluída e que vai dar lugar a outra. A partir de agora, é crescimento via investimento e produtividade”, diz o economista. Para isso, será necessário flexibilizar o mercado de trabalho e ampliar programas de qualificação do trabalhador. As normas anunciadas pela nova equipe econômica nesse sentido são empreendedorismo, inovação e concorrência. Saes aposta em novos setores, como o do petróleo, para puxar o crescimento. “A retomada de projetos longos de infraestrutura e logística deve manter o emprego direto. Se a credibilidade permitir que esses investimentos sejam consumados, há a possibilidade de se voltar a ter condições de crescimento ainda maiores.”

Oposição Em seu primeiro mandato, o ex-presidente Lula escreveu Carta ao Povo Brasileiro para mostrar sua face moderada, acalmar os mercados e aumentar sua base eleitoral. Já Dilma, que passou a campanha de 2014 prometendo que nenhuma espécie de austeridade na política econômica interferiria nos investimentos sociais, elegeu nomes conservadores para compor a equipe econômica após ser eleita. Nesse contexto, Levy terá que transpor o fogo amigo, que vem de dentro do próprio governo, para implementar uma política econômica liberal e ortodoxa em uma gestão de esquerda, que criticou duramente o neoliberalismo dos adversários durante a campanha eleitoral.


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