Barrados

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internacional

martina cavalcanti revista@cidadenova.org.br

Uma família global

Barrados FRONTEIRAS FECHADAS Conheça os sete países cujos cidadãos o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, quer impedir de entrar em território norte-americano. Saiba também porque eles poderiam ser considerados uma ameaça para os EUA e o que especialistas pensam sobre a medida

Irã

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Iraque

Habitantes 75,1 milhões

Território 1.648.195 km²

Idioma Persa

Moeda Rial iraniano

Religião predominante Islamismo xiita

Habitantes 38,14 milhões

Território 438.317 km²

Idioma Árabe e curdo

Moeda Dinar iraquiano

Religião predominante Islamismo xiita

Suposta ameaça

Suposta ameaça

A briga entre EUA e Irã começou na revolução de 1979, quando a nação persa não reconheceu o Estado de Israel. Desde então, o país procura acabar com o poder dos EUA, de Israel e da Arábia Saudita no Oriente Médio, fornecendo armas e treinamento militar a nações não alinhadas e facções armadas. “No caso do Irã, a questão é mais política – de um Estado religioso onde o governo demonstra aversão aos EUA”, resume Sérgio Luiz Aguilar, coordenador do Observatório de Conflitos Internacionais, da Unesp. O apoio do Irã a grupos terroristas motivou a inclusão do país em outra lista norte-americana: a de patrocinadores do terrorismo, em 1984. A suspeita internacional do desenvolvimento de armas de destruição em massa em território iraniano leva a ONU a aplicar sanções ao país desde 2006. No entanto, diferente de todos os outros países da lista de Trump, o Irã é o único que não possui “conjunturas de instabilidade institucional e política, bem como de conflitos armados prolongados”, lembra ­Bruno Camponês, pesquisador do Oriente Médio no Instituto de Relações Internacionais da USP.

Sob a justificativa de que o Iraque fabricava armas de destruição em massa e de que a nação governada pelo ditador Saddam Hussein deveria recuperar sua democracia, uma coalizão liderada pelos Estados Unidos invadiu o país em 2003. Mesmo vitoriosa, a invasão, que culminou com a deposição de Hussein, deu início a uma instabilidade que afeta o país até hoje. Anos após a invasão, os próprios norte-americanos admitiram não ter encontrado nenhuma arma de destruição em massa durante a ocupação. Na época, xiitas e sunitas, como a Al Qaeda, se ­armaram para combater as forças ocidentais e lutar uns contra os outros. Também nesse período formou-se o embrião do que viria a ser o hoje temido Estado Islâmico (EI, ou Isis). Com a Primavera Árabe e a guerra civil na Síria, as fronteiras se desestabilizaram e surgiram novos combates entre xiitas e sunitas. Em 2014, o EI iniciou sua missão de instaurar um califado muçulmano no país e na Síria, com saques e assassinatos em massa. Atualmente o exército iraquiano tenta contra-atacar o grupo extremista e o país segue na instabilidade.

Cidade Nova • Abril 2017 • nº 4


Síria

Somália

Habitantes 17,95 milhões

Território 185.1801 km²

Idioma Árabe

Moeda Libra síria

Religião predominante Islamismo sunita

Habitantes 10,8 milhões

Território 637.657 km²

Idioma Somali e árabe

Moeda Xelim somali

Religião predominante Islamismo sunita

Suposta ameaça

Suposta ameaça

Inspirada na Primavera Árabe, a guerra civil na Síria começou com protestos pacíficos fortemente reprimidos pelo exército em 2011. No mesmo ano, desertores das forças armadas formaram o Exército Sírio Livre e montaram unidades de combate. Os sunitas são os opositores, enquanto o governo é formado por alauítas. Em 2013, o EI se aproveitou das guerras síria e iraquiana para lutar ao lado da oposição. Posteriormente, o grupo extremista passou a atacar todas as ­facções indiscriminadamente, reivindicando hegemonia total na região. A expansão foi grande o suficiente para diversos países ocidentais, entre eles os EUA, iniciarem uma intervenção armada contra os rebeldes com a justifica­ tiva de defender a segurança e a estabilidade da ­região e do Ocidente. “A Síria está há cinco anos em violenta guerra ­civil que gera ondas de refugiados”, afirma Camponês. Segundo organizações de direitos humanos, mais de quatro milhões de sírios já teriam buscado refúgio do conflito no exterior.

Há décadas sem um governo central efetivo, o país africano segue imerso em uma guerra civil com a disputa de grupos rivais pelo poder nacional. “A Somália está em situação que teóricos americanos chamam de ‘Estados falidos’ (colapso total das autoridades nacionais e confrontação armada entre grupos locais) desde o início da década de 1990”, explica Camponês. Em fevereiro deste ano, o primeiro-ministro Mohamed Abdullahi Farmajo foi eleito presidente pelo Parlamento somali. A vitória, infelizmente, não significa paz: foram registrados novos ataques do Al Shabab, grupo islâmico radical ligado à Al Qaeda, que promete derrubar o novo governo. Radicais ligados ao EI também protagonizam ataques e conquistas territoriais. O conflito interrompe a agricultura e a distribuição de alimentos no sul do país, que enfrenta grave crise alimentar. O resultado dessa instabilidade é uma grande quantidade de somalis saindo do país em busca de uma vida mais digna em outras partes do mundo.

Iêmen

O grupo, respaldado pelo Irã, também xiita, expandiu seu território até conquistar a capital do país, em 2014. O então presidente Abd Rabbuh Mansur Hadi fugiu para a Arábia Saudita, país que passou a liderar uma aliança para conter o avanço dos xiitas, com apoio dos Estados Unidos. A ofensiva é feita por meio de bombardeios que massacram civis e limitam o envio de armamentos para os houthis. Para piorar, a Al Qaeda e o EI possuem grande influência no país. Mais de 180 mil iemenitas deixaram o país desde o início dos conflitos, de acordo com o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur).

Habitantes 23,83 milhões

Território 527.968 km²

Idioma Árabe

Moeda Rial iemenita

Religião predominante Islamismo

Suposta ameaça Pouco comentada na imprensa, a guerra civil no Iêmen já dura dois anos e matou mais de 10 mil pessoas. O conflito começou a se delinear na Primavera Árabe, quando os rebeldes xiitas houthis participaram de protestos contra o então governo sunita.

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Líbia

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Sudão

Habitantes 6,4 milhões

Território 1.759.540 km²

Idioma Árabe

Moeda Dinar líbio

Religião predominante Islamismo sunita

Habitantes 44,63 milhões

Território 1.886.068 km²

Idioma Árabe e inglês

Moeda Dinar sudanês

Religião predominante Islamismo sunita

Suposta ameaça

Suposta ameaça

Em 2011, a Primavera Árabe na Líbia foi acompanhada por uma guerra civil e pela intervenção militar internacional liderada pela Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). A missão acabou com a queda e morte de Muamar Kadafi, há mais de quatro décadas à frente de um governo antiamericano e pró-Palestina. A “libertação” da Líbia resultou em 30 mil mortes. Desde então, o país africano realizou duas eleições parlamentares, ainda insuficientes para conciliar os interesses dos variados grupos suprimidos por Kadafi. Na prática, o país possui dois governos rivais no poder atualmente. Eles lutam pelo apoio de milhares de ­milícias do país, cada dia mais dividido. Reconhecido pela comunidade internacional, o Conselho de Representantes ganhou as eleições de 2014 e está baseado na cidade de Tobruk, no leste do país. Já o islâmico Congresso Nacional Geral não conta com reconhecimento mas governa na capital, Trípoli, sob a bandeira da coalizão de milícias islâmicas “Amanhecer”. Vencedor do pleito anterior, em 2012, o grupo afirma que sofreu golpe e se recusa a deixar o poder. Em meio a esse caos, a Líbia tornou-se mais um país afetado pelo EI, que controla duas de suas cidades e mantém um campo de treinamento para terroristas internacionais. A expansão do grupo no norte da África é vista pelos Estados Unidos como uma ameaça. “Na realidade, não há países que ameaçam a segurança dos EUA. No mundo atual as ameaças vêm de atores não estatais como os grupos considerados terroristas que se abrigam em alguns Estados por conta, principalmente, da incapacidade desses Estados de lidarem com eles”, opina Aguilar, da Unesp.

Após conquistar a independência, em 1956, o Sudão se envolveu em conflitos que se arrastam até hoje. Guerras civis envolvem o governo muçulmano, milícias árabes apoiadas por ele e rebeldes de diversos grupos religiosos e étnicos minoritários, especialmente cristãos não árabes. O conflito em Darfur, no oeste do país, foi classificado pela ONU como genocídio e como a pior crise humanitária do século 21. Há relatos de estupros, assassinatos e roubos nos combates que deixaram ao menos 300 mil mortos e 2,5 milhões de deslocados. Em 2011, outra guerra civil entre muçulmanos e não muçulmanos do norte e do sul resultou na separação dessas regiões e na criação de um novo país: o Sudão do Sul. Os EUA submetem o país africano a um embargo comercial desde 1997, quando o governo norte-americano acusou a capital, Cartum, de apoiar grupos ­islamitas violentos. O ex-líder da Al Qaeda Osama Bin Laden viveu em Cartum de 1992 a 1996. Ao mesmo tempo, o Sudão é um dos países que mais recebem investimentos de Washington devido aos seus campos de petróleo.

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Análise O que há de comum entre eles? O pesquisador Bruno Camponês aponta três conexões entre os países: 1 São compostos por maiorias muçulmanas 2 Com exceção do Irã, todos apresentam conjunturas de instabilidade institucional e política, bem como de conflitos armados prolongados 3 Nenhum cidadão desses países cometeu qualquer atentado terrorista em território dos Estados Unidos – esse é o principal motivo pelo qual uma das cortes federais norte-americanas decidiu suspender a ordem executiva assinada por Trump

Quem ficou de fora? A Arábia Saudita teria tudo para estar na lista, mas, ficou de fora por ser o principal aliado dos EUA no Golfo Pérsico – importante pela navegação e petróleo. “Em 11 de setembro de 2001, dos 19 envolvidos, 15 eram cidadãos da Arábia Saudita”, diz Camponês. Segundo ele, os EUA sabem que funcionários do governo saudita ajudaram diretamente os terroristas em 2001, além de apoiar o EI e a Al Qaeda em 2016 com logística e recursos. O Paquistão e o Afeganistão, onde grupos terroristas estão presentes, também não foram incluídos. “Não estão claros os critérios que levaram a considerar cidadãos oriundos desses países uma ameaça mais grave do que nacionais de outros países onde essas redes também se fazem presentes”, diz Antonio Jorge Ramalho, professor de Relações Internacionais da UnB.

A proibição resolve alguma coisa? Para Camponês, não. “Objetivamente nenhum indivíduo oriundo daqueles países cometeu atentados terroristas nos Estados Unidos. Além disso, penso ser absurda a ideia de que o Islã é incompatível com a tradição do Ocidente e lhe representa ameaça.” Já Aguilar acredita que a eficácia é parcial. “As medidas para dificultar ou até impedir a entrada de estrangeiros diminuem, mas não impedem a possibilidade da entrada de terroristas. Então, o resul-

tado é parcial na proteção dos EUA e dos cidadãos norte-americanos.” Para Cristina Soreanu Pecequilo, professora de Relações Internacionais da Unifesp, “a política de Trump possui um conteúdo xenófobo e nacionalista que atinge um espectro amplo de nações e não faz diferença ao status do cidadão”. Ainda segundo ela, “as medidas não terão nenhum resultado efetivo positivo, elas somente geram mais xenofobia, mais racismo, mais diferenciação entre as pessoas.”

Qual seria uma alternativa mais efetiva? Mesmo com todo o esforço dos EUA e aliados na “luta contra o terror” após o 11 de setembro, não houve diminuição na ameaça terrorista e o mundo está ainda mais instável. O Escritório de Coordenação Contra-Terrorista registrou 348 ataques internacionais em 2001. Em 2016, o número superou os 11 mil. “Se pensarmos friamente a maior parte dos conflitos que resultam na crise migratória são provocados ou potencializados pelas grandes potências, as mesmas que agora adotam medidas para dificultar a migração e a concessão de refúgio”, diz o coordenador do Observatório de Conflitos Internacionais da Unesp. O especialista indica a necessidade de uma mudança na política estratégica de grandes potências para lidar com a questão. “Uma alternativa mais efetiva se daria a longo prazo, com o envolvimento mais construtivo em países em conflito, de modo a diminuir a aversão – menos intervenção militar e mais ajuda humanitária, de reconstrução, de fortalecimento da governança etc.” Para Camponês, se o governo Trump, assim como novos partidos xenófobos na Europa ocidental, realmente acreditam que refugiados e imigrantes, sobretudo aqueles que professam a fé islâmica, são uma ameaça à segurança nacional, seria fundamental que ajudassem a resolver os problemas do Oriente Médio, como as guerras. “O governo Trump poderia retirar seu apoio à operação militar da Arábia Saudita no Iêmen, que tem vitimado a população civil do país mais pobre do mundo árabe”, exemplifica.

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