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martina cavalcanti revista@cidadenova.org.br
presidente DONALD TRUMP O bilionário surpreende com a sua vitória enquanto o mundo especula se as promessas extremistas serão de fato praticadas, o que poderia colocar em risco a ordem mundial como a conhecemos 28
Cidade Nova • Dezembro 2016 • nº 12
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Michael Vadon
Meu (não tão) querido
ontrariando os institutos de pesquisa, que da vam 90% de chance de vitória à democrata Hillary Clinton, o empresário Donald Trump surpreendeu ao vencer as eleições dos Estados Unidos e tomará a frente da maior economia mundial no dia 20 de janeiro. Com um discurso conservador e protecionista, o bilionário promete mudar os rumos da sociedade norte-americana e as relações do país com o mundo. A vitória inesperada e suas consequências ain da são um grande ponto de interrogação, mas já dão
vazão a análises sobre o presente e o futuro da sociedade norte-america na e de seus parceiros globais. Para especialistas consultados por Cidade Nova, suas promessas ex tremadas dificilmente irão se con cretizar, o que já é possível notar pelo abrandamento do discurso de Trump após a vitória. Mas o recrudes cimento do mercado interno pode se tornar realidade e afetar o comércio exterior e a política externa.
Da campanha à realidade O novo comandante da Casa Branca recheou sua campanha de promessas radicais como construir um muro na fronteira com o Méxi co e expulsar mais de 11 milhões de imigrantes do país. As propostas as sustaram muitos latinos que vivem no país, mas dificilmente se torna rão realidade, principalmente pelo alto custo implicado. A construção da barreira de 1.600 km com o país vizinho custaria de US$ 15 bilhões a US$ 25 bilhões, de acordo com pesquisa do Bernstein Research. Durante a campanha, o republi cano afirmou que seria responsabi lidade do México pagar pelo muro sob pena de sanções econômicas. Após a vitória de Trump, o país vizi nho afirmou que não arcará com os custos da obra. Já a deportação de ilegais poderia chegar aos US$ 620 bilhões, de acordo com estudo de 2015 da American Action Forum. Segundo a pesquisa, o processo du raria 20 anos. Outro fator que pode frear as intenções do novo presiden te é a oposição do próprio Partido Republicano, pelo qual foi eleito. Diante das dificuldades, Trump tem adotado um tom mais conci liatório desde que venceu as elei ções. Em entrevista ao programa 60 Minutes, da rede de TV CBS, o presidente eleito confirmou que cumprirá sua promessa de deportar
imigrantes sem documentos, mas reduziu o número de 11 milhões a 3 milhões – quantidade de ilegais que possuem fichas criminais. Ele também considerou cons truir uma cerca, e não um muro, em alguns pontos da fronteira no sul do país. Só depois do fortalecimen to da fronteira, o governo decidirá o destino de outros ilegais. Apesar de afirmar que “são pessoas fantás ticas”, o presidente eleito já chama ra os mexicanos de “estupradores” e traficantes de drogas. Essa versão mais light da política de Trump para os imigrantes é pa recida à do atual presidente Barack Obama, a quem Trump chegou a denominar como o pior presiden te da história dos EUA. Ao longo de seus oito anos de governo, o democrata deportou 2,5 milhões de pessoas e anunciou há dois anos a expulsão de ilegais com ficha cri minal. Trump também se aproxima de Obama quando afirma na entre vista estar disposto a manter alguns itens do Obamacare, programa que garante o acesso dos americanos a planos de saúde criados pelo atual governo. Durante a campanha, o conservador prometia revogar inte gralmente a medida. As falas reforçam a tendência de abrandamento das promessas eleito rais durante o governo. “Na campa nha eleitoral, 99% é bullshit (bestei ra, em inglês). Nos EUA, o presidente não faz tudo o que quer porque de pende muito do Legislativo”, afirma o professor Paulo Wrobel, do Insti tuto de Relações Internacionais da PUC-Rio. Apesar das limitações, o novo presidente sai fortalecido, já que o Partido Republicano domina a Câmara e o Senado. Além disso, o empresário deve escolher quatro juízes para a Suprema Corte, que conta com oito membros. “Ele terá o controle do Legislati vo, do Executivo e do Judiciário. É
muito preocupante”, alerta o cien tista político e professor de Relações Internacionais da Faculdade Rio Branco da ESPM e da Facamp, Pedro Costa Júnior. “Mas ter essa maioria não significa que a vida dele será fácil. Ele é um outsider e jamais foi o candidato preferido dos republi canos”, pondera.
O mundo inteiro de olho Tradicionalmente, o Partido Re publicano defende o livre comércio, opondo-se a medidas protecionistas. Trump, porém, inverteu essa lógica ao propor a renegociação dos acor dos comerciais que, segundo ele, custam caro aos EUA. Ele promete concentrar esforços para fortalecer a indústria interna e a infraestrutura do país, preservar empregos e reduzir o déficit americano nas transações com o mundo. Entre as propostas do empresário estão a de taxar produ tos chineses em 45%, não participar mais da Parceria Transpacífica (TPP), acordo de livre comércio com a Ásia, e reduzir os compromissos financei ros com a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). Para os especialistas, é imprová vel que Trump concretize suas pro messas. “Dificilmente ele vai con seguir taxar os produtos chineses. Não dá para competir com mão de obra chinesa barata e as condições de trabalho no país”, analisa Al fredo Juan Guevara Martinez, pes quisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Estudos sobre Estados Unidos (INCT-INEU). “Os EUA são a maior economia do mundo justamente por ter o melhor comércio exterior do mundo. Por mais protecionista que seja, o país não poderá se fechar totalmente”, diz, por sua vez, Carlos Portella, vi ce-presidente executivo da Associa ção de Comércio Exterior do Brasil (AEB). Segundo ele, os EUA seguem Cidade Nova • Dezembro 2016 • nº 12
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internacional uma tendência mundial de se voltar ao mercado interno, algo já aplica do pela China, que, nem por isso, deixou de ter considerável partici pação nas transações globais.
Outro tema que causa incertezas sobre a política externa de Trump é o Oriente Médio. O presidente elei to prometeu rever o acordo nuclear com o Irã, não interferir na questão dos assentamentos em Israel e acabar com o Estado Islâmico (EI). Segundo os especialistas, as medidas atendem aos interesses de Israel e geram uma inédita aproximação com a Rússia, que deve ganhar mais espaço no Oriente Médio no combate contra o EI junto aos EUA. Para Wrobel, se mantiver a política isolacionista, os EUA podem chegar a se afastar dos conflitos na região. Já Martinez acredita que haverá mais agressivi dade em questões pontuais. “Apesar do unilateralismo, o Oriente Médio sempre vai ser polo inimigo”, afirma. Ao voltarem para si mesmos nos próximos quatro anos sob o slogan de Trump Make America great again (“Fazer os Estados Unidos grandiosos novamente”), os EUA podem perder protagonismo e influência no cená rio externo, o que deve abrir espaço para outras lideranças globais, anali sa Costa. “Quem tende a ocupar esse espaço são Rússia e China, países que mais comemoram a vitória de Trump”, diz o cientista político. Para ele, se isso acontecer, “teremos um mundo multipolar, menos unilateral e com menos influência dos EUA.”
se souber aproveitar a oportunidade. “Se os EUA resolverem taxar impor tações do mundo, eventualmente nos beneficia porque a China com praria menos dos Estados Unidos e importaria mais soja do Brasil”, pre vê o representante da AEB. Segundo ele, o país, que representa apenas 1% do comércio global, tem muito a fazer se quiser assumir um papel de destaque nas exportações mun diais. “Sem uma reforma tributária, trabalhista, previdenciária, investi mento em infraestrutura e logística, vamos continuar nessa porcentagem absurda do mercado mundial”, diz. Os norte-americanos são o segundo maior importador do Brasil, perden do apenas para a China. Para o ex-embaixador do Brasil em Washington Rubens Barbosa, as relações entre os dois países ten dem a aumentar à medida que o Brasil volte a crescer e tenha regras econômicas mais claras. “Diferente de outros países da América Latina, não temos problemas de drogas, imi gração e nem contrabando”, destaca. Wrobel ressalta que o Brasil ain da é insignificante como jogador internacional e a relação entre os dois países depende mais de nossos desenvolvimento industrial e recu peração econômica. “O comércio anual dos EUA com México é sete vezes maior que entre Brasil e EUA. Com a China, é dez vezes maior”, afirma. “O país optou politicamente por ser exportador de commodities, especialmente para a China, o que eu acho um absurdo. O Brasil tem que se industrializar para se tornar mais competitivo.”
E o Brasil com isso?
Mundo mais conservador
O Brasil e a América Latina não foram tratados como temas prioritá rios durante as eleições norte-ameri canas, mas, segundo Portella, o nos so país pode se beneficiar da eleição
As promessas de trazer de volta empregos industriais e deportar imi grantes, além da espontaneidade de Trump durante a campanha, encon traram apoio principalmente entre
Oriente Médio
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trabalhadores brancos sem formação superior. Eles estariam cansados da política tradicional e do politicamen te correto representados por Clinton. “Trump é um self-made man, um empreendedor, um bilionário que fala a linguagem do povo e é capaz de apontar dedo para Washington e Wall Street”, afirma Costa. Para Wrobel, Trump soube capi talizar esse cansaço do cidadão com as tramas políticas, uma tendência em diversos países. “A eleição mos trou que os EUA apesar de ser mul tirracial e multicultural, demogra ficamente possui mais de 70% de população branca, que tende a ser conservadora, principalmente fora das grandes cidades”, afirma. “Hou ve engano na mídia liberal america na de achar que os EUA se resumem à vida de quem mora em Nova York, Chicago e Los Angeles.” Mesmo que algumas das propos tas de Trump não saiam do papel, o simples fato de ele ter sido eleito com esse programa de governo é sin tomático de uma guinada ao conser vadorismo e à antiglobalização nos EUA e em grande parte do mundo. Outros sintomas dessa tendência são o Brexit – saída do Reino Unido da União Europeia –, o avanço de po líticos conservadores e anti-imigra ção na Europa – como a tendência de vitória da ultradireitista Marine Le Pen, que promete construir um muro entre a França e a Síria –, a vi tória do “não” no acordo de paz en tre o governo colombiano e as Farc e a ascensão de governos neoliberais na América Latina. “É um processo global de ten tativas ainda pequenas que pode desembocar no freio do ritmo da globalização, que a sociedade en tendeu como um ritmo intenso de mais desde o fim da Guerra Fria”, explica Wrobel. “Trump não está inventando nada, mas sim, fazendo parte deste processo.”