cn em série Corrupção
martina cavalcanti revista@cidadenova.org.br
Tudo sob controle? ÓRGÃOS DE CONTROLE Na última reportagem da série sobre corrupção no Brasil, Cidade Nova tenta responder à pergunta: a atuação da Polícia Federal, do Ministério Público e da Corregedoria-Geral da União pode ser mais efetiva no combate às irregularidades?
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Brasil ocupa o 72º lugar entre os países mais corruptos do mundo, de acordo com ranking da ONG Transparência Internacional, em classificação que abarca 175 países. O país ficou com nota vermelha na avaliação: 4,2 numa escala de 0 a 10. Já o prejuízo econômico com a corrupção pode chegar aos R$ 69 bilhões por ano, o que equivale a 2,3% do PIB brasileiro, segundo estimativas de 2010 da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). A corrupção afeta o nível de investimento na economia e gera impactos negativos em áreas cruciais para o desenvolvimento, como educação, saúde, habitação e infraestrutura. Em tempos de contenção de despesas devido à crise econômica, o combate à corrupção se faz ainda mais urgente. Além da delação premiada e das Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs), temas das duas reportagens anteriores desta série, órgãos de controle como Polícia Federal (PF), Ministério Público (MP), Poder Judiciário, Tribunais de Contas e Corregedoria-Geral da União (CGU) são imprescindíveis no combate a ações irregulares na esfera pública. E eles têm se destacado nos casos mais recentes de corrupção.
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Compartilhamento A Operação Lava Jato, que investiga irregularidades geradoras de prejuízo superior a R$ 6 bilhões à Petrobras, é tocada por uma força-tarefa composta por PF, MP e Judiciário. A ação conjunta tem dado celeridade às investigações e aos processos judiciais. Até o fechamento desta edição R$ 500 milhões já haviam sido recuperados. Na força-tarefa, as funções de cada órgão se complementam. Enquanto a Polícia Federal investiga e deflagra operações com mandados de busca e prisão emitidos pela Justiça, o Ministério Público entra com ações contra os beneficiários do esquema, que serão posteriormente julgados – e eventualmente condenados – pela Justiça. “Com a constituição da força-tarefa vários órgãos trabalham juntos ao invés de ficar brigando e sonegando informação porque [um] quer faturar sozinho o caso. Se a investigação for bem feita, todo mundo será reconhecido”, afirma o professor de Ciências Sociais da PUC-Rio, Ricardo Ismael. Outro exemplo de parceria é a realização de 14 operações integradas entre CGU, PF, MP e Receita Federal no primeiro semestre deste ano. As investigações permitiram
identificar desvios de recursos públicos no valor de R$ 37 milhões entre fraudes em licitações e contratos, além de sobrepreço e superfaturamento na execução de programas de governo. A CGU é responsável pelo controle interno dos órgãos públicos, relacionando-se diretamente com
a Presidência da República. Desde 2003, sob supervisão da controladoria, 5.390 servidores públicos foram expulsos por envolvimento com corrupção e outros atos ilícitos, uma média de mais de uma por dia. Apesar dos avanços, ainda é necessário que a ação conjunta expanda o plano federal, atingindo também as esferas estadual e municipal, defende Ismael. “É um aspecto-chave a integração do ponto de vista mais horizontal, entre órgãos federais, e vertical, de federais com subnacionais. Essa união é fundamental para aumentar a base de dados e resolver casos de corrupção”, diz. A ação isolada tende a ser ineficaz em uma federação como Brasil, cujos poderes são separados e autônomos, o que justifica a necessidade das parcerias, acrescenta José Maurício Conti, professor de direito financeiro da Universidade de São
controle dos fluxos de capital pelo mundo, segundo Carlos Ari Sundfeld, professor de Direito da Fundação Getúlio Vargas. “No Brasil, há vários anos, vêm se desenvolvendo os órgãos do governo que ajudam no controle de recursos e na relação com órgãos correspondentes em outros países. É a melhoria tecnoló gica que ajuda a rastrear essas informações no exterior”, reforça. A Receita Federal e o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) têm papel importante no rastreamento de contas. Por meio dessa ação, é possível encontrar dinheiro público desviado que foi depositado em contas estrangeiras. A novidade limita ainda mais a ação de corruptos que acreditavam sair impunes depositando verbas ilícitas em paraísos fiscais. Para Conti, a desburocratização, tanto nos órgãos de controle internos quanto nos externos, é mais um ponto positivo para a efetividade da ação dessas entidades. “Ambos têm procurado atuar no sentido de fiscalizar mais a qualidade do gasto público do que o registro formal das despesas públicas. Isso é relevante porque a constatação de irregularidades formais não tem sido suficiente para evitar prejuízos aos cofres públicos”, observa. Como exemplo, o especialista destaca a eficiência da CGU, sob a gestão do ministro Jorge Hage, na identificação de irregularidades e o desbaratamento da máfia do INSS, investigação iniciada pelo órgão de controle interno executivo do município de São Paulo.
Paulo. “É necessário informação de todos os órgãos e setores. O compartilhamento aumenta a eficiência e facilita as ações desses órgãos.”
Destaques Para Ismael, a investigação compartilhada é o terreno que mais tem evoluído, tornando mais eficiente a ação dos órgãos de controle. “Os órgãos não estão funcionando 100% bem ainda, senão não teríamos o escândalo na Petrobras. Mas as descobertas da Operação Lava Jato e as condenações do Mensalão apontam para o fortalecimento das instituições, que melhoram à medida que conquistam mais autonomia”, afirma o professor. Outro avanço desses órgãos se dá pelos meios eletrônicos, que têm facilitado as comunicações, melhorando a atuação das instituições no
Acordo de cooperação contra a corrupção. Da esquerda: Marcus Vinicius Coêlho (presidente da OAB), Rodrigo Janot (procurador-geral da República), Ricardo Lewandowski (presidente do STF), José Eduardo Cardoso (ministro da Justiça), Luis Inácio Adans (advogado-geral da União)
José Cruz | Agência Brasil
Dificuldades Mas nem só de elogios vivem os órgãos de controle. De acordo com os especialistas, alguns entraves ainda precisam ser superados. Para Conti, os órgãos deveriam aumentara Cidade Nova • Setembro 2015 • nº 9
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cn em série Corrupção i ntensidade de atuação para dar conta de tudo o que há para ser fiscalizado. “Quanto maior o número de servidores, mais as instituições poderão atuar”, opina. Conti observa ainda que a influência política resultante da indicação de nomes para essas entidades compromete as investigações e é algo que deve ser evitado para garantir a autonomia. Outro problema é a falta de prevenção. Na opinião de Ismael, a ação preventiva deveria ser mais valorizada por essas instituições, que acabam esperando os escândalos de corrupção estourarem para começar a atuar. “As instituições de controle estão aí, mas, por alguma razão, estão bloqueadas e só passam a investigar quando surge a denúncia”, explica. “Os mecanismos de controle têm que agir preventivamente, de maneira a inibir a corrupção ou torná-la mais residual. Quando o leite é derramado, fica mais complicado.” Já Sundfeld acredita que o combate à corrupção é limitado pelo lento andamento dos processos judiciais. “O que estamos assistindo na Lava Jato tem impressionado muito, mas os processos ainda estão na primeira instância e preveem muito mais recursos do que seria razoável”, critica. O especialista defende a revisão do processo penal e da legislação penal para que a justiça criminal possa concentrar seus esforços em casos importantes, como os de corrupção.
Legislação Muitas leis foram criadas para combater a corrupção e auxiliar os órgãos de controle nessa missão nos últimos anos. É o caso da Lei de Acesso à Informação, aprovada em 2012, e da Lei Anticorrupção, que vigora desde o ano passado, como resposta aos protestos de junho de 2013. Mas será que elas funcionam na prática? 20
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Para Sundfeld, a Lei Anticorrup ção, que responsabiliza empresas por atos ilícitos, é ruim e serve menos para combater a corrupção do que para gerar confusão. “[A lei] não tem colaborado para absolutamente nada e muitas vezes promove até mesmo injustiças. Ela foi editada com objetivo de fazer propaganda após as manifestações em 2013. Mas é ineficaz e, inclusive, atrapalha.” É unanimidade entre os especialistas que o país já possui uma quantidade de leis suficiente. Para eles, o que falta é aplicá-las. “A legislação é razoavelmente adequada. A falha está mais no não cumprimento da legislação do que na necessidade de modificá-la”, resume Conti. Para Ismael, o maior problema é a falta de autonomia. “Já temos quantidade de leis suficiente sobre a corrupção. O problema é que, sem autonomia, os órgãos de controle são impedidos de ir ao fundo da corrupção”, afirma. “E, se a investigação for mal feita, o responsável vai ficar livre.”
Autonomia Propostas de Emenda Constitucional (PECs) que poderão dar autonomia administrativa e orçamentária à CGU e à PF aguardam votação no Congresso. Para Sundfeld, os projetos não passam de pautas corporativas para atrair mais recursos salariais e não representam a busca por mais eficiência. Além disso, ele ressalta que a PF já tem bastante autonomia e que sua vinculação com o Ministério da Justiça é importante para corrigir desvios que às vezes acontecem no interior da própria polícia. “É claro que os advogados têm que ter autonomia para trabalhar, assim como o médico tem que ter autonomia para tomar as decisões necessárias sem consultar o prefeito. Mas sou cético em relação à tese
de querer reforçar a qualidade da atuação da PF e da CGU, desvinculando-os do Executivo. Isso resultaria na diminuição da eficiência desses órgãos”, na opinião do analista. Conti também vê riscos na medida. “A autonomia pode ser utilizada somente para fins internos e corporativos e acaba não tendo vantagem na fiscalização pública”, observa o professor. Já Ismael considera importante manter a autonomia dos órgãos de controle em termos operacionais, desde que eles sigam prestando contas à Presidência.
Desafios Melhorar a eficiência da gestão é o principal desafio, na opinião de Sundfeld. “Temos muitos órgãos de controle, uns atuando sobre os outros e olhando para a administração pública de maneira formalista. Há menos eficiência porque as autoridades têm medo de cair nas malhas dos órgãos de controle por uma besteira qualquer”, afirma. Para Ismael, autonomia e transparência são as palavras-chaves para tornar os órgãos mais eficientes. O especialista destaca a necessidade de haver publicidade de licitações do governo e respeito à Lei de Acesso à Informação para garantir investigações cada vez mais precisas e permitir que o cidadão comum possa investigar irregularidades. “A transparência nas licitações e nos gastos dá margem para que o cidadão comum, o pesquisador, a oposição e a imprensa fiscalizem”, diz. Segundo ele, é óbvio que o cidadão não pode investigar um esquema de corrupção sozinho, mas a participação mais ativa da sociedade na fiscalização da corrupção pode gerar um efeito muito positivo na administração pública, ao desencorajar atos ilícitos.