A carga aérea pode decolar no Brasil?

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martina cavalcanti cartas@cidadenova.org.br

A carga aérea pode decolar no Brasil? LOGÍSTICA Enquanto o transporte aéreo de passageiros tem batido recordes nos últimos anos, o transporte de carga continua patinando. Na última reportagem da série, entraves e perspectivas desse modal

O

s aeroportos estão cada vez mais presentes no cotidiano dos brasileiros. Em dez anos, a demanda por transporte aéreo doméstico de passageiros registrou alta de 234%. Só em 2012, o Brasil teve o segundo maior crescimento no setor, perdendo apenas para a China, de acordo com pesquisa da Associação Internacional de Transporte Aéreo (Iata). No entanto, o uso de aviões para transporte de carga ainda não decolou. De 2006 a 2013, a movimentação da carga aérea evoluiu 65%, segundo dados da Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero). Mas o percentual não foi suficiente para ampliar a participação de 0,2% desse meio em relação aos outros segmentos logísticos do país. Conhecido como um dos maiores exportadores mundiais de commodities, produtos de alto volume e de baixo valor, o Brasil prioriza as rodovias, os portos e as ferrovias para escoar a produção agrícola. Ainda assim, o modal aéreo possui potencial de alçar voo. Segundo especialistas, se a economia brasileira continuar crescendo e se diversificando nos próximos anos, é grande a chance de a carga aérea aumentar

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sua relevância no comércio exterior e doméstico.

E-commerce “O custo do frete aéreo é de dez a 15 vezes maior do que o rodoviá­ rio”, calcula Olivier Girard, sócio da empresa Macrologística. Na opinião do empresário, o modal só compensa para cargas de valor elevado, com alto índice de roubos e que precisam chegar rapidamente ao destino. Eletrônicos, produtos de beleza e de vestuário são a maioria dos itens vendidos pela internet e que se encaixam nas características compreendidas como ideais para o transporte aéreo. “O aéreo representa 26% dos meios utilizados hoje pelo e-commerce e acreditamos que esse número aumentará nos próximos anos”, diz Mauricio Salvador, presidente da Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (ABComm). A Gollog, serviço de carga aérea da Gol, prevê que esse tipo de transporte triplique em 20 anos na América do Sul. Para a companhia, o aumento das vendas on-line, que ajuda a elucidar o acréscimo de 56% em 2011 do envio de mercadorias expressas pelos

seus serviços, deve ter grande responsabilidade na expansão. O modelo de negócios da Gollog baseia-se no aproveitamento do espaço das aeronaves da frota para transporte de cargas, o que torna os preços mais competitivos, pois os custos são, na sua maioria, cobertos pelo negócio de passageiros. “As tabelas dessas empresas, com­ paradas com a dos Correios, é mais barata e o serviço é de maior qualidade. Então, as empresas estão migrando”, informa Mauricio Salvador, representante dos lojistas on-line, para quem serviços como os que são oferecidos pela Gol têm sido mais utilizados em detrimento aos da empresa pública. “Se você contrata um e-Gollog, quando há um problema de extravio, é só ligar e resolver na hora. Já nos Correios, o prazo para uma solução é de 30 dias. Como você vai explicar para o cliente que ele terá de esperar todo esse tempo? Antes disso, ele vai acabar com você nas redes sociais”, alerta.

Descentralização Com o distanciamento das áreas de produção do polo consumidor, o transporte aéreo desponta como o


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mais adequado para cumprir prazos sem riscos para a imagem das empresas. “Em função da guerra fiscal entre estados, muitas operações de e-commerce foram para longe do consumidor. A maior parte dos consumidores está nas regiões Sudeste e Sul, enquanto há um número alto de centros de distribuição no Tocantins, no Amazonas, no Espírito Santo e em Minas Gerais”, diz Salvador. Ele ressalta também que Norte e Nordeste são as regiões que mais crescem proporcionalmente em relação a números de consumidores e de faturamento do e-commerce. A rota São Paulo-Manaus, onde fica a Zona Franca, grande centro produtor de itens tecnológicos, tornou-se a principal ligação aérea de transporte de carga do país. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a rota é res-

ponsável pelo transporte de 22,8% das 434 mil toneladas transportadas em 2010.

Infraestrutura Apesar do potencial aéreo da região, as dificuldades de infraestrutura limitam a expansão do modal na Zona Franca de Manaus. Alto custo do frete, irregularidade de voos, incompatibilidade de horários dos procedimentos fiscais e burocracia dos despachos aduaneiros são apontados pelas entidades empresariais da região como os principais problemas. O comércio eletrônico é prejudicado sempre que um avião atrasa. “No caso de perecíveis do e-commerce, como frutas, flores e vinhos, o atraso implica na perda de qualidade do item”, exemplifica Salva-

dor. Além da falta de pontualidade, ele destaca a escassa malha aérea e a sobrecarga dos aeroportos. Outra barreira é o reduzido espaço físico do aeroporto de Manaus. A discrepância entre alta demanda e escassez de pátios para as aeronaves também afeta outros importantes aeroportos brasileiros. Estudo feito pela McKinsey&Company a pedido do BNDES, em 2008, na área de importação, alertou que Viracopos (Campinas-SP) trabalhava com 140% da capacidade. Em exportação, Confins (Belo Horizonte) atingiu 130% e Salvador, 113%. Guarulhos (SP) estava em nível bastante elevado, de 84% (importação) e 78% (exportação). A pesquisa alerta que, caso não sejam feitos investimentos até 2030, todos os aeroportos brasileiros terão algum tipo de restrição em infraestrutura futuramente. Cidade Nova • Março 2014 • nº 3

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cn em série Carga pesada Investimentos A Secretaria de Aviação Civil admite que a infraestrutura brasileira está muito atrasada, mas garante que “o governo federal a está atualizando para parâmetros do século 21”. Entre as ações, o órgão enumera as concessões de exploração de cinco dos maiores aeroportos do país à iniciativa privada, a reforma de outros 21 aeroportos sob administração da Infraero, além do planejamento e da reforma e construção de mais 270 aeroportos regionais com investimento de R$ 7,3 bilhões. Nos últimos três anos, a Infraero calcula ter investido R$ 140 milhões na logística de carga. Para o perío­do 2014-2017, os investimentos previstos são de R$ 440 milhões. A estatal afirma que há investimentos específicos para a área de cargas nos aeroportos de Manaus e Porto Alegre, além do aeroporto de São Gonçalo do Amarante (RN), que é privado e está para ser inaugurado.

Combustível Outro impedimento para que a carga aérea emplaque é o custo. Apesar do preço médio por quilômetro voado ter baixado 48% entre 2003 e 2008, fazendo com que viajar de avião seja mais barato do que tomar ônibus em alguns casos, o frete para carga continua alto. Dados da Iata mostram que o combustível soma 43% dos custos operacionais das linhas aéreas no país, sacrificando US$ 400 milhões por ano. O motivo é a paridade entre o preço nacional com o importado dos Estados Unidos, o que resulta em uma grande distorção de mercado. A precificação em dólar ocorre apesar de 75% do combustível usado nos aviões brasileiros serem produzidos em refinarias nacionais. 16

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“A empresa acaba pagando em dólar pelo combustível e recebendo em reais pelo serviço prestado. Isso complica a situação e acaba inibindo a movimentação de cargas no país”, critica Olivier. Ele destaca também o excesso de impostos, que torna “muito mais barato encher o tanque em Buenos Aires do que em São Paulo”. Para o consultor, é necessário baixar a carga tributária sobre os combustíveis e precificar seu custo em real. A Gollog alerta que é necessário incluir no alto custo do transporte aéreo os benefícios de se ter o produto certo, no local correto, dentro do prazo acordado e em segurança. “Se computarmos o custo da venda perdida, da devolução da mercadoria e da imagem arranhada, veremos que o frete aéreo é uma solução logística acessível e viável”, argumenta a empresa. No entanto, ainda que esse custo seja reduzido e a eficiência do transporte aéreo cresça, o professor Marcio D’Agosto alerta que o modal continuará sendo o mais caro dentre os demais. “A capacidade de transporte de uma aeronave é muito menor e mais cara em relação a de um navio ou um caminhão no Brasil e em qualquer outro lugar do mundo e isso não vai mudar”, sentencia.

Alçando voo O valor elevado impede que o transporte aéreo de carga se popularize tanto quanto os outros modais, mas ainda há muito espaço para que esse meio cresça no Brasil. Basta observar sua maior presença nas economias mais desenvolvidas do planeta. A região da Ásia e Pacífico responde por 38,5% do transporte aéreo mundial de carga; a América do Norte tem participação de 23,3% no mercado; a Europa, peso de 21,5%; enquanto a América Latina,

responde por apenas 3,1% do transporte global, segundo dados da Iata. A Secretaria de Aviação Civil afirma que a consolidação aérea para a distribuição da riqueza brasileira é apenas uma questão de tempo. “Os modais se sobressaem em função da tecnologia empregada e dos custos envolvidos. Assim como já houve a era de preponderância dos trens, dos navios, dos caminhões, está se construindo a dos aviões”, aposta o órgão federal. Para impulsionar o segmento de carga aérea no futuro, a Gollog confia em fatores como crescimento do PIB, o estímulo nas vendas de eletrodomésticos durante a Copa do Mundo e as Olimpíadas e o acesso de milhares de brasileiros ao mercado de consumo. Tudo isso estimulado pela crescente alta das compras pela internet. Com dez milhões de novos consumidores em 2013, o e-commerce projeta crescimento de 27% neste ano e deve encabeçar o protagonismo aéreo nos próximos anos. “Por desconhecimento sobre os serviços oferecidos pela Gol, Azul e TAM e pelo fato de o setor aéreo ter sido pouco competitivo há alguns anos, muitas vezes as empresas ainda preferem os Correios”, observa Salvador. “Porém, de um ano para cá, a ABComm tem divulgado e incentivado fortemente o transporte aéreo de seus associados, o que deve ampliar seu uso.” Se as expectativas de investimentos do governo e as concessões se mostrarem suficientes para driblar os gargalos do setor aéreo, o país poderá usufruir das vantagens desse transporte em futuro próximo. Finalmente a potencial produção tecnológica chegará mais cedo às mãos dos consumidores brasileiros e, quem sabe, seu excedente poderá romper as fronteiras do país para elevar às alturas a competitividade do Brasil.


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