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martina cavalcanti revista@cidadenova.org.br
O que muda no Congresso? NOVO PARLAMENTO Com a diminuição da base governista, a oposição deve ganhar mais força no Congresso Nacional nesta legislatura, tida por analistas políticos como a mais conservadora desde a ditadura militar
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m uma das eleições mais acirradas da recente democracia brasileira, a diferença entre governo e oposição ficou menor não só na corrida presidencial, como também no número de deputados federais e senadores. Os partidos que apoiam a presidente Dilma Rousseff ainda são maioria e controlarão 304 cadeiras do Congresso. No entanto, os governistas perderam 34 vagas em relação à legislatura anterior. Já os partidos que apoiaram Aécio Neves ou Marina Silva conquistaram 30 cadeiras a mais e serão representados por 238 deputados nos próximos quatro anos. Na Câmara, entre os três grandes partidos, apenas o PSDB cresceu, com dez políticos a mais. No Senado, Dilma também man terá a maioria na Casa, já que o PMDB continua sendo a principal força, apesar de ter perdido uma cadeira; o PT também perdeu um senador. Os tucanos, por sua vez, têm duas cadeiras a menos. Na contabilização geral da Câmara, foram escolhidos 198 deputados em primeiro mandato e os reeleitos foram 70%. É a maior renovação da Casa desde a redemocratização, mas aponta para uma guinada ao conservadorismo. Quais são os riscos de uma bancada governista menor para a governabilidade de Dilma no próximo mandato? A democracia ganha com o aumento do poder da oposição no Legislativo? Cidade Nova entrevistou analistas e políticos para des-
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trinchar essas e outras questões que devem marcar os próximos capítulos da política nacional.
Conservadorismo As bandeiras levantadas por manifestantes durante os protestos de 2013 parecem não ter se refletido no resultado das eleições de outubro. É o que se conclui da composição das bancadas “informais” de lobistas, cuja finalidade é pressionar deputados na Câmara em benefício de determinados setores da sociedade. De acordo com um balanço parcial, realizado pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), é grande o número de empresários, ruralistas, evangélicos e parentes de políticos que foram eleitos deputados federais no último pleito. A configuração preocupa Antônio Augusto de Queiroz, diretor de documentação da entidade e analista político, para quem a nova legislatura é a mais conservadora desde a ditadura militar (1964-1985). O levantamento do Diap mostra o empresariado representado por 226 deputados em 2015, formando a maior bancada informal da Casa. “O empresariado atua no sentido de reduzir a carga tributária e vai jogar pesado para passar a flexibilização dos direitos trabalhistas, aproveitando que a bancada sindical decresceu de 83 para 50 parlamentares”, alerta Queiroz. Já os parlamentares ligados ao agronegócio somam 110, em segun-
do lugar na lista. Queiroz explica que “a eleição dessa bancada significará resistência a propostas com vistas a limitar o uso de agrotóxicos e a proteção ao meio ambiente, já que entre as pautas do grupo está a liberdade de produção e o poder de desmatar”. O especialista aponta também que o aumento da bancada evangélica, cujos deputados somam 75, deve trazer ainda mais resistência a temas delicados como a união homoafetiva, a legalização da maconha e a despenalização do aborto. O grupo da segurança, composto por 23 integrantes, entre delegados, policiais e apresentadores de programas televisivos sobre violência, deve fazer pressão para aprovar a redução da maioridade penal e o fim do desarmamento. Os nomes de deputados ligados a outros políticos somam 113 e compõem a bancada dos parentes, numa demonstração clara de que não houve efetiva renovação política na Câmara, na opinião de Queiroz. “As pessoas são escolhidas menos pela identidade com os programas partidários e mais pelo parentesco”, diz. Mais uma vez as personalidades tiveram destaque nesta disputa presidencial, ganhando milhões de votos que levaram uma série de outros membros de seus partidos ao Congresso de maneira indireta. O deputado com mais votos foi o apresentador de TV Celso Russomanno (PRB-SP), com o palhaço Tiririca (PR-SP) em segundo lugar, cada um com mais de um milhão de votos.
Marcos Oliveira | Agência Senado
O conservador Jair Bolsonaro (PP-RJ), que defende a ditadura militar, foi o terceiro deputado mais votado. Na quarta posição ficou Marco Feliciano, pastor evangélico que mantém discurso contra os direitos civis dos homossexuais. Desde a adoção do princípio da fidelidade partidária, em 2007, as bancadas suprapartidárias perderam muito peso, mas sua capacidade de pressionar parlamentares não deve ser descartada. “Os deputados não podem mais votar individualmente em desacordo com sua bancada partidária. Ainda assim, as bancadas informais terão importância para fazer lobby entre seus colegas de partido”, resume Queiroz. O deputado Vanderlei Macris, reeleito pelo PSDB-SP, discorda do suposto conservadorismo da próxima legislatura. “Existe um viés progressista muito forte no novo Congresso. A sociedade mostrou que ou você se sintoniza com a vontade do povo ou vai ter dificuldades”, afirma. Para o tucano, apesar do aumento das bancadas suprapartidárias mais conservadoras, a
aprovação de pautas humanistas só dependerá da pressão da sociedade nas ruas.
Governo O líder do PT na Câmara, deputado Vicentinho (SP), endossa a tese de que o Congresso ficou realmente mais conservador. Para exemplificar, o petista destaca a queda da representatividade de deputados que se assumem negros. Compunham 11% da Casa, na próxima legislatura eles serão apenas 4,5%. O parlamentar concorda também que a diminuição dos governistas na Casa tornou a situação mais difícil para Dilma. A solução, segundo ele, é investir no diálogo. “O governo precisa conversar muito com os partidos e buscar uma nova maioria. A própria presidenta está batendo nessa tecla”, resume. “O ideal será que deputados da base aliada se comprometam com projetos. Se for baseada em conteúdo, teremos uma relação boa”, sugere. Ainda assim, ele minimiza o peso que a oposição terá em 2015.
“É uma diferença pequena, não justifica a oposição continuar no palanque. Por muito menos que isso, Barack Obama [presidente dos Estados Unidos] e François Hollande [presidente da França] foram eleitos e a democracia continua forte nos países por eles governados.” O deputado reitera a importância de dialogar, mas, dessa vez, procurando aproximar-se da população que se dividiu durante o pleito e exige uma nova postura do governo. “Estamos de ouvidos bem abertos e já realizamos encontros do partido buscando melhorar nossa relação com o povo. É preciso humildade para melhorar cada vez mais”, define. Dilma foi reeleita com 51,64% dos votos contra 48,36% de Aécio. Para Queiroz, do Diap, o governo precisará dar uma “atenção especial” aos parlamentares para elevar o apoio. Segundo ele, as estratégias mais comuns – como negociar o conteúdo de políticas públicas, partilhar a gestão e liberar recursos do orçamento para as emendas parlamentares – não serão mais suficientes. “Será necessário levar os parlamentaresa Cidade Nova • Janeiro 2015 • nº 1
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cn em série Brasília 2015 audiências e reunir-se com eles em seus estados de origem”, prevê. O primeiro desafio à governabilidade de Dilma no Congresso já foi lançado: a disputa pela presidência da Câmara entre PT e PMDB, que hoje controla o posto. Os dois partidos majoritários se revezam no comando da Casa, mas a candidatura de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) quebrou a regra e já causa desconforto entre as legendas. O governo exigirá que o PMDB aja como o partido governista “que de fato é, já que a presidente é do PT e o vice é o peemedebista Michel Temer”, avisa Vicentinho. O Partido dos Trabalhadores lançará uma candidatura própria à eleição, que ocorrerá nos primeiros dias de fevereiro. “Com diálogo e resolvendo disputas regionais, é possível superar diferenças e trazer grandes nomes para a base”, opina Queiroz. Como exemplo ele menciona Alexandre Padilha (PMDB-RS). Cotado para ocupar algum ministério, o peemedebista já foi um dos principais adversários do PT no passado, mas hoje é um forte aliado. Outro caso de mudança drástica é o de Kátia Abreu, senadora pelo PMDB do Tocantins. Antiga opositora ao governo, também é sondada para assumir a pasta da Agricultura.
Reforma política O tema foi definido pela presidente como a prioridade de seu novo mandato, mas deve ser o segundo e maior desafio dessa gestão. Isso porque a bancada que apoia a petista no Legislativo terá quatro parlamentares a menos do que o necessário para aprovar emendas constitucionais. A proposta já fracassou no primeiro mandato, quando Dilma possuía uma base maior e tentou emplacá-la no Legislativo buscando atender as reivindicações dos protestos de 2013. 20
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Se depender dos parlamentares, a reforma não deve sair do papel, acredita Vicentinho. “Como entraram mais ricos e saíram mais pobres, teremos muita dificuldade se depender desse Congresso conservador”, alfineta. Uma saída defendida pelo partido é a realização de um plebiscito, que deixaria nas mãos do povo quais itens deverão entrar na pauta. Já Queiroz acredita que a configuração do Congresso não permitirá a aprovação do plebiscito, instrumento pelo qual o cidadão pode se manifestar sobre o assunto antes de uma lei ser constituída. Para ele, a participação social deve se dar através de referendo, uma consulta popular sobre a legislação previamente aprovada pelos parlamentares. Outro ponto prioritário é efetivar a participação feminina, que passou de 45 representantes para 51, um aumento de apenas 13%. Desde 2009, a legislação eleitoral obriga que ao menos 30% das candidaturas sejam femininas nas eleições para deputado federal, estadual, distrital e vereador, mas o efeito é tímido. “Os partidos fazem as cotas mas não dão condições e meios para que se amplie essa bancada. Ela só vai aumentar quando houver mudança na legislação para que haja paridade com lista fechada. Não faria sentido fazer reforma sem dar esse impulso”, defende Queiroz. Macris afirma que a oposição apoiará a proposta de reforma política defendida pelo candidato derrotado à presidência Aécio Neves. Na pauta do mineiro estão o voto distrital misto, mandato de cinco anos sem reeleição, cláusula de desempenho e fim das coligações proporcionais. “É importante que a gente tenha partidos com percentual mínimo de votos para que eles tenham direito a benefícios como o fundo partidário. Com mais
de 30 partidos no país, não teremos democracia.” Uma das características mais notáveis desse pleito foi o aumento da fragmentação da Câmara, com a representação de 28 partidos, seis a mais. A novidade pode dificultar ainda mais a possibilidade de reforma, já que as legendas mais fortes podem entender que serão prejudicadas nas próximas eleições se as regras do jogo mudarem.
Mudanças Para Vicentinho, o movimento popular de junho de 2013, em defesa de várias mudanças sociais e políticas, sofreu uma grande frustração. Por isso ele defende que a reforma priorize o financiamento empresarial de campanhas, de forma a garantir que candidatos com propostas sociais tenham chances mínimas de vencer. O representante do Diap acredita ser necessário que a sociedade se organize melhor para fazer valer sua voz nas políticas públicas. “As manifestações que aconteceram em 2013, pelo fato de terem sido convocadas por redes sociais, sem lideranças para negociar com o governo, levaram as pessoas a se identificar com a primeira liderança messiâ nica que apareceu, o que resultou em um Congresso conservador e atrasado do ponto de vista dos direitos humanos”, critica Queiroz. Já o PSDB tentará surfar na onda da insatisfação, mobilizando a sociedade a partir do Congresso e nas ruas. “O resultado eleitoral deu ao PSDB um protagonismo importante no próximo mandato”, afirma o deputado Vanderlei Macris. “Temos obrigação de fiscalizar o governo de maneira mais efetiva, porque 51 milhões de votos no partido (48,36%) mostram que a sociedade quer mudança.”