"Troféu de Guerra" (2006)

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Santos, 06 de junho de 2006

Gêneros Jornalísticos I

Reportagem Investigativa

Troféu de Guerra

Patrícia Rosseto

Há seis décadas, o casarão que abrigava a sede da Associação Japonesa de Santos e uma escola foi confiscado pelo Governo Federal por causa da Segunda Guerra Mundial. Agora, às vésperas das comemorações do Centenário da Imigração Japonesa no Brasil, o imóvel está na reta final para a devolução Matheus Henrique Misumoto - nº 59022 Maria do Céu Gomes Pinto - nº 59032 Patrícia Rosseto - nº 59065 Mil novecentos e trinta e sete. O Japão ataca a China nas proximidades de Pequim, seis anos após ocupar o nordeste do território em seu plano expansionista. A resistência chinesa, juntamente com o ataque alemão à Polônia em setembro de 1939, gerou o estopim para o início da Segunda Guerra Mundial (ver quadro). Em meio a bombas, mortes, destruição – e posteriormente a armas nucleares –, parte dos japoneses encontrou no Brasil um meio de se manter distante a tudo isso. Estes imigrantes vinham trabalhando em atividades agrícolas, comerciais e pesqueiras desde a chegada dos primeiros 781 imigrantes em Santos, a bordo do navio Kasato Maru em 18 de junho de 1908. Entretanto, o ataque a um navio brasileiro pelos alemães fez com que as colônias japonesa, alemã e italiana, que estavam aliadas à Alemanha, pagassem o preço. Literalmente. Simplesmente por serem descendentes de países do Eixo, tiveram seus bens e direitos confiscados pelo Governo Federal. O objetivo do decreto-lei nº. 4166, assinado por Getúlio Vargas em 1942, foi compensar os prejuízos que estes países pudessem causar ao Brasil. Além disso, com o anúncio da participação do Brasil como aliado dos Estados Unidos, os imigrantes tiveram que deixar, em um prazo de 24 horas, a cidade que os recepcionou rumo ao interior, deixando seus amigos, seus lares e parte da sua história. Lá passaram a trabalhar em fazendas agrícolas, escrevendo uma nova página na história da quase centenária imigração japonesa no País. Dentre os bens confiscados, um casarão mantido pela Sociedade Japonesa de Santos, atual Associação Japonesa de Santos, na Rua Paraná, número 129. O terreno foi adquirido no final de 1928, registrado no início de 1929 e ali a sede foi construída pelos próprios imigrantes. “O momento econômico era propício e ainda coincide com o incentivo financeiro por parte do governo japonês para os imigrantes”, afirma Sadao Nakai, presidente do Estrela de Ouro Futebol Clube, um dos clubes fundados pela comunidade japonesa em Santos. Ali funcionava a sede da Sociedade e uma escola, que não ensinava a fabricação de bombas, muito menos a jovens manusearem armas. Muito pelo contrário, ali abrigava uma escola que lutava para preservar a cultura e o idioma japoneses, diminuindo a distância entre suas origens. Nem a alteração do nome da escola para “Sociedade Instrutiva Vila Mathias” adiantou.

A 2ª Guerra Mundial (1939–1945) opôs os Aliados (Grã-Bretanha, Estados Unidos, China, França e União Soviética) às Potências do Eixo (Alemanha, Itália e Japão), tendo sido o conflito que causou mais vítimas em toda a história da Humanidade. Muitos outros países participaram na guerra, quer porque se juntaram a um dos lados, quer porque foram invadidos, ou por haverem participado de conflitos laterais. Tanto a Itália como o Japão entraram na guerra para satisfazer os seus propósitos expansionistas. As nações democráticas opuseram-se a estes desejos do Eixo. Estas nações, juntamente com a União Soviética, após a invasão desta pela Alemanha, constituíram a base do grupo dos Aliados. Dentre as conseqüências, mais de 45 milhões de mortos, o bombardeio atômico ao Japão, a destruição da Europa e a criação da ONU. Patrícia Rosseto

Jornal da época divulga ordem de retirada da colônia japonesa, alemã e italiana do litoral

A guerra se foi, mas ali começou uma verdadeira epopéia que se desenrola até os dias de hoje. Um novo decreto-lei, desta vez assinado pelo então presidente Eurico Gaspar Dutra em 3 de setembro de 1946, dissolvia as sociedades cujos países de origem eram do bloco do Eixo,

Comunidade iniciará discussão sobre futuro do imóvel Com a devolução já garantida, apenas faltando os procedimentos burocráticos e protocolares, a colônia japonesa de Santos deve inciar em breve as discussões sobre o futuro do imóvel da Rua Paraná. Segundo Sadao Nakai, presidente do Estrela de Ouro Futebol Clube, os debates envolverão representantes de entidades ligadas à colônia japonesa na Região. A maior possibilidade é de que o imóvel abrigue um centro cultural japonês. “Com isso, esperamos restaurar um processo cultural desativado pelo confisco da escola”.

Nakai ainda destaca a importância da devolução do imóvel às vésperas das comemorações do Centenário da Imigração Japonesa, a ser realizado em 2008 em todo o País. “Isso será um atrativo benéfico para a colônia japonesa e para a Cidade”, afirma. Santos ainda não está incluída no intinerário que a família imperial japonesa fará, caso venha participar das solenidades em 2008. Espera-se que a devolução do imóvel sirva de atrativo para que a Cidade seja incluída no roteiro.

além de incorporar à União todos os bens confiscados com o decreto-lei de Vargas. Dentre estes bens, a escola japonesa. Mais de 60 anos se passaram, e a escola ainda continua em poder do Governo Federal, que mantém ali um anexo de uma base de

alistamento militar. Mas desde aquela época, a comunidade japonesa vem se mobilizando, juntamente com representantes políticos, para que o imóvel lhe seja devolvido. As primeiras tentativas datam já da década de 50, durante a recomposição da colônia japonesa na Cidade, através de advogados e de um dos primeiros representantes da colônia na política, Yoshiride Tamura. Mais recentemente, o ex-deputado federal Koyu Iha apresentou um projeto de lei em 1994 que autoriza o Executivo a devolver o imóvel. A autorização, que tramita até hoje no Congresso, não obriga o governo a devolver a escola japonesa. Para o vereador e professor de História Reinaldo Martins, o projeto de lei teve como objetivo o conhecimento e a reflexão dos parlamentares sobre o caso. Mas a grande epopéia de seis décadas está chegando ao fim. O processo de devolução ganhou novo fôlego com a aproximação das comemorações do Centenário da Imigração Japonesa no Brasil, que ocorrerá em 2008. O momento-chave para o desfecho foi a proposta feita pela Secretaria de Patrimônio da União ao departamento do Exército, produto da articulação política comandada pela deputada federal santista Telma de Souza. “A União não poderia devolver o imóvel, já que o patrimônio do Exército é o único que não fica a cargo da União, mas sim do Ministério da Defesa”, afirma Martins, que também preside a comissão especial de vereadores para as comemorações do Centenário. No dia 21 de março deste ano, a diretoria de patrimônio do Exército encaminhou um ofício à União, assinado pelo general-debrigada Joaquim Silva e Luna, comunicando o repasse do imóvel (ver infográfico). O desfecho está agora por conta do Ministério do Planejamento, que redigirá um documento efetivando a devolução da escola à Associação Japonesa de Santos. “O documento está sendo elaborado com toda uma base jurídica para que seja incontestável no futuro”, afirma Nakai. O documento ainda precisará da assinatura do Presidente da República. A previsão é de que o imóvel já seja devolvido no próximo dia 18 de junho, quando se comemorará os 98 anos da imigração. Segundo Martins, a possibilidade da presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na cerimônia não está descartada. “Vai depender da agenda dele, mas ele já sabe do processo. Toda vez que se encontra com a [deputada] Telma de Souza ela o lembra do imóvel”, brincou.

“A devolução é o pagamento de uma dívida que o Estado tem com a comunidade nipo-brasileira, já que as medidas tomadas na época não são justificáveis. Só assim poderemos dizer que a 2ª Guerra Mundial terminou”. Reinaldo Martins, vereador e presidente da CEV do Centenário da Imigração Japonesa

“Se não tivesse sido confiscado, teríamos mais informações sobre a imigração e sobre a colônia japonesa. A devolução significa um reparo da injustiça e a restauração de um processo cultural desativado”. Sadao Nakai, presidente do Estrela de Ouro F.C.


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