Estudo Comentado - Archives of General Psychiatry - Binge Eating

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ARTIGO COMENTADO

ARCHIVES OF GENERAL PSYCHIATRY 2003 Nov, 60(11);1109-16

Estudo Randomizado, Duplo-Cego, Controlado por Placebo da Sibutramina no Tratamento de Binge Eating Appolinario JC, Bacaltchuk J, Sichieri R, Claudino AM, Godoy-Matos A, Morgan C, Zanella MT, Coutinho W. Arch Gen Psychiatry. 2003 Nov;60(11):1109-16

R E S U MO Embora os antidepressivos sejam os agentes farmacológicos mais estudados no tratamento da compulsão alimentar periódica, evidências preliminares sugerem que a sibutramina, agente antiobesidade, pode também ser efetivo. O objetivo do presente estudo é avaliar a eficácia e tolerabilidade da sibutramina em pacientes obesos com compulsão alimentar periódica. Método Após duas semanas de “run-in”(período de inclusão), 60 pacientes obesos em atendimento ambulatorial (Índice de Massa Corpórea entre 30-45, calculado dividindo-se o peso pela altura em metros ao quadrado), que preenchiam critérios do DSM-IV para transtorno da compulsão alimentar periódica (binge-eating disorder) foram alocados de maneira randômica em 2 grupos onde receberam 15 mg de sibutramina (n = 30) ou placebo (n = 30) durante 12 semanas de modo duplo-cego em 2 centros. O primeiro critério de evolução avaliou o número de episódios compulsivos (binges), expresso através do número de dias em que esses episódios ocorreram na semana anterior à avaliação. Os outros critérios de evolução incluíram a Binge Eating Scale, o Inventário de Depressão

de Beck, o peso e, a resposta ao tratamento (remissão e resposta). Resultados O grupo em uso de sibutramina apresentou uma significativa redução no número de dias com episódios compulsivos (binges) comparados com o grupo placebo (t203 = 2,14; p = 0,03). Esse achado associou-se à uma importante e significativa perda de peso (- 7,4 kg) comparada à pequena perda de peso no grupo placebo (1,4) (t 147 = 4,88; p<0,001). A sibutramina também se associou à uma significativa redução no escores da Binge Eating Scale (t202 = 3,64; p<0,001) e do Inventário de Depressão de Beck (t201 = 3,72; p<0,01). A boca seca (p = 0,01) e obstipação ( p<0,001) foram os efeitos colaterais mais freqüentemente apresentados no grupo sibutramina em relação ao grupo placebo. Conclusões A sibutramina foi efetiva e bem tolerada no tratamento de pacientes obesos com transtorno da compulsão alimentar periódica. Seu efeito abrangeu 3 importantes áreas do quadro: os episódios compulsivos, o peso e os sintomas depressivos relacionados.


RE S U MO Dr. Táki Athanássios Cordás professor do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina e coordenador geral do Ambulatório de Bulimia e Transtornos Alimentares do Hospital das Clínicas da FMUSP

O

na morbidade e mortalidade ocasionadas pela obes dados de praticamente todos os países do sidade. mundo industrializados, e mesmo os dos países Estudos patrocinados por diferentes companhias em desenvolvimento, como o Brasil, revelam uma de seguros de vida a partir do início do século XX proporção crescente da população com sobrepeso e particularmente após a 2ª guerra mundial, verificae obesidade embora a prevalência exata varie de acordo com a idade, sexo, raça e condição sócioram que obesos com distribuição de gordura visceeconômica. ral, ou andróide apresentaram riscos mais elevados Cerca de 50% dos adultos dos Estados Unidos, de complicações clínicas do que aqueles que apreCanadá e de alguns países da Europa Ocidental tem sentam um biotipo ginecóide de obesidade. em IMC de 25 kg/m2 ou mais; Uma visão mais científica da a prevalência, no entanto, caso obesidade do ponto de vista psise considere apenas a obesidade quiátrico, infelizmente demorou Se min vel ulla feu (IMC > 30) é superior a 30% o a acontecer. faccum ing ercil que é sem dúvida alarmante. A velha impressão psicodiNo Brasil a preocupação não nâmica de que a obesidade seria utpat veliqui tem é menor, na medida que a preresultante da expressão de um quatuerostio eliquat valência de obesidade aumentou conflito inconsciente, um padrão em 70% entre 1975 e 1989 e, dafixo de personalidade não se evipraessi ese dunt lut dos oferecidos pela Organização denciou em estudos empíricos já Mundial da Saúde de 1998 revea partir dos anos 50 e 60. velessit elit wismod lam que, na população adulta braA incorporação de psiquiasileira (entre 25 e 64 anos), 6%dos tras e profissionais de saúde homens e 13% das mulheres são obesos. mental com preocupações metodológicas é recente É evidente que basicamente em função das mue tem encontrado em populações clínicas de obesos danças sócio-culturais que incluem um aumento índices elevados de depressão, e mais moderados do aporte calórico alimentar associado à uma prode transtornos ansiosos, transtornos do impulso e gressiva redução da energia gasta em atividades transtorno borderline (limítrofe) de personalidade. profissionais, ocupacionais e domésticas houve um Um subgrupo de pacientes obesos com padrões aumento drástico do número de obesos neste sécuanormais alimentares tem chamado a atenção enlo. Todos esses fatos sugerem que o problema será tre outras razões em função da maior dificuldade de crescente com o passar do tempo, de modo que com manejo e associação freqüente com comorbidade o avançar do século 21 a obesidade será considerada psiquiátrica. uma epidemia mundial. Esses pacientes com transtorno da compulsão O aumento da prevalência da obesidade eleva o alimentar periódica – TCAP, apresentam episódios risco do aparecimento de diferentes doenças clínide consumo de grandes quantidades alimentares cas como a hipertensão arterial, o diabetes tipo 2, as com a sensação de perda de controle, porém não dislipidemias, doença coronariana, calculose biliar, seguidos de comportamentos purgativos compensaacidente vascular cerebral, redução da libido e altórios como na Bulimia Nervosa. guns tipos de neoplasias, entre outras. Estudos em comunidade tem evidenciado prevaA distribuição da gordura nas diferentes regiões lências de 2 a 3% de TCAP na população adulta e do corpo também apresenta um papel importante entre 8 e 10% em populações clínicas de obesos que


pendência ou criar tolerância. buscam tratamento para perda de peso em centros Com essas características a sibutramina tem sido especializados. amplamente utilizada no tratamento da obesidade, Pacientes com TCAP exibem significativamente porém, até o momento apenas fora testada em esmaior ingestão calórica do que obesos sem comtudo aberto com um número limitado de pacientes pulsão alimentar, início de obesidade mais precoce, com obesos com TCAP maior número de tratamentos fracassados e recaídas Assim o estudo do Dr. Appolinário e colabomais precoces à esses tratamentos, além da já citada radores representa uma relevante contribuição ao maior associação com quadros psiquiátricos . tratamento do transtorno da compulsão alimentar Tratamentos historicamente desenvolvidos e tesperiódica. tados para bulimia nervosa como antidepressivos Trata-se do primeiro ensaio clínico randomizado, (em particular inibidores específicos da recaptura duplo-cego controlado com placebo demonstrando da serotonina – SSRI) e anticonvulsivantes (topiraa eficácia e a segurança da sibutramina em pacientes mato) além de terapia cognitivo-comportamental e obesos com TCAP. interpessoal tem sido utilizados e adaptados para o A boa tolerabilidade na dose utilizada, 15 mg foi tratamento do TCAP com resultados ainda incertos adequadamente evidenciada na a médio e longo prazo. ausência de diferença significatiA sibutramina e o orlistat são va entre o grupo com droga ativa no momento os únicos tratamenSuscilit autpatum e o grupo com placebo na incitos anti-obesidade utilizados no inim dolorper dência total de efeitos colaterais, tratamento a longo prazo da obecom exceção de boca seca e obssidade. sequips ustrud tatie tipação. Provavelmente, porém, A sibutramina foi sintetizada magniam dunt dolore caso o estudo fosse mais longo em 1980 e administrado a seres esses pacientes poderiam referi humanos em 1984 pela primeira magniamet dip uma tolerância maior ou mesmo vez como droga antidepressiva. o desaparecimento desses adverEssa indicação não se mostrou exerostin utpat sos como freqüentemente notaeficaz em estudos controlados mos na prática clínica. por placebo, porém a demonstraO agradável achado do estudo evidenciou uma ção de uma perda de peso clinicamente significativa substancial e progressiva redução do peso no grupo no estudos originais, redirecionou seu desenvolviem uso de sibutramina, o que já se supunha ocorrer , mento com um agente antiobesidade. mas também dos episódios compulsivos (os binges) A sibutramina é um potente inibidor da recaptae sintomas depressivos associados. ção da noradrenalina (NA) e da serotonina (5-HT) e O efeito de redução dos episódios compulsivos não aumenta a liberação neuronal dessas monoamiinclusive deu-se muito rapidamente a partir da senas, o que a diferencia de outros agentes sacietógegunda semana e manteve-se significativa ao longo nos como a d-fenfluramina ou anoréticos como os de todo o estudo anfetamínicos, que são liberados da 5-HT e da NA, Como os autores de maneira prudente excluíram respectivamente. pacientes com diferentes comorbidades clínicas e O mecanismo de sua eficaz ação antiobesidade é psiquiátricas freqüentemente associadas ao TCAP a a inibição da ingestão alimentar – efeito sacietógeutilidade da sibutramina nesses subgrupos também no – e estimulação da termogênese, através de uma deverá ser testada futuramente. ativação central da atividade simpática eferente. Apesar de novos estudos testando o efeito agudo Ao contrário da fenfluramina e da d-fenfluramie em particular o efeito a longo prazo da sibutramina não apresenta alterações da função cardíaca e da na no transtorno da compulsão alimentar periódica pressão arterial pulmonar. se fazerem necessários, este excelente estudo inicial Outra vantagem em relação aos derivados anfesugere sua segurança e eficácia nestes pacientes. tamínicos é o fato de não ter o poder de induzir de-


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