ARTIGO COMENTADO
Circulation 2003 108:939944
Biomarcadores plaquetários /endoteliais em pacientes deprimidos tratados com o inibidor da recaptação seletiva da serotonina Sertralina após eventos coronarianos agudos: Subestudo de plaquetas do Sertraline AntiDepressant Heart Attack Randomized Trial (SADHART) Eric Hollander, Nicolò Baldini Rossi, Erica Sood, Stefano Pallanti
RESUMO Contexto – A depressão, após síndromes coronarianas agudas (SCA), foi identificada como fator de risco independente para mortalidade cardíaca. Um dos mecanismos possíveis para explicar tal associação seria o aumento da atividade plaquetária. Sabe-se que os inibidores da recaptação seletiva da serotonina (IRSS) inibem a atividade plaquetária. Porém, não se sabe se o tratamento com IRSS para pacientes deprimidos pós-SCA altera a função plaquetária. Assim, avaliamos seriadamente a liberação de biomarcadores plaquetários/endoteliais em pacientes tratados com Sertralina versus placebo, no estudo SADHART. Métodos e Resultados – Amostras de plasma (basal, semana 6 e semana 16) foram coletadas de pacientes randomizados para Sertralina (n = 28) ou placebo (n = 36). No estudo, foi permitida a utilização de anticoagulantes, aspirina e inibidores do receptor-ADP. Foram medidos, pelo método ELISA, fator 4 plaquetário, β-tromboglobulina (βTG), molécula-1 de adesão plaqueta/célula endotelial, P-selectina, tromboxane B2, 6cetoprostaglandina F1a, molécula-1 de adesão da célula vascular e E-selectina. O tratamento com Sertralina foi associado a uma liberação substancialmente menor de biomarcadores plaquetários/endoteliais em relação ao tratamento com placebo. Estas diferenças atingiram significância estatística para βTG (P = 0,03), nas semanas 3 e 16, e para P-selectina (P = 0,04), na semana 16. A análise de medidas repetidas ANOVA revelou vantagem significativa para Sertralina versus placebo para diminuir as concentrações de E-selectina e βTG, durante todo o período de tratamento. Conclusões – Em pacientes deprimidos pós-SCA, o tratamento com Sertralina está associado a reduções na ativação plaquetária/endotelial, apesar da ampla coadministração de esquemas antiplaquetários que incluem aspirina e clopidogrel. As propriedades antiplaquetárias e protetoras do endotélio dos IRSS poderiam representar uma vantagem adicional atraente para pacientes com depressão e comorbidade arterial coronariana e/ou cerebrovascular.
MG&A Comunicação Segmentada Ltda. Diretor Responsável: Maurício C. Galvão Anderson MSc.; Revisão: Equipe MG&A; E-mail: mg_a.com@uol.com.br Esta publicação é fornecida como um serviço da Janssen-Cilag aos médicos. Os pontos de vista aqui expressos refletem a experiência e as opiniões do autor. Antes de prescrever qualquer medicamento eventualmente citado nesta publicação, deve ser consultada a Circular aos Médicos (bula) emitida pelo fabricante.
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COMENTÁRIOS Dr. Maurício Wajngarten Professor livre docente em cardiologia pela Faculdade de Medicina da USP Diretor da equipe de cardiogeriatria do InCor do Hospital das Clínicas da FMUSP
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O estudo apresentado nos coloca frente a uma condição comum na prática clínica que é a presença de depressão em pacientes com síndromes coronarianas agudas. Admite-se hoje que a depressão é um fator de risco independente para o desenvolvimento e para a piora evolutiva da doença coronária. De fato, pacientes hospitalizados com angina instável ou IAM, que subseqüentemente desenvolvem quadro depressivo, exibem risco aumentado de mortalidade. Obviamente, seria importante sabermos se o tratamento para depressão reduz o risco de eventos cardiovasculares.
O tratamento prolongado com a sertralina está associado com a inibição plaquetária e outras possíveis etapas da coagulação. Os antidepressivos tricíclicos antigos promovem efeitos colaterais cardiovasculares e estão contra-indicados para muitos pacientes com SCA. Por outro lado, os inibidores da recaptação seletiva da serotonina (IRSS) são drogas antidepressivas bem conhecidas com poucas evidências de toxicidade cardíaca, mesmo em pacientes com doença cardíaca estável. Entretanto, a eficácia e a segurança dos IRSS entre pacientes pós-IAM ou com angina instável não foram avaliadas até o estudo SADHART.
Os resultados do SADHART não mostraram evidências de efeitos danosos no tratamento com sertralina. Além disso, foi observada uma tendência à redução da morbimortalidade entre os pacientes tratados com sertralina. Essa redução não teve significância estatística pois, o estudo não teve força suficiente para demonstrá-la. Contudo, vários estudos, principalmente epidemiológicos, sugerem que os IRSS podem reduzir a morbimortalidade cardiovascular e cerebrovascular. Diante desses resultados, cabe a questão sobre qual mecanismo estaria envolvido nestes benefícios. De fato, o objetivo dos autores do presente trabalho foi mecanístico. Eles avaliaram se, nos pacientes deprimidos do SADHART, com síndromes coronarianas agudas, o tratamento com a sertralina promoveria efeitos antiplaquetários. Para tanto, aferiram biomarcadores plaquetários/endoteliais (fator 4 plaquetário, β-tromboglobulina βTG), molécula-1 de adesão plaqueta/célula endotelial, P-selectina, tromboxane B2, 6-cetoprostaglandina F1a, molécula-1 de adesão da célula vascular e Eselectina), medidos através do método ELISA. Os resultados sugerem um efeito antiplaquetário relativamente seletivo da sertralina, em vez de um efeito na parede vascular, coerentemente com os resultados obtidos em estudos “in vitro”. Os pacientes tratados com sertralina, na semana 6, após a randomização, exibiram uma significante redução do ßTG, o grânulo-β constituinte da plaqueta. Na semana 16, além da redução do ßTG, eles tiveram redução dos níveis de outras moléculas de adesão e das selectinas (P-selectina e E-selectina), que podem ser liberadas tanto por plaquetas quanto pelo endotélio vascular. Por outro lado, níveis de produtos seletivamente endoteliais (6-ceto-PGF1a, VCAM-1) não sofreram mudanças significativas. Em pacientes deprimidos, o aumento da ativação plaquetária tem sido sugerido com um possível mecanismo que contribui para o
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aumento do risco cardíaco. Nestes pacientes, têm sido mostradas alterações de múltiplos parâmetros plaquetários. Chamam a atenção alterações ligadas à serotonina, importantes no contexto desse estudo com a sertralina: redução do transportador de serotonina ligado a plaquetas, redução da recaptação da serotonina plaquetária e expressão aumentada do receptor de serotonina 5HT2 na superfície das plaquetas. A serotonina, juntamente com outras substâncias, tem sido vista como mediadora da obstrução coronariana intermitente pela agregação plaquetária e vasoconstrição dinâmica. A ativação plaquetária leva à liberação local de serotonina, que estimula as vias aferentes simpáticas. Este evento causa vasoconstrição e agregação plaquetária recorrente com redução cíclica de fluxo. A serotonina pode também atuar como um fator de crescimento, estimulando a mitogênese de células musculares lisas espumosas, que são eventos desfavoráveis após intervenções percutâneas. Por outro lado, em modelos animais de estenose coronariana e lesão endotelial, antagonistas dos receptores de serotonina exibiram potente proteção contra agregação plaquetária repetitiva, mesmo quando os níveis de catecolaminas sistêmicos estavam intensamente elevados. Estas evidências reforçariam a importância do antagonismo à serotonina para o tratamento cardiovascular. O presente estudo está de acordo com estudos prévios in vitro, sugerindo que o tratamento prolongado com a sertralina está associado com a inibição plaquetária e outras possíveis etapas da coagulação. O efeito antiplaquetário observado com a sertralina, no presente estudo, pode ser explicado pelo fato de que a sertralina é um potente IRSS que atua primeiramente por inibição seletiva e dose-dependente da recaptação de serotonina ampliando a expressão do receptor 5HT2 de serotonina e aumentando a mobilização de cálcio plaquetá-
rio em resposta à ativação serotoninérgica. Os resultados sugerem que o efeito dessa ativação serotoninérgica seja muito maior sobre as plaquetas do que sobre os vasos. Entretanto, há algumas limitações no estudo apresentado visto que a amostra foi relativamente pequena. Além disso, outros testes para verificar a função plaquetária, como agre-
Os resultados sugerem que o efeito dessa ativação serotoninérgica seja muito maior sobre as plaquetas do que sobre os vasos. gometria e citometria de fluxo total após o tratamento com IRSS não foram utilizados e poderiam ser de grande valia. Finalmente, o uso de outras medicações antiplaquetárias no estudo presente, como a aspirina e os tienopiridínicos, poderia ter afetado os resultados obtidos. Esse interessante estudo, mostrando benefícios mecanísticos da sertralina, levanta questões importantes de ordem clínica que merecem estudos no futuro: 1- A provável melhora do prognóstico de deprimidos com síndrome coronariana aguda com a sertralina deve ser comprovada em estudo maior que avalie redução de eventos; 2- A sertralina seria benéfica para deprimidos com doença arterial coronariana crônica? 3- A sertralina poderia ser benéfica para pacientes coronarianos não deprimidos? Finalizando, a mensagem deixada pelo estudo presente é que as propriedades antiplaquetárias e protetoras do endotélio dos IRSS podem representar uma vantagem adicional atraente na escolha do medicamento antidepressivo para tratar pacientes com depressão e comorbidade arterial coronariana e/ou cerebrovascular.