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entrevista
Diabetes tipo 2 e complicações cardiovasculares: empagliflozina e resultados do estudo EMPA-REG OUTCOME O Dr. Bernard Zinman é diretor do Centro Sinai para o diabetes do Mount Sinai Hospital e da Universidade de Toronto, no Canadá. Ele é professor de Medicina da Universidade de Toronto e cientista sênior do Instituto de Pesquisa LunenfeldTanenbaum do Mount Sinai Hospital. Formado em medicina pela Universidade McGill, Montreal, Quebec, Canadá, se tornou especialista em endocrinologia pela Universidade de Toronto. Dr. Zinman está envolvido em tratamentos e pesquisas sobre o diabetes, tanto a nível nacional quanto internacional. Seus principais interesses de pesquisa incluem as complicações a longo prazo do diabetes, o desenvolvimento de novas terapias para o diabetes tipo 1 e 2, o diabetes nas comunidades indígenas, e estudos dirigidos para a prevenção da doença. Recebeu inúmeros prêmios, incluindo a Medalha Charles H. Best (concedido aos investigatores do Diabetes Control and Complications Trial) e o American Diabetes Association Outstanding Physician Clinician Award em reconhecimento de suas realizações para o tratamento e pesquisas em diabetes. Ele é vice-presidente do estudo Diabetes Control and Complications Trial/Epidemiology of Diabetes Interventions and Complications (DCCT/EDIC). Dr. Zinman é autor de mais de 500 publicações em revistas nacionais e internacionais, e de 60 capítulos de livros e editoriais. Prof. Dr. Bernard Zinman
Empagliflozina, eventos cardiovasculares e mortalidade em diabetes tipo 2 Bernard Zinman, MD, Christoph Wanner, MD, John M. Lachin, ScD, David Fitchett, MD, Erich Bluhmki, PhD, Stefan Hantel, PhD, Michaela Mattheus, Dipl Biomath, Theresa Devins, PhD, Odd Erik Johansen, MD, PhD, Hans J. Woerle, MD, Uli C Broedl, MD, and Silvio E Inzucchi, MD, for the EMPA-REG OUTCOME Investigators N Engl J Med 2015;373(22):22117-28 Introdução: Os efeitos da empagliflozina, um inibidor do co-transportador de sódio-glicose 2, associada ao tratamento padrão, sobre a morbidade e mortalidade cardiovascular em pacientes com diabetes tipo 2 com alto risco cardiovascular não são conhecidos. Métodos: Pacientes foram distribuídos aleatoriamente para receber 10 mg ou 25 mg de empagliflozina ou placebo uma vez ao dia, associados ao tratamento padrão. O desfecho primário foi a morte por causas cardiovasculares, infarto do miocárdio não fatal, ou AVC não fatal, como analisado no grupo empagliflozina versus o grupo placebo associado ao tratamento padrão. O desfecho secundário foi o desfecho primário mais hospitalização por angina instável. Resultados: 7020 pacientes foram tratados (tempo médio de observação, 3,1 anos). O desfecho primário ocorreu em 490 de 4687 pacientes (10,5%) no grupo empagliflozi-
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na e em 282 de 2333 pacientes (12,1%) no grupo placebo (hazard ratio no grupo empagliflozina, 0,86; intervalo de confiança 95,02%, 0,74 a 0,99; P = 0,04). Não houve diferenças significativas entre os grupos nas taxas de infarto do miocárdio não fatal ou acidente vascular cerebral não fatal, mas no grupo empagliflozina houve taxas significativamente menores de morte por causas cardiovasculares (3,7%, contra 5,9% no grupo placebo; redução do risco relativo de 38%), hospitalização por insuficiência cardíaca (2,7% e 4,1%, respectivamente; redução do risco relativo de 35%) e morte por todas as causas (5,7% e 8,3%, respectivamente; redução do risco relativo de 32%). Não houve diferença significativa entre os grupos no desfecho secundário (P = 0,08). Entre os pacientes que receberam empagliflozina, houve um aumento da taxa de infecção genital, mas nenhum aumento em outros eventos
adversos. Conclusão: Os pacientes com diabetes tipo 2 e alto risco cardiovascular para eventos cardiovasculares que receberam empagliflozina, em comparação com o placebo, apresentaram uma taxa mais baixa de eventos cardiovasculares primários e de morte por todas as causas, quando o medicamento em estudo foi adicionado ao tratamento padrão.
- Dr. Zinman, você é um pesquisador internacionalmente reconhecido no tratamen-
nhecidos em doenças renais, cardíacas e do diabetes.
(Scandinavian Simvastatin Survival Stu-
to do diabetes. Em quantos estudos sobre o diabetes tipo 2 o Dr. já participou? Bernard Zinman - Fui envolvido
Bernard Zinman - O estudo 4S
dy) foi um estudo fantástico. Foi o pri- Qual é a diferença entre o EMPA-REG
meiro estudo de estatinas que mostrou
OUTCOME e os outros estudos nos quais
uma diminuição significativa da morte
participou?
de origem cardiovascular. O mesmo
em pesquisas em diabetes com estudos
ocorreu com o estudo HOPE que mos-
clínicos e também fisiológicos durante
Bernard Zinman - A primeira dife-
trou também uma diminuição da morte
décadas. Participei em dezenas de es-
rença é que foi um estudo híbrido, como
cardiovascular. O EMPA-REG OUTCOME vai
tudos. Foram muitos e muitos ensaios.
mencionei. Muitos estudos não foram
na mesma direção.
O mais importante foi provavelmente o
desenhados dessa forma. Outro ponto que
DCCT (Diabetes Control and Complica-
destaco é que o EMPA-REG OUTCOME é um
tions Trial), em 1982, e estou ainda envol-
estudo muito empolgante com impacto ime-
vido nele. Foi um estudo fantástico que
diato sobre como tratamos o diabetes. Foi o
revolucionou o tratamento do diabetes
mesmo com o DCCT. Em 1993 reportamos o
Bernard Zinman - Justamente, a
tipo 2. Mas acredito que este estudo so-
benefício da terapia intensiva em compa-
pergunta importante é a seguinte: o NNT
bre empagliflozina, o EMPA-REG OUTCOME,
ração com terapia convencional, e mostra-
(Number Needed to Treat ou Número de
também é um estudo que terá impacto
mos que a terapia intensiva em diabetes
pacientes Necessário a Tratar) foi similar
significativo.
tipo 2 reduz as doenças cardíacas, renais
para o EMPA-REG OUTCOME?
e neuropatia. O DCCT mudou o padrão de - Como foi participar no EMPA-REG OUTCOME como autor principal?
- Pensando no NNT nesses 3 estudos, como podemos compará-los?
O NNT não mostra a redução relati-
tratamento. De modo similar, o EMPA-REG OUTCOME é o primeiro estudo que demonstra
“O EMPA-REG OUTCOME é uma mudança de paradigma no tratamento do diabetes”.
Bernard Zinman - Os grandes en-
que o tratamento do diabetes
saios clínicos podem ser feitos de 3 ma-
reduz as complicações car-
neiras quando o objetivo é obter a apro-
diovasculares em diabetes
vação do FDA. No primeiro caso, a empre-
tipo 2 e vai se tornar padrão
sa farmacêutica faz tudo por ela mesma.
de tratamento para os pacientes diabéticos
va do risco, mas sua redução absoluta.
A segunda é contratar um centro de
tipo 2 que têm doenças cardíacas. A prefe-
Ele informa o número de pacientes que
pesquisa ou uma instituição acadêmica.
rência deve ser dada aos inibidores do SGLT-
devem ser tratados para prevenir uma
O EMPA-REG OUTCOME foi um programa
2 que demonstraram benefícios em eventos
morte cardiovascular. No caso do 4S, o
híbrido. O estudo foi supervisionado, de-
cardiovasculares.
NNT foi de 49 pacientes tratados duran-
senhado e realizado pelos acadêmicos e
te 5 anos para prevenir uma morte; no
experts do comitê diretivo, com a partici-
- Comparando os estudos 4S (sin-
caso de HOPE, foi 56 pacientes tratados
pação às vezes do pessoal da Boehringer-
vastatina 1994), HOPE (ramipril 2000) e
por 5 anos; e no caso do EMPA-REG OUT-
-Ingelheim. Fui o chairman deste comitê
EMPA-REG OUTCOME (2015), quais são as
COME foi apenas 39 pacientes tratados
diretivo, no qual colaboraram especialis-
semelhanças e diferenças entre esses
por 3 anos. É um resultado muito supe-
tas acadêmicos internacionalmente reco-
três grandes estudos?
rior ao dos estudos anteriores, consi-
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derando também que o NNT melhorou
Bernard Zinman - Depende se
béticos com doença cardíaca. Ele atende
no EMPA-REG OUTCOME mesmo com os
você é diabetologista, cardiologista, en-
pacientes que têm uma doença cardíaca
pacientes recebendo um tratamento
docrinologista. Para o endocrinologista,
e dentre esses alguns que são diabéticos.
de base composto de estatinas e IECAs.
empaglifozina é um excelente medica-
35% dos pacientes que apresentam um
Apesar de ter o melhor tratamento de
mento para tratar o diabetes. Eu emprego
ataque cardíaco têm diabetes. É um nú-
base, conseguimos também o melhor
medicamentos antidiabéticos que têm
mero muito elevado. Esses pacientes têm
NNT. Por isso é difícil comparar estes
as seguintes caracteristícas: primeiro,
perfil para usar empagliflozina.
estudos. O tamanho da amostra e o
diminuir a glicemia, segundo, associar
Também as práticas clínicas do car-
tratamento de base foram diferentes.
eventualmente com outros medicamen-
diologista e do endocrinologista são dife-
Lembrando que nesta época ninguém
tos, porque quando preciso de mais uma
rentes. No meu consultório, talvez 15%
recebia um tratamento basea do em
droga para tratar o diabetes, eu quero um
de meus pacientes vão sofrer um ataque
estatinas ou IECAs. Era muito cedo, em
medicamento que apresenta mecanismo
cardíaco. No consultório do cardiologista
1994 para o 4S e 2000 para o HOPE. No
de ação complementar ao tratamento
todas as pessoas com diabetes têm uma
HOPE, apenas 29% dos participantes
de base, como metformina, sulfonilu-
doença cardíaca. É a razão pela qual eles
recebiam uma estatina – o que seria
réias, insulina, etc. O segundo ponto é
consultam o cardiologista.
considerado hoje como uma negligên-
que o anseio dos pacientes é não sofrer
cia médica – enquanto no EMPA-REG
de hipoglicemia, ganho de peso, etc. A
- O EMPA-REG OUTCOME demonstrou os excelentes resultados da empagliflozina nos resultados cardiovasculares.
“35% dos pacientes que apresentam um ataque cardíaco têm diabetes. É um número muito elevado. Esses pacientes têm perfil para usar empagliflozina”.
Estudos (DECLARE e CANVAS) com outras moleculas têm resultados semelhantes? Porque? Bernard Zinman - São estudos importantes. DECLARE é único porque é um grande estudo com 17.000 pacientes,
OUTCOME foram 65%. Por essas razões,
empagliflozina não causa hipoglicemia e
dos quais 10.000 não apresentam doença
é difícil comparar a magnitude e os be-
ajuda na manutenção de todos os parâ-
cardíaca. É o primeiro estudo sobre a
nefícios desses estudos. O NNT é o mais
metros do diabetes. E temos ainda o valor
prevenção cardiovascular primária. É
importante porque é ele que confirma
agregado da redução dos eventos cardio-
único por essas razões: é maior e é dirigi-
a importância clínica do estudo em re-
vasculares. A maioria de meus pacientes
do sobre a prevenção primária.
lação à prática médica.
não tem doença cardíaca, quero dizer não
O estudo CANVAS é realizado em pa-
tem doença cardíaca clínica. Para mim,
cientes com doença cardiovascular já
- A empagliflozina é recomendada
é um valor agregado, um bônus. Para os
documentada. O objetivo é investigar
para tratar apenas os pacientes DM2 com
outros pacientes, eu prescrevo a empagli-
os resultados cardíacos e renais em pa-
risco cardiovascular elevado, ou todos os
flozina por suas outras qualidades.
cientes com risco cardíaco elevado, por-
pacientes DM2?
O cardiologista tem pacientes completamente diferentes. Ele não atende dia-
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que eles têm também uma doença renal associada.
- Depois do EMPA-REG OUTCOME da
Bernard Zinman - No néfron, a
do miocárdio quando se reduz a taxa da
empagliflozina, como poderiam ser alte-
empagliflozina e os inibidores da renina-
glicose. Estamos perdendo nosso tempo
radas as recomendações globais no tra-
-angiotensina (IECAs) funcionam de modo
porque o que queremos não é diminuir
tamento do DM2?
diferente. As gliflozinas são responsáveis
a glicemia, e sim prevenir nossa doença,
pela constrição da arteríola aferente,
seja cardíaca, renal ou neuropatia. Tratar
Bernard Zinman - Os resulta-
diminuindo assim a pressão intraglo-
o diabetes não é nosso problema.” Agora
dos do EMPA-REG OUTCOME trazem novas
merular. Ao contrário, os IECAs causam
a resposta pode ser diferente: estamos
evidências que vão ser acrescentadas às
uma dilatação da arteríola eferente. São
mostrando que existe uma intervenção
recommendações existentes, que são elas
mecanismos de ação diferentes e com-
sobre o diabetes que reduz a doença car-
mesmas baseadas em evidências. Os pacien-
plementares. Aliás, em nosso estudo a
díaca, a morte cardiovascular, a mortali-
tes com diabetes e doença cardiovascular
maioria dos pacientes eram tratados com
dade, o que é incrível. Agora, temos isso para apresentar e os cardiologistas estão surpresos: “Meu Deus! Isso é um medica-
“O EMPA-REG OUTCOME é o primeiro estudo que demonstra que o tratamento do diabetes reduz as complicações cardiovasculares em diabetes tipo 2”.
mento para o diabetes? Na verdade é um medicamento cardiovascular, é eficiente como as estatinas, os IECAs e outras drogas que usamos”. O EMPA-REG OUTCOME é um estudo importante que demonstra que o tratamento do diabetes tem um valor agrega-
vão receber este tratamento. Essa recomen-
IECAs, e a empagliflozina funcionou como
do com a diminuição dos eventos cardio-
dação já está incluida nos Guidelines do Ca-
tratamento complementar que age sobre o
vasculares, da morte cardiovascular, da
nadá, onde o uso preferencial dos não inibi-
peso, o controle da glicemia e a redução da
insuficiência cardíaca e da mortalidade
dores do SGLT-2 é agora recomendado para
pressão intraglomerular.
por todas causas. O paciente diabético tem um acréscimo de benefícios. É re-
os pacientes que respondem aos critérios do EMPA-REG OUTCOME. Nos Guidelines dos Estados-Unidos as gliflozinas são indicadas,
- Qual é o impacto do EMPA-REG OUTCOME na prática clínica?
almente uma mudança de paradigma no tratamento do diabetes. A evidência por enquanto é só em paciente que tem
mas sem a menção do uso preferencial ainda. As recomendações chegam sempre após as
Bernard Zinman - O cardiolo-
doença cardiovascular documentada.
evidências: primeiro temos as evidências, que
gista diz: “Estamos perdendo nosso
Poderíamos extrapolar para os pacien-
são avaliadas, e depois as recomendações.
tempo reduzindo a glicemia porque os
tes diabéticos que provavelmente apre-
estudos não mostram benefícios sobre a
sentam uma doença cardíaca silenciosa,
- Como podemos comparar os resul-
mortalidade, ataque cardíaco ou morte
mas devemos esperar os resultados de
tados observados com os padrões atuais
cardiovascular. Eles mostram só uma
outros estudos.
de tratamento como os IECAs?
pequena redução na incidência do infarto
MGA – Maurício Galvão Anderson
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mauriciogalvao.mga@gmail.com •Tel.: (11) 981 153 636 | Redação: Jean-Louis Peytavin
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