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neurociências ISSN 1807-1058

Neurociências • Volume 6 • Nº 3 • julho/setembro de 2010

JULHO • SETEMBRO de 2010 • Ano 6 • Nº 3

O uso de agentes duais pode melhorar a cognição dos pacientes com depressão maior: impacto para o tratamento em idosos Jerson Laks

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Neurociências • Volume 6 • Nº 3 • julho/setembro de 2010

Perspectiva

O uso de agentes duais pode melhorar a cognição dos pacientes com depressão maior: impacto para o tratamento em idosos Jerson Laks*

Resumo As alterações cognitivas e neuropsicológicas na depressão em idosos podem servir para se organizar uma tipificação de quadros clínicos diferentes que leve em conta os sintomas e o curso/evolução dos problemas cognitivos ao longo do tempo de doença. O conhecimento das vias neurais e de neurotransmissão também podem orientar quanto aos subtipos de síndromes no processo depressivo e, portanto, pode também servir de modelo para a escolha de antidepressivos de acordo com o perfil clínico evidente. Os antidepressivos duais apresentam resposta diferenciada sobre a cognição da encontrada com inibidores da recaptação de serotonina. O artigo apresenta e discute esses achados.

Introdução

*Professor Associado da Faculdade de Ciências Médicas UERJ, Coordenador do Centro para Alzheimer do Instituto de Psiquiatria da UFRJ

A depressão é uma síndrome heterogênea com quadro clínico complexo que compromete vários domínios psicopatológicos, comportamentais e sociais [1]. Especialmente em indivíduos idosos, a depressão está frequentemente associada a distúrbios cognitivos e pior desempenho em testes neuropsicológicos. Não menos importante, a depressão em idosos está intimamente ligada à disfunção nas atividades de vida diária, cuja recuperação com o tratamento é importante para a total remissão a longo prazo [1,2]. As alterações cognitivas e neuropsicológicas na depressão em idosos podem servir para se organizar uma tipificação de quadros clínicos diferentes que leve em conta os sintomas e o curso/evolução dos problemas cognitivos ao longo do tempo de doença. Assim, estas síndromes têm recebido denominações que por vezes podem sugerir a reversibilidade da desordem, tais como pseudo-demência, demência da depressão, depressão com demência reversível, desordem cognitivoafetiva, estupor depressivo, síndrome afetiva orgânica, síndrome demencial da depressão e desordem cognitiva associada à depressão, todas decorrentes de disfunção frontoestriatal e límbica [3]. Tradicionalmente o comprometimento cognitivo presente na depressão era considerado uma desordem benigna tendendo a ceder com a melhora da sintomatologia depressivo mais típica. Entretanto, diversos estudos têm demonstrado que os pacientes com depressão maior mantêm déficits cognitivos mesmo após a melhora da depressão clínica da depressão, e mesmo quando a melhora se traduz em remissão [4,5]. Os pacientes com função cognitiva global normal também apresentam alguns aspectos da cognição prejudicados. Os pacientes com início


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tardio da doença apresentam pior desempenho na atenção, memória de trabalho, fluência verbal, funcionamento executivo, memória, principalmente na recordação livre e em tarefas de aprendizado [5]. O desempenho cognitivo é melhor no grupo com início precoce, ainda que a intensidade da depressão seja maior, sugerindo que o distúrbio do humor por si só não seria o responsável pelo pior desempenho no grupo com início tardio. Estes achados reforçam a hipótese que o prejuízo cognitivo em deprimidos com início tardio da doença possa refletir alterações fisiológicas no sistema nervoso central, ainda mais porque a resposta e remissão dos sintomas cognitivos com o uso de antidepressivos parecem ser independentes da resposta e remissão dos sintomas clássicos da depressão [4-6].

O quadro clínico e a neurobiologia da depressão Existe, de fato, um consenso crescente sugerindo que a disfunção cognitiva é intrínseca à depressão e diretamente relacionada com a neurobiologia da doença. O processo neurobiológico que determina os déficits cognitivos da depressão pode ter relação com outras disfunções cognitivas difusas. As alterações estruturais e funcionais na depressão de início tardio sugerem que esta possa ser uma entidade diferenciada. O conhecimento das vias neurais e de neurotransmissão podem orientar quanto aos subtipos de síndromes no processo depressivo e, portanto, pode também servir de modelo para a escolha de antidepressivos de acordo com o perfil clínico evidente. O humor, a atenção e a motivação covariam para influenciar o comportamento de acordo com o papel de vários sistemas de neuromodulação [7]. O locus ceruleus é o único núcleo cerebral a produzir noradrenalina, um neurotransmissor chave para a modulação do prosencéfalo e dos lobos frontais [8]. As projeções serotonérgicas e noradrenérgicas são praticamente paralelas nessas regiões, com interações que determinam atividades complementares, porém diferentes. Uma comparação direta dos efeitos da manipulação desses neuromoduladores no córtex préfrontal mostra que há uma contribuição em etapas distintas de uma tarefa relacionada à atenção e sua flexibilidade. A depleção de noradrenalina não afeta o aprendizado reverso, mas desorganiza e compromete a flexibilidade da atenção, com comprometimento da memória de trabalho. A depleção de serotonina, no entanto, não afeta em nada a memória de trabalho, mas sim desorganiza a memória e o aprendizado reverso [9].

A resposta aos antidepressivos: impacto sobre a cognição Voltando então à apresentação clínica, alguns tipos comuns de depressão no idoso, tais como a depressão melancólica e com retardo psicomotor, podem ser decorrentes de uma recaptação diminuída de dopamina no sistema límbico conjuntamente com uma ligação diminuida de dopamina e de noradrenalina no tálamo e no locus ceruleus, tal como encontrado também na Doença de Parkinson [10,11]. Embora uma revisão sistemática sobre eficácia de antidepressivos inibidores seletivos de recaptação de serotonina (ISRS) e duais em idosos não tenha encontrado diferença significativa na resposta e remissão com os dois grupos de medicamentos, os autores chamam a atenção para o fato de que a venlafaxina foi usada em doses nas quais o efeito noradrenérgico não se observa, daí sua não diferenciação com o desfecho observado com os ISRS [12]. Uma série de estudos comparando as taxas de resposta e remissão entre grupos pareados e cegos que utilizaram duloxetina e escitalopram demonstrou que embora ambos os medicamentos tivessem as mesmas taxas de remissão e resposta, os efeitos sobre a cognição diferiram significativamente. O grupo que fez uso de duloxetina teve melhora mais robusta da memória episódica, melhora de tal magnitude que sugere para os autores que a superioridade dos duais sobre os ISRS seja clinicamente relevante [4]. Já um estudo duplo cego placebo controlado com duloxetina em idosos com depressão maior recorrente mostrou uma boa taxa de remissão, com baixa taxa de abandono do estudo por falta de efeito do medicamento e um significativo aumento e melhora da memória e aprendizado verbal [13]. A melhora da cognição acompanhada da melhora da depressão pode ser um fator a mais, e dos muito importantes não apenas para o quadro clínico geral, mas também para a volta das atividades normais de vida diária. Da mesma forma, poucos estudos sobre tratamento de manutenção para depressão têm se centrado na recuperação da funcionalidade como desfecho primário, embora se espere que a remissão que inclua a melhora do quadro cognitivo possa levar ao resgate da funcionalidade a longo prazo.

Conclusão O uso de agentes duais na depressão em idosos pode trazer melhora sintomática em domínios que não são comumente levados em consideração (cognição e funcionalidade), mas que podem determinar um curso mais favorável na evolução dos pacientes.

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P2CY545 - agosto /2010


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