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a estética e a Medicina Dentária

Facetas em dentes anteriores com discromia acentuada

Pedro Samões

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Médico dentista. Licenciado pela Faculdade de Medicina Dentária da Universidade do Porto (FMDUP). Docente da Pós-Graduação em Dentisteria Adesiva com Resinas Compostas na Cooperativa de Ensino Superior Politécnico e Universitário (CESPU). Ex-membro do Centro de Formação Contínua e do Conselho Deontológico e de Disciplina da Ordem dos Médicos Dentistas (OMD). Prática privada nas áreas da Dentisteria Estética e Reabilitação Oral.

Ciência e prática

Introdução

A complexa miríade de efeitos luminosos resultantes da relação entre a luz natural e os dentes anteriores é um dos resultados mais difíceis de atingir com os procedimentos restauradores à nossa disposição, quando por exemplo confrontados com um dente anterior afetado por uma intensa alteração cromática.

De forma a atingir um bom resultado estético e funcional, é necessário ao operador dominar os protocolos restauradores, mas também conhecer profundamente o comportamento ótico desses mesmos materiais e conseguir impedir a transmissão de luz entre um substrato alterado na cor e a restauração a executar.

Para se atingirem estes objetivos, a compreensão da luz e da cor é essencial para uma abordagem científica aos problemas presentes: neutralizar um substrato escurecido e corrigir a intensidade e a reflexão de luz com a nossa restauração, direta ou indireta.

Desenvolvimento

A luz, ou melhor, certos comprimentos de onda são absorvidos e sofrem difusão ao longo da estrutura dentária, excitando os átomos e promovendo a libertação de fotões dos pigmentos mais preponderantes, estimulando a nossa retina e dessa forma permitindo-nos a visualização da sempre complexa cor do dente (fig.1).

Outro importante aspeto a ter presente relativamente à cor e à necessidade que por vezes temos de a esconder é a chamada “quarta dimensão da cor”, a translucidez ou opacidade.

Resulta óbvio que esta dicotomia tem um papel fundamental no problema em questão e na sua resolução, pois a translucidez dos nossos materiais restauradores terá que se sobrepor à opacidade de um substrato dentário alterado pela discromia (fig. 2).

Por outro lado, temos à nossa disposição materiais restauradores opacos o suficiente, tanto cerâmicos como resinosos,

Fig. 1. Relação luz-dente.

Fig. 2. Translucidez e opacidade.

que conseguem impedir a transmissão de luz (e cor) do substrato alterado para a estrutura reabilitadora.

Ainda em relação à luz e cor, cada vez mais é uma noção geral entre os colegas que a forma e o brilho (valor) das restaurações que executamos são sobremaneira mais importantes para a sua natural integração no sorriso, que a intensidade de cor (croma) obtida.

Fundamentalmente, isto sucede pela enorme desproporção entre cones e bastonetes, células fotorrecetoras presentes na retina; há 18 vezes mais bastonetes do que cones, tendo como resultado uma mais apurada perceção monocromática do brilho (valor) do que da intensidade, da saturação da cor (croma), (fig. 3).

A importância do brilho, do valor final das nossas restaurações, fica patente no caso clínico seguinte, em que a naturalidade e a integração estética da restauração foram atingidas, não por uma correta croma final do material usado (analisada numa fotografia com polarização cruzada), mas sim por uma correta reflexão de luz, de brilho final, de valor obtido (analisado na fotografia monocromática a preto e branco), (fig. 4).

E se o valor é o aspeto da cor mais importante a controlar nas nossas restaurações, então vamos recorrer a materiais de tons essencialmente brancos para refletirem luz e, simultaneamente, que sejam opacos para impedir a transmissão dessa mesma luz entre o substrato a recobrir e a restauração aplicada.

Desta forma, criamos sobre o dente a “tela” correta para “pintar” com a arte do nosso tratamento reabilitador.

Esses materiais, cerâmicos ou resinosos, são agentes opacificadores, comumente conhecidos como opaquers.

Fig. 3. Fotorrecetores.

Fig. 4. A importância do brilho, do valor final da restauração, está patente nesta imagem.

Aprofundando o estudo deste tipo de situações bastante comprometedoras esteticamente para os pacientes, encontramos na literatura recente uma extensa lista de causas para uma alteração intrínseca da cor dentária, sendo que se destacam as de origem traumática (macro ou micro) e a perda de vitalidade pulpar (por múltiplos fatores) 1 .

Os tratamentos propostos são, por ordem de frequência: 1. Branqueamento interno. 2. Coroa. 3. Faceta.

Como primeira opção referida na literatura, o branqueamento interno é uma opção terapêutica a ter em conta, por ser a mais célere, menos invasiva e, portanto, estruturalmente mais conservadora e mais barata; contudo, não é totalmente isenta de riscos, fundamentalmente de iatrogenia.

As alterações microestruturais da dentina pericervical originadas pela ação química dos agentes branqueadores dentários utilizados nestas terapêuticas podem levar a um efeito de corpo estranho, com a resposta imune a despertar ação fagocitária dos osteoclastos: reabsorção cervical invasiva. Este mecanismo ainda não é totalmente conhecido, o que não permite que se controle a sua evolução, terminando frequentemente com a perda da peça dentária envolvida.

Encontramos na literatura valores entre quatro a 11% de casos de dentes anteriores branqueados que posteriormente apresentaram reabsorção radicular externa 2 ; saliente-se que frequentemente está associada história de trauma prévio, o que sugere uma associação causal de trauma e aplicação de agentes branqueadores.

Por último, é importante referir que a idade do paciente também tem que ser levada em consideração ao optar por este tratamento, principalmente se tivermos em consideração que os túbulos dentinários por onde se propagam os agentes branqueares são tanto mais amplos e permeáveis quanto mais jovem for o paciente (fig. 5).

Fig. 5. Reabsorção cervical invasiva.

Oandey Sh, Patni PM, Jain P, Chaturvedi A. Management of intrisic discoloration using walking bleach technique in maxillary central incisors. Clujul Med. 2018; 91(2): 229-233.

Noutro prisma, valores de recidiva que se podem considerar elevados (5% a dois anos, 25% a cinco anos e 48% a oito anos 3 ) levam a que frequentemente sejamos solicitados a repetir uma abordagem de tratamento com grande sucesso numa primeira intervenção, mas que, repetindo o tratamento, sabemos recidivar em periodos de tempo sucessivamente menores e aumentar o risco de efeito iatrogénico sobre a estrutura dentária pericervical.

Desta forma, o branqueamento interno será uma opção clínica de primeira escolha se for a primeira vez que o tratamento

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vai ser executado e se o paciente tiver mais de 30 anos de idade; se estas condições não estiverem presentes, a minha opção clínica tende a virar-se para as opções reabilitadoras atrás referidas: coroa ou faceta.

Numa era de mínima intervenção, torna-se redundante discutir a melhor opção restauradora; a literatura é clara sobre o tema: a primeira opção deverá ser sempre a facetagem da estrutura dentária. A manutenção de estrutura é importante para os procedimentos adesivos subsequentes e para a resistência estrutural e longevidade do complexo dente/restauração 4 .

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Fig. 6 a-h. O processo é em todos os aspetos é igual ao utilizado para ás facetas cerâmicas, exceto na profundidade do desgaste vestibular.

O recurso a uma faceta, direta ou indireta, em cerâmica ou em resina composta, para correção da cor de um dente anterior é, por excelência do grau de dificuldade clínica e estética, um caso a abordar sempre debaixo de um protocolo de tratamento rigoroso.

Independentemente das indicações mais ou menos específicas de cada material, as razões financeiras são as que mais frequentemente guiam a decisão final do paciente em relação ao tratamento a executar; por esta razão, num grande número de casos a opção restauradora final é uma faceta direta em resina composta.

O preparo da estrutura, a redução de tecido dentário necessária para opacificar o substrato e restaurar a estética e a função da peça, deve ser feita sem, no entanto, comprometer a resistência estrutural do remanescente; é em todos os aspetos igual ao utilizado para facetas cerâmicas, exceto na profundidade do desgaste vestibular.

Deste modo, a redução destes casos é normalmente guiada pela maior ou menor necessidade de esconder um substrato mais ou menos escurecido, podendo variar a profundidade de desgaste vestibular entre 0,8-1,2 mm, para um caso de resinas compostas (fig. 6b).

Será necessário tanto mais espaço a desgastar quanta maior necessidade tenhamos desse espaço para uma camada opaca o suficiente para “neutralizar” um substrato muito escurecido.

Após termos o preparo concluído, com todos os ângulos vivos arredondadas e uma superfície suave e polida, iniciam-se procedimentos adesivos e, após estes, um protocolo de estratificação de resinas compostas, começando pela concha palatina em resina de esmalte (fig. 6d).

Neste momento, antes de iniciar a modelagem do corpo dentinário, temos um substrato dentário escurecido, discrómico em relação aos restantes dentes integrantes da linha de sorriso; como primeiro passo para corrigir a diferença de cor e tendo em atenção a importância maior do valor em relação à

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croma, aplicamos uma camada de opaquer, distribuída de forma homogénea por todo o tecido dentário com alteração de cor, tendo o cuidado de cobrir corretamente a zona da linha de acabamento e evitar o recobramento da concha palatina pela camada de resina opacificadora.

Esta camada opaca branca tem, como já foi referido, a finalidade de refletir a luz que a atinge, e com esta reflexão luminosa, com este aumentar de brilho, equilibrar o valor entre o dente escurecido a restaurar com o dos restante dentes vizinhos.

Este “equilíbrio” de brilho, este “balançar” de valor, verifica-se de forma rápida e direta recorrendo a uma fotografia a preto e branco, com o recurso a um simples smartphone atual (fig. 6e).

O processo de aplicar ou retirar opaquer consoante o necessário para equilibrar o valor, recorrendo à fotografia a preto e braço para confirmar esse equilíbrio, deve repetir-se até o clínico chegar a um resultado considerado satisfatório.

Depois de se estabelecer o equilíbrio de valor, simultaneamente com a neutralização de toda a zona visível do substrato, avançamos com o protocolo de estratificação aplicando e modelando sucessivamente as camadas de resina de dentina (fig. 6f), efeitos (fig. 6g) e de esmalte (fig. 6h), até ao resultado final pretendido.

Caso clínico

Paciente do sexo feminino, de 33 anos, apresenta dente 21 com história de traumatismo com fratura na infância, tratamento endodôntico subsequente e posterior progressivo escurecimento do dente ao longo dos anos. Tendo já sido executado branqueamento interno prévio, discutiram-se as opções de tratamento com a paciente, tendo ficado decidido executar uma faceta direta com estratificação de compósitos para reabilitar o dente, tentando integrá-lo novamente numa linha de sorriso harmoniosa (fig. 7a-b).

Depois de eliminar a restauração presente, executou-se um preparo para faceta com uma profundidade de desgaste de aproximadamente 1 mm. Após o arredondar de

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Fig. 7a-b. Decidiu-se executar uma faceta direta com estratificação de compósitos para reabilitar o dente.

todos os ângulos vivos, executaram-se os procedimentos adesivos que prepararam o substrato e iniciou-se a estratificação de resinas compostas com a execução de uma fina concha palatina com o auxílio de uma matriz de silicone (fig. 8a-b).

O passo seguinte, fulcral para o avançar do protocolo, passa pela aplicação do agente opacificador sobre toda a estrutura dentária, bloqueando a transmissão de luz, e aumentando a sua reflexão pela cor branca usada, ou seja, aumentando o seu valor, tentando aproximá-lo do valor dos dentes vizinhos.

Este equilíbrio de valor é confirmado através de fotografias a preto e branco (fig. 9a-b).

Com a reflexão de luz balançada entre o dente escurecido e os vizinhos, leva-se a término a restauração, estratificando as resinas compostas de dentina, de efeitos e do esmalte final (figs. 10a-b e 11a-c).

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Fig. 8 a-b. Estratificação de resinas compostas com a execução de uma fina concha palatina com o auxílio de uma matriz de silicone.

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Fig. 9 a-b. Aplicação do agente opacificador sobre toda a estrutura dentária com o fim de aproximar o seu valor ao dos dentes vizinhos. Este equilíbrio de valor é confirmado através da fotografia a preto e branco.

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Fig. 10 a-b. Leva-se a término a restauração, estratificando as resinas compostas de dentina, de efeitos e do esmalte final.

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Fig. 11a-c. Aspeto final do sorriso da paciente após a restauração.

Conclusões

Uma das mais difíceis situações a enfrentar na nossa prática diária é a reabilitação de um dente anterosuperior com cor alterada e que causa desarmonia no sorriso do paciente. A abordagem destes casos deve ser feita de forma cuidadosa e planeada para se conseguir o almejado sucesso estético e clínico, sem descurar, no entanto, os efeitos secundários iatrogénicos das terapias passíveis de implementar.

Por isso, em pacientes jovens (< 30 anos) e/ou que já tenham sofrido branqueamento interno prévio, devido ao risco acrescido de reabsorção cervical invasiva e à inevitabilidade da recidiva, a opção restauradora apresenta-se como a mais segura e longeva.

O ponto chave do protocolo restaurador está no equilíbrio de valor entre a estrutura a restaurar e os dentes vizinhos, conseguido através da aplicação de uma resina composta branca e opaca sobre o substrato discrómico, que irá impedir a passagem da luz e promover a sua reflexão e, com isso, aumentar o valor deste, aproximando-o dos restantes dentes anteriores. Este equilíbrio verifica-se através de fotos monocromáticas (a preto e branco).

Bibliografia

1.

2.

Pandey SH, Patni PM, Chaturvedi A. Management of intrinsic discoloration using walking bleach technique in maxillary central incisors. Clujul Med. 2018; 91(2): 229-233. Kandalgaonkar, Shilpa D et al. Invasive cervical resorption: a review. Journal of International Oral Health: vol. 5, 6(2013): 124-30.

3.

4.

Zimmerli B, Jeger F, Lussi A. Bleaching of nonvital teeth. A clinically relevant literature review. Schweiz Monatsschr Zahnmed. 2010; 120(4): 306-320. Edelhoff D, Sorensen JA. Tooth structure removal associated with various preparation designs for anterior teeth. J Prosthet Dent. 2002; 87(5): 503-509. doi:10.1067/mpr.2002.124094.

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