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Ponto de vista de Cristiano Pereira Alves: “A beleza

ponto de vista

A beleza, a estética e a Medicina Dentária

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Cristiano Pereira Alves

Médico dentista. Assistente convidado da disciplina de Prótese Fixa e da pós-graduação em Reabilitação Oral Protética na Universidade de Coimbra.

Quando se tornou possível restaurar dentes à sua cor natural, a Medicina Dentária mudou para sempre. A “Idade da Medicina Dentária Estética” nasceu. O médico dentista deixou de se preocupar apenas com tratar doenças como a cárie e a doença periodontal, abrindo-se um mundo de novas possibilidades de tratamento que, até esse momento, não eram possíveis.

Por volta da mesma altura, foi também descoberto o branqueamento dentário, uma técnica conservadora e não invasiva de melhorar a cor dos dentes.

A palavra estética tem a sua origem no grego (aisthesis = princípios da observação). A observação e admiração humana pelo que é belo é uma característica inata proveniente de uma parte da nossa mente chamada cérebro ancestral, nele estão gravadas muitas informações importantes relacionadas com a sobrevivência e reprodução da espécie, num processo que se estende por milhares de anos, fortemente influenciado pela seleção natural.

Ao conjunto de métricas e regras de harmonia visual – em Medicina Dentária inclui-se

O CAD-CAM veio para ficar e com ele trouxe a precisão, a previsibilidade e a repetibilidade. Trouxe também avultados investimentos e riscos económicos, mais ruído ao laboratório e matou o artista… ou quase

também a harmonia cromática – chama-se estética. Portanto, um sorriso será estético quando na sua constituição visual estiver de acordo com esse conjunto de regras e leis matemáticas.

Nos anos 80, os pacientes, fortemente influenciados pelo cinema, os atores e a televisão, viram nos seus sorrisos falsamente brancos – fruto das intensas luzes requeridas para a gravação e da limitada capacidade destes aparelhos em registar nuances cromáticas – um modelo de estética, beleza e estatuto privilegiado.

Este «Hollywood white smile» de dentes-alinhados de um branco-mais-branco-não-há, com corredores bucais caiados que só terminam nas tuberosidades palatinas, ainda hoje persiste como modelo – de sorriso, beleza e status – nos países onde a cultura anglosaxónica tem mais influência. Contrariamente, nos países do sol nascente os modelos de beleza de sorriso são algo mais refinados, “naturais” tanto em forma como em cor.

As técnicas estéticas baseiam-se no planeamento, na previsibilidade e na mínima intervenção para obter a harmonia cromática e de forma, sendo esta última a mais importante. A forma, mais do que a cor, confere a verdadeira individualidade do sorriso ao indivíduo, quer no tamanho como na geometria e arranjo dos dentes. Por isso, os grandes mestres da área clínica e laboratorial são aqueles que se distinguiram por esta capacidade de, dentro de regras e fórmulas matemáticas que ditam as proporções, criarem a harmonia na desarmonia, a individualidade, uma beleza de curvas e assimetrias dentro de molduras que devem ser simétricas. Artesãos de lamparina e cera

que criam as maquetes que ceramistas e médicos dentistas depois seguem e copiam.

Alcançar um certo grau de perfeição na recriação destas morfologias – que é requerido a todo o médico dentista – na realização de variados atos clínicos transversais, da dentisteria à prostodontia, é uma habilidade que requer treino e tempo; tempo que, curiosamente, não é alocado devidamente nos planos de estudos das universidades. Ainda por cima, nesta Medicina Dentária de evolução tão rápida e onde o conhecimento se tem alargado tanto nos últimos anos, o processo de Bolonha vem estrangular a possibilidade de conceder esse treino, esse tempo. Aumenta o conhecimento, diminui o tempo de formação. Criam-se centros de pós-formação e «especializações» para ensinar aquilo que é o básico, a base, o que é requerido dominar para realizar o mais comum – e estético – ato clínico: a restauração com resina compósita.

E como falta esse conhecimento e treino para realizar esses procedimentos de forma correta, rápida e rentável o médico dentista passou essa responsabilidade para aqueles que o têm, os seus colaboradores, os seus artistas, os seus técnicos de prótese. Aqueles magníficos colaboradores que muitas vezes na sombra – hoje menos e ainda bem – permitiam os aplausos nas clínicas e nos palcos de todo o mundo.

Esta transição de poder e do fazer não é inócua. De repente, estética e cerâmica são quase sinónimos. Alcançar a mesma excelência – ainda que talvez não a mesma durabilidade – com resinas compostas requer investimento em material de qualidade, tempo e dedicação. No entanto, muitos clínicos que persistiram esse laborioso caminho das restaurações diretas publicam hoje resultados cuja longevidade e estabilidade desafiam o status quo. E quem fala de cerâmica e estética fala de facetas, cada vez mais finas, cada vez com mais indicações, muitas delas nunca estudadas nem validadas no tempo.

As facetas cerâmicas são uma excelente opção de tratamento, estético, moroso, cerâmico, dispendioso, indireto, invasivo, laboratorial. E quando usadas onde devem ser usadas melhor ainda, mas são sempre – ou quase porque isso do prepless praticamente não existe – invasivas, ainda que minimamente... mas são maximamente invasivas se as compararmos com técnicas diretas. Pululam em redes psico-sociais casos tão “minimamente”, de tão “mínima espessura”, que muitas vezes se não existissem ninguém sentia falta. Acho que é um problema de classe, é o que faz trabalhar de lupas e microscópio.

Um artista é sempre um bom artista, mas também se cansa de fazer o mesmo trabalho. As novas tecnologias que os laboratórios adotam rapidamente, especialmente se aumentarem a produtividade, são muitas vezes o verdadeiro motor que impulsiona a transformação no método, protocolo e decisão do ato clínico. O CAD-CAM veio para ficar e com ele trouxe a precisão, a previsibilidade e a repetibilidade. Trouxe também avultados investimentos e riscos económicos, mais ruído ao laboratório e matou o artista… ou quase.

Agora, os dentes já não são individuais, são bibliotecas. Escolhe-se um modelo da biblioteca – os laboratórios mais ricos têm muito por onde escolher, os que estão a iniciar têm menos – e adaptam-se, como se de um enceramento sobre os dentes do paciente se tratasse. O mesmo modelo dá para muitos pacientes. É uma adaptação do paciente à técnica, não da técnica à individualidade do paciente. É como um All-on-4 da estética ou um DSD (Digital Smile Design) que usa quatro templates para desenhar todos os sorrisos.

Claro que há, sempre haverá, aqueles que usam a tecnologia para acelerar o processo e facilitar o labor repetitivo, mas que dão a sua magia, a sua arte, que vão mais além. Aqueles cujo empenho e paixão têm no seu gesto, arte e beleza que replica a natureza e reconstrói o que a doença destruiu.

A eles dedico esta reflexão...

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