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Dossier
O futuro da prótese removível na era digital
João Paulo Rodrigues Martins
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Técnico de prótese dentária. Professor Auxiliar da Faculdade de Medicina Dentária da Universidade de Lisboa - Curso de Prótese Dentária. Regente da Unidade Curricular de Técnicas Laboratoriais de Prótese Removível e coordenador da Unidade Curricular de Técnicas Laboratoriais de Implantologia. jpmartins@fmd.ul.pt
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Introdução
Os sistemas CAD-CAM (computed aided design-computed aided manufacturing ou, em português, desenho assistido por computador-fabrico assistido por computador) na área da Medicina Dentária têm mais de três décadas. No entanto, a implementação de sistemas in house, e difundidos de uma maneira mais abrangente em Portugal, teve início nos primeiros anos deste século.
Este boom nos sistemas de CAD-CAM deveu-se principalmente à introdução da zircónia no mercado da Medicina Dentária, pois a única possibilidade de obtenção da peça em zircónio passava por sistemas de fresagem. Assim, a área da prótese fixa foi-se adaptando aos sistemas de CAD-CAM alargando a fresagem a diferentes materiais como metais, resinas acrílicas, materiais cerâmicos, ceras e outros.
Hoje, com pandemia ou sem ela, os sistemas de CAD-CAM estão para ficar. Vieram tornar o trabalho mais preciso, mais rápido e com uma qualidade impossível de alcançar com os métodos artesanais, alguns com séculos, que empregávamos até aqui.
Neste avanço da tecnologia e da era digital a prótese removível perdeu mais uma vez terreno, muito devido à dificuldade na execução do desenho CAD, à necessidade de diferentes materiais e cores para fresar no CAM e com um custo que é muito superior, ao método tradicional.
Hoje, tanto nos esqueletos metálicos para prótese removível como para próteses totais convencionais, os sistemas digitais já oferecem um leque variado de opções que começam a ser interessantes e passíveis de serem avaliados como opção num futuro não muito longe. O objetivo deste artigo é divulgar um pouco do estado da arte da prótese removível digital, numa perspetiva prática do dia a dia, e tendo em consideração o trabalho que desenvolvo tanto na Faculdade como em laboratório. Irei assim debruçar-me sobre algumas técnicas existentes no mercado para o fabrico das próteses esqueléticas e de próteses totais convencionais.
Próteses esqueléticas
Existem muitas técnicas digitais para o fabrico das mesmas, mas tenciono aqui referir as que estão mais disponíveis, as com que estou mais familiarizado e as que já possuem resultados comprovados cientificamente.
A técnica de fresagem de estruturas para prótese esquelética convencional pode ser executada, mas com custos elevados pelo que não é, na minha opinião, o caminho a seguir no futuro. No entanto, a fresagem do titânio é uma opção válida para casos de alergias dos pacientes a alguns dos componentes das ligas metálicas para esqueléticas, tais como: cromo, cobalto, berílio e níquel. Com o ouro a preços proibitivos, esta opção é talvez a mais assertiva no que diz respeito a alternativas às ligas metálicas de Co-Cr e Ni-Cr. Outra das opções que temos são os esqueletos em resina acetálica (método de injeção de resina) que, com um desenho em tudo semelhante às próteses esqueléticas metálicas, respeita o princípio biológico básico e é livre de qualquer componente metálico.
Assim, os métodos aditivos são, mais uma vez na minha opinião, para além de mais amigos do ambiente, por ter um menor desperdício, as técnicas que terão mais sucesso no futuro.
A impressão 3D e a técnica de SLM (selective laser melting/ fusão seletiva por laser) são dois dos métodos interessantes para a obtenção do esqueleto metálico. A técnica de SLM executa a deposição de pó de metal numa superfície e depois, segundo o desenho executado no software, este é fundido por um raio laser, aglomerando as partículas de pó de metal e construindo o esqueleto metálico.
São técnicas sensíveis com equipamentos extremamente dispendiosos e que têm funcionado apenas em grandes centros de fresagem, que eu saiba, todos fora de Portugal.
Sendo assim, resta-nos, por enquanto, desenhar em CAD o esqueleto e enviar para um centro de fresagem internacional, que nos irá fabricar e enviar o produto final. Da minha experiência, já com dois anos, os esqueletos vêm bem finalizados e com uma adaptação ótima ao modelo de trabalho, dispensando ajustes por parte do técnico de prótese. Claro que tem a sua curva de aprendizagem e é, em alguns detalhes, diferente do enceramento convencional de uma prótese esquelética convencional.
Quanto à impressão em 3D com resinas calcináveis, parece-me uma solução que continua a implicar técnicas arcaicas, como a inclusão, a fundição e o acabamento de esqueletos metálicos que, como a maioria dos técnicos sabe, incluem
Fig. 1. Esqueleto impresso em material calcinável para fundição.
um trabalho pouco recompensador e com a introdução do erro humano sempre presente. No entanto, este processo elimina alguns procedimentos também passíveis de erro humano e de alterações dimensionais típico de muitos dos materiais utilizados, tais como o alívio de retenções, duplica-
Fig. 2. Esquelética impressa por SLM (selective laser melting).
ção do modelo de trabalho em modelo refratário e o próprio enceramento manual que é um trabalho demorado e que depende muito do técnico.
Para obter um esqueleto por impressão 3D necessitamos de desenhar em CAD e posteriormente imprimir numa impressora 3D, que começam hoje a ter preços mais convidativos e que podem ser usadas ainda para modelos, guias cirúrgicas, coroas provisórias, etc.
Sendo assim, é minha opinião que o caminho digital para a fabricação de esqueletos metálicos passará inevitavelmente pelos métodos subtrativos do tipo SLM e pela impressão em materiais calcináveis para fundição.
Prótese total
No que respeita à prótese total a tecnologia digital está ainda mais no início. Apesar de existirem artigos científicos com mais de três anos a realidade é que estamos agora a começar a conseguir executar próteses totais com alguma qualidade estética, funcional e com propriedades mecânicas que começam a ser interessantes quando comparadas com o método convencional. Mais uma vez o custo do que é obtido no digital está muito acima do conseguido pelas técnicas convencionais, mas acredito que as empresas que desenvolvem estes tipos de materiais estão apostadas em conseguir métodos que sejam simultaneamente rentáveis e que tenham qualidade pelo menos idêntica à conseguida pelos métodos convencionais também designados por métodos analógicos. Em relação às caraterísticas estéticas os materiais fresados e impressos ainda não têm a qualidade de alguns materiais existentes para técnicas convencionais e em termos de algumas propriedades mecânicas também apresentam resultados inferiores aos seus concorrentes da técnica convencional.
Neste tipo de prótese temos uma base rosa e dentes em resina acrílica ou PMMA (polimetilmetacrilato) unidos quimicamente aquando da polimerização das bases das próteses em mufla.
Em termos digitais temos hoje softwares que conseguem fazer um desenho da prótese dentária com alguma fiabilidade mas a obtenção da base e dos dentes de acrílico e a sua união é por si um processo moroso e ainda em fase experimental. No que diz respeito à fresagem penso que o objetivo da indústria é conseguir blocos com a parte rosa da base e a parte dos dentes no mesmo bloco tal como a Ivoclar Vivadent
Fig. 3. Esqueleto em resina acetálica obtida por injeção.
está a desenvolver, enquanto na parte da impressão 3D esse objetivo de imprimir rosa e branco simultaneamente está longe de ser algo viável neste momento. Assim, a impressão das bases em rosa e dos dentes separadamente é o que temos, por enquanto, na impressão 3D.
De referir que em termos estéticos e de propriedades mecânicas os dentes fresados apresentam melhores propriedades óticas e mecânicas do que os impressos, visto que nesta última técnica a cor do dente é única, ao passo que na fresagem temos blocos estratificados que melhoram a estética.
Apesar de ainda não estar implementada a sua fabricação nos laboratórios comerciais, penso que devemos estar alerta para que num futuro próximo as impressoras e fresadoras estejam também disponíveis para o fabrico de próteses removíveis esqueléticas e acrílicas com qualidade e preços competitivos quando comparáveis com os métodos tradicionais.
Fig. 4. Base de prótese total inferior impressa e ainda no suporte. Fig. 5. Dentes fresados para posterior colagem á base de prótese.