10 minute read

socIedade

Next Article
fIGUra do MÊs

fIGUra do MÊs

Problemas antigos, soluções inovadoras

Acabou por se tornar um cliché aos olhos do mundo, a imagem de uma África descalça e com fome. Ela continua a existir claro, mas coabita hoje com realidades impensáveis há uns anos. Como o movimento continental de mudança que se baseia na inovação tecnológica levada a cabo por milhares de startup que atingem expressão mundial a partir de países como o Quénia

Advertisement

chama-se ‘abinbev sustainability challenge for africa’s top innovators’ e o objecti-

vo do projecto é permitir que um conjunto de startup de todo o continente possam criar soluções inovadoras que vão ao encontro dos 17 Objectivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), subscritos em 2015 numa cimeira global da ONU, por mais de 150 países. A Incubadora do Standard Bank, em Maputo acolheu o lançamento de uma iniciativa que promete dar 50 mil dólares às ideias vencedoras, criadas por startup nacionais que conseguirem criar as melhores soluções para os grandes problemas de África e do Mundo. Numa iniciativa onde, de acordo com Hugo Gomes, administrador da CDM, “se lança um apelo à juventude para que assuma a dianteira na produção de soluções inovadoras para questões tão essenciais como a fraca produção agrícola, as mudanças climáticas, ou os efeitos nefastos de muitos dos males causados pelo Homem. Queremos dar o nosso contributo para criar um catalisador que possa eliminar algumas das barreiras que frustram as acções dos agentes de desenvolvimento”, diz. Muitos destes temas, tornaram-se clichés, de tanto serem repetidos em textos e imagens. Uma África de miséria. No entanto, o que aqui se pretende é a fusão de dois mundos. Ou melhor, a sua complementaridade. Por muito que se queira, não se pode fugir aos dilemas que muitas regiões de África enfrentam, tão antigos, quanto reconhecidos de todos. Condições meteorológicas extremas, recursos naturais em abundância mas com a riqueza pouco distribuída pelas várias camadas sociais, reduzida produtividade dos recursos-humanos, défice de inovação, altas taxas de custos de insumos, reduzido acesso à terra e falta de mercados sustentáveis. “São as grandes barreiras ao alcance de resultados que correspondam às expectativas da classe produtora

g o gomes,cdm H u

mudar o mundo “Esperamos que iniciativas como esta incentivem os jovens de Moçambique e de toda a África a criarem soluções inovadoras para os problemas que nos afectam há já demasiado tempo”

sociedade

AS CinCo mEtAS Do DESEnvolvimEnto

São cinco os desafios de desenvolvimento sustentável que os jovens empreendedores de todo o continente africano terão de incluir nos seus projectos.

1

agriCultura inteligente Preconiza a busca de soluções inclusivas de alto impacto que melhoram o acesso dos produtores a recursos, produtos e processos agrícolas.

2Água 3 Clima 4 5PaCkaging e reCiClagem emPreendedorismo

Procuram-se soluções inovadoras para expandir o acesso a serviços de água e saneamento aos domicílios sem acesso a fontes de água potável. A busca por uma solução que ofereça suporte a comunidades de baixa renda para se adaptarem e aos desafios das mudanças climáticas. O que fazer com fluxos de resíduos transformando-os em recursos geradores de valor, ajudando a garantir um futuro sem desperdício. A procura de uma solução comercial inovadora que ajude a solucionar o problema do desemprego conjugando todos pontos anteriores numa solução.

familiar africana”, sublinha. Mas África não é só isso. As estimativas em relação ao número de novas empresas startup no continente, não sendo definitivas, mostram-nos que existem já mais de uma centena hubs de inovação espalhados por todo o continente. E se em 2012, havia apenas cerca de 40 milhões de dólares de edge funds investidos neste tipo de projectos, em 2018, estima-se que esse valor já ascenda aos 600 milhões, o que é demonstrativo de que algo está a mudar. “África é um berço para a inovação e uma importante fonte de soluções para mudar o mundo. Com uma população de 1,2 mil milhões de pessoas, uma classe média em ascensão e uma impressionante taxa de crescimento na utilização de tecnologias mobile e acesso à internet (no Quénia, por exemplo, 99% das assinaturas de internet estão associadas a uma operadora de telecomunicações), África parece ser assim, um dos lugares onde ser empreendedor, pode realmente fazer a diferença.

novas soluções Para a ABInBev (uma das muitas multinacionais que, por via das suas políticas de responsabilidade social têm, nos últimos anos, apostado nesta via de premiar ideias inovadoras de jovens africanos) a inovação pode mesmo ser a solução para mudar a face negativa de muitos dos problemas socio-económicos de África e do Mundo, usando as novas tecnologias como fonte de geração de soluções eficientes para fazer face aos desequilíbrios das sociedades africanas. “Não podemos alcançar nada disto sozinhos e, é por isso que lançamos globalmente os nossos objectivos de sustentabilidade”. Para Godfrey Munedzi, do Standard Bank, um dos apoiantes da campanha, os problemas que o continente africano enfrenta “não são de agora, e é por isso que pretendemos fazer da iniciativa um motor de soluções que respondam positivamente aos múltiplos desafios sectoriais, com enfoque para a área agrícola (tecnologia, formação e acesso ao financiamento), hídrica (nomeadamente a escassez e optimização de recursos), ambiente (utilização cada vez maior de fontes renováveis, sendo que a agenda de desenvolvimento preconiza que até 2025 sejam correspondentes a um terço do total da oferta energética existente), e novas soluções de reciclagem adaptadas à reali-

África é mais do que isso. São milhares de startup alinhadas para fazer a mudança acontecer. Das pequenas coisas do dia-a-dia, até aos grandes problemas do continente. E tudo, pela via da tecnologia

dade social de vários países africanos”, diz à E&M. Sendo a agricultura o sector que serve de base à generalidade das economias africanas (a par das diferentes indústrias extractivas) é por ela, que passa igualmente o futuro de um continente onde se prevê um enorme salto populacional na próxima década. Assim, um vasto grupo de jovens empreendedores de Moçambique, Botswana, Gana, Lesoto, Tanzânia, Namíbia, Zâmbia, África do Sul, Nigéria, Uganda e Suazilândia tem a oportunidade de elaborar projectos inovadores nas cinco áreas indicadas (agricultura inteligente, gestão eficiente de água, acção climática sustentável, embalagem circular e empreendedorismo) que contribuam para o alcance dos ODS. “Estamos à procura dos verdadeiros empreendedores africanos que nos possam ajudar a encontrar soluções para alguns dos desafios enfrentados pelo continente”, sublinhou. As melhores ideias, serão premiadas com uma visita de trabalho a Silicon Savannah, em Nairobi.. O Quénia é, de resto, um bom exemplo para Moçambique. A iHub, do Quénia é um ecossistema local que começou a formar-se, em 2010, em torno da tecnologia, com hubs de inovação, fundos de capital de risco e, claro, boas ideias. quando surgiu, tinha 2 mil membros. Hoje, são mais de 18 mil, os jovens empreendedores que, por ali, procuram inventar o progresso. E é ali, que os jovens nacionais que vencerem o desafio proposto pela ABInBev, poderão ir parar também, Mas o vencedor terá um acompanhamento específico de uma incubadora em Nova Iorque durante dez semanas, e concorrerá com outros projectos vencedores dos outros continentes, uma vez que a iniciativa é desenvolvida nos cinco continentes. Para Hugo Gomes, esta iniciativa “é uma forma de acção concreta para evitar que os grandes problemas predominantes no continente sejam ultrapassados através de uma utilização sustentável dos recursos naturais e de soluções alternativas às actualmente existentes. Registámos, nos últimos anos, aqui mesmo em Maputo, restrições de água, algo que não acontecia antes. E isso é um reflexo das mudanças climáticas. É um problema nosso, e de todos, sejam particulares, ou empresas.”

impacto positivo Um grupo de jovens empreendedores presentes no lançamento (na incubadora de startup do Standard Bank, em Maputo), observam atentamente a apresentação. O futuro pode estar já ali. Lídia Gonçalves, jovem empreendedora na área do fomento agrário, entende que “a iniciativa pode estimular os jovens empreendedores a conjugar as diversas percepções em volta daquilo a que chamamos de economia verde.” Cleiton Marrengula, ao seu lado, assume-se também como empreendedor, ele na área de energias renováveis. “Sem dúvida, é gratificante Moçambique ser abrangido por iniciativas assim. Temos de optar pela inovação. Nós, os jovens, temos que aproveitar, para mostrar o nosso potencial para ajudar o mundo.” Essa noção de empreendedorismo, um termo tão em voga nos dias que correm, está na mente de todos. E espera-se, que também nas acções. “A questão do acesso ao emprego formal em África é, como sabemos, uma das grandes fragilidades das nossas economias e este desafio que aqui é feito tem também esse intuito de perceber como podemos, a partir das quatro iniciativas acima referidas, criar mais postos de trabalha.” Tânia Tomé, embaixadora do “Africa Sustainability Challenge”, diz mesmo que “oportunidades como esta dão espaço à vontade, objectivos, e mostram-nos o caminho longo que há a percorrer se queremos chegar à mudança.”

OPINIÃO

Economia de mercado e gestão da riqueza pública da Nação

Salim Cripton Valá • PCA da Bolsa de Valores de Moçambique

tornar os mercados nacionais abertos ao livre comércio

e movimentos de bens, serviços, pessoas e capitais é um dos mandamentos sagrados da economia de mercado, que prevalece desde o lançamento da obra-prima de Adam Smith “A Riqueza das Nações”, em que as economias mais fortes são apologistas da mais rápida, mais extensa e intensiva liberalização do comércio e dos movimentos de capitais, pessoas e serviços. Assegurar que o mercado desempenhe o seu papel nevrálgico na alocação eficiente de recursos e que o governo melhore a prestação de serviços públicos constituem desafios complexos e delicados na formulação e implementação de políticas económicas compreensivas. Temperar de forma adequada a “mão invisível do mercado” e a “acção oportuna de um governo preocupado com o bem-estar do cidadão”, é uma questão de grande alcance prático e estratégico. Uma economia baseada no balanceamento entre o papel do mercado e do governo, estará melhor apetrechada para enfrentar uma economia mundial volátil e cheia de incertezas e instabilidade, cuja recuperação plena se mostra como um processo ainda sinuoso e prolongado. Construir essa interacção é uma condição indispensável para a prosperidade das Nações. Os Governos de vários países têm biliões de dólares em activos públicos, como empresas, terras, florestas, edifícios, infraestruturas, monumentos, recursos hídricos, faunísticos e minerais, sendo em geral mal administrados e, com frequência, nem sequer levados em conta. Planificadores, gestores, economistas e estrategas de política pública têm estado mais concentrados em gerir programas de austeridade e administrar a dívida pública desde a crise financeira de 2007-08, negligenciando e subalternizando a gestão da riqueza pública da Nação. Na maior parte dos países, como muito provavelmente ocorre em Moçambique, a riqueza pública é maior do que a dívida pública e administrá-la melhor poderia ajudar a resolver o problema do endividamento, ao mesmo tempo que forneceria o conteúdo e a substância para uma futura estratégia para o crescimento económico inclusivo e sustentável. Detter & Folster (2016) apontam que a melhoria da gestão da riqueza pública poderia render retornos maiores que os investimentos mundiais conjuntos, ajudando a ganhar a guerra contra a corrupção e promovendo a “boa governação”. Os autores realçam que Áustria, Finlândia e Singapura são, de resto, bons exemplos a esse nível. Tendo os governos muito mais riqueza do que têm conhecimento, perante uma situação crítica de elevado endividamento e uma forte pressão para a adopção de “draconianas medidas de austeridade”, parece ser recomendável avaliar os activos públicos meticulosamente, administrá-los de forma competente e usá-los em prol do bem comum. A riqueza pública da Nação pode ser uma maldição, se for deixada como um “pacote de biscoitos aberto”, tentando aqueles que a supervisionam com má gestão, corrupção ou clientelismo. Mesmo em países desenvolvidos, a sua riqueza pública encoraja a corrupção, e pode induzir a enormes falhas. Uma ideia avançada por alguns países, ousada mas exequível, permitiria aprimorar e blindar os mecanismos de gestão da riqueza pública da Nação, é confiar todos os activos comerciais estatais a um Fundo de Riqueza da Nação (FRN), que pudesse empregar algumas das pessoas mais talentosas do sector público e privado para administrar tais activos de modo mais eficiente possível. Já no passado foi advogada a criação, no contexto da “Agenda 2025: Visão e Estratégias da Nação” (CdC, 2003), de um Fundo Soberano, para a gestão das receitas provenientes da exploração dos recursos naturais. Autores como Collier (2010) e Stiglitz (2016) referem que essa opção ajuda alguns países a evitar a “maldição dos recursos naturais”. No quadro de uma economia de mercado florescente, a adequada gestão da riqueza pública da Nação beneficia a economia como um todo, e sai fortalecido o cidadão, a sociedade, o mercado e o governo. É um daqueles jogos que, quando bem feito, trás benefícios partilhados para todos os intervenientes.

Parece ser recomendável avaliar os activos públicos meticulosamente, administrá-los de forma competente e usá-los adequadamente em prol do bem de toda a sociedade

This article is from: