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Mercado e FINaNças

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Observação

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“SomoS o banco maiS capitalizado e robuSto em moçambique”

Ao longo dos últimos três anos, os mais conturbados da década a nível económico, o Millennium bim apresentou sempre resultados que apontam num único sentido: solidez. Em entrevista à E&M, José Reino da Costa, o PCE da instituição, fala das “dificuldades” de 2018, lançando os grandes desafios deste e dos próximos anos

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a actuação do Millennium bim pode definir-se em poucas palavras: consistência, sobriedade e crescimento. E há resultados palpáveis dessa realidade ao nível da base de clientes (1,8 milhões), da expansão da utilização de canais remotos (Millennium IZI, Internet Banking e redes de ATM e TPA), ou por ser o primeiro banco a estar presente em todos os distritos do país, chegando aos 193 balcões. Ainda sem o relatório de contas referente ao ano de 2018, José Reino da Costa fala, em exclusivo à E&M, de um crescimento de 10% ao nível do número de clientes e dos depósitos, sendo que os valores finais apontam, por essa via, para um crescimento do resultado líquido da instituição, com um rácio de capital acima dos 30% (bem para lá dos 9% mandatórios por parte do Banco de Moçambique). No entanto, ao nível do crédito malparado, que se terá agravado nos últimos anos, a situação ainda é delicada, mas, assinala, “prosseguem os esforços de aperfeiçoamento dos mecanismos de monitorização de risco e de uma política de provisionamento prudente, com vista à eficiência e robustez do balanço”, assume o gestor, para quem a saúde financeira do bim é hoje “assinalável”. O que provoca reflexos na “grande capacidade de concessão de crédito... assim que a economia puxe por nós”, assume.

Como é que podemos olhar para o ano de 2018 do Millennium bim?

Continuou a ser um ano em que houve evolução de crédito, fruto, ainda, obviamente de um crescimento da economia fraco e do nível de taxa de juro que, apesar de já ter descido significativamente, ainda foi bastante elevado. Portanto, o mercado como um todo ainda decresceu a sua carteira de crédito. Nós decrescemos mais do que o mercado, simplesmente, porque houve dois ou três clientes que tiveram liquidez e aproveitaram para liquidar crédito para reduzir os seus encargos financeiros, e isso afectou a nossa carteira ainda de uma forma mais significativa.

Depois, foi um ano com muitos desafios. Já começámos a decrescer o nível de crédito malparado, e, portanto, tivemos um ano em que a nossa estratégia se focou na eficiência e na robustez do balanço.

Há uma noção clara já sobre os principais resultados operacionais do banco no ano passado?

Os números finais apontam para um crescimento do resultado líquido, face ao anterior, para uma forte liquidez do balanço, que tem muito que ver com o facto de termos crescido nos depósitos. Temos neste momento uma taxa de transformação (relação entre os depósitos e o crédito) abaixo dos 50%, o que dá uma grande liquidez ao balanço e também posiciona o bim como um banco com grande capacidade de dar crédito no futuro... assim que a economia puxe por nós. Mas o aspecto mais importante é, claramente, termos fechado o ano com um rácio bastante acima dos 30%. Portanto, com este rácio de capital, que é aquilo que nos define em termos de banco, somos o mais capitalizado e robusto em Moçambique.

Ainda assim, foi um ano de crescimento modesto?

Foi um ano de crescimento modesto, limpeza de balanço, e robustecimento de todos os indicadores fundamentais para aquilo que deve ser um banco líder de mercado.

Ao nível do número de clientes, houve um crescimento dentro dos patamares dos últimos anos?

Crescemos perto dos 10% ao nível dos clientes, temos 193 balcões e somos o único banco presente em todos os distritos do país, não só através dos balcões, mas também da nossa rede de agentes. Este processo de ‘bancarização’ e de inclusão financeira faz parte da nossa estratégia.

Há praticamente uma década que se antevê o tal boom económico com o crescimento a regressar aos 7% anuais, impelido pela exploração de gás natural. De que forma é que o sector financeiro, e um dos bancos que lidera o mercado nacional, se está a preparar para esta mudança?

Prevemos que 2020 seja o ano em que poderemos ter um crescimento expressivo. Acreditamos que o crédito vai ter crescimento em 2019 e já nos últimos meses de 2018 tivemos sinais de que, de facto, já está a crescer (no crédito ao consumo O que se passou (blackout da rede SIMO) foi muito mau para o sistema financeiro. Toda a gente perdeu. Os bancos e fundamentalmente os clientes, particulares, mas também empresas, que não conseguiram fazer as transacções de que necessitavam. No final do dia, acho que perdeu também a credibilidade de Moçambique

a particulares). Obviamente isto tem que ver com a descida das taxas de juros, e, portanto, a capacidade financeira dos clientes voltou aos níveis normais. Mas, como digo, e aliás, as perspectivas do FMI também apontam nesse sentido, 2019 será um ano em que o crescimento andará ainda entre os 4% e 5%. Acho que ainda há um salto que é preciso dar, o que só irá acontecer quando os projectos do gás se materializarem. Mas, como a economia funciona muito com base em expectativas, parece-me que este será um ano de mudanças porque se esperam duas decisões muito importantes. Tivemos a primeira decisão de investimentos em 2017 (Área 4 do Rovuma, concessionada pela ENI), e que foi importante, mas estas duas decisões de investimento (nas áreas 1 e 4) para os dois projectos onshore, com investimentos acima dos 20 mil milhões de dólares cada um, irão, definitivamente, dissipar quaisquer dúvidas que ainda eventualmente existissem. E isso irá alterar as expectativas de todos os players, nomeadamente da banca.

O que irá mudar, de forma mais evidente, em sua opinião?

Vamos assistir ao retorno do apetite internacional em alguns investimentos, ao retorno de mais mão-de-obra estrangeira que virá, necessariamente, apoiar o desenvolvimento destes projectos o que vai criar as condições para que, a partir de 2020, comecemos a sentir que o Investimento Directo Estrangeiro (IDE) comece a aumentar e que, no fundo, a economia cresça perto dos valores que todos desejamos, que serão à volta desses 7% ou 8%, sendo que só a partir de 2022 é que teremos então crescimento a dois dígitos. É por tudo isto que eu digo que 2019 poderá ser o ano de viragem.

Esta dimensão ao nível dos investimentos não passa pela banca nacional mas por sindicatos bancários internacionais. Pergunto-lhe então, de que forma a banca nacional entra nesses grandes investimentos, ou colhe os frutos dos mega projectos?

É bom que se diga isto: o sistema financeiro nacional todo junto, ao nível dos activos, representa 6 mil milhões de dólares. E só o primeiro projecto de gás aprovado em 2017, e que até é o mais pequeno dos três, já era superior a isso. Estamos a falar de mais de 20 mil milhões de dólares de investimento em cada um, e isto dá, por si só, a dimensão de que, de facto, nem que se juntassem todos os bancos nacionais, não conseguiriam financiar estes projectos. Aquilo que é importante para nós é o facto de esses projectos poderem ser o motor de transformação da economia moçambicana. Porque não é só esta acção do gás que vai trazer royalties e impostos para Moçambique, mas vai-se gerar um desenvolvimento do famoso ‘Conteúdo Local’. Por isso, as cadeias de valor vão girar em torno destes projectos em áreas como a formação, recrutamento, advocacia, logística, catering, transporte, para não falarmos de outras indústrias um pouco mais ‘hards’, como as mecânicas. Há um conjunto de actividades que necessariamente vão ter de ser feitas cá, que vão desenvolver a economia e, naturalmente, o sistema financeiro. Havendo crescimento económico, há mais depósitos, mais crédito ao consumo e às empresas. É nisto que acreditamos, e é por isso que apostámos numa lógica de manter o banco bem capitalizado, com liquidez, o que nos posiciona de forma preferencial agora para podermos servir de apoio a todo esse desenvolvimento que todos esperamos para os próximos anos. E contamos que tudo isto aconteça também com uma incorporação nacional significativa.

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O panorama na banca mudou bastante nos últimos dois ou três anos, devido ao impulso regenerador do Banco Central. Em que medida essas mudanças foram benéficas para o sistema financeiro nacional?

Sem dúvida. Para ser completamente claro, estamos alinhados e achamos que esse é o caminho que tem de ser feito. O Banco de Moçambique (BdM), obviamente, é o regulador e supervisor, e portanto, merece todo o respeito. Temos uma relação de enorme proximidade, e de trabalho permanente com o BdM. Todas as medidas que tenham como objectivo trazer mais robustez ao sistema financeiro são positivas. As situações pelas quais passámos nos últimos anos, em que dois bancos foram à falência, obviamente não agradam a ninguém e deveremos evitar que se repitam.

Que medidas destaca, a este nível?

O BdM tem implementado um ritmo de mudança importante, com a introdução das ‘Prime Rates’ para o sistema financeiro, que reforçam a transparência perante os clientes e permitem comparar as ofertas de uma forma muito mais clara. Depois, a alteração do capital dos bancos, ou o rácio de liquidez, também para garantir que estes tenham níveis adequados e demonstrem saúde financeira.

Como viveu aqueles dias do ‘apagão’ da rede SIMO, sendo que o bim até foi o único banco que, por não ter ainda concluído a migração, acabou por ser, acredito, o menos lesado?

De facto, mas para nós foi uma desagradável surpresa. O que se passou foi muito mau para o sistema financeiro. Toda a gente perdeu. Os bancos, e fundamentalmente os clientes, particulares, mas também empresas, que não conseguiram fazer as transacções de que necessitavam. No final do dia, acho que perdeu também a credibilidade de Moçambique. Já tínhamos iniciado o processo de migração, ao nível do investimento que já tinha sido feito e muitas máquinas nossas até já tinham migrado. Investimos dinheiro e tempo que, no fundo, foram desperdiçados.

Essa migração vai ser concluída, ou foi abandonada de vez?

Não será retomada. O processo parou! E neste momento voltámos ao processo anterior e estamos a trabalhar de uma forma independente.

Millennium bim foi o primeiro banco a estar presente em todos os distritos do país

“Os empresários perceberam o perigo que é dependerem demasiado do crédito bancário, porque as taxas de juro podem estar baixas num período e depois, de repente, sobem”

Não é muito comum isto acontecer...

Não, nunca tinha assistido a algo parecido.

A banca tradicional vai ter de mudar nos próximos anos por via do digital, e isso provocará uma alteração radical na forma de ‘consumirmos’ produtos bancários. Em que medida?

Mas a banca já está a mudar. O tema do mobile já tem muitos anos. No bim já trabalhamos nisto há, pelo menos, seis anos. Em Dezembro deste ano batemos, mais uma vez, o recorde de transacções mensais através do IZI (mais de 10 milhões). E aquilo que referiu naquele momento do ‘blackout’ serviu também para mostrar o potencial destas plataformas. A transformação digital está a atingir uma velocidade gigantesca e a nossa estratégia, e a da maior parte dos bancos, é justo dizer, assenta fundamentalmente no mobile. Depois, há a inter-operabilidade, e nesse sentido, fizemos uma parceria com a Vodacom (detém o M-Pesa), que foi um sucesso imediato.

Prevê alguma mudança de paradigma no que concerne ao crédito à habitação?

Esse é um tema vasto e que não passa só pelas taxas de juro. Começa, em primeiro lugar, pelo nível salarial da população moçambicana. A capacidade de financiamento das pessoas é muito baixa, e por

isso é que, muitas vezes, se financiam através de crédito ao consumo para comprar materiais de construção e fazer a sua própria casa. Há uma percentagem muito reduzida da população com salários formais que permitam endividar-se para comprar uma casa e pagar 100 ou 150 mil dólares. O segundo problema tem que ver com os custos de contexto, como a construção, a que acrescem os efeitos da depreciação cambial. Se, em cima disto, pusermos as taxas de juro, que também são bastante elevadas, temos uma equação difícil de resolver. Se olharmos para países que passaram por fases semelhantes, a dinamização do crédito à habitação passou sempre por apoios do Estado, crédito jovem com bonificações que, parece-me, mais cedo ou mais tarde vão ter de surgir aqui.

Com o nível galopante do crédito malparado, o sistema de recuperação dessas dívidas está bem desenvolvido no mercado financeiro?

Temos de dividir isso em duas componentes: empresas e particulares, porque o sistema é completamente diferente. Nas empresas normalmente resolve-se bem e tem fundamentalmente a ver com a capacidade do sistema judicial executar as garantias existentes. Relativamente aos particulares, a situação já é mais complexa. Nos mercados mais desenvolvidos existem empresas de recuperação de crédito que fazem a compra de carteira e, cá em Moçambique, já há alguns embriões desse processo. Mas há ainda dificuldades estruturais como a dimensão do país, a falta de morada das pessoas, a dificuldade de contacto mesmo através do telemóvel e, por isso, é que o nível de crédito malparado está acima daquilo que é desejável. Claro que isto também tem efeitos sobre as taxas de juro, porque há o custo dos riscos.

Acha que há uma percepção diferente da forma de fazer negócio por parte dos empresários, considerando que o financiamento às empresas caiu bastante nos últimos anos?

Eu penso que os empresários perceberam o perigo que é dependerem demasiado do crédito bancário, porque as taxas de juro podem estar baixas num período e depois, de repente, sobem e um negócio que era rentável deixa de o ser. Os empresários têm de perceber, claramente, que o principal gerador de crescimento tem de ser orgânico: as empresas têm de dar lucro porque isso é o que permite reforçar o capital, pagar melhores salários, impostos e fazer crescer a economia. O principal financiamento tem de ser interno, e estes períodos de crise criam um pensamento mais adequado relativamente à forma como as empresas se devem desenvolver. O tema do empreendedorismo é um deles. Há um conjunto de mecanismos que se também se devem desenvolver, como os capitais de risco e os fundos de investimento que apoiam o nascimento de novas empresas.

O que pensa sobre a crítica ao facto de a banca moçambicana ser, praticamente, toda ela estrangeira?

Não é uma discussão de aqui, apenas. Em Portugal também acontece isto (a banca está praticamente nas mãos de bancos espanhóis) e, quando trabalhei na Roménia, a banca também era praticamente toda estrangeira.

E lá também havia essa discussão?

Sim, mas não muito…. Eu penso que o fundamental dos bancos que estão no mercado é que sirvam a economia local. Hoje em dia o capital é muito mais lato. Se um país quer ser e estar aberto ao mundo não creio que seja esse o principal problema, sinceramente. Nós não estamos aqui para outra coisa que não seja para servir a economia local, e não financiamos projectos fora de Moçambique. Acho que a questão fundamental é mais complexa, se quiser, e é se deve ou não haver um banco robusto de capital público para ser o instrumento do Governo (como acontece com a Caixa Geral de Depósitos, em Portugal) que apoie a economia com uma estratégia alinhada com a do Executivo. A banca privada deve ter uma estratégia forte, senão não é privada. Eu acho que a discussão deveria ir mais por aí. Agora, a outra questão é: porque é que isto é assim em Moçambique? Mais uma vez voltamos à questão dos capitais. A culpa é dos bancos estrangeiros? O tema passa por uma questão de capital, fundamentalmente. Havendo capital, havendo investidores moçambicanos com capacidade suficiente, seguramente que haverá mais bancos moçambicanos fortes com mais capital moçambicano. Insisto. Eu acho é que o que é fundamental é garantir que os bancos que estão em Moçambique estão ao serviço do país. E nós estamos cá ao serviço do país.

Acha que a questão das dívidas ocultas e de alguma instabilidade política pode meter-se no caminho do crescimento? Quais é que podem ser os obstáculos à possível mudança da economia do país?

Como dizia, o comboio está em andamento e não vai parar. Estas coisas têm sempre altos e baixos, por razões que não conseguimos prever mas, os grandes projectos estão a andar, e não irão parar.

Qual é, hoje, o seu principal desafio?

A minha missão, enquanto PCE do Millennium bim, é um enorme desafio pessoal e profissional. É com muito gosto e orgulho que faço este lugar, com a humildade de, todos os dias, aprender alguma coisa. A parte mais importante para mim é garantir que o bim continuará a ser o melhor banco em Moçambique por muitos anos.

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