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FIgUra do MÊs
Fátima mimbire Pesquisadora do CIP
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poucos conseguem dar a ca-
ra em assuntos polémicos, menos ainda para protestar. Fátima Mimbire, pesquisadora do Centro de Integridade Pública (CIP), é uma destas figuras, tendo sido um dos rostos da promoção da mais famosa frase dos últimos meses “Eu não pago as dívidas ocultas”.
O que motivou o CIP para criar a campanha?
É preciso dizer que a ideia da produção das camisetas foi do Edson Cortez que era nosso colega na altura e ainda não era director do CIP quando as dívidas ocultas foram reveladas. Esta campanha foi o culminar da confirmação de que, definitivamente, como moçambicanos, não devemos pagar essa dívida. E a ideia é dar voz ao povo, dizer-lhes que se podem pronunciar em relação a essas dívidas, não aceitando que sejam pagas porque não passaram pela Assembleia da República (AR). Estamos a ampliar o espaço para os cidadãos se expressarem e também a fortalecer a ideia de que os moçambicanos não devem aceitar pagar essas dívidas porque há razões mais do que suficientes para que o Estado não assuma o seu pagamento.
Há vozes que dizem que não é o papel do CIP criar este tipo de campanhas. Como é que vê essa posição?
Bom, é uma crítica. Mas, na verdade, não estamos a fazer nada ilegal. A ideia do lançamento desta campanha foi dos colaboradores do CIP onde também me enquadro. Temos um plano estratégico que nos guia, e dentro dele elaboramos os nossos planos anuais. Temos, no nosso plano de acção, estabelecido a cinco anos, a vertente da monitoria e acompanhamento relativamente às dívidas ocultas e esta campanha enquadra-se nesta actividade. Depois, a nossa Constituição da República é muito clara sobre a questão das manifestações, e quando distribuímos as camisetas é para que as pessoas as vistam e se expressem por via delas. Isso é permitido constitucionalmente. O CIP tem estatutos que foram aprovados pelo Governo, portanto, sabe-se que o nosso objectivo é trazer a consciência pública e monitorizar a governação. Por via desta campanha, estamos a consciencializar os cidadãos de que não vamos aceitar pagar uma dívida que é ilegal.
Quando a campanha foi lançada a Polícia procurou impedir a operação. Como é que lidaram com isso?
Simplesmente continuámos a fazer a distribuição e recomendámos às pessoas que resistissem. Houve algumas que o fizeram mas, infelizmente, outros obedeceram às ordens da polícia uma vez que, no nosso país, a cultura
cv
curriculum vitae
fátima Mimbire trabalhou como jornalista na agência de informação de Moçambique (aiM) e foi professora assistente na escola Superior de Jornalismo. actualmente é pesquisadora do CiP em processos ligados à indústria extractiva.
CIP
de obediência às autoridades é muito grande, tanto que as pessoas até acabam por acatar ordens ilegais. No entanto, continuamos com a campanha de distribuição nas províncias. E ela vai continuar até os moçambicanos estarem satisfeitos com a decisão da AR. Penso que se queremos construir este país, temos de fazer as coisas com seriedade.
Sente que as pessoas que têm a t-shirt a vestem, ou temem represálias das autoridades?
É difícil aferir isso, mas temos visto gente nas ruas com elas vestidas. Há pessoas que vestem, mas também há outras que simplesmente as têm e só as usam em casa. Infelizmente, temos um pouco esta cultura do medo, mas também é preciso lembrar que temos uma geração pós 90 que não está amarrada a ele e consegue expor e expressar as suas opiniões e fazer-se ouvir. É ainda preciso mudar essa lógica e permitir que as pessoas se pronunciem à vontade sem nenhum receio.
Como é que está a ser acolhida esta campanha nas províncias?
Há muito interesse e já nem estamos a conseguir responder à demanda das pessoas. O que estamos a fazer é disponibilizar aos cidadãos os desenhos da camiseta para as pessoas poderem, de forma independente, estampar a sua própria t-shirt. A campanha tem tido uma enorme aceitação nas ruas e nas redes sociais, o que demonstra que há uma insatisfação popular evidente.
Qual será o posicionamento do CIP caso o Governo mantenha a opinião sobre a legalidade das dívidas contraídas?
Sabemos que existe promiscuidade entre o sistema judicial e o poder executivo, mas acreditamos que o bom senso pode reinar no final do dia. Temos uma pequena esperança de que isso pode acontecer. Podíamos recorrer a outros mecanismos como o Tribunal Africano mas, infelizmente, não podemos fazê-lo porque o governo ainda não permitiu que os moçambicanos pudessem aceder a ele. Aí, poderíamos processar o governo por violação dos direitos humanos porque é comprovadamente visível que estas dívidas vão comprometer os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.