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ProvÍNcIa
à beira de um novo arrefecimento?
Um facto e uma previsão ocasionam o temor de um novo abrandamento da dinâmica económica numa das províncias potencialmente mais ricas do país, gerando o suspense alimentado por memórias de um duro passado recente
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subitamente, a rápida ascensão da actividade económica que a província de Tete conheceu, com o surgimento de novos empreendimentos nas áreas do turismo, imobiliária e de serviços, deu lugar a um abrandamento que retirou à província o estatuto de El Dorado. Estávamos em 2014, o preço do carvão no mercado internacional caía a pique, e por via disso, arrefeciam os grandes investimentos das mineradoras e, com eles, as actividades que o carvão tinha, para ali, atraído. Esse cenário permaneceria deprimido, como esta descrição, durante os três anos que se seguiram, até 2017, alavancado pela valorização do preço do carvão no mercado internacional, que trouxe a estabilidade de volta. E o carvão passou, então, a ser a principal commodity exportada (ultrapassando o alumínio) e uma das maiores fontes de receita do Estado. No entanto, no início do ano, o seu preço voltou a constituir um sinal de preocupação, porque se prevê uma nova redução, em 12%, seguindo uma tendência do ano passado em que essa quebra, ainda que ligeira, já se fazia sentir. Ao mesmo tempo, a Vale, empresa com maior peso na produção e exportação do carvão (também classificada como a maior empresa de Moçambique na última actualização do concurso da KPMG), está a enfrentar vários processos que podem afectar negativamente os seus negócios, na sequência do rompimento de uma barragem em Brumadinho, Brasil, cujos danos são considerados ‘criminais’ pelas autoridades daquele país (centenas de mortos e desaparecidos, além de danos ambientais). A E&M procurou ouvir a Vale, na qualidade de empresa com maior peso na exploração de carvão (apesar de haver outros operadores com destaque para a japonesa Mitsui e as indianas Jindal e ICVL), mas a assessoria de imprensa da empresa avisou que “é cedo para a mineradora se expressar, sobretudo em torno do impacto da tragédia de Brumadinho nos seus negócios em Moçambique”, uma vez que a grande prioridade passa, agora, “por prestar apoio às vítimas.” província tete
capital Cidade de tete área 101 000 km² população 2,8 milhões região Centro-norte
No entanto, “os riscos de haver uma limitação dos investimentos para mobilizarem recursos em resposta àquele problema são reais e podem ter resultados negativos na nossa província”, diz Carlos Cardoso, presidente do Conselho Empresarial de Tete, que teme nova redução do fluxo de investimentos na província, sobretudo nos sectores do turismo, imobiliário e serviços, com impacto assinalável ao nível das PME. E, sabe-se, há o perigo de, caso a reestruturação da Vale se torne uma realidade no Brasil, os gestores da empresa reavaliem os activos que não são considerados cruciais para a empresa. Não será o caso de Moçambique, pela dimensão da operação, mas o que
é certo é que algumas sombras se levantam a este respeito, nesta altura. Para a economista e pesquisadora do Centro de Integridade Pública (CIP) com foco na indústria extractiva, Inocência Mapisse, “empresas da dimensão da Vale têm uma estrutura organizacional que permite lidar com eventos inesperados (através dos seguros) para evitar desinvestimentos”, daí que não antevê, a possibilidade de Tete ser “muito afectada” por esta situação.
incertezas do sector privado Carlos Cardoso descreve como “animadora” a retoma do crescimento do sector imobiliário, do turismo e dos serviços, que havia adormecido com a redução de investimentos há mais de quatro anos, retirando emprego a centenas de pessoas. Mesmo assim, mostra “preocupação” com a crescente queda do carvão no mercado internacional, que “coloca o empresário sem saber se deve ou não continuar a investir, visto que o cenário pode mudar a qualquer momento e voltar a trazer prejuízos”, assume. Apesar da incerteza, não acredita que a redução prevista de 12% no preço do carvão possa ser tão severa como o fenómeno de 2014, em que o preço caiu para menos de metade, factor que foi agravado pelos ataques que obrigaram ao encerramento de muitos empreendimentos. Posição similar é assumida pela economista Inocência Mapisse. “É possível que a Vale e outros operadores do mercado abrandem as suas operações, mas não tomarão esta decisão com tanta flexibilidade. Terão de estudar cenários futuros antes de decidir, mesmo porque uma redução de 12% ainda é comportável e pode ser que a recuperação do preço aconteça também num curto espaço de tempo”, argumentou a economista, para quem Tete “não deverá assistir à suspensão de investimentos em sectores de apoio às extractivas, e que têm impacto no crescimento económico local”, adverte. Em sentido inverso, também o economista e docente universitário Constantino Marrengula não demonstra optimismo quanto aos efeitos da prevista redução dos preços do carvão. “Agora estamos diante de uma previsão que faz temer o cenário de 2015. O efeito directo deste fenómeno é a redução da produção para evitar maiores perdas de receitas”, avançou o economista. Mesmo admitindo a hipótese de a quebra do preço no mercado internacional fazer
RiqUezas de TeTe
Mais do que apenas o carvão, a província dispõe de uma extensa variedade de recursos minerais. Com mais investimentos, Tete seria sem dúvidas um El Dorado nacional
Recursos minerais
É conhecida pelas reservas de carvão mineral de dimensão mundial, tendo como grande concorrente a austrália, mas tem reservas de pedras preciosas, de ornamentação e semipreciosas, ouro, grafites, urânio, ferro, cobre, granito-negro, calcário, vanádio e fluorite.
energia
Também é ali que está uma das maiores barragens hidroeléctricas de África, a HCB, a 18º mais importante do mundo, com uma capacidade de produção máxima anual de 18 mil gWh, e que abastece o país e vizinhos como a África do Sul, Malawi, Zâmbia.
agricultura
Conhecida pela vasta extensão de terras férteis, Tete produz principalmente o tabaco, algodão, a batata reno e doce, e uma grande variedade de cereais (feijão, milho, amendoim, soja entre outros). Tem ainda a maior mancha florestal do país.
Turismo
a província tem um potencial assinalável para o turismo de interior. Na albufeira de Cahora Bassa, a actividade está em franco desenvolvimento. ainda há a destacar as águas termais de Boroma, as fontes de água da angónia, Macanga, Chiúta e Zumbu, e outros locais de interesse turístico, incluindo atractivos paisagísticos, com destaque para o Vale do Zambeze.
aumentar a procura e, por via disso, incentivar a uma maior produção e vendas (podendo, assim, contrabalançar o efeito do preço), o economista não acredita que as empresas optem por manter níveis elevados de produção de carvão, porque, analisa, “elas são geralmente conservadoras a este respeito, procurando sempre evitar riscos de perda de lucros. E a forma mais evidente de o fazer é baixando o nível da produção ou diminuindo alguns custos, particularmente os da mão-de-obra”, explicou o economista que, além da redução da força de trabalho, antevê ainda a redução das compras que as multinacionais fazem localmente, lembrando que “só a Vale gastou cerca de 800 milhões de dólares na contratação de Pequenas e Médias Empresas que prestam diversos tipos de serviços o que, com menor previsão de lucro, deverá deixar de acontecer, pelo menos a essa escala.”
tete não carbonífero… e as vias de acesso Tete confunde-se com carvão… e é justo, e mais do que compreensível que assim seja. É a matéria-prima que mobiliza a economia local (e nacional). Mas há também uma série de outros recursos que merecem especial atenção. Por exemplo, é uma das províncias com mais minérios (ver caixa das potencialidades), muitos deles ainda não devidamente explorados, apesar de já existirem projectos nesse sentido. Depois, é uma das regiões do país com maior potencial agrícola. No entanto, há um claro défice na rede de estradas, um dos maiores clamores do empresariado local, de há anos a esta parte. Ao nível do investimento, é também ali que vai nascer a maior siderúrgica nacional, um empreendimento com potencial “para ser o pilar da indústria de aço nacional e regional nos próximos 100 anos, dando retornos robustos aos investidores e benefícios sócio-económicos ao país”; dizia o ministro Max Tonela, aquando da assinatura do contrato com a australiana Capitol Resources, num investimento de 770 milhões de dólares. Segundo o governador local, a implantação da fábrica dará origem a outras actividade, como a produção de cimento, betão reforçado, cabos metálicos e, sobretudo, gerará mais postos de emprego e ocasionará o crescimento de novas PME, de que a província (e o país) tanto necessitam.
OPINIÃO
Nómadas digitais
Cristina Simón • Professora de RH da IE Business School e directora do MBA IE-BROWN
como tem vindo a acontecer nos últimos anos, as possibilidades que abre a tecnologia permitem uma nova concepção do trabalho: as comunidades dos chamados nómadas digitais. São basicamente profissionais da geração millenial que decidem prescindir dos laços espaço-temporais marcados pelas formas de relação laboral tradicionais e trabalham enquanto viajam. Iniciativas como a Selina.com organizam espaços físicos em destinos de interesse turístico para que estes jovens nómadas digitais disponham de conexão e lugares adequados para desenvolver a sua actividade. Obviamente esta opção não é para toda a gente, nem para todos os postos de trabalho. Aquelas actividades que requerem atenção próxima ao cliente ou presença física (indústria ou determinados serviços) não são susceptíveis de nomadismo em geral. Contudo, é interessante analisar o que esta forma de trabalho representa. Uma vez superado o “onde vamos parar” inicial - uma primeira análise a estas comunidades de nómadas digitais gera a sensação de qualquer coisa menos produtividade ao estilo clássico –, o certo é que há muitos trabalhos que, ao não requererem presença física, podem realmente ser desempenhados a partir de qualquer sítio. E inclusive podemos pensar em muitos que requerem inspiração e renovação (como o desenho ou as tarefas criativas), para os quais sair da rotina diária pode ser um estímulo importante para a eficácia pessoal. E devemos esperar que este tipo de trabalhos venha a aumentar no futuro, visto que a robotização absorve as tarefas mais rotineiras, físicas e que requerem presença num posto de trabalho. O fenómeno do nomadismo digital permite-nos também fazer uma leitura histórica do mundo do trabalho tal como o conhecemos no mundo ocidental actual. Ainda seguimos o modelo gerado durante a Revolução Industrial do século XIX e devemos recordar o choque que representou em seu momento. Os operários suicidavam-se por não poderem passar a cada dia um número de horas fixas dentro de um edifício com luz artificial quando a sua forma de vida, essencialmente agrícola, tinha estado vinculada ao movimento do sol e ao ritmo do clima e das estações. A nossa forma de trabalho não é tão antiga nem inerente à nossa espécie. Não quero dizer com isso que tenhamos de voltar ao campo ou que devamos tornar-nos luditas, senão simplesmente que não é a primeira vez que acontecem mudanças na concepção que temos do trabalho e que não deveríamos escandalizar-nos por isso. Sim, é certo que estes nómadas digitais nos recordam estes tempos anteriores, onde não existiam as amarras que actualmente marcam o nosso sistema produtivo. Como em tantos fenómenos socio-económicos gerados pela tecnologia, ainda está por ver a extensão deste nomadismo digital e se irá além de ser outra moda efémera. Cada vez são mais os jovens que decidem romper com o sistema durante uma temporada e viajar sem amarras, com trabalhos precários mas que lhes permitem ter experiências diferentes e aprender com outras culturas, o que pode ser também uma valiosa fonte de talento para as organizações. Esperemos que os departamentos de selecção se adaptem também a esta nova visão do mundo e saibam ver nos currículos dos nativos digitais o maior valor que podem trazer às novas gerações.