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SocIedade

Como a Cannabis está a fazer sorrir um novo merCado global

Se fosse necessário destacar apenas um indicador do interesse e das expectativas que hoje recaem sobre a nova indústria da cannabis, bastaria referir as duas sessões que lhe foram dedicadas no recente World Economic Forum que se realizou em Davos, na Suíça

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no ponto de encontro anual da elite

política, económica e financeira global, o Forum de Davos acolheu, numa das suas sessões, personalidades tão diversas como Ehud Barak (antigo primeiro-ministro de Israel, país que é um dos maiores produtores de cannabis para fins medicinais) e Bruce Linton, CEO da Canopy Growth, a maior produtora canadiana de cannabis, para falarem da situação actual do mercado e das tendências de evolução para os próximos anos. Na outra sessão, patrocinada pela Canadian Securities Exchange e o OTC Markets Group Inc., os participantes analisaram as perspectivas financeiras e de cotação em bolsa das empresas que já hoje se movimentam neste novo mercado. No entanto, o que passou em Davos reflecte apenas uma nova realidade. De acordo com dois relatórios recentes (The State of Legal Marijuana Markets e The Road Map to a $57 Billion Worldwide Market) produzidos pela empresa Arcview Market Research, em parceria com a BDS Analytics, com a progressiva legalização

57

mil milhões de dólares é a estimativa de valor do mercado da cannabis até 2027 ao nível da comercialização e consumo, tanto para fins medicinais como recreativos

da produção, comercialização e consumo da cannabis, tanto para fins medicinais como recreativos, a expectativa é que este mercado represente, em 2027, a nível global, um valor que poderá atingir os 57 mil milhões de dólares.

novos segmentos do mercado da ‘erva’ De acordo com os relatórios, a fatia de mercado mais significativa será a da cannabis para fins recreativos (67%) sendo os restantes 33% para a cannabis para fins medicinais. O maior crescimento em número de consumidores irá verificar-se na América do Norte (EUA e Canadá) o que, em termos de volume de negócio, representará uma evolução dos actuais 9,2 mil milhões de dólares para os 47,3 mil milhões em 2027. Porém, o maior crescimento de mercado, em termos absolutos, (isto é, não apenas relativo à componente de consumo) irá ocorrer fora da América do Norte (os relatórios prevêem que se deverá passar dos actuais 52 milhões de dólares (números de 2017) para 2,5 mil milhões, em 2027).

sociedade

Um dado interessante é que, enquanto na América do Norte predominará o consumo da cannabis para fins recreativos, na Europa será a cannabis para fins medicinais que deverá ser o motor do mercado. Tendo em atenção as diferenças existentes nos sistemas de saúde de um e do outro lado do Atlântico, os relatórios prevêem que a Europa será, dentro de uma década, o maior mercado mundial de cannabis para fins medicinais. Um exemplo significativo, neste aspecto, é o facto de a Alemanha ter legalizado, em 2017, a venda de cannabis para fins medicinais nas farmácias do país. Aliás, de acordo com os relatórios, a Alemanha está já a posicionar-se para ser líder do mercado europeu de cannabis (com a Itália a destacar-se em segundo lugar). Mas outros países europeus irão também ocupar um lugar de destaque neste novo mercado, nomeadamente Portugal. A empresa canadiana Tilray – que é neste momento a mais valiosa do mundo no sector da cannabis – estima investir, até 2020, cerca de 20 milhões de euros em Portugal na produção de cannabis medicinal para abastecer o mercado europeu (a unidade de produção da Tilray situa-se na zona de Coimbra, na região centro do país). A maioria da produção portuguesa deverá seguir para a Alemanha, um dos sete países para onde a Tilray vende. O valor de mercado da Tilray tem vindo a disparar e a empresa viu as suas acções subirem quase 800% desde que entrou em Bolsa no passado mês de Julho. A confirmar a Europa como um dos principais líderes da nova indústria da cannabis refira-se que, durante 2019, a International Cannabis Business Conference, a maior entidade organizadora de eventos sobre o sector, vai organizar conferências em Barcelona, Berlim e Zurique, lugares onde pode ir se quiser conhecer mais sobre este mercado.

fast growing... ou smoking markets Outros dados interessantes contidos nestes relatórios indicam que a América do Sul (com destaque para o Brasil, a Argentina, o Perú e o Uruguai) será um dos mercados onde a cannabis, para fins medicinais, irá ter um crescimento maior na próxima década. Já a Austrália afirmar-se-à entre os cinco primeiros produtores mundiais, ao passo que Israel continuará a ter um lugar de grande destaque (devido ao facto de ser, desde há vários anos, pioneiro na produção de medica-

Plantação da Canopy Growth, a maior produtora canadiana de cannabis

A cerveja Corona anunciou um investimento de 4 mil milhões de dólares na Canopy Growth, uma das maiores produtoras do mundo, para fabricar novas bebidas à base de cannabis

mentos fabricados à base de cannabis). Quanto à Ásia, o recente Hong Kong Cannabis Investor Symposium deu indicações claras de que apesar do atraso dos países do continente em se posicionarem no novo sector, há sinais de que essa situação irá começar a mudar muito rapidamente. Por exemplo, a empresa CannAcubed – que desenvolve projectos a nível global no domínio da produção, processamento, investigação científica e licenciamento de cannabis para fins medicinais - anunciou estar em conversações com o governo chinês para o desenvolvimento de um parque industrial com uma área superior a 100 mil hectares (o Cannabis Eco-Park) na região de Yunnan. E a Tailândia acabou de aprovar, em Dezembro passado, legislação que vai permitir a produção e comercialização de cannabis pra fins medicinais.

em áfrica... Já no que toca ao continente africano, as perspectivas de uma qualquer inflexão legislativa no sentido de permitir a produção e a comercialização de cannabis parecem distantes. Apesar de na África do Sul, sobretudo na região de Cape Town, vários empreendedores se terem manifestado no sentido de uma

mudança legislativa que lhes permitisse responder positivamente ao interesse manifestado, por exemplo, por investidores canadianos, o governo não tem dado sinais de estar disponível para levar a cabo qualquer alteração ao quadro legal actual. Apenas o Lesotho tem correspondido, em parte, ao interesse de algumas multinacionais havendo, neste momento, algumas farmacêuticas (Supreme, Rhizo Sciences e Aphria) a operar naquele país. Perante o interesse destas multinacionais em explorar a reconhecida qualidade da marijuana local, o governo introduziu algumas alterações legais que permitiram ao país capitalizar esse investimento externo. Tendo em atenção que, de momento, na América do Norte (EUA/Canadá) e, em parte, na América do Sul, a maior fatia de mercado está na cannabis para fins recreativos, o último ano assinalou a entrada em força neste sector de grandes multinacionais detentoras de marcas poderosas.

multinacionais entram em cena Em Agosto do ano passado, a Constellation, que detém, entre outras bebidas, a cerveja Corona, anunciou um investimento de 4 mil milhões de dólares na Canopy Growth, uma das maiores empresas canadianas produtoras de cannabis. O objectivo deste investimento é ajudar no desenvolvimento, não apenas de bebidas (e não somente cerveja) com infusão de cannabis (nas suas duas opções, isto é, quer contendo apenas a componente CBD quer a THC, a componente psicoactiva), mas também de produtos como rebuçados e chocolates. Ainda no sector das bebidas, também a Coca-Cola já deu indicações de se estar a preparar para investir neste mercado. Embora James Quincey, CEO da empresa, tenha referido que a entrada do Coca-Cola não irá acontecer no curto prazo, pelo menos enquanto não houver um quadro legal definido a nível federal nos Estados Unidos (para já apenas existe legislação estadual), o facto é que no início de 2018, tanto a revista Forbes como a Bloomberg noticiaram que a Coca-Cola estava em conversações com os canadianos da Aurora Cannabis na perspectiva de vir a lançar um segmento de bebidas com infusão de cannabis (embora, para já, a Coca-Cola só esteja a considerar o uso de CBD, a componente não psicoactiva da cannabis). Como seria de esperar, também as tabaqueiras se têm estado a movimentar. Embora já há muitos anos tenham vindo a surgir, ciclicamente, notícias que indicavam que a indústria se estava a preparar para uma situação como aquela que agora se está viver, a Altria (que produz os cigarros Marlboro e outras marcas) anunciou, em Dezembro passado, um investimento de quase 2 mil milhões de dólares na empresa canadiana Cronos Group. Mas enquanto estes “peso-pesados” afinam as suas estratégias, milhares de pequenas e médias empresas, dos mais variados sectores (bebidas, alimentação, cosmética, etc.) estão já no terreno com uma miríade de produtos. Refiram-se, apenas a título de exemplo, os chocolates da Bhang, os doces e geleias da Garden Society, as bolachas crocantes concebidas pela chef Mindy Segal através da sua empresa Mindy’s Edibles, a água mineral Hi-Fi Hops ou ainda as cervejas artesanais criadas por Keith Villa, fundador da Blue Moon. Há que referir, por fim, que a legalização da cannabis criou a necessidade de levar a cabo o rebranding total de um produto que durante décadas foi objecto de uma imagem negativa.

Como se faz o rebranding de um produto que sempre teve má imagem? Grandes empresas de design (mas também uma nova constelação de pequenas firmas independentes) estão hoje envolvidas nas múltiplas frentes que a criação de uma nova imagem implica. Este esforço é particularmente visível na área do retalho com o aparecimento de espaços conceptualmente sofisticados (em termos de design) e que podem combinar vertentes muito diversas (loja, bar, livraria, roupa, arte, etc.). Esta abordagem é evidente tanto em espaços como a Mister Green Life Store (em Los Angeles, EUA) ou a MedMen (em Manhattan, Nova Iorque) – que se posicionam claramente no segmento do luxo investindo em objectos de design exclusivos – como em grandes superfícies, sendo a Planet 13, em Las Vegas (EUA), um caso exemplar. Apesar de se tratar de uma verdadeira megastore e incluir até um drive-in, a Planet 13 investiu fortemente tanto no design do espaço como no packaging dos diversos produtos que disponibiliza aos consumidores. Em paralelo, surgiram no mercado, entre outras, revistas como a Ember (resultado de uma parceria com o conhecido magazine independente nova-iorquino Paper) e a Broccoli (um projecto de Anja Charbonneau que tem como alvo o segmento feminino) cuja lógica decorre da percepção que a cannabis (nas suas vertentes medicinais e recreativas) é, a partir de agora, um produto mainstream, com milhões de consumidores por todo o mundo, e não mais um “estilo de vida alternativo e marginal”. Nesta perspectiva, estas revistas, como várias outras publicações entretanto surgidas (para não referir a atenção que os media de referência cada vez mais dedicam ao mercado da cannabis), são um sinal evidente deste rebranding que está a criar uma nova narrativa em torno do consumo da cannabis.

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