E&M_Edição 24_Abril 2020• COVID-19, O que vem ai?

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moçambique

Banca sector financeiro prepara-se para aumento do malparado Turismo Hotelaria e restauração estão a perder 98% da facturação Clima Pandemia tem tido efeitos inesperados no ambiente Sociedade Como está a população a reagir?

Covid-19

O que vem aí?

Com a pandemia a tomar conta do mundo há mais perguntas do que respostas. O que vai acontecer em África? Como vai aguentar a economia de Moçambique? Que Mundo teremos a seguir? Abril 2020 • ano 03 no 24 • Versão Digital



Sumário 6

Observação

Covid-19 Uma imagem premonitória do que estaria por vir nos meses que se seguiram

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Radar

Panorama Economia, Banca, Finanças, Infra-estruturas, Investimento, País

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57 ócio 58 Escape Um ano depois do Idai, revisitamos a Beira 60 Gourmet Ao encontro de diferentes sabores e culturas no Market on Main 61 Adega Conheça a tendência dos tradicionais espumantes portugueses 63 Arte Com o vírus, o mundo das artes tem apostado em plataformas digitais 64 Ao volante Vanlife mais do que férias, um novo estilo de vida

Macro

Hotelaria e Turismo A drástica redução de mobilidade está a causar um profundo impacto num sector estruturante

20 nação O que vem aí? 20 Nação A E&M lança um olhar sobre as perspectivas da economia nacional e global face à eclosão do covid-19 26 Nação II Estará o mundo diante de uma oportunidade ímpar para mudar o rumo e o modelo do desenvolvimento que tem vindo a ser seguido nas últimas décadas?

34 mercado e FinanÇas

46 figura do mÊS

Sector financeiro Uma análise à eficácia das medidas dos bancos no alívio ao sector produtivo e às famílias

42 empresas

Associação Industrial de Moçambique Rogério Samo Gudo fala dos desafios da organização e das novas ideias para a revitalização da indústria nacional

48 sociedade

Contact A história de uma empresa que cruza caminhos de quem procura e quem oferece trabalho

44 Megafone Marketing O que está a acontecer no mundo das marcas em Moçambique e lá por fora

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Alerta A luta diária contra a pandemia faz-se na cidade de Maputo e nos bairros. Fomos ver o que está a ser feito

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lÁ fora

Angola Com a rápida disseminação do vírus e o pânico nos mercados financeiros, o Governo angolano prepara ajustes orçamentais

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Editorial

Covid-19. As mudanças no País, no Mundo e a postura da E&M

c

Celso Chambisso •Editor da Economia & Mercado omo em poucas ocasiões na História da Humanidade, a socieda-

de global encara, hoje, mais um desafio comum: o novo coronavírus. Um verdadeiro teste, não apenas aos mecanismos de que as nações dispõem, de prover assistência médica para responder a doenças infecciosas, mas também à capacidade que o mundo tem de constituir uma sociedade que possa desenvolver um trabalho conjunto, ignorando fronteiras e todo o tipo de peculiaridades nacionais, em busca de soluções. Em tão pouco tempo, o covid-19 levou a mudanças estruturais no posicionamento das economias, tendo forçado a revisão em baixa das perspectivas de crescimento, dado o efeito pernicioso que tem em todas as áreas de actividade à escala global. E é exactamente a falta de discriminação desta virose ‘apocalíptica’ que, nesta edição, retirou à E&M a diversificação temática que lhe é característica ao folheá-la da capa à contracapa. Pela primeira vez, de entre esta diversificação, os efeitos do covid-19 são analisados em todos os artigos. Desde a economia global à nacional, com ramificações que focam sectores muito específicos, como o turismo — olhando, com particular atenção, para a actividade hoteleira e de restauração — ao sector financeiro, marcado por profundas mudanças que visam dar fôlego às famílias e empresas, que experimentam momentos de sufoco sem precedentes. Nesta altura, já ninguém duvida que haverá um retrocesso no crescimento e no desenvolvimento em todo o Mundo. E em Moçambique, particularmente, a expectativa de retoma da estabilidade, que se foi perdendo ao longo dos últimos cinco anos, com a ocorrência de uma sequência de eventos de diversa ordem, desde a crise das dívidas espoletadas em 2015 até aos ciclones Idai e Kenneth no ano passado. Também devido ao covid-19, pela primeira vez e depois de 23 publicações, a inaugural há precisamente dois anos, a E&M dispensa temporariamente a versão impressa e sai apenas em formato digital, num esforço conjunto com o portal de economia e negócios “Diário Económico” e nas várias plataformas electrónicas da E&M (como a app que disponibilizamos gratuitamente e através de newsletter enviada mensalmente para toda a nossa base de leitores, assinantes e parceiros comerciais e institucionais). Esperamos, desta forma, dar o nosso contributo na luta para travar a progressão do contágio e promover o conhecimento sobre o terrível desconhecido que a todos inquieta. Nesta edição, caro leitor, tem à sua disposição ferramentas que vão conferir nitidez ao que se passa no País e no Mundo, ainda que não seja possível dissipar, neste momento, todas as incertezas quanto ao que ainda está por vir.

MÊS ano • Nº 01 Abril 2020 • Nº 24 propriedade Executive Mocambique EDITOR EXECUTIVO Celso Liquatis nienis doluptae velitChambisso et magnis JORNALISTAS Emídio Cristina enis necatin nam fuga. Massacola, Henet exceatem Freire, Elmano Madaíl, Rui Trindade seque cus, sum nis nam iu Qui te nullant PAGINAÇÃO José Mundundo adis destiosse iusci re in prae voles FOTOGRAFIA Mariano sant laborendae nihilib Silva uscius sinusam REVISÃO Manuela Rodriguesdolorep dos Santos rehentius eos resti dolumqui Direcção Comercial Esteves reprem vendipid que ea etAna eumque non ana.esteves@media4development.com nonsent qui officiasi conselho CONSULTIVO lorem ipsum Executive Mocambique Alda Salomão, Narigão, Liquatis nienis Andreia doluptae velit et António magnis Souto; Bernardo Denise Branco, enis necatin namAparício, fuga. Henet exceatem Fabrícia de Almeida Henriques, Frederico seque cus, sum nis nam iu Qui te nullant Silva, Iacumba Ali Aiuba, adis destiosse iusci re in João prae Gomes, voles Narciso Matos, Rogério Salim sant laborendae nihilib Samo usciusGudo, sinusam Cripton Valá rehentius eos resti dolumqui dolorep DIRECTOR EXECUTIVO Pedro Cativelos reprem vendipid que ea et eumque non pedro.cativelos@media4development.com nonsent qui officiasi ADMINISTRAÇÃO, lorem ipsum LiquatisREDACÇÃO nienis doluptae E PUBLICIDADE Media4Development velit et magnis enis necatin nam fuga. Rua Ângelo Azarias Chichava nº 311nis A— Henet exceatem seque cus, sum nam Sommerschield, – Moçambique; iu Qui te nullant Maputo adis destiosse iusci re in marketing@media4development.com prae voles sant laborendae nihilib uscius IMPRESSÃO E ACABAMENTO sinusam rehentius eos resti dolumqui Minerva - Maputo - Moçambique dolorep Print reprem vendipid que ea et Tiragem 4 500 exemplares eumque non nonsent qui officiasi Propriedade dO Registo lorem ipsum Liquatis nienis doluptae Executive Moçambique velit et magnis enis necatin nam fuga. Número de Registo Henet exceatem seque cus, sum nis nam 01/GABINFO-DEPC/2018 iu Qui te nullant adis destiosse iusci re in prae voles sant laborendae nihilib uscius sinusam rehentius eos resti dolumqui dolorep reprem vendipid que ea et eumque non nonsent qui officiasi lorem ipsum Liquatis nienis doluptae velit et magnis enis necatin nam fuga. Henet exceatem seque cus, sum nis nam iu Qui te nullant adis destiosse iusci re in prae voles sant laborendae nihilib uscius sinusam rehentius eos resti dolumqui dolorep reprem vendipid que ea et eumque non nonsent qui officiasi

assinatura digitalizada

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observação Tóquio, Japão

O Mundo mudou Dezenas de trabalhadores protegidos com máscaras na estação de comboios de Shinagawa. A imagem é de 28 de Fevereiro e fazia antever o que aí vinha. Como veio. Agora, quase dois meses depois, o Covid-19 alastrou pela velha Europa, avançou pelas novas Américas e, para já, poupou África e grande parte do hemisfério Sul à sua fúria. No entanto, não será só a máscara que veio para ficar. Ficam na memória os que o coronavírus levou e sobram preocupações para quem ficou. Com o desemprego e com as recessões que se irão seguir, é quase natural a certeza que se alastra ainda mais depressa do que o próprio vírus: o mundo mudou, de facto, e a mudança ainda está só no começo. fotografia Charly Triballeau, AFP

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RADAR Exxon Mobil adia FDI do Rovuma

ECONOMIA Gás Natural. Analistas da “The Economist” alertam para o facto de, depois da guerra civil que durou 16 anos (de 1976 a 1992), os ataques de grupos jihadistas em Cabo Delgado serem a grande ameaça à estabilidade do país, mais concretamente ao sonho de tornar Moçambique no “Qatar de África”, que vem sendo alimentado pelas grandes descobertas de gás natural no país. Os analistas consideram mesmo a possibilidade de um recuo das perspectivas de impulso económico que se espera, mesmo depois da euforia dos últimos anos, em que multinacionais anunciaram a Decisão Final de Investimento.

A petrolífera norte-americana ExxonMobil anunciou o adiamento, sem prazo, da Decisão Final de Investimento (Final Investment Decision) para o mega-projecto de gás natural na Área 4 no Norte do país. A medida sustenta-se no corte das despesas de capital em 30% e nas despesas operacionais em 15% devido à queda dos preços do petróleo e derivados, provocada pelo excesso de oferta e baixa procura, com a pandemia da Covid-19. “A Decisão Final de Investimento para o projecto de gás natural liquefeito (GNL) da bacia do Rovuma em Moçambique, prevista para o final deste ano, foi adiada”, lê-se em comunicado sobre o empreendimento avaliado entre 20 e 25 mil milhões de dólares, um dos maiores já previstos para África. Apesar do adiamento, a ExxonMobil garante que “continua a trabalhar activamente com os seus parceiros e o Governo para optimizar os planos de desenvolvimento, melhorando as sinergias e explorando oportunidades relacionadas com o actual ambiente de custos mais baixos”. Ainda dentro da Área 4, na Bacia do Rovuma, o desenvolvimento da plataforma flutuante Coral Sul prossegue como previsto, com o navio em construção na Coreia do Sul e início de exploração marcado para 2022.

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Crescimento. O economista-chefe da consultora Eaglestone considera que a economia moçambicana deve registar um crescimento económico de 2% devido à queda do preço das matérias-primas de exportação e à incerteza sobre a evolução do covid-19. “Estamos a assumir um crescimento de apenas 2% para este ano, um pouco abaixo da previsão mais pessimista do Governo anunciada recentemente que aponta para 2,2%, enquanto a estimativa mais optimista aponta para uma subida de 3,8% do PIB, ambos mostrando uma redução significativa face aos 4,8% previstos inicialmente pelo Governo”. Orçamento do Estado. O conselho de ministros aprovou, recentemente, a proposta de Orçamento do Estado (OE) e Plano Económico e Social (PES) para 2020 reconhecendo que a base tributária está seriamente comprometida devido à pandemia do covid-19. “Não há dúvidas de que a nossa base fiscal está comprometida, até pelos instrumentos que têm sido aprovados relativamente à questão de emergência” que se vive no país, provocada pelo novo Coronavírus, referiu Filimão Suaze, porta-voz do conselho de ministros e vice-ministro da Justiça, Assuntos Constitucionais e Religiosos. A proposta do OE recentemente aprovada prevê, assim, um volume de receitas de 235,5 mil milhões de meticais e despesas de 345,3 mil milhões de meticais, ou seja, um défice de 109,8 mil milhões de meticais.

Juros. A taxa de juro de referência do sistema financeiro nacional subiu de 18% para 18,4% em Abril, anunciaram o Banco Central e a Associação Moçambicana de Bancos, numa altura em que o sector privado pede a descida do custo do dinheiro para enfrentar o abrandamento provocado pelo covid-19. É a primeira vez que se regista a subida nesta taxa juro desde a sua criação em Junho de 2017, quando estava fixada em 27,75%. De referir que esta taxa se manteve estável por cinco meses, depois de uma descida de 18,3% para 18%. Apesar da subida, o banco Moza promete que vai manter em 18% a sua taxa de juro de referência, como forma de apoiar a economia face ao abrandamento provocado pela pandemia.

Dívida externa. Moçambique faz parte dos três países de expressão portuguesa, a par da Guiné-Bissau e de São Tomé e Príncipe, num conjunto de 25 nações, maioritariamente africanas, a que o Fundo Monetário Internacional perdoou o serviço da dívida, nos termos de um comunicado divulgado recentemente em Washington. A directora-geral do Fundo Monetário Internacional, Kristalina Georgieva, adiantou que a medida permite cobrir, durante seis meses, os reembolsos relativos à dívida destes Estados para com a instituição financeira e “afectar uma maior parte dos limitados recursos destes países” aos esforços relacionados com o combate à pandemia do covid-19. Fundo Soberano. O ministro da Economia e Finanças, Adriano Maleiane, defende que haja consenso em torno da criação de um Fundo Soberano alimentado por receitas provenientes da exploração dos recursos naturais, visando a construção de infra-estruturas essenciais ao desenvolvimento do país. Adriano Maleiane falou sobre o assunto www.economiaemercado.co.mz | Abril 2020


quando respondia a perguntas dos deputados da Assembleia da República, em torno do Programa Quinquenal do Governo (PQG), que esteve recentemente em debate no Parlamento. “Queremos ter um consenso, queremos trazer para a sociedade uma solução que resulte de consenso”, afirmou Adriano Maleiane. Aviação. O sector da aviação civil está a ser um dos mais afectados pelo covid-19. Os 19 aeroportos existentes no país já não recebem voos internacionais com excepção do Aeroporto Internacional de Maputo onde chegam três voos da Ethiopian Airlines semanalmente. E com o cancelamento de voos e o encerramento de fronteiras é hora de contabilizar os prejuízos. O administrador do pelouro de administração, finanças e marketing, Saíde Júnior, fez saber que com o encerramento das fronteiras de alguns países e a restrição de viagens, bem como o encerramento de lojas no recinto dos Aeroportos de Moçambique, o impacto está a ser negativo para as contas da empresa. “De Janeiro a Fevereiro não sofremos de forma brutal, mas em Março, principalmente na segunda semana, acabámos por ser muito afectados e só em Março tivemos prejuízos de qualquer coisa como 2 milhões de dólares”, informou.

FACIM. A Agência para a Promoção de Investimentos e Exportações (APIEX) está à procura de parceiros, nacionais ou estrangeiros, com capacidade para conceber, construir e explorar o espaço da Feira Agro-Pecuária e Industrial de Moçambique (FACIM), em moldes de Parceria Público-Privada. Segundo a instituição, esta medida faz parte da estratégia de desenvolvimento do Centro Internacional de Feiras e Exposições de Ricatla, no distrito de Marracuene, província de Maputo, que anualmente acolhe a FACIM. www.economiaemercado.co.mz | Abril 2020

Para a APIEX, a iniciativa tem o intuito de juntar os sectores económicos do país e do estrangeiro interessados em construir um espaço para a promoção de encontros entre empresários de todo o mundo. Pesca. O sector das pescas vai apostar, nesta campanha, na produção para abastecer o mercado interno devido à pandemia do covid-19. Segundo a ministra do Mar, Águas Interiores e Pescas, Augusta Maita, a previsão aponta para uma produção de mais de 460 mil toneladas de pescado diverso em 2020, contra 420 mil em 2019. O pescado moçambicano, principalmente o camarão, tem na Europa o seu maior mercado. Mas a propagação do novo Coronavírus no velho continente vai ditar outras alternativas. A contribuição da pesca na economia é considerada baixa (menos de 3%), tomando em consideração o potencial que o país apresenta do ponto de vista de extensão marítima, sobretudo pela costa do Índico, de pouco mais de 2,4 mil quilómetros.

Feiras distritais. A interrupção da circulação do comboio de transporte de passageiros no Corredor Ferroviário do Limpopo, devido ao novo coronavírus, obrigou à paralisação das feiras comerciais nos distritos do norte da província de Gaza. As trocas comerciais juntavam, semanalmente, milhares de vendedores oriundos das províncias de Maputo, Gaza e do vizinho Zimbabué nas vilas sedes dos distritos de Mabalane, Mapai e Chicualacuala, o que poderia contribuir para a propagação do coronavírus. O administrador do distrito de Mapai, Narciso Nhamuhuco, reconhece o impacto negativo desta medida na economia local, Comércio. Os pequenos importadores de produtos de primeira necessidade, que operam a partir da África do Sul

para Moçambique, dispõem de uma nova credencial para o exercício da actividade. Trata-se de uma medida do Governo que visa evitar a escassez de produtos básicos, nesta altura que vigoram medidas restritivas na África do Sul, devido à pandemia do novo coronavírus. Em face desta situação, segundo o director da Indústria e Comércio da província de Maputo, Ernesto Mafumo, o Governo, em parceria com a sua congénere sul-africana, está a finalizar os termos e condições para dinamizar o processo de transacções comerciais entre os dois países.

Mão-de-obra. A Montepuez Ruby Mining (MRM) anunciou uma aposta no reforço da mão-de-obra feminina nas actividades de mineração, ao longo dos últimos dois anos, período em que terá aumentado em 16% o número de postos de trabalho para mulheres. A informação foi divulgada recentemente pelo Director Geral da MRM, Harald Hälbich, que enalteceu o valor da mulher na economia. O gestor de recursos humanos da MRM, Fortado Macamo, assinala que a crescente valorização da mulher é resultado de um “trabalho progressivo” de busca de oportunidades para a força de trabalho feminina, algo que, segundo o próprio, “pode ser testemunhado na representação actual dos diversos departamentos da empresa”. Habitação. Um total de 96 apartamentos a serem construídos no âmbito do projecto Habita Moçambique deverá estar pronto até finais deste ano, no bairro de Zintava, distrito de Marracuene, província de Maputo. O projecto, composto por edifícios de quatro andares, está a ser desenvolvido de forma faseada e segundo o PCA do Fundo para o Fomento da Habitação (FFH), Armindo Munguambe, “já está concluído o processo de licitação para apurar as empresas construtoras.”

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OPINIÃO

Ser igual é assim Denise Branco • Investigadora e Consultora em Comunicação Intercultural e Tradução para Fins Empresariais, Técnicos e Científicos

o

mapa mundi mudou ao longos destas últimas semanas. E todos estamos no mesmo barco dizem alguns. Vem à memória o título de um livro de Mark Monmonier, How to Lie with Maps, enquanto, como tantos outros, navego e sigo o rasto da morte que caracteriza a evolução do covid-19. Monmonier afirma que os mapas não só mentem, mas precisam de o fazer; olho para os mapas da morte e interrogo-me sobre a mancha gráfica que muda todos os dias e que está a mudar o mundo para sempre. De facto, é preciso distorcer a realidade de um globo tridimensional para obter a imagem do mundo a que nos habituámos a ver em inúmeros contextos. Seleccionam-se (quem?) elementos específicos com vista a salientar a informação mais crítica (aos olhos de quem?). Exploram-se aspectos como escala, projecção e símbolos (com que objectivo?). Recordo ainda ter lido nestes últimos dias que os “números não mentem”; que a recessão que já começa a dar sinal em alguns países vai ser transformadora do mundo — para pior; juntamente com as teorias de conspiração que colocam a China e os EUA numa arena de luta de poder pela gestão do mundo. Simultaneamente, a maior parte dos países enfrenta a falta de material hospitalar para manter os seus profissionais a trabalhar em segurança; o papel higiénico esgota; supermercados pelo mundo ficam com as prateleiras vazias e nunca foi tão difícil perceber com que parte do corpo podemos coçar o nariz sem sentir que nos estamos a condenar à pena de morte.

Estranhamente, há também países que escapam completamente ao radar dos jornalistas equipados com material de protecção a documentar a tragédia e o medo no interior dos hospitais, material que, estou certa, serviria um fim mais nobre nos hospitais onde centenas de médicos são contaminados e muitos morrem em hospitais sobrelotados de todo o mundo. E nisto, há também a corrida a bilhetes de avião para voltar a casa, mesmo que o destino seja um dos maiores epicentros do mundo e, ainda, líderes de nações que continuam a achar que são diferentes — não obstante o seu desprezo por tudo e todos que são diferentes (simplesmente porque o conhecimento bastante limitado sobre várias matérias compromete a qualidade da sua intervenção crítica) — e que, por isso, podem comprar a exclusividade da imunidade ao vírus que tomou o mundo de forma completamente inesperada. Replico o pensamento de distorção da realidade à informação que tem sido apresentada e gerida ao longo destas semanas. Os “números que não mentem” são corrigidos diariamente e os meios de comunicação social pedem desculpa. No entanto, são estes os números usados para as estatísticas cujo impacto na vida das pessoas em momentos de crise e emergência é real. Fake news to make news tem sido a certeza. Conhecer os factos, um desejo. Ser igual é assim. É ser um mapa com manchas que a olho nu ignora as experiências de resiliência à espera de serem alavancadas para que as culturas para a segurança incluam culturas para a transformação.

Replico o pensamento de distorção da realidade à informação que tem sido apresentada e gerida ao longo destas semanas. Os “números que não mentem” são corrigidos diariamente e os meios de comunicação social pedem desculpa

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província

turismo, Restauração, hotelaria e Serviços — O alarme está a tocar

s

Com quase tudo parado há quase dois meses, há operadores que já não esperam recuperar o negócio. Os que ainda sobrevivem lutam para não despedirem funcionários, mas avisam que não resistirão por muito mais tempo e a nossa situação continuar como está, morremos à fome antes que o coronavírus nos venha dizimar”. O desabafo de Gabriel Cossa, co-proprietário de uma estância turística no arquipélago de Bazaruto, expressa a dimensão do pânico que se apoderou do sector hoteleiro. Enquanto a palavra de ordem for ficar em casa não haverá hotel, restaurante ou local turístico que se sustente sem os seus clientes. E essa realidade já se arrasta desde finais de Fevereiro, antes mesmo de o

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Governo decretar o Estado de Emergência que, em princípio, irá durar até ao fim de Abril corrente, embora com fortes perspectivas de ser alargado. À E&M, o presidente do pelouro da Cultura e Turismo da CTA, principal associação patronal do país, Rui Monteiro, estima em cerca de 98% a redução da ocupação dos hotéis e do nível de procura pelos serviços de restauração. “São, sem dúvida, perdas muito grandes”, afirmou o responsável, que testemunhou a existência de “estabelecimentos hoteleiros e de restauração fechados um pouco por todo o

país, faltando apurar números oficiais. Em Maputo, por exemplo, o Hotel Terminus já anunciou o encerramento. O sufoco é generalizado. Na restauração, os efeitos do novo coronavírus despertaram a necessidade de dar os primeiros passos para organizar o sector, com a criação da Associação da Restauração e Similares de Moçambique (Aresimo), apoiada pela CTA, e que já dá os primeiros passos na busca de sustentação. Embora Maputo concentre a maior parte dos casos confirmados da Covid-19, empresas do ramo, ouvidas www.economiaemercado.co.mz | Abril 2020


turismo perdas quase totais

VIP tenta resistir

Operadores turísticos têm sofrido quebras graduais na facturação que, segundo a CTA, deve continuar a cair pelo menos até Junho Em %

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Janeiro

Fevereiro

Março

Previsão Junho

Os hotéis VIP reduziram ao máximo as operações e custos, estando, neste momento, a operar com duas das quatro unidades, uma em Maputo, outra em Tete. Também reduziu o staff, mantendo apenas “o essencial em funcionamento”, segundo Dado Gulamhussen, director de operações do hotel. Até agora, esta unidade não equaciona qualquer despedimento dos seus cerca de 400 trabalhadores, mas alerta que vai precisar, sem surpresa alguma, de “apoio à tesouraria”. Apertos na restauração

FONTE CTA

98%

É a assustadora redução do volume de negócio estimada pela CTA em relação à ocupação hoteleira e dos serviços de restauração pela E&M, relatam cenários de dificuldade extrema, de Norte a Sul. Património Mundial... vazio

No Hotel Omuhipiti, um dos mais luxuosos da Ilha de Moçambique, província de Nampula, os efeitos do covid-19 começaram quando Ásia e Europa iniciaram a restrição de movimentos. É que cerca de 75% das ocupações são feitas por turistas provenientes daqueles continentes. De acordo com Eduardo Abdula, seu proprietário, desde essa altura, “houve cancelamentos de reservas em massa e a taxa de ocupação caiu para apenas 2%”. Apesar disso, o Omuhipiti conseguiu manter em 100% os salários dos seus 34 funcionários, mesmo tendo dispensado 22 para ficarem em casa, encerrando mais de metade dos 25 quartos, a piscina, o ginásio e o restaurante, reservado apenas para clientes. Não muito longe, num dos hotéis de prestígio da Cidade de Nampula, o Grand Plaza – estância de segmento Premium, 117 quartos, cujo core business é o de clientes empresariais e www.economiaemercado.co.mz | Abril 2020

instituições governamentais – houve cancelamento de eventos como conferências e formações, e redução drástica de outros serviços como o spa e o restaurante”, disse à E&M o seu proprietário, Muhammad Zahir. Embora ainda não tenha despedido funcionários, o investidor não descarta essa óbvia possibilidade, caso prevaleça a contínua redução da procura. Desespero em Bazaruto

No Arquipélago de Bazaruto, um dos cartões de visita do país, a E&M ouviu Gabriel Cossa, co-proprietário do Azura Resort, estância que recebe turistas de várias nacionalidades da América Europa e Ásia, e que cancelaram todas as reservas desde finais de Fevereiro. Os prejuízos forçaram a redução de 10% do salário dos 120 funcionários efectivos e o despedimento de todos os 20 sazonais. Por esta altura, equaciona o despedimento dos outros 30, já que o vírus permanece altamente infeccioso e letal, e desconfia que Moçambique poderá ter “mais casos do que os reportados pelas autoridades oficiais”.

O empresário Paulo Oliveira, membro da comissão instaladora da Aresimo e afirma que a organização já propôs ao Governo uma série de medidas para atenuar a crise, nomeadamente a criação de linhas de crédito específicas, a análise do calendário das obrigações fiscais, redução do IVA, desconto na electricidade e água entre outras, por acreditar que “se a situação se mantiver por mais dois meses, muitos estabelecimentos vão encerrar actividades”. O Grupo Taverna, também no ramo da restauração, tenta recorrer à banca para pedir empréstimos com juros bonificados e prazos de vencimento alargados, além de negociar com os senhorios a redução das rendas para aliviar um profundo défice de tesouraria. Com dois restaurantes, um bar, dez pastelarias e uma fábrica de pão e bolos, o Grupo Taverna ainda mantém os seus 440 funcionários, mas afastou os cerca de 50 em formação, que seriam integrados em novos projectos. Além disso, teve de reestruturar todas as operações para baixar custos. De onde virá a solução?

Só com o fim do covid-19. É o que todos esperam, de facto, mas enquanto isso não é uma realidade, pode-se minorar “isentando encargos dos operadores em impostos e segurança social”, disse Rui Monteiro, referindo-se à proposta enviada ao Governo, a que já nos referimos. Recorde-se que a CTA publicou um estudo, no princípio deste mês, em que avisa que se o cenário se deteriorar, o turismo pode perder até 4 636 milhões de meticais este ano, no pior cenário. texto Celso Chambisso fotografia D.R.

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Números em conta O grande lockdown o fmi chama-lhe “a mais grave retracção da economia desde a Grande Depressão de 1929”. E assim parece. Partindo do pressuposto de que a pandemia e as medidas de contenção necessárias cheguem ao pico no segundo trimestre na maioria dos países do mundo e que “arrefecem” no segundo semestre do ano, na edição de Abril do World Economic Outlook do FMI, as previsões foram as que já se esperavam: devastadoras. O crescimento mundial em 2020 deverá cair para -3%, uma redução de 6,3 pontos percentuais em relação ao último prognóstico de Janeiro deste ano e uma correção muito significativa num período tão curto. Com tudo isso, o “Grande Lockdown” afigura-se muito pior do que a crise financeira mundial de 2009, sendo que o único dado menos negativo é o facto de os países de baixa renda, onde se inclui Moçambique, não chegarem a atingir crescimentos negativos, ficando, de acordo com a projecção (algo optimista, diga-se) do FMI exactamente igual à ano passado, nos 2,2%.

-3%

É quanto a economia mundial vai cair este ano devido à pandemia

-5,9%

Impacto do grande lockdown

... As perdas financeiras...

A economia mundial enfrentará a maior recessão de que há memória

Ao longo deste e do próximo ano a pandemia irá provocar uma perda agregada de 9 biliões de dólares face ao crescimento previsto para estes dois anos

A taxa de crescimento real do PIB

1

-0.1

0

PIB mundial real em biliões de dólares

100

-0.5

-5,3%

-1

102 97

-1.5 -2 -2.5 -3

-3.0 Grande lockdown de 2020

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Crise Financeira de 2009

2019

2020

2021

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-5,5% 1,2%

Euroárea

-7,5%

África Subsaariana

-1,6%

1,9%

-2,3%

-3,4% ... E Como as Economias mais desenvolvidas sofrem o maior impacto

-1,8%

Já tinha sido assim em 2009 e o cenário repete-se 11 anos depois, e para pior

2,2% -5,8%

Em % de crescimento do PIB real em 2020 Grande lockdown de 2020

3

3

2

2

1

1

0

0

-1

-1 -2

2,7

-1 -2

-3

-3

-4

-4

-5 -6

-3,6

-5 -6

-6,2

-7

-7 Desenvolvidas

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Crise Financeira de 2009

Emergentes

FONTE FMI — World Economic Outlook

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OPINIÃO

Covid 19 em Moçambique — exemplo claro da Lei de Murphy Bernardo Aparício • Head of Corporate and Investment Banking do Absa Bank Moçambique

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ei de murphy é um adágio ou epigrama da cultura ocidental que normalmente é citado como: “qualquer coisa que possa correr mal, correrá mal, no pior momento possível”. O artigo que publiquei em Março sublinhava que “dos riscos que podem pôr em causa esta recuperação económica é importante destacar não só o impacto do coronavírus na economia global, e em particular na China enquanto um dos principais destinos das exportações de Moçambique, mas também o risco de atrasos nos projectos da bacia do Rovuma provocados pela instabilidade que se vive actualmente na província de Cabo Delgado.” No momento em escrevo este artigo o Estado de Emergência já foi declarado, as medidas da Fase 3 estão publicadas, acabam de ser anunciados um total de 29 casos e Cabo Delgado tem sido alvo de inúmeros ataques. Tal como nos meses anteriores, estas são situações muito dinâmicas e até à publicação do artigo vários cenários de evolução são possíveis. No entanto, como não sou epidemiologista ou politólogo, não vou opinar sobre cenários de evolução da epidemia ou dos ataques, mas vou tentar focar-me no impacto económico dos mesmos. A pandemia do covid-19 vem atingir a economia moçambicana no pior momento possível. Depois da crise da dívida, do atraso nos projectos de LNG e dos ciclones de 2019 esperava-se um 2020 de retoma económica, alavancado por investimento estrangeiro que permitisse um crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) próximo dos 5%. Nesta medida, esperava-se um crescimento do Investimento Directo Estrangeiro de dois dígitos, uma inflação perto

dos 4%, a descida das taxas de juro e o câmbio do metical em valores entre os 63 e 65 face ao dólar. Seriam estas as condições ideais para relançar a economia moçambicana. Em menos de dois meses, desde a publicação do meu último artigo, não poderíamos estar mais longe deste cenário. Ao nível mundial, a pandemia alastrou a 210 nações com milhões de infectados e a grande maioria dos países a adoptarem medidas de restrição à movimentação de pessoas e bens. O impacto económico global tem sido enorme. Os cenários de evolução da pandemia são diversos, mas a maioria aponta para uma queda do Produto Interno Bruto Global entre 2% a 5% e uma recuperação do valor nominal do mesmo para valores equivalentes aos vividos antes do covid-19 apenas no segundo semestre de 2021. O que significa que a economia mundial vai andar para trás grande parte de 2020 e passar 2021 a recuperar do impacto. Como resultado da globalização que hoje vivemos, Moçambique começou a sentir os efeitos mesmo antes da pandemia entrar no país. O impacto da queda no preço das commodities, a base das exportações nacionais, do decréscimo de volumes de bens transportados de e para os países vizinhos, e o desaparecimento do turismo, começaram a afectar negativamente três sectores que representam pelo menos 19% do PIB. Se acrescentarmos ao cenário 30 dias de Estado de Emergência, ou potencialmente mais algumas semanas em estado de lockdown, o impacto irá com certeza alastrar a outros sectores, como as manufacturas, energia, comércio e serviços financeiros que totalizam mais de 30% do PIB. Apresentando um cenário concreto em que assumimos:

O impacto da queda no preço das commodities, a base das exportações nacionais, do decréscimo de volumes de bens transportados e o desaparecimento do turismo começaram a afectar negativamente três sectores que representam 19% do PIB

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Impacto na economia moçambicana é, nesta altura, pouco definitivo

(i) a recuperação do sector agrícola face a 2019; (ii) uma redução parcial do investimento directo estrangeiro, nomeadamente relacionado com os projectos de Gás Natural; (iii) Estado de Emergência de Fase 3 por 30 dias; e (iv) algum apoio financeiro dos parceiros internacionais para colmatar o défice fiscal e permitir algumas medidas de apoio à economia, estima-se que o PIB cresça apenas 0,6% em 2020. Apesar do crescimento ser muito baixo, alguns do aspectos mitigadores mencionados permitem um crescimento positivo, ao contrário dos nossos vizinhos da África Austral cujas economias deverão decrescer todas em 2020. Olhando para cenários mais pessimistas, que podem levar Moçambique a entrar em recessão em 2020, há que destacar o aumento das medidas de contenção da pandemia, por exemplo, um possível lockdown semelhante a alguns países vizinhos, a consequente paralisação da economia e a redução do Investimento Directo Estrangeiro em todos os sectores. Naturalmente, os outros indicadores macroeconómicos serão igualmente afectados, principalmente o metical que desde o início do ano já desvalorizou 9% contra o dólar, e com a redução do IDE e das exportações deve continuar a desvalorizar até cerca de 72 meticais por cada dólar. O impacto poderá não ser maior devido ao apoio financeiro www.economiaemercado.co.mz | Abril 2020

previsto por parte do Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional ao Orçamento de Estado, e à forte posição das reservas do Banco Central que, conjugados, ajudarão a equilibrar balança de pagamentos durante o período do covid-19. Face a esta desaceleração da economia e a uma política monetária focada no controlo da inflação, é pouco provável que tenhamos cenários de inflação elevada, devendo a inflação média anual subir ligeiramente de 2,78% em 2019 para níveis próximos dos 4,2% em 2020. Por fim, com o preço do petróleo perto de 30 dólares por barril levando a cortes massivos no investimento global de todas as grandes petrolíferas, como é o caso da Exxon. Este é mais um caso que lembra a Lei de Murphy. O intensificar dos ataques de insurgentes em Cabo Delgado, que poderá levar a mais atrasos naquele que é o projecto transformador da economia nacional, é o exemplo de que tudo o que possa correr mal, correrá mal, no pior momento possível. Apesar de gostar de deixar sempre uma nota positiva no final de cada artigo, tendo em conta o cenário da epidemia ao nível mundial e local não é fácil, desta vez. Resta-me fazer um apelo a contrariarmos a Lei de Murphy e acrescentar: fiquem seguros e #FiquemEmCasa.

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Pandemia

Para onde caminhamos? Haverá várias perspectivas de análise à pandemia e às ondas de impacto sobre a economia nacional. Nas empresas e no emprego, na balança comercial e no Investimento Directo Estrangeiro, no rácio da dívida e nas contas públicas. A todos os níveis, o que aí vem só pode ser preocupante mas, ainda assim, com um crescimento económico que, este ano, deve ficar próximo do zero, na melhor das hipóteses, há razões (poucas é certo) para não entrar em pânico. Se as organizações multilaterais se têm prontificado a ajudar, na verdade, e por estranho que pareça, este pode ser um bom momento para começar a caminhar pelo próprio pé e definir um novo rumo

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ela primeira vez na História, mais de 2 mil milhões de pessoas de todo o mundo estiveram, em simultâneo, confinadas em quarentena. E se já se começam a vislumbrar, em várias geografias, ténues sinais de abertura social, muitos são os países onde ainda não há um prazo determinado para o day after do confinamento imposto pela pandemia. “A proporção da economia global paralisada chegou a rondar os 50% do PIB mundial e isso não inclui a China que, de uma forma geral, está de fora das actuais paralisações há já uns meses”, avalia Ben May, economista da Economics, numa entrevista concedida à agência DW onde não deixou de adverter que “apresentar números definitivos, nesta altura, é mais arte do que ciência”. Mas mesmo que queiramos olhar para o futuro, passando por cima do que ainda falta viver do presente, a verdade é que os últimos dois meses deixarão cicatrizes profundas. Em cada um de nós, individualmente, e na economia global, essencialmente devido a três grandes questões: a incerteza causada por uma pandemia que vitimou milhares de vidas e sobre a qual sobram ainda inúmeras dúvidas, de uma potencial vacina que pode demorar até um ano a ser desenvolvida, à própria forma de contágio que ainda não é totalmente clara. Depois, a diminuição drástica do consumo, que levou à quebra do comércio e do trânsito de pessoas e mercadorias afectando directamente dezenas de cadeias produtivas, como a do oil & gas de que tanto se tem falado

nos últimos dias, levando ao crash dos preços e ao cancelamento de grandes investimentos como o da ExxonMobil na Área 4 da bacia do Rovuma, adiado para o ano que vem, só para citar um exemplo que afecta a economia nacional. Por fim, a paralisação social, que se tornou económica, terá efeitos completamente imprevisíveis na geopolítica global, especialmente numa altura em que a Europa, os Estados Unidos e todas as grandes potências estão por baixo e em que a China parece estar por cima sendo praticamente a única que, ainda assim, vai registar crescimento este ano. E Moçambique?

De forma directa, o FMI prevê que o covid-19 possa “deitar por terra os avanços recentes da economia nacional”. Para fazer face à situação, considera “essencial o apoio de todos os parceiros de desenvolvimento para atender às consideráveis necessidades de financiamento dos países mais afectados, incluindo o alívio da dívida”, algo que já foi cumprido com o perdão de 15 milhões de dólares que, na opinião de Agostinho Vuma, presidente da CTA, “vai permitir libertar fundos para outras rubricas, como a protecção social, o suporte a PME ou mesmo às necessidades do sistema nacional de saúde”, diz. Pouco, muito pouco, ainda assim, para as necessidades do empresariado nacional. Já lá vamos. Olhando à região, no seu mais recente relatório sobre as Perspectivas Económicas Regionais para a África Subsariana, o FMI alerta para “um ano sombrio no que toca ao

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Nação

FMI já perdoou 15 milhões de dólares do serviço da dívida e prepara-se para voltar a apoiar a economia nacional com facilidades de crédito rápido

crescimento e desenvolvimento económico” prevendo, por isso, um crescimento negativo da região este ano, pela primeira vez num quarto de século, para valores de -1,6%. No caso de Moçambique, de forma algo optimista, diga-se, o FMI prevê um crescimento exactamente igual ao do ano passado, 2,2%. Já a Economist Intelligence Unit (EIU) não partilha da mesma opinião e aponta, no seu mais recente relatório sobre o país, que a economia nacional deva, na verdade, contrair 2,4% em 2020. Quanto ao saldo da execução orçamental previsto pelos analistas da EIU ele é também negativo em todos os anos do intervalo da análise (até 2024), sendo particularmente significativo neste e no

Ao nível económico, quem está a sofrer com tudo isto, para já, são as empresas, particularmente as PME, sob intensa pressão ao nível dos custos operacionais. Muitas delas estarão à beira da ruptura próximo ano, com valores negativos de 13,3% e 11,1%, respectivamente. O documento da EIU antecipa também que a receita fiscal deverá ser “duramente atingida” pela pandemia devido à redução das exportações e à menor receita fiscal decorrente das medidas aplicadas no sentido de evitar a propagação do novo vírus, mas refere que a situação “tenderá a melhorar já em 2021”, à medida que a actividade económica for retomando. Além disso, há que ter em conta o aumento da despesa pública ao longo do ano em curso, precipitada pelo crescimento da despesa com a saúde, bem como com os subsídios atribuídos a empresas, ao abrigo das medidas de alívio

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das consequências da pandemia. E haverá também redução das reservas monetárias sobre o exterior, com os analistas da EIU a anteciparem que as mesmas irão permitir cobrir apenas 4,4 meses de importações de bens e serviços, excluindo os grandes projectos. “As reservas terão tendência a recuperar no período de 2022 a 2024 para 5,4 meses de importações devido à melhoria a registar-se na balança de transacções correntes”, pode ler-se. A inflação, por seu turno, tenderá a agravar-se já este ano com uma taxa de 6,8%, depois de 2,8% em 2019, variando nos anos seguintes entre um máximo de 7,8% em 2024 e um mínimo de 4,2% em 2021. Economia real em modo de pausa

Ao nível económico, quem está a sofrer com tudo isto, para já, são as empresas, particularmente as PME, sob pressão intensa ao nível dos custos operacionais e muitas à beira da ruptura o que, por consequência, levará a um inevitável aumento do desemprego. A pandemia está a afectar a produtividade em praticamente todos os sectores de trabalho. O caso da hotelaria e turismo, onde a redução de actividade, de acordo com a CTA, pode chegar aos 98%, é disso um sintoma claro. Depois, há a contínua erosão do valor do metical que, em meados de Abril, já havia depreciado 8,5% face ao dólar desde o início do ano. O economista-chefe do Standard Bank em Moçambique, Fáusio Mussá, começa por aí a sua análise à situação que o país vive, no último relatório do banco, em que prevê que, até ao fim do ano, “se verifique um aumento acima dos 70”, garantindo, ainda assim, que será “temporário”. Sobre as perspectivas económicas, assume ser “difícil” prever um crescimento do PIB “superior ao valor homólogo www.economiaemercado.co.mz | Abril 2020


Pandemia O impacto da pandemia nas economias da África Subsaariana As ondas de choque económicas estendem-se um pouco por todo o continente africano mesmo que, até à data, seja o menos afectado ao nível da taxa de mortalidade por covid-19

Interrupção nas cadeias de suprimentos globais expostas a insumos da Ásia, Europa e Médio Oriente

Menor demanda dos mercados globais por uma ampla gama de exportações africanas.

Abrandamento ou redução do Investimento Directo Estrangeiro à medida que parceiros de outros continentes redireccionam capital localmente.

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As proibições e restrições de viagens não limitam apenas o movimento de pessoas através das fronteiras e dentro dos países, mas também interrompem as formas de trabalhar para muitas pessoas, empresas e agências governamentais.

Prevê-se uma crise de segurança alimentar na região, com a produção agrícola a contrair entre 2,6% e 7%. As importações de alimentos diminuirão substancialmente (até 25% ou 13%) devido a uma combinação de custos de transacção elevados com uma procura reduzida.

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A pandemia poderá custar à região entre 37 mil milhões e 79 mil milhões de dólares, em termos de perdas de produção para 2020.

Perda de receita tributária e pressão cambial é o resultado. Mas pelo, lado inverso, os preços mais baixos do petróleo terão um impacto económico positivo para os países importadores de petróleo.

O colapso do preço do petróleo, impulsionado pela redução da demanda. No mês de Março, os preços do petróleo caíram aproximadamente 50% e em Abril, mesmo após o acordo de redução de produção da OPEP, o WTI caiu para valores negativos nos EUA e o Brent foi negociado bem abaixo dos 20 dólares.

O covid-19 em números São assustadores os números que vão sendo divulgados em praticamente todos os quadrantes da economia, dos mercados aos rácios da dívida, culminando nas drásticas reduções das taxas de crescimento para 2020

125%

É o rácio da dívida pública de Moçambique face ao PIB, estimada pelo FMI para 2020

2,2%

É a previsão de crescimento do PIB de Moçambique em 2020 estimado pelo FMI

30%

Foi quanto caíram as bolsas mundiais desde o início do ano na maioria dos países mais ricos do mundo

- 1,6%

É, de acordo com o FMI, o crescimento da zona económica da África Subsaariana em 2020

A desvalorização do metical face ao dólar desde o início deste ano

-2,4%

É a previsão da EIU para Moçambique que aponta uma contracção no crescimento em 2020

9%

6,8%

O agravamento da taxa de inflação em 2020, de acordo com as previsões da EIU

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- 3%

De acordo com o FMI, a contracção da economia mundial em 2020

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Nação Haverá abrandamento mas a recuperação será forte Paulo Reis, Head of Operations e Assurance Leader da EY Moçambique, antevê rápido crescimento após a pandemia

Economicamente, como estimam o impacto na economia nacional? O impacto será, sem dúvida, significativo. O crescimento económico será menor que o esperado, os negócios vão ficar numa perspectiva de expectativa, os investimentos serão postecipados.

Que sectores acreditam ser mais afectados?

Todos os sectores que estejam ligados ao contacto directo com o cliente/utilizador serão severamente afectados. O comércio, turismo, restauração e similares vão ressentir-se de forma particular. A grande preocupação centra-se no comércio informal, que é a base da sobrevivência diária de uma parte muito significativa da população e esse vive do contacto directo.

Ao nível do Oil & Gas, e com os impactos que o Covid-19 está a ter em economias como a europeia, americana ou chinesa, o que se espera dos investimentos nos próximos anos? Vão manter-se? Abrandar?

Parece-nos que seja de esperar um abrandamento, pelo menos no momento mais próximo. No entanto, a Europa, os EUA, China vão continuar a precisar de matérias-primas. Eventualmente, na tentativa de recuperação da economia, até precisarão de um fornecimento mais rápido.

de 2,2% registado em 2019, dados os desafios da pandemia, intensificados pelas questões relacionadas com a segurança doméstica. É provável que se exerça pressão sobre a balança de pagamentos devido aos baixos preços das matérias-primas, possíveis atrasos na implementação dos projectos de GNL na bacia do Rovuma, e às perturbações na actividade económica”. Os dados do índice que mede a actividade empresarial em Moçambique (PMI), relativos a Março, mostraram já uma contracção na actividade empresarial para 49,9 pontos, o valor mais baixo dos últimos 11 meses. E é de prever que essa queda se acentue largamente nos indicadores de Abril, o primeiro mês do Estado de Emergência decretado pelo Presidente Filipe Nyusi. Tudo junto, complementa Fausio Mussá, resultará no “agravamento do défice fiscal, uma vez que o imposto é a principal fonte de receita do Governo. Evidentemente que há sectores da economia que irão registar uma queda acentuada no que ao investimento governamental diz respeito, como a saúde, educação, agricultura e infra-estruturas”, assinala. Por fim, há o aumento da dívida externa cujo rácio no final deste ano deverá saltar para os 125% do PIB, um retrocesso de quatro anos, num caminho de estabilização que tinha vindo a ser trilhado desde 2016, quando atingiu níveis semelhantes. Agora, prestes a entrar em Maio, a questão é simples: com a pandemia a perder gás um pouco por todo o mundo, o que deve Moçambique fazer? Manter o Estado de Emergência e correr o risco de causar danos irreparáveis às contas públicas e a toda a economia nacional, com tudo o

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O que deve Moçambique fazer? Manter o Estado de Emergência e colocar em risco as contas públicas e a toda a economia nacional, com tudo o que isso implica, da sobrevivência de milhares de empresas à preservação de dezenas de milhares de empregos? que isso implica, da sobrevivência de milhares de empresas à preservação de dezenas de milhares de empregos? Se a pergunta é simples, a resposta só pode ser complexa. Mas tem de ser rápida até porque, apesar de tudo, mais tarde ou mais cedo a pandemia irá passar. Será uma questão de tempo, mesmo que tempo represente, como se sabe, dinheiro: a mais, ou a menos. Para 2021 prevê-se já uma forte retoma global. O FMI antevê um ritmo pujante de recuperação, espelhado numa previsão de crescimento de 4,7% (ao nível nacional), embora a EIU antecipe uma taxa mais moderada de apenas de 2%, a ser seguida nos anos seguintes de 6,5% em 2022 e 7,8% em 2023, além da de 9,0% em 2024, aqui já com o impacto da exploração de gás, a Norte, a fazer-se sentir nas contas. Depois, a ajuda está a caminho. O BAD já anunciou ter criado um vínculo social de 3 mil milhões de dólares para apoiar os países membros, o Banco Mundial lançou a primeira ronda de financiamento para apoiar a resposta da saúde pública em África e o director do departamento africano do FMI assumiu que a discussão do programa de financiamento a Moçambique será retomada nas próximas semanas, salienwww.economiaemercado.co.mz | Abril 2020


Pandemia O que Moçambique já fez O Governo tomou, logo em Março, algumas medidas para absorver o brutal impacto económico da pandemia nas empresas e no sector financeiro

FISCAL O Governo aumentou a alocação do orçamento para a saúde de cerca de 2 mil milhões de meticais (0,2% do PIB) para quase de 3,3 mil milhões (0,3% do PIB). Além disso, o ministro das Finanças pediu 700 milhões de dólares aos parceiros para enfrentar o impacto imediato da pandemia.

MONETÁRIA Para facilitar as condições de liquidez, o BdM reduziu os requisitos para reservas em 150 pontos base para moeda estrangeira e depósitos em moeda nacional e anunciou: linha de crédito em moeda estrangeira para instituições financeiras no valor de 500 milhões de dólares; e a renúncia à constituição de provisões adicionais por crédito para instituições financeiras em casos de renegociações dos empréstimos antes do vencimento.

CAMBIAL De acordo com a flexibilidade do regime cambial, o metical foi autorizado a ajustar e tem depreciado desde o início de Março.

tando que ser necessário que a “dívida seja sustentável”, sublinhou. “Antes da pandemia, estávamos em discussões sobre um programa de médio prazo para apoiar Moçambique, mas essas discussões provavelmente demorariam meses, por isso mudámos para a facilidade de crédito rápido”, respondeu Abebe Aemro Selassie, quando questionado durante a conferência de imprensa virtual, que decorreu em Washington, sobre as perspectivas para Moçambique. Na mesma comunicação, salientou que o FMI tem 11,5 mil milhões de dólares disponíveis para ajudar os 32 países que já solicitaram ajuda. Há uma oportunidade aqui?

É preciso olhar bem, mas haverá. Há sempre alguém na sala que vê uma crise como uma oportunidade para ganhar ‘leverage’.A China está, e isso é já demasiado óbvio, a fazê-lo, aproveitando uma ‘saída’ prévia da pandemia que deixou marcas sérias nos resultados do primeiro trimestre da sua economia (caiu 6,6%), que não vão impedir que, até ao final do ano, volte a recuperar. Muito à custa do facto de tudo o que ainda respira, economicamente falando, estar no vermelho. Mas, e África, e mais em concreto, Moçambique, como podem aproveitar a oportunidade de, até ver, o vírus estar a ser substancialmente mais brando no continente, e em todo o hemisfério sul, face ao que se passa no Norte? “A actividade económica recuperará no segundo semestre e, dado o grande estímulo às políticas fiscais e monetárias em curso, terá condições favoráveis para acelerar novamente quando o surto desaparecer”, afirmou recentemente o www.economiaemercado.co.mz | Abril 2020

principal estratega do Danske Bank, Henrik Drusebjerg. “Em muitos países, existe a oportunidade de tomar medidas ousadas e criativas para garantir cadeias de suprimentos de produtos essenciais, conter a crise da saúde, manter a estabilidade dos sistemas financeiros, ajudar as empresas e apoiar o bem-estar económico das famílias”. Se África quiser ser quem vê a oportunidade antes dos outros olhará para a pandemia como momento de apostar na agricultura, na indústria, na organização dos seus recursos naturais e, essencialmente, humanos. É inevitável pensar que há aqui um imenso mercado global que simplesmente parou. E também se torna óbvio reflectir sobre que mudanças aí virão nos próximos anos e como será decisivo para os países africanos pensarem nesta, como ‘A’ oportunidade de se reposicionarem, não apenas como fornecedores de matéria-prima para o crescimento dos países desenvolvidos, mas como criadores, eles próprios, desses mecanismos, tendo por base a sua riqueza natural e humana. O especialista em economias africanas e representante do BAD em Angola, Joseph Martial Ribeiro, perfila dessa visão. “África tem de começar por uma agricultura modernizada e mecanizada, seguir uma política de industrialização prática e executável porque sem ela vamos ter sempre desemprego e estaremos impedidos de exportar. Será altura de diversificar a economia, é esta a oportunidade”. texto Pedro Cativelos fotografia D.R

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Indústria pandemia do pão

ESTÁ a Natureza A ENVIAR-NOS UMA MENSAGEM? Mesmo antes do actual surto pandémico, inúmeros estudos científicos vinham já chamando a atenção para o facto de que as sistemáticas desflorestação e destruição de habitats naturais estavam a abrir caminho para uma inédita propagação de doenças infecciosas. Agora aconteceu mas, no futuro, o que terá de mudar?

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omo nota carl safina, da Stony Brook University, em Nova Iorque (EUA), um dos efeitos colaterais desta trágica pandemia é estar a contribuír mais para a consciencialização da importância de combater as alterações climáticas do que 30 anos de conferências e acordos internacionais sem resultados decisivos. Também Inger Andersen, responsável das Nações Unidas pelas questões ambientais, é peremptória ao sublinhar que esta pandemia “é a Natureza a enviar-nos uma mensagem”. Na sua perspectiva, partilhada pela esmagadora maioria dos cientistas mundiais, a excessiva “pressão humana” sobre o ambiente natural está a ter consequências devastadoras pelo que “se não formos capazes de cuidar devidamente do Planeta isso significará que não estaremos a saber cuidar de nós mesmos”. E o próprio secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, considerou que a actual crise deve constituir um ponto de viragem na forma como lidamos com as questões ambientais, pois se é certo que a Humanidade irá ultrapassar a actual situação, que é temporária, os governantes mundiais têm de ter consciência de que as crises resultantes das alterações climáticas, a médio e longo prazo, terão efeitos duradouros e irreversíveis com consequências devastadoras e mortíferas para milhões de seres humanos.

Estudo da CDC indica que, com a crescente perda da biodiversidade e destruição dos habitats naturais, a frequência de surtos tenderá a aumentar Na verdade, esta pandemia, ao obrigar à paragem forçada de vastos sectores económicos e, em especial, a uma redução brutal no uso dos combustíveis fósseis, deixou a nu, de forma incontroversa,umarealidadeagoradifícildedesmentir.Quando, logo no início do surto pandémico, a China foi obrigada a paralisar, em larga escala, a sua actividade industrial, as primeiras imagens de satélite divulgadas revelaram, sem margens para dúvidas, uma significativa melhoria da qualidade do ar. E o balanço mais recente da organização Carbon Brief indica uma redução em 25% das emissões de CO2 no país. À medida que mais e mais países foram paralisando as suas indústrias, esse efeito foi-se estendendo a várias regiões do planeta. De acordo com dados de várias organizações internacionais, o mundo está, neste momento, a emitir menos um milhão de toneladas de dióxido de carbono por dia. Ainda de acordo com a Carbon Brief, as estimativas indicam que as emissões mundiais de CO2 podem reduzir este ano em cerca de 7%, um valor próximo do que o planeta deveria atingir em 2020 se o Acordo de Paris sobre Alterações Climáticas (2015) tivesse sido cumprido pela maior parte dos países (em particular os principais responsáveis por emissões de CO2). Como é sabido, para limitar o aumento da temperatura global a 1,5 graus celsius – a meta mínima para evitar a irreversibilidade das alterações climáticas - é preciso reduzir em 7,6% por ano as emissões de gases com efeito de estufa, um número que este ano pode ser atingido devido à pandemia dos coronavírus. O coronavirus e a perda da biodiversidade

Mas o dado mais relevante que tem sido apontado por inúmeros cientistas – e que estabelece uma relação directa

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entre a “pressão sobre a Natureza” levada a cabo pela actividade humana e a actual pandemia – prende-se com a perda da biodiversidade devido à continuada e incontrolada destruição do mundo natural ocorrida nas últimas décadas. Mesmo antes do actual surto pandémico, inúmeros estudos científicos internacionais vinham já chamando a atenção para o facto de as sistemáticas desflorestação e destruição de habitats naturais estavam a abrir caminho para uma acelerada e inédita propagação de doenças infecciosas entre os humanos. Num artigo publicado no site do Forum Económico Mundial, assinado por John Scott, responsável de risco da companhia suíça de seguros Zurich Insurance Group, a perda da biodiversidade é apontada como um elemento central: “A desflorestação tem aumentado constantemente nas últimas duas décadas e está ligada a 31% dos surtos epidémicos, como os vírus do ébola, do Zika e de Nipah”. E acrescenta: “A desflorestação afasta www.economiaemercado.co.mz | Abril 2020


pandemia Auburn (nos EUA) sugeria que a degradação dos habitats naturais estaria a estimular processos de rápida evolução e diversificação de doenças, nomeadamente as que podiam passar de animais selvagens para humanos, como o Ébola, o vírus do Nilo Ocidental e o vírus de Marburgo.

os animais selvagens dos seus habitats naturais e aproxima-os das populações humanas, criando uma grande oportunidade para as doenças zoonóticas (que passam dos animais para os humanos).” Os alertas, sobretudo ao longo da última década, têm-se sucedido. Um estudo do CDC (Centro de Doenças Infecciosas), nos EUA, indicava, claramente, que surtos infecciosos recentes, como o do Ébola, o SARS, a gripe das aves e a MERS (Síndrome Respiratória do Médio Oriente) tinham a sua origem na transmissão de vírus dos animais para os humanos. E sublinhavam que, com a crescente perda da biodiversidade e destruição dos habitats naturais, a frequência destes surtos tenderia a aumentar. Um artigo publicado, em 2014, pela revista científica “Journal of the Royal Society Interface”, chegava também a conclusão idêntica. E já em 2019, na revista científica “Trends in Parasitology”, um grupo de cientistas da Universidade de www.economiaemercado.co.mz | Abril 2020

Sinais do tempo Daí que Andrew Cunningham, professor na Zoological Society of London (UK), em declarações recentes ao jornal britânico “The Guardian”, tenha dito que “a emergência e alastramento do Covid-19 não era apenas prevísivel mas tinha, efectivamente, sido antecipada como provável”. Andrew Cunningham referia-se a um estudo de 2007, realizado após o surto do SARS, em 2002/03, no qual se concluía, de forma premonitória que “a presença de largos contigentes de vírus da família do SARS-CoV em morcegos, combinada com a tradição cultural de comer animais exóticos no sul da China, é uma verdadeira bomba-relógio”. E Kate Jones, da University College de Londres, que coordenou um dos estudos mais exaustivos sobre o a evolução das transmissões zoonóticas ao longo das últimas décadas (publicado na revista científica “Nature”), e cujas conclusões apontavam no sentido de 60% dos surtos epidémicos recentes terem origem em vírus que passaram dos animais para os humanos, declarou, numa entrevista dada no passado mês de Março, que esta evolução constitui “uma ameaça crescente e muito significativa para a saúde, a segurança e a economia globais”. E acrescentava: “Estamos a mudar a transmissão das dinâmicas entre a vida selvagem e as pessoas (...) e a deslocar espécies como nunca aconteceu antes, expondo-nos a nós próprios a novos agentes patogénicos”, sublinhando ainda “que estamos a movimentar a vida selvagem no mundo como nunca antes e a misturar espécies em mercados de animais selvagens – criando novos cocktails de vírus.” Há muito também que cientistas e organizações internacionais vinham considerando que a existência de mercados informais nalgumas regiões do mundo (especialmente na Ásia e em África), onde se vendem espécies de animais selvagens, são um dos epicentros principais para a transmissão destes vírus. O mercado de Wuhan, na China, onde se crê teve origem a pandemia, é um local onde se vendem, entre outras espécies exóticas, salamandras, crocodilos, escorpiões, ratos, raposas, civetas e pangolins (que terão sido o vector de transmissão depois de infectados por morcegos). Na África Central e Ocidental existem também centenas destes mercados onde é possível encontrar à venda macacos, morcegos, ratos, pássaros e insectos, mortos e vendidos no momento em espaços sem quaisquer condições higiénicas muitas vezes próximos de lixeiras a céu aberto. Thomas Gillespie, professor da Emory University, considera que estes mercados informais têm o potencial para gerar uma “tempestade perfeita” ao facilitar a transmissão entre espécies de diversos agentes patogénicos. As autoridades chinesas já mandaram encerrar muitos destes mercados e proibiram o comércio e consumo dos animais que aí se encontram à venda. Mas Kate Jones e outros cientistas, apesar de partilharem a opinião que estes mercados são uma verdadeira “bomba-relógio”, receiam que a sua proibição pelas autoridades não faça mais do que aumentar um mercado negro paralelo, sobretudo porque, como vários estudos têm demonstrado, tem florescido, em anos recentes, o comércio internacional de espécies selvagens. Na sua opinião, sem atacar as redes globais que promovem este comércio, o encerramento destes mercados de pouco servirá.

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Nação

A questão climática e o colapso civilizacional

A grande incógnita que se coloca agora é a de saber até que ponto as “evidências” produzidas pela crise pandémica irão influenciar, de modo decisivo, as actuais políticas ambientais e ter um impacto positivo no combate às alterações climáticas. Será que a demonstração inequívoca de que a “pressão humana” sobre a Natureza — assente num modelo económico cuja fixação ideológica se baseia na ideia de um “crescimento ilimitado” e, por consequência, implica a exploração intensiva dos recursos naturais, exploração essa que, por seu turno, produz danos irreperáveis e mortíferos que ameaçam a sobrevivência da espécie humana — poderá levar a uma alteração substancial das posições assumidas pelos diversos países, ao longo das últimas décadas, no que toca à questão das alterações climáticas? É uma pergunta em aberto cuja resposta é difícil de antecipar. Para já, a Cimeira do Clima agendada para Novembro deste ano não foi ainda cancelada embora, dependendo do evoluir da crise, tal possa vir a acontecer.

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Mesmo que venha a realizar-se, a volatilidade da actual situação dificulta qualquer tipo de previsão e os analistas mostram-se divididos sobre os seus hipotéticos resultados. Sobretudo porque, ao contrário de outras crises, esta não tem um precedente histórico que sirva de referência e existem demasiadas variáveis em jogo. No entanto, como escrevia recentemente, Meehan Crist, num artigo publicado no “New York Times”, já ninguém parece duvidar que a nossa resposta à actual situação será determinante para o futuro da questão climática, isto é, o “tipo de resposta que for dada agora condicionará o destino da Humanidade nas próximas décadas”. E esta percepção é partilhada, de igual forma, tanto pelos que defendem uma mudança de atitude radical no combate às alterações climáticas (como o secretário-geral da ONU, a esmagadora maioria da comunidade cientifica internacional e mesmo inúmeros economistas de primeiro plano, como o Prémio Nobel Joseph Stiglitz) como por aqueles que se opõem a qualquer mudança substantiva. www.economiaemercado.co.mz | Abril 2020


pandemia tipos de apoio às energias renováveis. Mesmo na Europa, as notícias não são menos tranquilizadoras. Apesar de vários lideres da União Europeia terem vindo a público garantir que os estímulos à economia do continente estarão alinhados com Pacto Ecológico Europeu (que segue, em larga medida, o “Green New Deal”, a proposta avançada pela congressista democrata norte-americana Alexandra Ocasio-Cortez), o facto é que já vários responsáveis políticos, como Andrej Babis, primeiro-ministro checo, veio defender que a implementação do Pacto Ecológico Europeu deveria ser adiada. Apesar destas iniciativas e tomadas de posição, que pretendem aproveitar-se da crise como um veículo para aprofundar a agenda política e económica que tão nefastos efeitos teve sobre o ambiente nas últimas décadas, não é seguro, porém, que venham a ter uma aceitação generalizada e incondicional por parte daqueles que, na fase pré-pandemia, as poderiam, em princípio, subscrever. Um sinal flagrante das fissuras que se estão a abrir no campo tradicionalmente alinhado com as “forças de mercado” é o editorial há dias publicado pelo jornal “Financial Times”. Sublinhando o facto de que esta crise veio pôr a nu, com grande crueza, a realidade profunda que caracteriza, sobretudo, as sociedades mais desenvolvidas, nomeadamente

“Reformas radicais, que invertam as políticas dominantes nas últimas quatro décadas, têm de ser colocadas em cima da mesa” — Financial Times

Estímulos que desestimulam a verdadeira batalha

Algumas iniciativas desencadeadas nas últimas semanas - nomeadamente os vários “pacotes” de estímulo à recuperação da economia e de combate à recessão em perspectiva - são especialmente preocupantes para os que defendem o combate às alterações climáticas. Assim, por exemplo, a China já deu indicações de que irá atenuar as actuais restrições impostas para diminuir o impacto ambiental de vários sectores industriais com o objectivo de acelerar a recuperação da economia. Isto significará, segundo vários analistas, um aumento substancial das emissões de CO2 para níveis superiores ao período pré-pandemia. E nos Estados Unidos, não só a administração Trump tem aproveitado o foco no combate à pandemia para, discretamente, suspender muita da legislação ambiental, como o pacote de estímulo à economia aprovado pelo Congresso inclui uma verba de 500 biliões de dólares para “salvar” algumas das indústrias mais poluidoras e, em particular, as ligadas aos combustiveis fósseis. Significativamente, de fora ficaram quaisquer www.economiaemercado.co.mz | Abril 2020

uma inaceitável desigualdade social, o editorial do “Financial Times” advoga a necessidade de um novo “contrato social” o qual tem de começar a ser desenhado já: “como os líderes ocidentais aprenderam durante a Grande Depressão e a seguir à 2ª Guerra Mundial, para pedir um sacrificio colectivo às sociedades é preciso oferecer-lhes um contrato social que beneficie todos”. E depois de analisar exaustivamente as disfuncionalidades gritantes que atravessam as sociedades desenvolvidas, escreve: “Reformas radicais, que invertam as políticas dominantes nas últimas quatro décadas, têm de ser colocadas em cima da mesa. Os Governos têm de ter um papel mais activo na economia. Têm de considerar os serviços públicos como um investimento e não como um encargo oneroso e definir formas de tornar o mercado de trabalho menos precário e inseguro. Uma melhor redistribuição de recursos tem de voltar à agenda política (...) e políticas até agora consideradas ‘excêntricas’, como o Rendimento Básico Universal e a taxação dos mais ricos, têm de ser equacionadas”. Neste contexto, em que até o “Financial Times” advoga uma reforma radical do modelo capitalista até agora dominante, considerando que, sem uma revisão profunda dos princípios e prioridades que nortearam a política e a economia das últimas quatro décadas, se pode estar a caminho do “colapso civilizacional”, não é líquido portanto que, também no que toca à politica ambiental e à questão climática, não se possa vir a assistir, nos próximos meses, a uma mudança de atitude na forma de lidar com as “pressões humanas” sobre a Natureza. texto Rui Trindade fotografia istock e D.r.

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OPINIÃO

Um Novo Tempo. Uma Nova Missão Fabrícia de Almeida Henriques & Tiago Arouca Mendes • Managing Partner & Advogado na HRA Advogados

A

actual pandemia causada pelo SARS CoV-2 (“Novo Coronavírus”) e o covid-19 afectaram, de forma inesperada e avassaladora, o dia-a-dia de empresas e cidadãos, a economia e o sistema financeiro. As circunstâncias em que os países mais afectados se encontram, e em relação às quais Moçambique não sairá indemne, levantam inúmeras questões jurídicas. Por outro lado, os desafios resultantes do crescente receio de uma recessão mundial generalizada impõem um esforço acrescido de análise e de antecipação de cenários, obrigando a uma rápida adaptação e implementação de medidas extraordinárias. Observar, passivamente, não é opção. Chegam-nos, como preocupações mais urgentes que agora se colocam aos agentes económicos, as seguintes: a execução de contratos comerciais, os arrendamentos, temas laborais e, não raras vezes, situações de previsível insolvência. Começando pela execução dos contratos comerciais, são inúmeras as dúvidas que poderão surgir: i) atrasos nos pagamentos; ii) dificuldades ou suspensão da produção de bens por falta de fornecimento ou transporte; iii) impossibilidade na entrega de bens; iv) impossibilidade de acesso ao local para entrega de bens, prestação de serviços ou cumprimento de outras obrigações; v ) desaparecimento ou diminuição de clientela; vi) insolvência da contraparte, entre outras. Ocorrendo uma das circunstâncias descritas previamente, ou outra análoga, o primeiro passo consistirá na análise e interpretação do contrato em causa, examinando em particular as cláusulas relativas à força maior e ‘hardship’ ou ‘material adverse change’, mas também as que regulam as obrigações de ambas as partes, a mora, o incumprimento definitivo ou a resolução do contrato, e bem assim as cláusulas de ‘sole remedy’, entre outras, sem prejuízo da análise do contrato como um todo. Importante será ainda o cuidado de não reconduzir a “força maior” tudo o que acontece no “mundo pós-Covid 19”, nem considerar que tudo se resume a saber se é possível ou não é possível entregar o bem ou acabar a obra. A lei oferece vários regimes que

podem ser aplicáveis: além da impossibilidade, a mora do devedor, a mora do credor, a alteração das circunstâncias, o incumprimento culposo, o incumprimento não culposo, o abuso do direito, a desproporção entre custos do devedor e benefício do credor, entre outros. A título de exemplo, sobre o regime da alteração das circunstâncias, note-se que este permite modificar ou resolver vários contratos (não todos), mas a sua aplicação depende de vários requisitos cumulativos, tais como: a) a circunstância em causa não pode estar coberta, explícita ou implicitamente, no plano de risco do contrato; e b) por outro lado, devem estar em causa circunstâncias que, pela sua magnitude, façam actuar a boa-fé, na sua função correctiva no campo contratual. A análise caso a caso é, de facto, imperativa. Ainda no campo contratual, a respeito dos contratos de arrendamento para fins habitacionais ou profissionais, importa considerar as regras especiais, ínsitas no nosso Código Civil e na Lei do Inquilinato, pelas quais se estabelece que, nos casos em que o locatário sofra privação ou diminuição do gozo da coisa locada por motivo que não seja imputável ao locador nem aos seus familiares, uma eventual redução da renda proporcional ao tempo da privação só terá lugar caso a privação ou a diminuição do gozo exceda um sexto da duração do contrato. Lamentavelmente, dada a falta de jurisprudência que aborde o tema de forma consistente, poderá não ficar afastada a regra relativa à alteração das circunstâncias desde que verificados os respectivos requisitos, perante as circunstâncias do caso concreto. Do ponto de vista laboral, é inquestionável o fortíssimo impacto, ainda mais tendo em conta o decretamento do Estado de Emergência pelo Presidente da República no dia 30 de Março, traduzindo-se, para já, em medidas como a implementação de um sistema de rotatividade de funcionários, tanto no sector público como no sector privado, dispensa de actividade laboral presencial para cidadãos considerados “de risco”, bem como na limitação da circulação interna no País de pessoas, entre outras. Além do cumprimento rigoroso das medidas de higiene, saúde e segurança

A título de exemplo, sobre o regime da alteração das circunstâncias, note-se que este permite modificar ou resolver vários contratos (não todos), mas a sua aplicação depende de requisitos

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Economia e mercado laboral vão atravessar um período desafiante. Para empregadores e colaboradores

no trabalho, conforme estabelecido pela Lei do Trabalho, no que toca às relações laborais, ainda na ausência de medidas governamentais específicas, notamos que: i) a ausência do trabalho por motivo de doença consubstancia uma situação de falta justificada, bem como a impossibilidade de prestar trabalho pela mesma razão; ii) o trabalho remoto pode ser implementado, apesar de a Lei do Trabalho ser omissa em relação a esta modalidade; iii) face às dificuldades financeiras, resultantes de motivos de mercado, tecnológicos ou catástrofes, que afectem a actividade normal da empresa, é possível suspender as relações laborais (sendo esta a solução adoptada pela maioria das empresas que se encontram nesta situação), devendo os trabalhadores receber uma percentagem do seu salário durante os três meses iniciais da suspensão; após o terceiro mês e subsistindo as circunstâncias acima, ou seja, existindo uma impossibilidade objectiva de reintegrar o trabalhador, as partes poderão acordar na extinção do contrato de trabalho, o qual resultará no pagamento de uma compensação pecuniária ao trabalhador. Note-se que é possível recorrer imediatamente à rescisão dos contratos de trabalho (contanto que não seja fundamentada na ausência dos trabalhadores do local do trabalho em virtude das medidas de combate à propagação do vírus – sem prejuízo da aplicação das respectivas medidas disciplinares que devam ter lugar), resultando esta no pagamento da respectiva compensação aos trabalhadores e sendo esta precedida do cumprimento de requisitos adicionais caso resulte no despedimento de mais de dez trabalhadores (i.e. despedimento colectivo). www.economiaemercado.co.mz | Abril 2020

Tendo em conta a crescente deterioração do contexto económico e financeiro, também resultante das medidas aprovadas pelo Governo referentes às limitações impostas à importação de bens (resumindo-se estas aos que sejam essenciais), bem como ao encerramento de estabelecimentos de diversão, o que se perspectiva que venha a agravar a situação, mormente de tesouraria, de muitas empresas, sublinhamos a importância dos órgãos de administração das empresas serem pró-activos no que toca à supervisão e acompanhamento da “saúde” financeira da empresa, tendo em conta as regras relativas aos processos de insolvência. Apesar da legislação em vigor em Moçambique (Regime Jurídico da Insolvência e da Recuperação de Empresários Comerciais aprovado) não impor o dever de as empresas requererem a sua insolvência sempre que se encontrem nessa situação (ao contrário do que acontece noutros ordenamentos jurídicos, tal como o português), poderá o processo de insolvência ser instaurado por qualquer credor e, por essa razão, este deverá ser acautelado pelos órgãos responsáveis pela respectiva gestão. A panorâmica brevemente apresentada nestas linhas refere-se ao regime legal em vigor para cada uma das matérias, sendo que aguardamos directrizes do Governo que, de alguma maneira, proponham soluções diferentes e mais ajustadas à conjuntura actual. Nota final: Apesar do desenvolvimento e do cuidado na preparação deste artigo, o mesmo não pretende oferecer aconselhamento jurídico, não dispensando a consulta de um advogado quanto às matérias nele tratadas, nem uma análise do caso concreto.

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mercado e finanças

Bancos já reagiram. Como é que a economia vai responder? O sector financeiro terá de assumir um papel de destaque na missão de garantir que milhares de empresas ‘infectadas’ não desapareçam. Mas, num contexto de incertezas, são muitas as questões por responder

o

sector financeiro respondeu às limitações da

actividade produtiva impostas pelo novo coronavírus com uma série de medidas, umas determinadas pelo regulador, o Banco de Moçambique, outras em reforço a essas imposições e ainda com medidas tomadas por iniciativa própria, tudo para dar um ‘balão de oxigénio’ à economia. Todas as mudanças na postura das instituições financeiras têm potencial para reduzir as suas margens de proveitos e acabar por determinar um exercício económico de menores proveitos. Mas até agora, não há qualquer banco

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500

Milhões de dólares Montante disponibilizado pelo Banco de Moçambique para apoiar os bancos comerciais a colocarem divisas no mercado

que já tenha feito contas sobre as implicações do novo coronavírus no seu negócio, embora a Associação Moçambicana de Bancos (AMB), através do seu representante, José Mussane, tenha admitido o inevitável: “os bancos vão ressentir-se dos efeitos do covid-19, tal como toda a economia”. O Absa Moçambique assume o óbvio risco de redução do lucro no presente exercício económico. De acordo com o seu administrador-delegado, Rui Barros, a instituição — que no ano passado conseguiu alcançar lucro “robusto” de 1 048 milhões de meticais e um rácio de solvabilidade de 20%, bem acima do mínimo regulamentar de 12% — reconhece que www.economiaemercado.co.mz | Abril 2020


de ser condicionada, ao mesmo tempo que a utilização das ATM e POS passou a ser desencorajada pelo mesmo motivo. A E&M conversou, por telefone e por e-mail com três bancos, nomeadamente o Millennium bim, o Banco Comercial e de Investimentos (BCI) e o Banco Único. Com intervenções semelhantes, pode concluir-se que a generalidade das instituições enfrenta a mesma situação. De acordo com os três operadores, a menor frequência de clientes nos balcões, provocou a quebra significativa das operações dos depósitos em caixa, até porque o sistema não dispõe de uma profundidade suficiente de meios electrónicos para depositar dinheiro em numerário. Mas, em compensação, o uso das plataformas digitais está a registar o pico de utilização, até porque a sua utilização acaba por ser estimulada pela redução de custos, medida que acaba de ser introduzida pelo Banco de Moçambique. A este respeito, o Millennium bim garante que está a focalizar esforços para “assegurar que a plataforma IZI esteja permanentemente em pleno, e tem conseguido garantir que os seus clientes tenham facilidades para realizar, sem sobressaltos, todas as transacções possíveis”, revela o banco através de um e-mail institucional à E&M. Já o BCI relata uma “subida exponencial” na solicitação de contas móveis por clientes que ainda não tinham subscrito. E o Banco Único, até agora, mantém-se a cumprir a directiva do Banco de Moçam-

o sistema financeiro se prevenir dos impactos negativos do novo coronavírus na economia, por um período de nove meses. A decisão foi anunciada uma semana depois de se ter reduzido o coeficiente de reservas obrigatórias em 150 pontos base, para 34,5% em moeda estrangeira e 11,5% para a nacional, permitindo assim maior circulação de divisas no sistema. Na mesma ocasião, o regulador autorizou a não constituição de provisões adicionais pelas instituições de crédito e sociedades financeiras nos casos de renegociação das condições dos empréstimos, antes do seu vencimento, para os clientes afectados pelo covid-19, até ao fim do presente ano. A medida foi justificada como forma de conferir melhores condições de negociação da dívida com a banca em caso de incumprimento das suas obrigações devido à pandemia. Amortizado o impacto do covid-19 para a banca, foi a vez de olhar para os clientes. Também por decisão do regulador, a partir de 10 de Abril corrente, todos os bancos do sistema deixaram de cobrar encargos e comissões para as transacções feitas através de canais digitais até ao limite diário de 5 000 meticais, para clientes singulares, excepto para o levantamento em ATM; foram reduzidas em 50% as comissões e os encargos nas transferências entre banco e instituição de moeda electrónica (Mpesa, M-Khesh e E-Mola) para clientes singulares; as instituições de moeda electrónica deixam de cobrar encargos e comissões nas trans-

O incumprimento do actual volume de crédito pode fixar-se entre 1,5% e 2,9%, levando a um crescimento do sector financeiro muito inferior à média de 9%, que se era esperada para este ano “a perspectiva para 2020 é mais comedida, sem dúvida, e o mais importante, neste momento, é seguir as medidas de precaução e ajudarmo-nos uns aos outros”. E é na filosofia de “dar as mãos” que os bancos estão concentrados. Pouco comunicativos sobre o que pode vir e mais interventivos a apontar novos caminhos que estão a criar para minimizar o impacto pernicioso da doença na economia. O papel das Fintech Além da limitação dos movimentos, uma das implicações do covid-19 é o controlo de todos os objectos a manusear para evitar a rápida propagação da doença. Logo, a frequência de clientes nos balcões teve www.economiaemercado.co.mz | Abril 2020

bique relativa às imposições já emitidas fazendo questão de sublinhar “a luta contra um inimigo comum, mesmo sem deixar de olhar para as implicações no negócio”, revela a instituição. Às ordens do regulador… Apesar de já serem conhecidas as medidas introduzidas pelo Banco de Moçambique no sistema financeiro para minorar os impactos negativos do novo coronavírus, a E&M faz questão de os repetir neste artigo, para uma melhor compreensão das implicações que elas levantam. A 22 de Março passado, o Banco Central anunciou a disponibilização de uma linha de crédito de 500 milhões de dólares para

ferências de cliente para cliente no limite diário de 1 000 meticais; também ampliou o limite por transacção na carteira móvel de 25 000 meticais para 50 000 meticais e o limite diário para transacções na carteira móvel de 125 000 para 250 000 meticais, sendo que o limite anual de transacções para os grandes clientes na carteira móvel é ajustado para 400 000 meticais. Os bancos reagiram De seguida, os bancos emitiram uma série de comunicados a apresentarem o seu posicionamento, em resposta às ordens e sinalizações do regulador, mas não só. O Absa Bank Moçambique, por exemplo,

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mercado e finanças O que o Covid-19 mudou no sistema financeiro Eis algumas das medidas adicionais tomadas pelas instituições financeiras, além das que foram impostas pelo Banco Central

BCI Concedeu uma moratória no pagamento de capital, permitindo que os clientes beneficiem de adiamento no pagamento das suas prestações mensais para financiamentos de médio e longo prazo por um período de até seis meses, podendo ser renovável por mais três meses. Também isenta a cobrança de comissão de alteração do plano financeiro dos clientes.

ABSA Bank Moçambique Garantiu que as transacções e consultas em ATM fossem totalmente gratuitas para os clientes a partir de 10 de Abril, e por um período de três meses. No mesmo período, deixa de cobrar comissão de transferências entre as contas do Absa e as carteiras móveis a que está ligado ficando também isentas as transacções efectuadas através dos canais digitais.

Banco Moza Decidiu manter em 18% a taxa de juro a aplicar aos financiamentos indexados à taxa de juro “prime”, agora fixada em 18,4%, conhecida por taxa MIMO. A ideia é criar “um balão de oxigénio” às famílias, empresas, colaboradores e restantes stakeholders, perante o sufoco ocasionado pelo covid-19.

Millennium Bim Transaccões de até 5 000 meticais por dia deixam de ter descontos em todas as plataformas digitais, incluindo aquelas em que o Banco Central reduziu em 50% os encargos com estas taxas, nomeadamente o Millennium IZI e Smart IZI. Estão livres também as transacções pelo WhatsApp e Facebook.

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decidiu antecipar, aos seus fornecedores regulares, o pagamento de facturas relativas a serviços a serem prestados ao longo dos próximos três meses, como forma de “contribuir para uma melhoria da liquidez dos mesmos durante este momento económico desafiante”. O BCI concedeu uma moratória no pagamento de capital e juros por um período de seis meses. “Com esta solução a sua empresa beneficia de um adiamento no pagamento das suas prestações mensais de capital e/ou juros para financiamentos de médio e longo prazo, em situação regular, por um período de até seis meses, podendo ser renovável por um período adicional de mais três meses. Para esta solução, o BCI isenta a cobrança da comissão de alteração do seu plano finanwww.economiaemercado.co.mz | Abril 2020


ceiro”, explica o banco em comunicado. Até aqui, a crise parece estar a encontrar respostas à altura. Mas a reacção dos mercados pode, contudo, reservar outros desfechos. Como é que a economia irá reagir? O Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE), observou as medidas do sector financeiro, estudou-as e entrou em cena. Num estudo intitulado “A Economia de Moçambique e o covid-19: Reflexões à volta das Recentes Medidas de Política Monetária anunciadas pelo Banco de Moçambique”, os economistas Yasfir Ibraimo (entrevistado pela E&M) e Carlos Muianga questionam “a eficácia das medidas que agora norteiam o sector financeiro”. www.economiaemercado.co.mz | Abril 2020

“Para rentabilizar o excesso de liquidez perante um sistema que se tornou altamente especulativo e num contexto de incapacidade financeira do Estado, este cenário poderá aumentar o financiamento da despesa pública” As conclusões, de um modo geral, não são tão favoráveis à estabilidade como se poderia esperar, nem ao cumprimento dos objectivos que se pretendem. Os 500 milhões de dólares que o Banco Central concedeu aos bancos comerciais a título de crédito, bem como a redução das taxas de Reservas Obrigatórias, com o mesmo objectivo, não garantem que “automaticamente” serão transferidos para as empresas e para as famílias, refere o IESE que justifica este posicionamento com o argumento “da dependência da economia

nacional em relação ao exterior. A propagação do covid-19 está a gerar redução no volume de negócios das empresas e, consequentemente, estas poderão demandar menos recursos para financiar as suas actividades, dadas as perspectivas reduzidas de receitas”. Para o IESE, a procura pelos serviços financeiros por parte das empresas concentrar-se-á, possivelmente, “na reestruturação do crédito e não necessariamente na emissão de novos financiamentos para investimento”. Relativamente às famílias, apesar da de-

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CTA e AMB dizem que “há espaço para medidas adicionais” A CTA estima que o sector financeiro pode vir a sofrer de incumprimentos adicionais estimados entre 3,3 mil milhões de meticais e 6,6 mil milhões, o que significa que, sem uma intervenção específica, o incumprimento do actual volume de crédito pode fixar-se entre 1,5% e 2,9%, levando a um crescimento do sector financeiro inferior ao que seria de esperar para este ano, que era de 9%. Por esta razão, o sector privado pede “medidas urgentes” e uma das sugestões é a de “dar maior flexibilidade o mercado cambial interbancário, disponibilizando divisas para as exportações essenciais neste período”. A CTA considera que a linha de 500 milhões de dólares “não é a medida mais indicada e sugere a injecção de liquidez através venda de moeda estrangeira, podendo ajudar também a não deixar derrapar o valor do metical. Na mesma linha, a AMB diz haver espaço para outras “medidas excepcionais” tanto do lado monetário como fiscal, do Banco Central para aliviar os impactos da Covid-19 na economia.

pendência na importação de bens básicos de consumo, uma maior liquidez no sistema financeiro “não garante, automaticamente, acesso a mais crédito”. Isto porque, explicam, com a queda da actividade económica, as famílias experimentam uma “redução” nos seus rendimentos. “Há indícios que isto esteja a acontecer, mas ainda carecem de alguma confirmação”, assume o economista Yasfir Ibraimo para quem, “mesmo que haja liquidez na economia, se o país continua a produzir poucos bens essenciais e depende do exterior para o seu funcionamento, dificilmente a liquidez poderá minimizar os efeitos negativos na economia real”, conclui. Risco de ‘desvio de aplicação’ Assim, ainda de acordo com o IESE, “para rentabilizar o excesso de liquidez, perante um sistema nacional que se tornou altamente especulativo e num contexto de incapacidade financeira do Estado, este cenário poderá aumentar o financiamento da despesa pública com recurso à emissão de títulos de dívida pública interna”. Como tal, dada a apetência dos bancos em financiar títulos de dívida pública,

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Medidas do Banco de Moçambique “pouco tomam em consideração a essência da natureza estrutural da economia, que inclui a sua dependência em relação à exportação de produtos primários, importações de bens básicos e Investimento Directo Estrangeiro” é provável que grande parte destes recursos seja desviada das empresas e famílias para financiar despesa pública não produtiva, prática que, na óptica do economista Yasfir Ibraimo, tem sido recorrente ao longo da última década e meia e a magnitude da sua evolução tem constituído preocupação. Os pesquisadores do IESE também consideram “pouco provável” que as empresas tenham capacidade de aproveitar as vantagens da “não obrigatoriedade de constituição de provisões pelos bancos comerciais”. Porquê? Explica que, ao pretender aliviar a pressão das empresas que têm financiamento na banca, não se observa a possibilidade destas se restruturarem para fazer face ao novo coronavírus, uma vez que, a curto prazo, os factores de produção são relativamente fixos e a capacidade de restruturar a produção é reduzida. “É, pois, bastante pouco provável que as

empresas tenham capacidade para tal”, sublinham os investigadores do IESE. O economista Yasfir Ibraimo diz à E&M, em jeito de conclusão, que as medidas do Banco de Moçambique “pouco tomam em consideração a essência da natureza estrutural da economia, que inclui a sua dependência em relação à exportação de produtos primários, importações de bens básicos de consumo, Investimento Directo Estrangeiro e as suas tensões e contradições, incluindo com a própria Política Monetária, a sua inconsistência interna e entre esta e a Política Financeira. Ou seja, independentemente de quais forem as medidas, os elementos e questões estruturais da economia vão, em última instância, afectar a capacidade de resposta destas medidas”. texto Celso Chambisso fotografia D.r.

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OPINIÃO

Tecnologia, tendências e o futuro do emprego

H

Frederico Silva • Fundador da UX

á muito que o papel da tecnologia no emprego é interpretado de forma ambígua. Existe a percepção de que traz eficiência, aumenta as oportunidades de emprego e impulsiona as economias. A outra perspectiva identifica a tecnologia como um substituto da mão-de-obra humana. Esta última está fortemente associada à 1ª revolução industrial, que trilhou o início do capitalismo e ficou marcada pela transição de métodos de produção artesanais para a produção por máquinas. Apesar da substituição do trabalho humano, o desenvolvimento industrial deste período deu origem a uma série de novos postos de trabalho, essencialmente na indústria têxtil e metalúrgica, o que acabou por gerar um crescimento económico acelerado e reflectir-se positivamente na empregabilidade. Desde então, o número de postos de emprego criados pelos avanços tecnológicos tem sido consideravelmente superior às posições que caíram em desuso pelo mesmo motivo. Historicamente, a tecnologia afirmou-se como um dos grandes influenciadores do emprego e existem três grandes mudanças que evidenciam a sua relevância: A estrutura organizacional e os níveis hierárquicos Um artigo publicado pela Forbes, que se debruçava sobre o futuro do trabalho, referia-se à partilha da informação como uma das tendências críticas na evolução do trabalho. Em tempos, era comum ouvir-se que “o segredo é a alma do negócio”, mas, com a popularização das TIC, a partilha de informação atingiu níveis sem precedentes. Com a democratização do acesso ao conhecimento, as empresas adoptaram uma postura progressiva e um modelo de gestão horizontal, tendo criado mecanismos para quebrar as barreiras hierárquicas e permitir que qualquer colaborador possa contribuir e criar impacto na organização. A relação entre prestador de serviços e empregador e as formas de contratação de serviços A tecnologia empoderou os colaboradores, o que influenciou

a relação entre prestadores de serviços e empregadores. As plataformas de e-learning possibilitaram aos profissionais adquirir conhecimento especializado nas áreas complementares ao seu perfil. Por outro lado, redes sociais como o LinkedIn permitem aos profissionais partilharem conhecimento, destacarem-se perante uma plateia relevante, e em simultâneo facilitam o acesso a pessoas chave nas suas carreiras. Esta mudança no status quo fez crescer exponencialmente o trabalho freelance e, consequentemente, proporcionou às organizações novas formas de contratação de serviços como outsourcing, trabalho temporário, crowdsourcing, entre outras. A relação entre o espaço físico e o trabalho As plataformas de comunicação digital e de trabalho colaborativo, redes sociais e online marketplaces permitiram a melhor rentabilização dos espaços e aumento da produtividade ao proporcionarem aos colaboradores a possibilidade do trabalho remoto. As interacções deixaram de ser apenas físicas para passarem a ser virtuais. As barreiras geográficas deixaram de ser barreiras, particularmente no que se refere ao trabalho com base no conhecimento e no sector das TIC, e os profissionais passaram a poder posicionar-se num mercado verdadeiramente global. O impacto da tecnologia no trabalho e nos trabalhadores é um processo que ocorre a um ritmo diferente nas várias geografias, sectores, ocupações entre outros. Moçambique não está na vanguarda da adopção tecnológica. No entanto, o contexto actual precipita forçosamente este processo devido às imposições que nos são colocadas pelo covid-19. Há pessoas a trabalhar remotamente graças a plataformas como a Zoom, Skype, WhatsApp, entre outras, acedem e partilham documentação alojada na cloud através do Dropbox, e coordenam o trabalho em equipa através de soluções como Slack. Porém, trata-se ainda de uma minoria, visto que o custo de aquisição de smartphones e de acesso à internet constituem uma barreira incontornável para grande parte da população, fazendo com que a exclusão digital se mantenha uma realidade.

Moçambique não está na vanguarda da adopção tecnológica. No entanto, o contexto actual precipita forçosamente este processo devido às imposições que nos são colocadas pelo covid-19

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Contact, a empresa que cria as ligações certas A cumprir 15 anos de actividade, a Contact é o elo de ligação entre quem busca mão-de-obra especializada e quem procura emprego. E já colocou milhares de pessoas no mercado

É

com atitude que se criam competências, para depois deixar que o tempo se encarregue de atribuir-lhes experiência, sem perder de vista o facto de que as relações humanas se apre(e)ndem com a prática de todos os dias. Eis o princípio orientador de toda a acção da Contact desde o primeiro dia, já lá vão 15 anos. Sendo uma empresa de recrutamento e selecção de RH criada em 2005, tem acompanhando a evolução de um mercado cada vez mais exigente, diga-se, face às rápidas alterações impostas pela evolução económica que exigem uma permanente actualização das competências em áreas decisivas como as telecomunicações, o sector financeiro ou as extractivas. “A entrada de grandes multinacionais que passaram a fazer parte do nosso portefólio de clientes fez com que também tivéssemos de evoluir a todos os níveis”, refere Sónia Silva, directora-geral da Contact. Para o administrador Nuno Rocha, um dos grandes diferenciadores da Contact é “o ser de cá. Apesar de sermos uma empresa com capitais externos, somos inteiramente moçambicanos na identidade e forma de actuar. Isso faz toda a diferença e está espelhado no nosso portefólio de clientes“, complementa. É também por isso que lhe chamam a ‘família Contact’ (como gostam de a apelidar). Começou pequena, no início operava com apenas cinco funcionários, mas hoje serão perto de 40 os funcionários in house. Mas o grande marco que... marca a história da Contact são os milhares de ligações bem-sucedidas entre quem procurava emprego e quem recrutava. “Mais de 5 mil pessoas já... E se nos referirmos a trabalhadores em regime de outsorcing ultrapassámos os 4 mil até Dezembro do ano passado. E estes números não incluem as mais de 800

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pessoas que a Contact já colocou na indústria do oil & gas”, revela Sónia Silva. Nuno Rocha complementa e fala de um sector “muito particular que impõe requisitos ao nível das qualificações e skills incomuns no mercado nacional”. Em 15 anos, muita coisa mudou. E a área de RH é um espelho fiel das várias realidades que a economia nacional foi conhecendo. “No início, as pessoas batiam-nos à porta e entregavam o curriculum. Hoje as candidaturas são maioritariamente digitais. Mas também os nossos clientes eram sobretudo empresas públicas, hoje serão da área da indústria e do oil & gas e têm surgido cada vez mais funções relacionadas com os serviços”, assinala a gestora. O desafio que se coloca agora, com o covid-19 a fazer abrandar, ou quase parar o país nas últimas semanas, é também ele desenhado em perspectiva. “Se existe um risco latente, existem também oportunidades pela reinvenção da sociedade a vários níveis. Sectores classificados como essenciais durante a crise, como o farmacêutico, o das commodities, o mobile e a logística procuram agilidade com o objectivo de garantir a manutenção das suas operações e continuam a priorizar o recrutamento. E acreditamos que algumas áreas vão ganhar protagonismo e surgirão oportunidades. Do nosso lado, recrutamos neste momento de forma 100% digital, garantindo o mesmo nível de qualidade e serviço consultivo do cenário anterior à crise. Às nossassoluções tecnológicas juntámos a experiência dos nossos consultores e adaptámo-nos por forma a responder a este novo contexto, mantendo o foco nas pessoas e no talento.” É o que de facto conta... na Contact. “No final do dia são relações que se criam”, conclui Sónia Silva.

B Empresa Contact RAMO Recursos Humanos INÍCIO De ACTIVIDADE 2006 Directora-Geral Sónia Silva administrador Nuno Rocha colaboradOres 43

texto emídio massacola foto D.R.

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megafone MOZA E GRUPO SEI JUNTAM-SE NA BUSCA DE CLIENTES À luz de um recente memorando de entendimento, o banco compromete-se a oferecer facilidades de acesso aos seus serviços às empresas do grupo SEI

BIM REELEITO “MELHOR BANCO DE MOÇAMBQUE” É a 11ª distinção consecutiva pela conceituada revista ‘Global Finance’ ao Millennium bim, segundo a publicação, o “Melhor Banco de Moçambique 2020”. A reeleição baseou-se em critérios de “rentabilidade, crescimento e eficiência”, bem como em padrões que avaliam “a estratégia, a liderança, a inovação e a responsabilidade social” implementados pelo Millennium bim. De acordo com o CEO do banco, José Reino da Costa, a distinção “traduz o elevado desempenho na procura de novas soluções para irem ao encontro das necessidades e satisfação dos clientes do banco”.

BCI PROMOVE LITERACIA FINANCEIRA NA BEIRA O Banco Comercial e de Investimentos (BCI) promoveu, recentemente, na sua mediateca na cidade da Beira, uma palestra sobre literacia financeira, na qual participaram cerca de 40 estudantes entre universitários e do Ensino Secundário Geral. A sessão incidiu sobre o papel do sistema financeiro, formas alternativas de poupança, desafio de poupar em tempos de crise e sobre as formas de disciplinar as finanças pessoais e familiares, tudo no âmbito da promoção da inclusão financeira. “Só pensando em como usar o dinheiro se podem alcançar objectivos pequenos e até os mais ambiciosos” frisou o director-comercial regional, Pedro Tivane, que orientou a palestra.

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o banco moza e o grupo sei (sociedade de ensino e investigação) assinaram, recentemente, um protocolo de cooperação visando a angariação de clientes e parceiros que possam agregar mais-valia comercial e transaccional ao Banco. Por outro lado, todas as empresas do Grupo SEI passam a beneficiar de condições especiais de acesso aos serviços bancários oferecidos pelo Moza. A formalização das intenções decorreu em Maputo, à margem da realização da Cerimónia Solene de Abertura do Ano Académico 2020, no Instituto Superior de Comunicação e Imagem de Moçambique (ISCIM), cujos estudantes passam a beneficiar de contas bancárias e possibilidade de inclusão nos Programas de Estágio do Moza.

O banco Moza iniciou actividade em 2008 e é hoje a instituição com a terceira maior rede de balcões em Moçambique, com 67 unidades de negócio. Em 2011 foi classificado pela revista “The Banker” como o quinto banco em África com o mais rápido crescimento de activos.

ORANGE CORNERS PROMOVE EMPREENDEDORISMO A Embaixada do Reino dos Países Baixos graduou, em Março, 18 jovens empreendedores incubados no programa BIZ, do Orange Corners Maputo, que já apoiou 1 400 empreendedores, dos quais 48 passaram pelo BIZ. A iniciativa visava dotar os participantes de ferramentas para aprimorarem ideias de negócios e criar impacto para o futuro do país. “Esta é uma oportunidade que vale também pela troca de experiências com profissionais dos países onde o Orange Corners está presente”, frisou a Embaixadora do Reino dos Países Baixos em Moçambique, Henny de Vries. O programa contou com a parceria do BancABC, Heineken, Shell, Riyal HaskoningDHV, Vodacom, entre outros.

II EDIÇÃO DO PROJECTO SUPER MENTORES O programa de desenvolvimento de empreendedorismo Super Mentores pretende seleccionar empresas legalizadas e com um plano de negócios e de contabilidade organizada para aproveitarem as oportunidades de negócio que o país oferece. De acordo com o gestor do projecto, Hassan Dassat, nesta segunda edição – a primeira realizou-se no ano passado – “os critérios de selecção serão “mais apertados”. O projecto tem como principal financiador o Banco Comercial e de Investimentos (BCI). www.economiaemercado.co.mz | Abril 2020



figura do mês Vamos uniformizar a visão na indústria Rogério Samo Gudo

a

Presidente da AIMO

nova direcção da Associação Industrial de Moçambique (AIMO), organização com mais de 300 membros, foi recentemente empossada com o compromisso de desafiar os aspectos mais críticos do sector, a começar pela eliminação da dispersão das políticas de desenvolvimento industrial. Rogério Samo Gudo, o novo presidente da AIMO, traça as linhas gerais do que se deve esperar daqui em diante. Qual é o grande desafio, ao nível industrial, que se pode esperar nos próximos meses? A pandemia covid-19 vai trazer novos cenários e modelos nas economias globais ao nível da industrialização. Com toda a certeza, África terá um papel diferente, mais relevante, e Moçambique poderá ocupar um lugar de destaque nessa matéria, sendo fundamental o posicionamento estratégico da AIMO. Um dos propósitos da nova direcção da AIMO é revitalizar a indústria nacional. Que conjunto de instrumentos pretende utilizar para atacar, com objectividade, este desafio? Já existem instrumentos como a Política e Estratégia Industrial, lançada em 2016. Por outro lado, o Plano Quinquenal do Governo define a indústria como área prioritária durante este mandato. Entendemos que os dois são suficientes. O que é importante é garantir uma melhor implementação através da articulação com os diversos parceiros tradicionais da AIMO, incluindo o próprio Governo representado pelo Ministério da indústria e Comércio. A Política e Estratégia Industrial prevê um conjunto de sectores prioritários que estão

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alinhados com a nossa visão. O que precisamos é apenas de uma actualização deste instrumento, de modo a reflectir aquilo que são as preocupações actuais da indústria. A industrialização é, em si, um tema bastante vasto, sobretudo numa economia pouco produtiva. Que áreas de actividade serão focais para a direcção que encabeça? A Política e Estratégia Industrial já define sectores prioritários para a revitalização da indústria, como o processamento do algodão, agro-processamento, alimentação e bebidas, química e borracha, metalomecânica e minérios não metálicos. Estas áreas, no nosso entendimento, devem ser acompanhadas de medidas arrojadas. Os pilares da revitalização da AIMO passam pela competitividade e aumento das exportações das empresas através da integração da indústria transformadora com a indústria extractiva e agro-indústria; formação e certificação das empresas; acesso ao capital a custos que facilitem a produção; e modernização da indústria através da atracção de novas tecnologias para a produção.

cv

curriculum vitae

Rogério Samo Gudo é engenheiro electrotécnico formado na Universidade Eduardo Mondlane, com uma experiência de 20 anos no sector industrial, tanto na produção como na prestação de serviços industriais às multinacionais.

Ao assumir que pretende “revitalizar” a indústria moçambicana, a AIMO dá a entender que quer devolver à economia as indústrias que o país já teve e que por diversos motivos foram fechando, é assim? De facto. As indústrias prioritárias têm o poder de estimular várias outras cadeias de produção e também geram grande postos de trabalho. Por exemplo, a cadeia da indústria de processamento do algodão terá o papel de devolver à industria nacional um conjunto de indústrias de manufactura de tecidos e tecelagem até ao produto final – a roupa – com grande impacto na economia, a avaliar pelo potencial que o país tem no acesso à mão-de-obra e posição geográfica estratégica face aos principais mercados globais. A metalomecânica também tem uma cadeia de valor com um papel enorme no desenvolvimento de outras indústrias, como a do automóvel, de construção civil, de equipamentos, de peças e acessórios para agricultura e mineração, para o transporte marítimo e ferroviário, rede de produção e de distribuição eléctrica e várias outras. O aumento das exportações choca com a fraca estrutura produtiva do país. Como lidar com esta questão? De facto, este é um dos objectivos da AIMO. O nosso entendimento é que a competitividade virá também através dos volumes de produção e estamos conscientes que competimos com mercados mais industrializados. Para melhorarmos a nossa renda temos de contar com mercados externos, dado que as taxas de consumo em Moçambique ainda são baixas e também precisamos de importar divisas em vez de exportá-las, o que, de certo modo, vai ajudar a melhorar a nossa contribuição no PIB. Que mudanças, ao nível do desempenho industrial, a economia deverá conhecer no fim do seu mandato na presidência da AIMO? O que posso prometer é que vamos implementar uma visão única dos vários sectores e intervenientes sobre o papel da indústria na economia moçambicana e esperamos que haja continuidade da nossa visão de modo a trazermos ganhos substanciais na qualidade da vida dos moçambicanos. texto Celso Chambisso fotografia D.r.

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sociedade Covid não! dá que (re)Pensar

s

Dezenas de voluntários estão, diariamente, nos bairros de Maputo, Matola e Marracuene a travar uma guerra desigual contra o covid- 19, em acções de sensibilização da população mais vulnerável ó por descerem do chapa 100, ao fim da Avenida Karl Marx, meio trabalho já está conseguido. Ninguém fica indiferente aos atavios de Celina Novela e Carla Simbine, esta sobrinha daquela, ambas de 29 anos e formadas em Educação Ambiental pela Universidade Eduardo Mondlane (UEM). Evoluem pela Avenida 25 de Setembro de máscara no rosto, colete reflector, calças castrenses cheias de bolsos, mochilas às costas, na mão destra um borrifador com desinfectante e na esquerda apelos manuscritos num cartaz de papelão. “DISTÂNCIA = AMOR = 1,5m FIQUE EM CASA PFVR”, solicita Celina; “Parte-me o coração ver-te brincar na rua. Não quero ver-te doente”, apela Carla. “O nosso trabalho é muito visual”, dizem.

entretanto pelas artérias da capital. Um deles estaca a marcha, volta atrás e pede a Celina, numa distância precavida, que lhe borrife as mãos. “Venho dali do bazar (Mercado Municipal), mexi em muita coisa”, justifica. Enquanto espalha o desinfectante, já os companheiros rodearam ambas solicitando-lhes trato igual, num processo rápido de higienização. E gratuito. Agradecem os borrifados, retomando o seu destino, e Carla traduz o fenómeno da receptividade crescente: “Usamos estes reflectores, temos cartazes e as pessoas vão-se aproximando e perguntando coisas sobre a covid-19, porque o interesse é muito grande. Pelo menos tão grande como o medo que isto dá”, diz. Um receio plasmado na declaração do Estado de Emergência, a 30 de Março,

pelo Presidente da República, Felipe Jacinto Nyusi, num pronunciamento inédito na História do país que a Assembleia da República ratificou e esclareceu no dia seguinte, estabelecendo-lhe o prazo de um mês. Abril inteiro de vida condicionada pelo medo de contaminação que encerrou escolas, silenciou as cálidas noites urbanas e aboliu as grandes assembleias. Como aquelas que se juntavam, aos fins-de-semana, pelo areal de Maputo fora, transbordando frangos grelhados e cerveja gelada até à Avenida Marginal. Acabou.

dos os níveis de ensino; a educação informal, tanto ao nível empresarial como comunitário; e um terceiro pilar que é o desperdício zero (tratamento de resíduos e criação de uma cadeia de valor, a chamada “economia circular”). Todavia, com o mote global “Lixo no Chão, Não!”, o projecto de maior visibilidade pública da Repensar, herdado da Cooperativa Ntumbuluku, foi, até à data, a “Praia Zero”. Patrocinado pela Heineken, Porto de Maputo e Conselho Municipal de Maputo, visou a educação cívica dos utentes da praia da Costa do Sol, estimulando a separação e reciclagem do lixo por eles gerado através da instalação de ecopontos, do aconselhamento directo por vários educadores ambientais e a instalação, na praia, de um ponto de recolha de garrafas de vidro, pagando pela retoma para evitar, assim, que acabassem em cacos no areal. “A 19 de Março, apresentámos aos patrocinadores a ideia de colocarmos os nossos educadores ambientais nos seus bairros de residência a fazerem acções de prevenção em relação ao covid-19”, recorda Diana Nunes de Carvalho, da Direcção da Repensar. Com o aval imediato dos patrocinadores, os educadores ambientais da Repensar constituíram-se num exército benigno de combate à disseminação do novo coronavírus espalhado por várias frentes, de tal modo que hoje há 24 elementos a operar em 21 bairros de Maputo; 14 em 13 bairros da Matola e dois em Marracuene. Carla e Celina, por exemplo, desenvolvem usualmente as suas acções de sensibilização na área onde residem, o Bairro Ferroviário. Com todas as vantagens que daí advêm.

Levar a prevenção sanitária aos Bairros

A vantagem da proximidade

Só os cegos ou os muito distraídos poderiam duvidar das duas ambientalistas que integram, desde 25 de Março, as brigadas que tentam, por toda a grande Maputo, sensibilizar as pessoas para comportamentos que evitem contrair covid-19 E só os cegos ou os muito distraídos poderiam duvidar das duas ambientalistas que integram, desde 25 de Março, as brigadas que tentam sensibilizar as pessoas para comportamentos que evitem contrair covid-19. A doença respiratória causada pelo novo coronavírus SARS-CoV-2 já matou, até ao dia 20 de Abril, mais de 166 mil pessoas e infectou pelos menos 2,4 milhões em 210 países e territórios, 39 delas em Moçambique, segundo dados do Ministério da Saúde. Contaminados pelo medo global

Embora sem nenhuma fatalidade a registar, a receptividade dos moçambicanos aos conselhos das voluntárias é mais elevada do que esperavam. Pouco antes da Praça dos Trabalhadores, passa por elas meia dúzia de homens já maduros, quatro mascarados por capulana, acessório que se tornou trivial

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Carla e Celina integram um contingente de 40 educadores ambientais ao serviço do projecto “COVID 19 NÃO!” da Cooperativa de Educação Ambiental Repensar. Fundada em Janeiro de 2019, a instituição desdobra-se em três áreas: a educação formal em to-

“Como são vizinhos do bairro, já conhecemos as pessoas, o que facilita a aproximação e a interacção. Começamos no nosso quarteirão e passamos ao outro, num movimento progressivo. Fazemos campanha porta a porta e também falamos com as pessoas www.economiaemercado.co.mz | Abril 2020


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sociedade na rua — o que é esta pandemia, como nos podemos proteger, quais as medidas básicas a tomar de imediato, em casa e fora, e também como se devem comportar nos transportes públicos, a obrigatoriedade de usarem máscaras, de andarem com o próprio desinfectante e evitar os grandes ajuntamentos“, desfia Carla. Mas hoje, excepcionalmente, ei-las que actuam num dos pontos fulcrais porque capazes de espalhar mais rápido e para mais longe o coronavírus -, desta guerra contra a peste: a Praça dos Trabalhadores, um dos maiores terminais rodoviários da capital com ligação directa à via-férrea. É, aliás, defronte à elegância majestática da centenária estação dos Caminhos de Ferro de Moçambique (CFM) que chegam e partem autocarros, machimbombos e chapas 100 de e para os bairros periféricos da capital. Embora numerosos, tanto as máquinas como os utentes são agora muito menos. Só as regras aumentaram. Elias Machava é o primeiro de uma fila de mascarados que aguardam pelo chapa certo. A máscara dele, algo curta, denuncia-lhe o bigode. “Apanho o chapa todos os dias, moro no Bairro de Hulene. É claro que as pessoas estão a cumprir as ordens do Governo, é só olhar para elas”, indica. E, de facto, não há fácies reconhecível nas imediações. Ele próprio não larga o rectângulo de pano colorido que traz preso às orelhas, não tanto pela duvidosa protecção, mas pela obrigatoriedade de o usar. “Quem não tiver máscara não entra”, explica Arsénio Leandro, fiscal auxiliar do Departamento de Transportes e Comunicações da Polícia da República de Moçambique (PRM), à entrada de um autocarro com 40 passageiros. Todos abancados, todos mascarados. Antes da pandemia, levava mais 50 em pé. Pelo menos. Agora, já não. Mecanismos inovadores e sustentáveis

Segue para a Matola e para lá vão também Carla e Célia. No Bairro 700 aguarda-as Dário Enoque, outro educador ambiental da Repensar, licenciado como elas na UEM. O jovem de 27 anos aguçou o engenho e, para lá do aconselhamento que ministra vizinhança adentro, com efeitos notórios em algumas bancas do comércio informal, com balde e sabão para os clientes que mamanas de máscara

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São 40 os educadores ambientais no projecto “COVID 19 NÃO!” da Cooperativa de Educação Ambiental Repensar

“Quem não tiver máscara, não entra”, explica Arsénio Leandro, fiscal auxiliar do Departamento de Transportes e Comunicações da Polícia da República de Moçambique (PRM), à entrada de um autocarro com 40 passageiros vigiam, fabricou um mecanismo, para uso público e gratuito, que permite lavar as mãos sem que elas lhe toquem. Chama-se tippy tap. Um deles está montado do outro lado do campo de futebol de Matiquite, defronte à casa de Sansão Francisco, e é para lá que corre Geraldo, JJ para os amigos, na leveza dos 10 anos. Coloca um pé sobre uma placa de plástico resgatada a um brinquedo velho, a qual, ligada por arame

a um jerricã amarelo de cinco litros cuja alça é atravessada por uma barra colocada a uma altura de metro e meio, o obriga a verter do interior uma solução desinfectante. JJ apara o líquido com as mãos, esfrega-as e, com as palmas bem esticadas, exibe um asseio até então pouco usual. Sansão Francisco sorri, mesmo sabendo que lhe cabe a tarefa de reencher o jerricã. Com dois filhos, de 7 e 4 anos, realça que “o importante www.economiaemercado.co.mz | Abril 2020


é que saibam usar isto para não ficarem doentes”. E sabem. E usam. Essa é uma das vantagens do dispositivo que a Repensar engendrou e cujos educadores ambientais têm andado a montar pelos bairros em que operam – o uso intuitivo. Mas há mais: “Basta colocar o pé no pedal e a água sai. A segunda vantagem é económica – não é preciso gastar nada porque o tippy tap é feito com material reciclado, coisas velhas que haja lá em casa. E a terceira é a sustentabilidade: a pessoa gere a água que precisa – nem mais, nem menos, só a necessária. Portanto, o modelo é sustentável”, debita, com óbvio orgulho, Dário Enoque. À satisfação de contribuir para o bem comum, o jovem retira prawww.economiaemercado.co.mz | Abril 2020

zer também da popularidade que o trabalho lhe confere: “Agora, toda a gente me conhece por aqui”, o que lhe alargou os contactos inscritos no celular. De “babes”, principalmente. Vectores locais de iniciativas alheias

Este conhecimento alargado resulta, também ele, numa vantagem global. Conforme explica Diana Carvalho, “a Repensar, pela implantação que tem já nos bairros onde está a trabalhar, tem sido contactada por outras instituições que, embora pretendam fazer chegar contributos a essas localidades, não têm lá qualquer retaguarda. Então os nossos educadores da Repensar passaram a ser o veículo local de outras iniciativas”.

Estas irão acrescentar volume ao trabalho já realizado pela cooperativa e que orçava, em meados de Abril, 25 233 pessoas abordadas, das quais 10 981 crianças e 30 tippy taps operacionais, realça Diana. O passo seguinte é “acrescentar a isto a produção e distribuição gratuita de máscaras integrais feitas a partir da reciclagem de capacetes da construção civil”, afirma. Um produto que, uma vez distribuído, será a síntese perfeita da Cooperativa Repensar nestes dias de pandemia global: promover a educação sanitária sem abdicar da consciência ambientalista. texto elmano madail fotografia mariano silva

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lá Fora

Covid-19 impõe restrições orçamentais

a

A disseminação do vírus está a causar pânico nos mercados financeiros e a empurrar a economia para uma recessão global de consequências imprevisíveis. O Governo angolano já admitiu a possibilidade de fazer ajustes orçamentais ngola mantém fortes relações comerciais com a China, mas, no entendimento da ministra das Finanças, Vera Daves, não deverá ser por este motivo que o país terá de ajustar as suas despesas públicas, mas sim por estar, como qualquer outro país, exposto às consequências do vírus, dada a interdependência das economias num mundo globalizado. “O que o país tinha de fazer em circunstâncias como estas está a ser feito”, assegurou a ministra das Finanças,

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em recentes declarações aos jornalistas, tendo garantido que o Governo está a acompanhar todos os desenvolvimentos, com cuidado e realismo, esperando-se que os impactos negativos sejam os menores possíveis. O que já é ponto assente, adiantou a ministra Vera Daves, é que, ao provocar a queda do preço da principal fonte de receitas do país (petróleo), a pandemia impõe a necessidade de se rever a despesa pública, dando prioridade aos projectos de maior impacto económico. “As opções para lidar com o problema

implicam muita ponderação, quer se coloquem na perspectiva da redução da despesa quer na do aumento da carga fiscal, não estando excluído o recurso ao endividamento acima do previsto. Mas o aumento da dívida pública contraria em grande medida a estratégia do Governo”, notou. Por sua vez, o director do Gabinete de Estudos e Estatísticas do Ministério das Finanças, Emílio Londa, reconheceu que os efeitos do Covid-19 não se circunscrevem à indústria petrolífera, podendo estender-se www.economiaemercado.co.mz | Abril 2020


da descida dos preços do petróleo na actividade económica, conclui a EIU. Os também peritos da unidade de análise económica da revista britânica “The Economist” salientam ainda que Angola não está a conseguir aumentar a produção de petróleo para compensar o efeito da descida dos preços, e tem a produção limitada a 1,48 milhões de barris por dia, segundo o acordo feito com a OPEP. “O volume de produção em 2019 foi de 1,39 milhões diários, e registou o quinto ano consecutivo de descida na produção no ano passado, devido às paragens programadas para manutenção e à exaustão dos campos, que estão a produzir menos petróleo”, apontam os analistas. O problema, concluem, é que “ao mesmo tempo, os preços mais baixos desta matéria-prima desde meados de 2014 tornaram as concessões dos onerosos poços de águas profundas menos atractivas, o que levou as companhias petrolíferas internacionais a cortarem nas suas operações e a procurarem destinos mais apetecíveis”. A EIU, de resto, reviu a previsão para os preços do petróleo este ano, antevendo um custo médio de 49,5

que, a continuar, seria catastrófico para economia angolana devido à forte dependência das exportações desta matéria-prima, até porque, é bom lembrar, o Orçamento Geral do Estado foi previsto com preços de referência de 55 dólares por barril”. BNA forçado a desvalorizar o kwanza

Os bancos centrais de Angola e da Nigéria, os dois maiores produtores de petróleo da África Subsaariana, vão ser obrigados a desvalorizar as respectivas moedas nacionais para manter as reservas externas face ao surto do novo coronavírus, considerou recentemente a consultora Capital Economics. “Cremos que os decisores políticos na Nigéria e em Angola vão ser forçados a desvalorizar as suas moedas nacionais num esforço para conservar as reservas em moeda externa”, assinalam os analistas. Numa nota de análise enviada aos clientes, citada pela Lusa, a Capital Economics escreve que “um surto sustentado na África Subsaariana pode ser difícil de conter”, lembrando que “a maioria dos países africanos tem três a dez camas de hospitais para cada

Os bancos centrais de Angola e da Nigéria, os dois maiores produtores de petróleo de África Subsaariana, vão ser obrigados a desvalorizar as respectivas moedas nacionais ao comércio, tendo em conta a dependência do país das importações. “Os choques na economia podem resultar da subida dos custos de importação, mas também da redução da produção, como sugere a Organização dos Países Produtores de Petróleo (OPEP), para não falar da queda do preço de petróleo no mercado”, insistiu. Para os analistas da Economist Intelligence Unit (EIU), a descida do preço do petróleo afecta também a economia não petrolífera e a capacidade de Angola diversificar a sua economia, já que o “Governo depende das receitas petrolíferas para apoiar estes sectores, não só em termos finncereiros como para atrair investimento externo”. A maioria dos cortes que terão de ser feitos deverá incidir nas despesas de capital, e as eleições municipais, que podem ter de ser adiadas à semelhança do que está a acontecer noutros países, devido ao impacto www.economiaemercado.co.mz | Abril 2020

dólares por barril, face aos 64 dólares, em média, no ano passado, e aos 55 dólares previstos no Orçamento Geral do Estado para este ano. Quem também se mostrou preocupado com a redução do preço do barril de petróleo, nos mercados internacionais, foi o consultor Inocêncio das Neves, tendo em conta, sobretudo, as recentes promessas feitas pela Arábia Saudita, que pretende aumentar a sua produção diária e oferecer descontos de até oito dólares por barril aos seus clientes, com o objectivo de ganhar quota de mercado, retaliando os não alinhados, como a Rússia, e os concorrentes de produção de petróleo de xisto nos Estados Unidos da América. Para o director da IDN Pro-Consultoria de Gestão, o anúncio feito pela Arábia Saudita provocou ainda mais uma queda abrupta do crude, forçando a que os preços por barril fossem comercializados abaixo dos 40 dólares, um cenário

10 mil residentes”, comparado com o rácio 30 a 60 camas por cada 10 mil residentes na Europa”. No comentário, os analistas alertam que “mesmo que esta região consiga evitar um surto em grande escala, não vai evitar o impacto económico do vírus”, que se junta ao efeito da redução dos preços do petróleo nos países exportadores desta matéria-prima, como Nigéria e Angola. “Na Nigéria, o aumento dos volumes de produção e o grande sector não petrolífero vão ajudar a acomodar o impacto, mas em Angola, pelo contrário, pensamos que as receitas de exportação vão cair quase 2,5% do PIB só no primeiro trimestre”, tornando o país mais afectado por este contexto e “empurrando a economia para uma recessão ainda maior, este ano”. texto António Nogueira Fotografia Istockphoto e D.R.

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NOVOS ÂNGULOS

A imunidade individual

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Pedro Cativelos • Director-Executivo da Media4Development

izem-nos as notícias, e são muitas, quase sempre as mesmas coisas e num só sentido. A pandemia chegou, viu e venceu. Não nos esclarecem se estaremos ainda no começo, no intervalo, ou próximos do fim. Até porque ninguém verdadeiramente sabe, de facto. Temos sido, também, inundados de números que ajudam a perceber o que se passa, quase tanto como desajudam no exercício de entendimento do que a seguir se vai passar. A chuva de projecções a que assistimos nas últimas duas semanas, entre as das instituições multilaterais como o BAD, o FMI ou o Banco Mundial, ou de colégios de análise como a Brookings ou a Economist Intelligence Unit, convergem todas no impacto de tudo isto na economia do que aí vem. Mas divergem todas na sua dimensão. Analisando os números, chega-se à conclusão de que África será o continente menos afectado economicamente pela pandemia, só atrás da Ásia, onde a locomotiva chinesa que já começou a carburar é seguida pela outra força motriz da região, a Índia. Juntas, serão das poucas nações a registar níveis de crescimento económico, ainda que baixos (entre 1% e 2% dependendo das previsões), até ao fim deste ano. Não há imunidade de grupo para a maioria das economias mundiais. Pelo contrário, o contágio é colectivo e tem o efeito do dominó. A China estremece, os EUA hesitam, a Alemanha soçobra, a Zona Euro abranda, o Japão desconfia, a Índia ausenta-se e de repente... o mundo silencia-se. E durante os últimos dois meses, a única coisa que aumentou matematicamente foi o número de mortes e de infectados. Nesse período, pouco se vislumbrou de uma qualquer liderança global, menos ainda de uma estratégia comum e, penosamente pouco, de lógica colectiva. Bem pelo contrário. Voltando a África. Tem a grande vantagem de a pandemia estar a abater-se de forma tardia sobre o Continente. As razões serão várias e têm sido debatidas, sem conclusão, ao longo das últimas semanas. Mas a verdade, por ora, é que o vírus chegou mas não foi tão destruidor como em Itália, Espanha ou Estados Unidos ao nível das infecções e da taxa de mortalidade, um fenómeno que acontece também em muitos países asiáticos, da Oceânia e da América do Sul. Com isto, África ganhou tempo e talvez tenha visto chegar uma oportunidade que não surge imaculada de grandes riscos.

Porque a questão que se coloca será económica e terá um grande impacto na vida de milhões de pessoas. Nesta altura, é tão importante ter em conta os discursos da OMS, do FMI e do Banco Mundial, que são pouco menos do que catastróficos no que concerne ao futuro próximo dos países africanos, sobretudo os que estão abaixo do Saara, como ter uma noção definida de perspectiva e do contexto real. O crash do petróleo e a queda generalizada das commodities que são fontes de rendimento de muitas economias africanas far-se-á sentir nos próximos meses e é a maior ameaça que paira sobre África, neste momento. O que leva a reflectir sobre o modelo de desenvolvimento que foi sendo adoptado, baseado na exportação de matéria-prima não transformada. Creio que terá de passar por aí, a reflexão sobre o futuro e a aposta no desenvolvimento em vez do crescimento. O impacto do que aí vem depende directamente de como é que os vários governos já lidam (e, olhando ao contexto africano, em muitos casos bem, como acontece, de resto, em Moçambique) e saberão lidar com o abalo que está a começar. Há, depois, um outro factor fundamental e que tem sido pouco abordado, de forma geral: qual é o plano de saída? Porque o contexto mudou. E não foi apenas o local, mas o global. E é necessário começar a pensar sobre como é que se recupera desta situação. Como acontece nos exercícios mais básicos de auto-ajuda, deve começar-se pelo reconhecimento, aceitar... a aceitação e passar à prática. Onde falhámos e porquê? E a seguir, recomeçar, com novo rumo. Se olharmos ao redor, ouviremos e leremos quem aponte para os sinais que o clima nos tem dado de que algo não está bem. Ou para quem alerte sobre a desigualdade endémica de um mundo imerso numa voragem de crescimento que se alimenta de si própria. Há os conspiracionistas que advogam que a China lançou tudo isto para dominar o mundo. Mas há também quem só se esconda dentro de casa à espera que tudo volte a ser como dantes. Eu penso que é em cada uma destas explicações que podemos encontrar uma definição de nós próprios. Enquanto indivíduos, como colectivo. Quem queremos ser agora? Quem observa, analisa, reflecte, decide e avança? Ou quem só recua face ao medo? A época que se avizinha será traumática para toda uma geração, mas decisiva para as próximas. Porque é agora que começa o nosso futuro.

Vivemos um tempo de definição. Invidividual e colectiva. Quem queremos ser agora? Aquele que observa, analisa, reflecte, decide e avança? Ou o que recua face ao medo?

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ócio

(neg)ócio s.m. do latim negação do ócio

60 Um ano depois do ciclone Idai revisitamos a Cidade da Beira

g

e 62 Em época de quarentena, é bom recordar a arte e a gastronomia servidas bem frescas no Market on Main, na baixa de Joanesburgo

63 O espumante portugês “Vértice” tem recolhido as distinções dos críticos


Beira

Sena Hotel Av. Mártires da Revolução, nº 189; +258 23311070 e-mail booking@ senahotel.net

e Beira

um tentador desafio

à alma do viajante numa obra publicada já depois da sua morte, intitulada “Anatomia da Errância”, Bruce Chatwin, cujos livros inauguraram (ou re-actualizaram?) todo um género literário no qual a “viagem” se apresenta como contraponto e negação do “turismo”, como que sintetiza, a posteriori, aquilo que na sua perspectiva define a “alma do viajante” e que constitui, a bem dizer, o seu “projecto de vida” (expresso em livros célebres como “Na Patagónia” ou “O Vice Rei de Ajudá”). Ao contrário do “turista”, preso de itinerários pré-definidos, o “viajante” reencarna a figura do nómada que, pela sua abertura à errância, ao acaso dos encontros, a uma constante disponibilidade para a escuta do “Outro” e uma insaciável curiosidade pelo mistério que cada lugar ou indivíduo comporta, transforma a viagem numa descoberta, sem

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fim, da essência do mundo e num desvendamento de si. A cidade da Beira é um daqueles casos em que o apelo à nossa “alma de viajante” se torna indispensável. Não que seja desprovida de “interesse turístico”, bem pelo contrário. Mas uma excessiva “pulsão turística” arrisca-se, muito provavelmente, a deixar o visitante preso de sentimentos contraditórios e impressões equívocas porque esta é uma cidade que desafia um desvendamento paciente. Uma deambulação apressada impedirá esse trabalho de escuta – das gentes, das ruas, dos espaços – que a cidade exige e merece. Na verdade, a cidade impõe-nos uma “arqueologia do olhar”, isto é, que não nos atenhamos distraidamente pela superfície do que nos é dado ver mas convoquemos antecipadamente tudo aquilo que nos pode ajudar a

“ler” a sua história. A começar pelo incontornável texto de Ilídio do Amaral – “Beira, Cidade e Porto do Índico” – através do qual não aprendemos apenas como a cidade da Beira nasceu de uma expedição militar portuguesa saída de Chiloane, composta por cerca de 30 soldados e 10 operários, embarcados em quatro lanchas, e que aportaram na Ponta Chiveve, a 19 de Agosto de 1887, e “aí instalaram, no dia seguinte, o Posto de Aruângua, num lodaçal e língua de areia de cotas muito baixas e de contornos constantemente modificados pelas marés, na foz dos rios Púngué e Búzi…” e que “...assim principiou a nova povoação, baptizada com o nome de Beira, em homenagem ao Príncipe D. Luís Filipe, nascido nesse ano”. Aprendemos também, de forma detalhada e minuciosa, como esta cidade se ergue em permanente desafio com uma Natureza difícil e se constrói e reconstrói, ao longo do tempo, presa de um incessante e complexo jogo www.economiaemercado.co.mz | Abril 2020


em que a sua geografia é refém de interacções históricas, sociais e económicas que se movimentam muito para além das suas fronteiras. Há, portanto, que “construir um olhar” para poder atravessar os diversos sedimentos de que se compõe este centenário tecido urbano. Mesmo se a deambulação “turística” se faz em mera obediência a um itinerário pré-determinado por “sugestões” avulsas do que é suposto ver, existe hoje toda uma literatura disponível que, se há também no visitante, mesmo de forma subtil ou apenas em potência, essa “alma de viajante”, convirá previamente consultar. É algo que se torna particularmente evidente quando o visitante se confronta com o património arquitectónico da cidade. Uma rápida e incompleta resenha do que, desde o ano 2000 se tem vindo a publicar, é suficiente para compreender a natureza de edifícios icónicos da cidade, como a Estação dos Caminhos-de-Ferro, o Grande Hotel da Beira, o actual Palácio dos Casamentos, a Casa dos Bicos ou, num outro plano, a Igreja da Manga, que se filiam no Movimento Moderno que marcou a arquitectura das décadas de 50 e 60 do século XX. Se o exercício de uma “arqueologia do olhar” é o epicentro do desvendamento a que o viajante se deve entregar para poder desconstruir as “aparências cenográficas” que se lhe oferecem, e que nessa deriva de “pequenas narrativas”, construídas a partir de uma interrogação sobre o mistério que a infância é (um lugar? Um tempo?), se deixe “perder” e “encontrar” na errância de uma viagem que remete, no limite, para a insondável “alma de viajante” que existe em todos nós. texto Rui Trindade fotografia Vasco Célio

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A cidade da Beira é um daqueles casos em que o apelo à nossa “alma de viajante” se torna indispensável. ROTEIRO COMO IR

A LAM tem vôos frequentes para a cidade da Beira, como destino assim como em trânsito. ONDE DORMIr

A nossa escolha vai para o Sena Hotel, alvo de uma renovação recente que o transformou numa das melhores unidades hoteleiras disponíveis. ONDE COMER

Se está pelo centro da cidade, aconselhamos o incontornável 2+1: cozinha variada e de boa qualidade por preços muito razoáveis. Mas para uma degustação mais descontraída, contemplando o mar e saboreando uns mariscos, a opção passa pelo Beira Mar. O QUE FAZER

Descubra o património arquitectónico, inspirado pelo Movimento Moderno que marcou as décadas de 50 e 60 do século XX e a Igreja Catedral.

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Market On Main

Joanesburgo

g devido ao covid-19, a baixa de joanesburgo perdeu, nos últimos tempos, uma nova vida que se alimentava de arte e comida fresca. Em tempos de quarentena, revisitemos um dos lugares de destaque para quem visitava a cidade, o Market On Main, uma mistura de mundivivência, com uma pitada de piri-piri africano. Com um conceito criado pelos empreendedores de design Jacques van der Watt da marca Black Coffee, e Bradley Kirshenbaum, com o objectivo de aliar gastronomia e design num espaço diferente e com uma frequência semanal, nascia em 2011, o Market on Main. Com ele, a baixa da cidade ganhou vitalidade, e a comunidade artística mais um lugar para fazer sobressair os traços de uma nova interculturalidade latente

Market On Main,

uma lufada na maior cidade da vizinha África do Sul. Caminhar pelo Mercado afigura-se como uma viagem. Ao nível de sabores (e aqui, a música ao vivo, tocada por artistas locais, propicia a banda sonora ideal para um roteiro sem lugar de chegada), eles existem para todos os gostos, independentemente da geografia: do Extremo Oriente em que a Li Kitchen encanta cada visitante com os ‘dumplings’ mais deliciosos do quarteirão, passando pelas raízes indianas que crescem na cultura sul-africana, onde o butter chicken da cozinheira do Durban

Em tempo de quarentena, recordamos o Market On Main, onde os domingos de Joanesburgo tinham a textura da arte e o sabor da gastronomia

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de arte

fresca Deli é inescapável. Num pequeno salto de poucos passos, somos transportados até ao outro lado do globo. Não, não se assuste com o tamanho da paella que nos dá as boas-vindas. Ela é, ainda assim, menor do que o prazer de a degustar. Para quem gosta de doces (e quem não gosta é justo perguntar?) a referência devida para os gelados artesanais, e para o magnífico ‘Coffee on cone’, uma sobremesa em que o seu café expresso é servido num cone de bolacha juntamente com gelado. E se para si, ‘é mais é bolos’, então terá a árdua tarefa de escolher entre um

arrojado ‘red velvet’, ou o bom velho amigo ‘bolo de chocolate’, neste caso ‘sprinkled’, com nozes macadamia. Mas há, claro, outras opções para acabar com a sede. Especialmente se gostar de ousar na escolha das cervejas, já que existe um bar totalmente dedicado às artesanais, em receitas que pedem uma prova múltipla, especialmente se estiver calor. Quando atravessar a zona de restauração vai encontrar um arejado pátio onde irá perder-se nos livros sobre arte, gastronomia ou História, divertir-se com as ilustrações que vai encontrar nas paredes do atelier de cerâmica que existe mesmo ao lado, ou então repousar na esplanada e aproveitar um belo gin tónico. É só uma ideia. Até porque também pode continuar na cerveja, porque aqui anda-se a pé e o balão não sobe. texto ELIANA SILVA fotografia D.R. www.economiaemercado.co.mz | Abril 2020


Acompanhando a tendência internacional, os espumantes portugueses têm vindo a ganhar GRANDE projecção internacional

Quinta dos Abibes Espumante Bruto Reserva Rosé 2016

País Portugal Região Bairrada Castas Baga Cor Rosado com bolha muito fina AromA Elegante com predominantes notas de frutos vermelhos frescos Paladar Cremoso, com boa mousse, frescura apelativa, frutado Final Envolvente e sedutor Teor Alcoólico 12,5%

Plano B Espumante Bruto 2015

Vértice Pinot Noir 2007

País

Portugal Região

Douro

CASTAS

Pinot Noir Cor

Rosa leve, bolha muito fina e elegante Aroma

Fresco com com acidez vivificante Paladar

Cremoso com boa mousse Final

País Portugal Região Bairrada Castas Baga Cor Rosado suave, bolha fina e persistente Aroma Delicado e harmonioso, revela notas de frutos vermelhos e silvestres Paladar Frutado, jovem e fresco, tem bom volume e cremosidade Final Longo e sedutor Teor Alcoólico: 12,5%

Ameias Espumante Rosé Brut Nature

País: Portugal Região: Palmela Castas: Castelão e Arinto Cor: Rosado, com bolha fina e persistente Aroma Elegante, com notas frutadas, com morangos, groselhas e cerejas em destaque Paladar Vivo, crocante e envolvente, a pedir gastronomia requintada Final Prolongado e seco Teor Alcoólico 12,5% www.economiaemercado.co.mz | Abril 2020

Requintado e prolongado Teor Alcoólico

12,5%

Vértice Pinot

Noir 2007

um espumante para todas

as épocas do ano já lá vai o tempo em que os espumantes eram sobretudo consumidos em dias festivos. Nos últimos anos, a variedade e, sobretudo, a qualidade da oferta fizeram com que eles sejam cada vez mais desfrutados de forma regular nas mais diversas ocasiões e mesmo acompanhando as refeições diárias. Seguindo esta tendência, os espumantes portugueses têm vindo a ganhar uma projecção internacional que estava predominantemente reservada à produção proveniente de países como a França ou a Itália. E um bom exemplo desta nova realidade é a forma como os espumantes “Vértice” (para referir apenas um caso) têm vindo a ser distinguidos pelos críticos internacionais da especialidade. Pelo segundo ano consecutivo, Mark Squires, crítico norte-americano e provador oficial da prestigiada publicação Robert Parker/Wine Advocate, voltou a destacar os espumantes Vértice. Desta vez, a sua análise focou-se no Vértice Pinot Noir 2007, que conquistou 94 pontos, a mais alta pontuação de sempre entre espumantes portugueses. Na sua nota de prova, Mark Squires chega mesmo a perguntar “como é possível não querer encher a garrafeira com um espumante desta qualidade a tão bom preço?”. O crítico aprova ainda o consumo imediato, mas recomenda, para “quem preferir um toque de Champagne mais maduro, esperar uma década para abrir a garrafa”. Dez anos após a colheita, o Vértice Pinot Noir 2007 valida, com sucesso, uma estratégia arrojada do produtor, que decidiu lançar um espumante produzido à base de uma das castas mais temperamentais do mundo. O objectivo foi demonstrar a expressão desta casta clássica de Champagne na região do Douro, onde as vinhas atingem uma altitude média de 550 metros. texto rui trindade fotografia d.r

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A Arte pelo mundo

Onde

Museu Nacional de Arte Moderna e Contemporânea de Seoul (Coreia do Sul) Museu do Louvre em Paris (França) Museu de Arte de São Paulo (Brasil) Guggenheim de Nova Iorque (EUA)

Arte e Cultura migram à medida que mais e mais regiões do mundo são atingidas pela pandemia do coronavírus, restrições à mobilidade são impostas e cidades e países são sujeitos a quarentenas, milhares de instituições artísticas e culturais foram obrigadas a fechar e inúmeros eventos tiveram de ser cancelados. Perante esta situação, um número crescente de instituições e agentes culturais das mais diversas áreas estão agora a oferecer alternativas “virtuais” online, de acesso livre. Assim, por exemplo, mais de 2 500 museus e galerias ao nível mundial, estão a disponibilizar “visitas virtuais” aos seus espaços e colecções. Do Museu Nacional de Arte Moderna e Contemporânea de Seoul (Coreia do Sul) ao Museu do Louvre em Paris (França), passando pelo

para o mundo virtual

Museu de Arte de São Paulo (Brasil) e o Guggenheim de Nova Iorque (EUA), todos eles podem agora ser visitados. Um bom ponto de partida para estas visitas pode ser através do projecto Arts & Culture do Google. Outro portal de acesso a museus, galerias e livros é o Europeana. Não esquecer que alguns museus disponibilizam também livros para dowload gratuito. É o caso, por exemplo, do Guggenheim que colocou online mais de 200 livros de arte. No que toca a livros, inúmeras editoras e livrarias estão agora a dar acesso livre para leitura ou download gratuito. Entre muitas opções possíveis, refira-se a iniciativa da Fnac (fnac.pt) e da Kobo (Kobo.pt) que está

Com praticamente todo o mundo em casa, museus, exposições e filmes só mesmo em plataformas digitais www.economiaemercado.co.mz | Abril 2020

Acessível nas plataformas digitais

a disponibilizar mais de 260 mil audiolivros e ebooks. Obras de grandes escritores mundiais estão acessíveis tanto em versões em língua portuguesa como em inglês. E há ainda a possiblidade de aceder aos livros do Projecto Gutenberg - um gigantesco repositório digital, acessível de forma fácil e gratuita – ou à Open Library (alojada no website Internet Archive). Finalmente, no que toca a filmes, as opções são agora também muitas. No website Internet Archive há milhares de filmes disponíveis, de documentários a ficções. Outro sítio interessante é o Public Domain Movies. De referir ainda que plataformas de streaming como a HBO estão a colocar alguns filmes e documentários em acesso livre. Uma menção especial ainda para a plataforma ARRAY que está a disponibilizar filmes de realizadores de África e da sua diáspora.

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Nissan Modelos NV300; e-NV200 Camper Comodidades Sala de estar para até quatro pessoas, mini-cozinha completa com frigorifico, lavalouça, gás e água corrente Combustível Diesel e eléctrico

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Como o movimento #VanLife está a influenciar o design automóvel se dúvidas houvesse, bastaria ir a #VanLife, na rede social Instagram, para perceber a dimensão que este movimento atingiu nos últimos anos. Na verdade, são cada vez mais aqueles que decidiram adoptar um estilo de vida “móvel”. E independentemente de referências literárias (“Pela Estrada Fora”, de Jack Kerouac) ou cinematográficas (“Ao Correr do Tempo”, de Wim Wenders), o facto é que a escala do movimento #VanLife levou já alguns construtores automóveis, como a Nissan ou a Volkswagen, a investirem no design de modelos especificamente orientados para este novo segmento. Num extenso artigo dedicado ao tema, a revista Fast

Company sublinhava que, no Salão Automóvel de Madrid de há dois anos, a Nissan declarou que dois modelos em exposição, o NV300 e o e-NV200, tinham sido desenhados tendo em mente este novo movimento. E enquanto a Volkswagen apostou forte no modelo Grand California, a Mercedes-Benz mostrou o seu excelente Winnebago Revel. Todas estas propostas têm sobretudo em mente o facto de uma percentagem significativa dos adeptos do movimento “Van Life” pertencerem à geração dos chamados millennials (nascidos entre 1980 e 2000). Uma das características desta geração é a sua busca por “autenticidade” e, nesta perspectiva, os construtores

independentemente de referências literárias, a escala do movimento #VanLife influencia construtores

automóveis começam a tentar corresponder às suas aspirações que se prendem, igualmente, com um estilo de vida “móvel”, o qual tem pouco que ver com o ideal “campista” e de “vida saudável” de gerações anteriores. Por isso, os modelos da Nissan, como o NV300 e o e-NV200 camper (totalmente eléctrico), incorporam uma série de comodidades que têm em vista este “estilo de vida”: sala de estar para até quatro pessoas, mini-cozinha completa (com frigorifico, lava-louça, gás e água corrente) e, na hora de dormir, possibilidade de transformar o veículo num “quarto” com uma confortável cama para duas pessoas. Em torno do movimento #VanLife surgiram, entretanto, inúmeras empresas que apostam na adaptação e personalização de carrinhas e caravanas e, para além de blogues e livros, existe já uma revista especializada - a VanLife Magazine - dedicada a todos aqueles que, de facto, prcuram um estilo de vida verdadealternativo.

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