E&M_Edição 25_Maio 2020 • ESTAMOS JUNTOS, Apesar do distanciamento social

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moçambique

macro um olhar sobre a mudança global rumo ao ‘novo normal’ Economia Como as empresas nacionais estão a projectar a retoma Educação Narciso Matos observa o presente e o futuro da escola ICOR Beatriz Ferreira faz o diagnóstico ao covid no país

estamos juntos

(apesar do distanciamento social) Do turismo ao oil&gas, da indústria ao mercado de trabalho ou da escola à saúde, a E&M projecta como será o ‘novo normal’

MAIO 2020 • ano 03 no 25 • 15/05 - 15/06 Versão ePaper



Sumário 6

Observação

O chá de Madagáscar A imagem do Presidente malgaxe, Andry Rajoelina, a consumir o que se acredita curar o Covid-19

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Radar

Panorama Economia, Banca, Finanças, Infra-estruturas, Investimento, País

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65 ócio 66 Escape Uma visita à praia do Bilene 68 Gourmet A descoberta do shawarma show, uma proposta gastronómica libanesa 69 Adega Conheça a mexicana tequila ‘Casamigos’ que valeu um negócio milionário 71 Arte O livro “The Villager”, mostra as tendências de consumo de marcas pelos africanos 72 Ao volante A nova e dobrável bicicleta, a Flit-16

Macro

Tendências A E&M analisa o que se vai tornando norma na economia global devido à pandemia da Covid-19

22 nação Covid-19: O dia Seguinte 22 Economia A E&M lança olhar sobre o que poderá mudar na economia nacional 28 Construção, Indústria e Turismo Dirigentes de três grandes indústrias do mercado falam do futuro 36 O mercado do trabalho Analistas dos RH falam de transformações irreversíveis depois da pandemia 40 Educação Narciso Matos fala de para uma ordem que surge e das dificuldades que estão pela frente

46 soCIEDADE Saúde A médica Beatriz Ferreira fala dos desafios do Icor na luta pela cura dos infectados pelo Covid-19

50 lÁ fora Angola O país corrigiu preço do barril de petróleo de 55 para até 35 dólares por barril na nova proposta do OGE

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52 empresas JFS A história da centenária empresa do ramo do algodão que abraçou a causa social de produzir viseiras

54 Megafone

Marketing O que está a acontecer no mundo das marcas em Moçambique e lá por fora

56 mercado e finanças OE 2020 Com a ajuda do CIP e do IESE, a E&M analisa o documento final recentemente aprovado

60 Figura do mês Adriano Nuvunga Presidente do Fórum de Monitoria do Orçamento avalia o OE 2020

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Editorial

E depois do Covid-19? Celso Chambisso •Editor da Economia & Mercado

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om o seu poderoso rasto, o novo Coronavírus apagou os trilhos

de que as economias se serviam na busca pelo cumprimento das suas metas de curto, médio e longo prazo. E mesmo antes que se declare a vitória da ciência contra a pandemia, cujos números teimam em esconder o tão ansiado momento da trégua, é já notória a tendência generalizada dos Governos em iniciar o caminho do regresso à normalidade. Uma normalidade que ainda não significará o resgate do rumo que se perdeu, já que essa tarefa se afigura cada vez mais árdua. Exige da comunidade global uma aguçada capacidade de interpretação dos vários sinais que vão sendo emitidos pelos sectores económicos e sociais, e que podem servir de bússola para a reorientação estratégica das nações em ambiente de total incerteza. Em Moçambique, os sinais vão sendo, por um lado, emitidos pelo sector privado que, através de uma observação atenta dos impactos da pandemia na sua actividade, tem produzido uma visão clara do conjunto de requisitos que considera indispensáveis para minorar as dificuldades e dar início à retoma. Na resposta, o envolvimento do Executivo tem sido pontual, mas os consensos com a contraparte, o sector privado, sobretudo os relativos às medidas de alívio dos encargos fiscais, ainda são raros. Neste capítulo, caro leitor, o debate está aberto e esta edição da E&M proporciona-lhe o essencial. Outros sinais a serem considerados no regresso à normalidade são emitidos pelos sectores do trabalho e da educação, que experimentam uma transformação radical na sua postura tradicional que, seguramente, dará origem a um “novo normal” – conceito cada vez mais utilizado para expressar a consciência de mudanças definitivas na forma de estar em diferentes esferas da vida da sociedade. Nesta vertente, o leitor ficará a conhecer o que está a mudar e como será a nova ordem não só no trabalho e na formação do capital humano, mas também na saúde. Todas as abordagens têm suporte em entrevistas a entidades que falam com autoridade sobre os sectores de que fazem parte, para assegurar que o caro leitor tenha uma imagem do futuro suficientemente fiel à realidade que todos poderemos testemunhar. Mais uma vez, e à semelhança da edição de Abril, a presente E&M está, obviamente, disponível apenas no formato digital, através das nossas plataformas que incluem o portal de economia e negócios “Diário Económico”, a App que disponibilizamos gratuitamente e através da newsletter enviada mensalmente para toda a nossa base de leitores, assinantes e parceiros comerciais e institucionais. Sem grande surpresa, o leitor observará também que a E&M tem desenhado um alinhamento editorial que mantém o foco no novo Coronavírus essencialmente observado sob diferentes pontos de vista e de análise temática e sectorial.

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MAIO 2020• Nº • Nº0125 MÊS ano EDITOR EXECUTIVO Celso Chambisso propriedade Emídio Executive Mocambique JORNALISTAS Massacola, Cristina Liquatis nienis Madaíl, doluptae et magnis Freire, Elmano Ruivelit Trindade enis necatin nam Henet exceatem PAGINAÇÃO Joséfuga. Mundundo seque cus, sumMariano nis namSilva iu Qui te nullant FOTOGRAFIA adis destiosse iusciRodrigues re in prae dos volesSantos REVISÃO Manuela sant laborendae nihilib uscius sinusam Direcção Comercial Ana Esteves rehentius eos resti dolumqui dolorep ana.esteves@media4development.com reprem vendipid que ea et eumque non conselho CONSULTIVO nonsent qui officiasi Alda Salomão, Andreia Narigão, António loremBernardo ipsum Executive Mocambique Souto; Aparício, Denise Branco, Liquatis de nienis doluptae velit etFrederico magnis Fabrícia Almeida Henriques, enis necatin nam fuga. Henet exceatem Silva, Iacumba Ali Aiuba, João Gomes, seque cus, sumRogério nis namSamo iu QuiGudo, te nullant Narciso Matos, Salim adis destiosse Cripton Valá iusci re in prae voles sant laborendae nihilib uscius DIRECTOR EXECUTIVO Pedrosinusam Cativelos rehentius eos resti dolumqui dolorep pedro.cativelos@media4development.com reprem vendipid que ea et eumque ADMINISTRAÇÃO, REDACÇÃO non nonsent qui officiasi E PUBLICIDADE Media4Development lorem ipsumAzarias Liquatis nienis doluptae Rua Ângelo Chichava nº 311 A — velit et magnis enis necatin nam fuga. Sommerschield, Maputo – Moçambique; Henet exceatem seque cus, sum nis nam marketing@media4development.com iu Qui te nullant adis destiosse iusci re in IMPRESSÃO E ACABAMENTO prae voles sant laborendae nihilib uscius Minerva Print - Maputo - Moçambique sinusam rehentius eos resti dolumqui Tiragem 4 500 exemplares dolorep reprem vendipid que Propriedade dO Registoea et eumque non nonsent qui officiasi Executive Moçambique lorem ipsum Liquatis nienis doluptae Número de Registo velit et magnis enis necatin nam fuga. 01/GABINFO-DEPC/2018 Henet exceatem seque cus, sum nis nam iu Qui te nullant adis destiosse iusci re in prae voles sant laborendae nihilib uscius sinusam rehentius eos resti dolumqui dolorep reprem vendipid que ea et eumque non nonsent qui officiasi lorem ipsum Liquatis nienis doluptae velit et magnis enis necatin nam fuga. Henet exceatem seque cus, sum nis nam iu Qui te nullant adis destiosse iusci re in prae voles sant laborendae nihilib uscius sinusam rehentius eos resti dolumqui dolorep reprem vendipid que ea et eumque non nonsent qui officiasi

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observação

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Antananarivo, Madagáscar

O ‘milagroso’ chá de Madagáscar ou só mais uma falsa esperança numa cura? Fotografia D.R Com o suspense a pairar sobre uma possível descoberta da cura do covid-19 face à corrida desenfreada dos mais conceituados laboratórios do mundo, Madagáscar anunciou que uma bebida feita a partir da artemísia — planta com eficácia comprovada no tratamento da malária — pode tratar o coronavírus. Já apelidado por “Covid-Organics”, o também designado por “milagroso chá de Madagáscar” ganhou adeptos um pouco por todo o mundo, estando a ser distribuído no país de origem porta-a-porta pelas autoridades, apoiadas pelo “marketing” do Presidente da República, Andry Rajoelina. Fora do país, a Guiné Bissau é o principal adepto do “chá de Madagáscar”, tendo já adquirido grandes quantidades para distribuir pela população. Apesar de, na pequena ilha do Índico, garantirem já haver centenas de curados através do “Covid-Organics”, tal carece de confirmação oficial, e ainda divide opiniões. Para já, a OMS não aconselha o seu uso até que um conjunto de testes sejam realizados para apurar a sua eficácia.

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RADAR Principais players do Gás Natural Revêem Planos de Negócios As multinacionais do ramo de exploração e pesquisa de hidrocarbonetos estabelecidas no país estão a rever os seus planos de negócios para acomodar os impactos da pandemia e a retracção dos preços no mercado internacional. Para já, o Instituto Nacional de Petróleos assegura que os prazos para o início da implementação dos projectos se mantêm. Numa curta entrevista concedida ao jornal Domingo, o PCA do Instituto Nacional de Petróleos (INP), Carlos Zacarias, revelou que, face aos impactos do novo coronavírus no mundo, todas as empresas deste sector estão a fazer

ECONOMIA

Algodão. O Governo anunciou, recentemente, que vai desembolsar cerca de 240 milhões de meticais para subsidiar pequenos agricultores de algodão no país, uma medida que visa proteger mais de um milhão de pessoas nas zonas rurais, que dependem da cadeia de valor deste sector. A Associação Algodoeira de Moçambique (AAM) reagiu com satisfação, chegando a considerar tratar-se de um “marco histórico” na política agrária e económica do País. A decisão é “um sinal

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real e indiscutível da aposta do Governo na agricultura e na população rural”, lê-se no comunicado da AAM. “Não é um subsídio ao consumo, é, sim, um subsídio à produção e às famílias produtoras que têm no algodão uma importante fonte de sustento”, referiu a AAM. Dívida. O economista-chefe da consultora Eaglestone considera que a economia moçambicana deve registar um crescimento económico de 2% devido à queda do preço das matérias-primas de exportação e à incerteza sobre a evolução da Covid-19. “Estamos a assumir um crescimento de apenas 2% para este ano, um pouco abaixo da previsão mais pessimista do Governo anunciada recentemente, que aponta para 2,2%, enquanto a estimativa mais optimista considera uma subida de 3,8% do PIB, ambos mostrando uma redução significativa

face aos 4,8% previstos inicialmente pelo Governo”, disse Tiago Dionísio.

Dívida pública. O banco Absa Moçambique decidiu isentar clientes de cobranças em qualquer caixa multibanco, suspender comissões de transferências e não cobrar serviços de carteira móvel para minimizar o impacto do novo coronavírus no País, anunciou a instituição em comunicado. As medidas incluem ainda a antecipação, a fornecedores regulares, de pagamentos de facturas relativas a serviços a serem prestados ao longo dos próximos

reajustes da sua planificação para assegurar que os projectos sejam realizados dentro dos prazos. De acordo com Carlos Zacarias, o adiamento da tomada da Decisão Final de Investimentos (DFI) por parte da Exxon Mobil deve-se a cortes nas despesas de capital em 30% e nas despesas operacionais em 15%, pela concessionária devido à queda dos preços do petróleo e derivados, provocada pelo excesso de oferta e baixa procura bem como com os efeitos provocados pela pandemia covid-19. Contudo, diz acreditar que esse adiamento será temporário até que as condições melhorem. três meses, medida que visa “contribuir para uma melhoria da liquidez dos seus fornecedores durante este momento económico desafiante”. Inflação. A consultora Oxford Economics considera que a taxa de inflação em Moçambique deverá ficar nos 2,9% este ano e que a taxa de juro tem margem para descer de 11,25% para 11%. “Moçambique é um importador da maioria dos bens de consumo e, assim, uma moeda mais fraca é fortemente associada a preços mais elevados; as perturbações na cadeia de distribuição e a consequente escassez de produtos devido ao impacto da pandemia do novo coronavírus vai fazer subir os preços, temporariamente, de determinados produtos de consumo. Por isso, prevemos uma inflação média de 2,9% este ano, ligeiramente acima www.economiaemercado.co.mz | Maio 2020


dos 2,8% de 2019”, escrevem os analistas. Numa nota sobre a inflação no País, a Oxford Economics lembra que o metical desvalorizou 6% desde o início do ano e adianta que existe margem para o banco central descer a taxa de juro de referência ao longo de 2020.

Sustentabilidade da dívida. Economistas rejeitam a ideia de sustentabilidade da dívida pública moçambicana defendida pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), e dizem que “sem medidas que possam travar o crescente endividamento, vai ser difícil garantir essa sustentabilidade”. De acordo com as previsões do FMI, a dívida pública moçambicana vai continuar em dificuldades, mas é “sustentável em termos futuros”, embora deva atingir 113,7% no final deste ano, devido, em parte, ao impacto da pandemia covid-19. Mas para o economista João Mosca, isso depende da “tomada de medidas sérias relacionadas com a dívida pública” a serem tomadas pelo Governo. “É preciso encontrar formas de travar o crescente endividamento, interno e externo, mas sobretudo externo, que coloca a dívida moçambicana numa situação cada vez mais insustentável”, defende o economista. Fundo Soberano. O ministro da Economia e Finanças, Adriano Maleiane, defende que haja consenso em torno da criação de um Fundo Sowww.economiaemercado.co.mz | Maio 2020

berano alimentado por receitas provenientes dos recursos naturais, visando a construção de infra-estruturas essenciais ao desenvolvimento do país. Adriano Maleiane falou sobre o assunto quando respondia a perguntas dos deputados da Assembleia da República em torno do Programa Quinquenal do Governo (PQG) que esteve recentemente em debate no Parlamento. “Queremos ter um consenso, queremos trazer para a sociedade uma solução que resulte de consenso”, afirmou Adriano Maleiane. Comércio. A queda do peso da indústria moçambicana no PIB faz com que Moçambique esteja “pouco preparado” para a concretização do Acordo de Comércio Livre em África (AfCFTA), concluem os analistas da The Afro Champions Iniciative, num estudo promovido pela entidade que reúne empresários e líderes políticos africanos. De resto, os países africanos de língua portuguesa estão, no geral, “pouco empenhados na concretização do AfCFTA, e pouco preparados para o aplicar”. Açúcar. A Açucareira de Mafambisse, na província de Sofala, ambiciona produzir, este ano, mais 11 mil toneladas de açúcar com vista a reforçar a oferta no mercado interno. No ano passado, a fábrica da qual a sul-africana Tongaat Hulett é accionista maioritária, produziu 27 mil toneladas de açúcar sendo que, este ano, “tem a meta de produção fixada nas 38 mil toneladas”, anuncia o director-geral da empresa, Lukas Daniel. Apesar da ameaça da pandemia, o gestor entende que as projecções da açucareira “são realizáveis”, tendo em conta que o mercado principal é o moçambicano.

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OPINIÃO

Covid-19, Bolsa de Valores e Transformações Económicas

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Salim Cripton Valá • PCA da Bolsa de Valores de Moçambique mundo enfrenta uma crise económica provocada pelo avanço da pandemia de covid-19. Instituições internacionais como o FMI, Banco Mundial, OCDE, OMC, CNUDC, entre outras, têm estado a projectar significativa desaceleração do crescimento mundial, no melhor dos cenários, ou a recessão global em 2020, no cenário menos optimista. Nas reuniões de Primavera do FMI e Banco Mundial, realizada em meados de Abril corrente, o FMI anunciou a revisão em baixa do crescimento da economia global para 2020 e a Directora-Geral, Kristalina Georgieva, admitiu que os efeitos da pandemia para a economia serão graves. Analistas abalizados no assunto já prevêem que a dimensão da crise provocada pelo coronavírus poderá ser maior que a crise financeira de 2008. Segundo o “World Economic Outlook” (FMI, Abril de 2020), a actividade económica será fortemente condicionada pela pandemia cujo impacto na economia mundial pode significar menos 3% do PIB, mas com os países desenvolvidos a terem reduções significativas nas projecções do crescimento do PIB real: EUA -5,9%; Zona Euro -7,5%; Japão -5,2%; e a China a ter uma taxa de crescimento de apenas 1,2%. As medidas de isolamento e/ou quarentena para impedir o avanço do vírus provocaram a interrupção das actividades normais das pessoas, empresas e instituições, e isso impacta negativamente na produção, distribuição, consumo corrente e investimentos. A gravidade dos efeitos económicos do covid-19 deve-se à sua capacidade de gerar, ao mesmo tempo, choques negativos na oferta e na demanda agregada mundial. A pandemia do coronavírus tem estado a afectar a produção e as cadeias globais de suprimentos, a assistir ao fecho de fronteiras, redução da actividade económica, tem estado a abalar as Bolsas de Valores, provocou o cancelamento de eventos em todo o mundo e eleva temores de uma recessão global. Além dos impactos nos mercados e no comércio global, com a interrupção da produção industrial, paralisação do sector

de viagens e grande queda do turismo, a pandemia tem levado governos a determinar o encerramento ou funcionamento parcial de lojas e serviços, a suspensão de aulas, convocando a população a ficar em casa, o que reduziu drasticamente o consumo, a produção e as receitas das empresas. A pandemia tem provocado perdas históricas nas Bolsas de Valores. Na Europa, as acções recuaram para valores de 2012, e nos EUA as perdas das empresas listadas em bolsa chegaram a 5 biliões de dólares. Estima-se que ao nível mundial aproximadamente 14 biliões de dólares em valor de mercado perdido. De realçar que entre as acções mais afectadas estão as de companhias aéreas, empresas do sector do turismo, tecnologia electrónica, automóveis e até alimentos. As Bolsas de todo o mundo desenvolvido tocaram em mínimos no final de Março de 2020, com os maiores índices a registarem quedas superiores a 30%. Apesar disso, uma forte correcção trouxe os índices mundiais (ex: Dow Jones Industrial Average – Nova York, S&P 500, FTSE 100 - Londres, CAC 40 - Paris, DAX 30 - Frankfurt, IBEX 35 – Madrid, FTSE MIB - Milão, Nikkei 225 – Tokyo; Eurostoxx 50 – Zona Euro, Nasdaq 100 – Nova York) novamente para valores superiores aos pré-covid-19, com o apoio dos Bancos Centrais e Governos em todo o mundo que “abriram cordões à Bolsa” para apoiar as economias muito deprimidas pela pandemia do novo coronavírus. Como vários outros governos ao nível mundial, o governo de Moçambique e o Banco Central estão adoptando medidas para: i) travar a propagação da pandemia e reforçar a capacidade do sector da saúde de assistir os infectados; ii) garantir que não haja desabastecimento de bens e insumos básicos, por meio do monitoramento das cadeias de distribuição, e; iii) contenção dos efeitos sobre a actividade económica e estímulo à economia por meio de políticas monetárias, fiscais e creditícias. É ainda cedo para avaliar o impacto das medidas adoptadas na economia real, tendo em conta a capacidade económica efectiva que o Estado possui, a predisposição dos parceiros de cooperação em colaborar nessa empreitada e o efeito

É ainda cedo para avaliar o impacto das medidas adoptadas na economia real, tendo em conta a capacidade económica que o Estado possui, a predisposição dos parceiros de cooperação em colaborar e o efeito negativo da pandemia em adiar investimentos como os da Área 4 do Rovuma

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Mercado a resistir: Bolsa de Valores não se tem ressentido da pandemia e as empresas cotadas conheceram, na generalidade, a valorização dos seus activos

negativo da pandemia em adiar investimentos já previstos, como o da ExxonMobil na Área 4 da Bacia do Rovuma. O impacto do novo coronavírus, associado ao precário cenário da economia mundial, mas também ao impacto das calamidades naturais, a queda da procura externa e redução do preço das principais mercadorias de exportação, bem como a instabilidade em certas regiões do Centro do país e na Província de Cabo Delgado, fez com que o Governo revisse em baixa as expectativas de crescimento da economia nacional para este ano, passando dos 4% inicialmente projectados para os 2,2% significando, na verdade, uma desaceleração do crescimento pelo quinto ano consecutivo (Banco de Moçambique, Abril de 2020). Não há como não prever que as consequências económicas e financeiras da covid-19 irão provocar o aumento nos défices orçamentais e os rácios da dívida pública, mas é vital que os Governos ignorem temporariamente os preceitos dominantes sobre endividamento público e utilizem “tudo o que for possível” para lidar com a crise, incluindo usar de forma flexível as regras fiscais para criar espaço necessário para a expansão de gastos públicos, adoptar políticas de expansão do crédito e alongamento de dívidas e ampliar os programas de transferência de renda para as famílias vulneráveis. Tendências do mercado bolsista moçambicano Apesar das oscilações abruptas que os mercados bolsistas enfrentaram por todo o mundo durante os últimos meses, o mercado bolsista em Moçambique resistiu ao impacto da pandemia covid-19, tendo inclusivamente registado uma subida de 15,5% na capitalização do mercado, durante o período de Janeiro até 13 de Maio, ao passar de 95,3 mil milhões de meticais para pouco mais de 106 mil miwww.economiaemercado.co.mz | Maio 2020

lhões de meticais, representando cerca de 10,4% do PIB. O índice “BVM Global”, que representa o comportamento do mercado bolsista, registou no período de 01 de Janeiro a 30 de Abril, um crescimento de 17%, ao passar dos 112.624,15 para os 126.427,14 pontos. Em igual período, o índice “BVM Acções”, que representa o comportamento do mercado accionista, registou também um crescimento de 12,3%, ao passar dos 1.979,14 para os 2.315,20 pontos. As empresas cotadas em bolsa conheceram, na generalidade, a valorização dos seus activos e, das três empresas com maior liquidez de mercado (HCB, CDM e CMH), a HCB manteve a sua valorização, enquanto que a CDM e a CMH aumentaram o seu valor em 22,7% e 36,4%, respectivamente. A HCB estabilizou a sua cotação nos 4,0 MT por acção em Abril, na mesma altura que a CDM e a CMH atingiram o valor mínimo da sua cotação (60,00 MT e 2.000,00 MT, respectivamente), tendo até ao final do mês recuperado das perdas anteriores. Como esperado, o volume de títulos negociados teve uma quebra generalizada do seu volume de transacção em todos os títulos, que em termos do mercado accionista e relativamente aos três títulos mais transaccionados (CDM, CMH e HCB) representou uma redução de 85,6%, ao passar de 7.299 milhões de títulos negociados no último quadrimestre de 2019 (Set. a Dez.) para os 1.050 milhões de títulos transaccionados no primeiro quadrimestre de 2020 (Jan. a Abr.). Apesar do contexto económico adverso, as empresas cotadas têm mostrado ao mercado e aos investidores serem capazes de se adaptarem, mostrando um bom nível de resiliência face à presente crise, factor essencial para enfrentar o período pós-pandemia. O impacto da pandemia foi visível no número de transacções e no volume de negociação das empresas cotadas em bolsa, em consequência directa de um menor número

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OPINIÃO de investidores e um nível mais reduzido da sua participação no mercado bolsista, fazendo com que os investidores optem por activos de maior liquidez, nomeadamente “cash”, receosos da incerteza de um futuro que sentem estar próximo. Esta diminuição do nível de procura dos cidadãos teve um impacto tangível nas empresas, que ao verem a procura pelos seus produtos em baixa, reduziram igualmente a sua oferta de produção para o mercado, num círculo vicioso de redução sucessiva da procura-oferta que se estendeu até ao nível mínimo de sustentabilidade do seu negócio. Já o impacto da pandemia nas empresas cuja produção está directamente relacionada com a produção de bens e serviços enquadrados na prevenção e combate ao covid-19 tiveram o efeito oposto. É o caso da Sociedade Moçambicana de Medicamentos (SMM), que muito recentemente lançou no mercado uma emissão privada de Papel Comercial no valor de 30 milhões de meticais a um ano, remunerada a uma taxa de juro de 25%, cuja procura de 75 milhões de meticais por parte de investidores institucionais e individuais excedeu todas as expectativas (“oversubscription” de 150%), mais notável ainda por ter ocorrido num período crítico. A SMM apostou no financiamento no mercado interno para ampliar a sua produção, nomeadamente de paracetamol e álcool, contribuindo com uma maior disponibilidade no mercado destes bens tão essenciais no combate ao covid-19. O mercado bolsista moçambicano permanece estável, tanto que as Bolsas no resto do Mundo já estão a reagir positivamente, depois de algumas delas fecharem por decisão administrativa e depois das quedas verificadas no início de Março, em decorrência da incerteza sobre o plano económico dos Estados Unidos para lidar com o coronavírus e alertas de resultados negativos de grandes empresas, sobretudo as de transporte aéreo e a queda do turismo com o anúncio de encerramento de fronteiras. Não obstante a quebra significativa de alguns negócios, as Bolsas de Valores têm vindo a assistir à valorização de empresas tecnológicas e produtoras de conteúdos digitais, como a Netflix, Apple, Amazon e Facebook, devido ao facto de a pandemia covid-19 estar a obrigar milhões de pessoas a ficarem em casa a assistir televisão e a usar a internet. Com o anúncio das medidas de apoio às empresas e trabalhadores pelos EUA, Alemanha, França, Canadá, China, Japão, entre outros países, as principais Bolsas de Valores do mundo voltaram a registar subidas. Sendo um mercado ainda incipiente e pouco vibrante, a contribuição da BVM para amortecer o impacto económico nas famílias e empresas e no fornecimento de oportunidades de financiamento e investimento é ainda diminuta. Mas há uma tendência de crescimento do mercado bolsista, que é ainda relativamente lenta, mas tem elevado potencial de crescimento no futuro. Quem sabe, esta crise pode ser a linha divisória entre o antes e o depois do mercado bolsista em Moçambique. As mudanças que se avizinham As medidas de restrição, e em alguns países de confinamento (“lockdown”), implementadas para travar a propagação do covid-19 em todo o mundo, está a ter um impacto negativo na economia, e a primeira vaga da recessão económica irá afectar as principais economias, prevendo-se uma

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Há uma tendência de crescimento do mercado bolsista ao nível nacional que é ainda relativamente lenta, mas tem elevado potencial de crescimento descida do PIB dos países mais ricos na ordem dos 6% a 8%, de magnitude superior à Crise Financeira Global de 2008. No meio de tantos riscos e incertezas, há algo que poucos duvidam: o mundo que conhecíamos não vai voltar a ser como antes, incluindo no domínio económico. Nem tudo vai mudar, mas muitas mudanças vão ocorrer e de forma rápida. O impacto global da pandemia, as realidades em cada país, as políticas de contenção, o confinamento residencial, o distanciamento social, a redução simultânea da procura e da oferta, os pacotes de emergência à economia, às empresas e aos cidadãos, o impacto da ausência do Homem na Natureza, trouxeram à Humanidade uma nova percepção do mundo em que vivemos. A mudança vai ocorrer em várias vertentes, e apresentam-se algumas que vão afectar significativamente a sociedade e a economia, a saber: 1) A influência no sistema financeiro global deixará de estar centralizada num único polo geográfico, estabelecendo-se pelo menos mais um pólo alternativo. Na verdade, o sistema financeiro sempre foi visto como uma infra-estrutura global neutra que existia para promover o comércio e a prosperidade, e o seu uso como arma económica alterou significativamente o seu conceito tradicional; www.economiaemercado.co.mz | Maio 2020


novas soluções e alternativas que permitam assegurar a continuidade do seu negócio, mesmo na ocorrência de novos surtos; 9) Vai-se assistir a um desenvolvimento intensivo e combinação de diversas tecnologias, como as tecnologias de realidade virtual, holografia, óptica, digitalização 3D, robótica, que poderão vir a criar alternativas ao factor presencial, onde o distanciamento social e as medidas de protecção serão irrelevantes; 10) As pessoas irão ter uma nova consciência sobre o planeta, o mundo que o rodeia, a sua família, os seus amigos, passando a dar mais importância aquilo que sempre tiveram e dos quais muitos nem davam a importância devida.

2) A estrutura da indústria financeira vai sofrer alterações de vulto, a favor das novas soluções de transferência financeira baseados em tecnologia móvel de baixo custo; 3) Os países com grandes mercados domésticos vão passar a fazer um uso mais intensivo do dinheiro digital, através das chamadas “superapps” que fazem a gestão das transferências financeiras, através das quais se pode realizar a compra de bens e serviços sem o uso de dinheiro real; 4) O desejo da não dependência do exterior para o funcionamento da economia vai colocar em causa as actuais cadeias de fornecimento dos produtos e insumos provenientes dos mercados internacionais, dos quais as economias emergentes não desejam ficar dependentes, colocando em causa os fundamentos da globalização dos mercados; 5) As empresas de bens e serviços não-essenciais, em particular as dependentes do convívio social (pubs, restaurantes, concertos, festivais, eventos, entre outros) vão ter de se reinventar para ultrapassarem a questão do distanciamento social que certamente ficará na memória de muitos cidadãos durante muito tempo; 6) As empresas vão passar a ter uma nova percepção sobre as possibilidades de realizar tarefas por via remota (teletrabalho) e sobre a forma como podem e devem gerir pessoas nessa modalidade de trabalho; 7) As empresas produtoras de bens estarão mais bem preparadas para não mais ter a sua actividade interrompida, mesmo na ocorrência de um novo surto epidemiológico; 8) A gestão empresarial vai ter em conta o custo das políticas de contenção e de confinamento, tendo de encontrar www.economiaemercado.co.mz | Maio 2020

Notas Finais A pandemia está a agitar a economia mundial de tal forma que praticamente nenhum país está imune às transformações que ela já está induzindo. A globalização económica, pela menos no formato que a conhecemos, vai radicalmente mudar de configuração, e não será apenas uma mudança de roupagem. O futuro das cadeias de produção e distribuição, a redução da demanda global por matérias-primas e do seu preço, as novas modalidades de trabalho, a nova visão que se terá sobre a saúde, os novos hábitos de convívio e interacção, entre outras questões, vão dominar a vida social, cultural, económica e empresarial. As Bolsas de Valores, como expressão do dinamismo económico de países desenvolvidos e com mercados de capitais vibrantes, têm estado a conhecer movimentos de oscilação abruptos e repentinos, em decorrência dos sinais do mercado e fazendo jus às percepções e expectativas dos agentes económicos em relação à economia dos países e ao desempenho das empresas listadas nas bolsas. Moçambique, como acontece noutras praças financeiras de referência, terá o desafio de ampliar o escopo do mercado de capitais e assim tornar mais vigoroso e sustentável o seu sistema financeiro. As transformações provocadas pela pandemia terão um grande efeito na economia global e dos países, e algumas dessas economias levarão vários anos a enxergar e mitigar os seus efeitos negativos. Serão mudanças profundas que vão extravasar em muito o domínio económico, derramando os seus efeitos para a educação, a cultura, o lazer, o convívio, as viagens, os negócios, o uso da tecnologia, os relacionamentos sociais, a relação com o ambiente, e vai alterar a geografia, a sociologia e a economia da riqueza, da pobreza, do poder, do ambiente, da desigualdade, da paz, da colaboração e a noção de novas guerras, novos muros e novas fronteiras. Mas como todas as crises, esta também vai passar. Teremos de aprender com o que ela vai ensinar, e temos de adaptar as soluções para o caso específico de Moçambique. É preciso gerir bem a desaceleração económica e a recessão para que não se transforme numa depressão e numa crise económica e social profunda, paralisante e abrangente. Moçambique não pode perder o foco nem desviar-se no seu esforço no combate à fome, pobreza, desemprego e desigualdades sociais. O covid-19 deverá ser respondido e contrariado com uma estratégia compreensiva e arrojada de crescimento económico inclusivo, onde a articulação e o papel do Estado, do Sector Privado e das Forças Sociais deve ser redescoberto, aprimorado e recalibrado.

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O QUE É O NOVO NORMAL? A pandemia apresenta à economia mundial um desafio sem precedentes. Nos Estados Unidos e na Europa, os esforços para controlar o vírus através do lockdown são susceptíveis de conduzir ao maior declínio da actividade económica desde a Grande Depressão. África, não tendo sentido o impacto do vírus com a mesma magnitude, ressente-se economicamente e é a Ásia que parece estar a sair-se melhor. Pode estar ali o exemplo a seguir?

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Texto Oliver Tonby, senior partner da McKinsey Singapore & Jonatha Woetzel, senior partner na McKinsey Shanghai • Fotografia D.R

e acordo com dados do Banco Mundial relativos a 2019, a Ásia alberga 60% da população mundial e cerca de 35% das pessoas mais pobres do mundo. E as áreas emergentes, em especial a Índia e as nações do Sudeste Asiático, enfrentam riscos sem precedentes baseados numa equação de difícil solução e embora seja imperativo salvaguardar vidas humanas, o custo da subsistência também será, sem dúvida, significativo. E as nações asiáticas, tal como outras, estão concentradas nesta dupla missão.

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Nestas fases iniciais, é difícil quantificar o impacto económico. Num artigo publicado recentemente pela consultora McKinsey sugere-se que, em alguns cenários prováveis, o PIB mundial real poderá diminuir 4,9% a 6,2% entre o quarto trimestre de 2019 e o segundo trimestre de 2020. A este respeito, e olhando ao continente asiático, o último relatório do Banco Mundial traça um quadro verdadeiramente sombrio: no pior dos cenários, as economias da Ásia Oriental sofreriam uma contracção de 0,5%, o crescimento previsto da China abrandaria para 0,1% e 11 milhões de pessoas em

toda a região seriam obrigadas a viver na pobreza. No entanto, enquanto região, a Ásia já passou por crises antes e delas saiu mais forte. Temos razões para acreditar que o pode fazer de novo. Num mundo pós-pandémico, poderão as nações e empresas da Ásia desempenhar um papel importante na definição do próximo normal? Resiliência da Ásia às perturbações

Em 2018, uma investigação do McKinsey Global Institute sobre as economias em desenvolvimento em todo o mundo destacou 18 indicadores de performance www.economiaemercado.co.mz | Maio 2020


Tendências a regressar aos níveis anteriores à eclosão da crise. O congestionamento do tráfego e as vendas de produtos residenciais estão perto do ponto em que se encontravam no início de Janeiro de 2020 e a poluição atmosférica e o consumo de carvão regressaram a 74% e a 85%, respectivamente, dos seus níveis a 1 de Janeiro. Um inquérito recente da McKinsey a 2 500 consumidores chineses indica um “optimismo cauteloso” - uma recuperação gradual da confiança. Enquanto isto, o Sudeste Asiático e a Índia continuam a preparar-se para o impacto total, e o ressurgimento do vírus continua a ser uma possibilidade. No entanto, é tempo de perguntar se o próximo normal poderá estar a surgir na Ásia. O que vai moldar o próximo normal?

Um choque desta magnitude irá mudar as empresas, a sociedade e a or-

determinação e a capacidade de resistência de todas as empresas. Algumas tornar-se-ão mais produtivas e mais capazes de fornecer aos clientes. Dado que o sector empresarial asiático continua a amadurecer e a avançar com a inovação digital, esperamos que as empresas asiáticas tenham de se ‘re-imaginar’ e de se preparar para a reforma. À medida que as empresas da região o fizerem, poderão ser as primeiras do mundo a moldar o próxima normal. Como será isso? Eis quatro dimensões que o poderão definir. 1. Repensar os contratos sociais.

Em tempos de crise, o Estado passará a desempenhar um papel essencial na protecção das pessoas e na atribuição de prioridade aos recursos de uma nação para a resposta a dar. As pessoas e as empresas têm de se adaptar à mudança muito rapidamente. Esta

O Ministério da Educação da China implementou recentemente uma plataforma nacional de aulas em nuvem para suportar a aprendizagem remota de perto de 50 milhões de estudantes em simultâneo de médio e longo prazos. A Ásia figura de forma proeminente na lista, com todas as sete economias que atingiram ou ultrapassaram 3,5% de crescimento real anual do PIB per capita durante todo o período dos 50 anos do estudo: China, Hong Kong, Indonésia, Malásia, Singapura, Coreia do Sul e Tailândia. E mesmo os países duramente atingidos pela crise financeira asiática de 1997 voltaram a registar um crescimento positivo do PIB per capita no espaço de um ou dois anos. Tendo absorvido a sua lição, estavam mais bem preparados para a crise financeira global de 2008. Actualmente, 43% das maiores empresas do mundo (ao nível das receitas) têm a sua sede na Ásia. E os conglomerados bem diversificados e horizontalmente integrados da região podem girar rapidamente em tempos de crise. O surto de covid-19 começou na Ásia, mas há indícios de contenção, de novos protocolos e da retoma da actividade económica. Embora se mantenha o risco de outro surto, os indicadores de actividade económica na China indicam que as actividades urbanas estão www.economiaemercado.co.mz | Maio 2020

dem económica global de muitas maneiras. O comércio sem contacto, por exemplo, poderá tornar-se a norma permanente para os consumidores, uma vez que a mudança de comportamento imposta se torna um hábito quotidiano. As cadeias de abastecimento podem ser reconfiguradas para eliminar vulnerabilidades que tenham sido expostas pela pandemia. Em todos os aspectos do desempenho empresarial, a crise revelará tanto fraquezas como oportunidades de melhoria. Tem-se chamado a todo este evento de “cisne negro”, que testará primeiro a

6,2%

É a previsão mais pessimista da redução do PIB mundial entre o quarto trimestre do ano passado e o segundo trimestre deste ano

mudança de poder transforma as expectativas implícitas e de longa data quanto aos papéis que os indivíduos e as instituições desempenham na sociedade. As preocupações com a privacidade digital e pessoal, que continuam a variar muito em todo o mundo, podem ceder, em algumas sociedades, à utilidade da vigilância e dos dados médicos para monitorizar os clusters de surtos. Em Hong Kong, as aplicações telefónicas controlam os movimentos para fazer cumprir as quarentenas. O sistema nacional de códigos de saúde da China continental regista quem é seguro para ficar isento deles. Entretanto, a colaboração aumentou não só entre os sectores público e privado, mas também entre o próprio sector privado. Os governos estão a tentar criar alavancas para manter a confiança dos consumidores e das empresas. As empresas assumem uma maior responsabilidade pela manutenção das pessoas empregadas ou pela reafectação de mão-de-obra sempre que possível. Na Austrália, o líder de supermercados Woolworths está a trabalhar com

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Macro a Qantas para proporcionar até 20 000 novos empregos aos empregados das companhias aéreas despedidos durante a imobilização da indústria aérea, bem como a outros trabalhadores do sector retalhista e da hotelaria. Foi também dada luz verde à Woolworths para coordenar os seus esforços na cadeia de abastecimento com os seus maiores rivais, Coles e Aldi, a fim de assegurar uma distribuição equitativa de alimentos frescos e de outras mercearias e bens de primeira necessidade para os consumidores australianos. Em Singapura, o principal banco de consumidores, o DBS, ofereceu uma cobertura de seguro complementar e um desagravamento do pagamento de empréstimos ao domicílio para os trabalhadores das indústrias afectadas, bem como pacotes de apoio às pequenas e médias empresas. A apólice de seguro gratuito do banco para o hospital covid-19 registou mais de 52 000 inscrições por dia no seu pico. 2. Definição do futuro do trabalho e do consumo

A crise criou um imperativo para escalar a adopção de novas tecnologias em todos os aspectos da vida, do comércio electrónico aos instrumentos de trabalho e aprendizagem à distância. Na China, a adopção da DingTalk de Alibaba, WeChat Work e Tencent Meeting para ligar equipas e amigos fisicamente distantes aumentou rapidamente. O DingTalk teve de adicionar 20 000 servidores em nuvem para suportar o tráfego. O Ministério da Educação da China implementou uma plataforma nacional de aulas em nuvem para suportar a aprendizagem remota de 50 milhões de estudantes em simultâneo. O consumo digital também descolou. Na Coreia do Sul, o retalhista online Coupang enviou um recorde de 3,3 milhões de artigos em 28 de Janeiro, e as vendas de entrega de alimentos do SSG.com aumentaram 98%. As vendas do negócio de entregas da Meituan da China aumentaram 400% durante o surto. Muitas marcas aumentaram as suas promoções online durante a crise para captar a procura. Na China, a Tsingtao recrutou mais de 40 000 funcionários e consumidores como “distribuidores sociais Tsingtao”, que promovem produtos nas suas próprias redes sociais.

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Na Austrália, a cadeia de retalho Woolworths está a trabalhar com a Qantas para proporcionar até 20 000 novos postos de trabalho aos empregados das companhias aéreas despedidos durante a imobilização da indústria aérea As vendas das lojas WeChat da Tsingtao aumentaram e numa recente mesa redonda virtual, muitos executivos sediados na China partilharam a sua expectativa de que os consumidores passassem agora, ainda mais rapidamente do que o previsto, para o comércio digital e electrónico. Estas novas práticas tornar-se-ão provavelmente uma fixação permanente do próximo normal levantando questões interessantes para as organizações. Até que ponto podem flexibilizar as suas operações sem perder produtividade? Poderão aumentar as suas pegadas comerciais ou de retalho no próximo normal?

3. Mobilização de recursos em velocidade e escala?

Os governos tiveram de implementar políticas rapidamente. A capacidade de canalizar recursos para os sistemas de saúde tem sido fundamental: em semanas, a China mobilizou dezenas de milhares de médicos e acrescentou dezenas de milhares de camas hospitalares para ajudar Wuhan. Também libertou 1 bilião de renminbi (cerca de 122 mil milhões de dólares, equivalentes a 1% do seu PIB), para construir infra-estruturas públicas e redistribuiu a mão-de-obra afectada pela destruição da procura causada pelas medidas de contenção. www.economiaemercado.co.mz | Maio 2020


Tendências

Em vez de se concentrar nos lockdowns, a Coreia do Sul enfatizou um modelo de teste, de rastreio e de isolamento: testes e monitorização generalizados para reduzir o risco de transmissão. Para potenciar os dados, outros governos asiáticos também investiram no ecossistema digital, mapeando clusters e controlando a transmissão através de aplicações como o TraceTogether de Singapura, o Corona 100m da Coreia do Sul e o chatbot da Índia, o MyGov Corona Helpdesk. Governos de todo o mundo também implementaram outras medidas fiscais e monetárias extraordinárias. A Austrália acaba de anunciar um subsídio salarial de 130 mil milhões de dólares australianos (cerca de 80 mil milhões de dólares), que faz parte de um pacote total de estímulo equivalente a 16,4% do PIB. A Ásia tem uma capacidade comprovada para mobilizar recursos das bases a partir da www.economiaemercado.co.mz | Maio 2020

base, bem como de cima para baixo. Durante a crise financeira asiática, por exemplo, o sentimento de unidade nacional da Coreia do Sul estimulou os seus cidadãos a recolher e doar ouro das famílias, como jóias e medalhas, para pagar a dívida externa do país. Em apenas dois meses, foram recolhidos mais de 2,2 mil milhões de dólares. 4. Da globalização à regionalização

A crise actual mostrou que a dependência mundial das cadeias de abastecimento globais é um elo fraco, especialmente para os produtos de base com uma concentração em torno daquilo que agora parecem ser os nós vulneráveis. A China, por exemplo, é responsável por cerca de 50% a 70% da procura mundial de cobre, minério de ferro, carvão metalúrgico e níquel. Poderemos vir a assistir a uma reestruturação massiva das cadeias de abastecimento: a produção e o aprovi-

sionamento podem aproximar-se dos utilizadores finais e as empresas podem localizar ou regionalizar as suas cadeias de abastecimento. É provável que esta mudança se torne especialmente importante na Ásia, onde uma classe média em crescimento cria a sua própria procura de produção. O comércio intra-regional, que já impulsionou o comércio asiático durante a última década, representa quase tanto do total na Ásia como na Europa. No futuro, as empresas poderão acelerar a transição da sua cadeia de abastecimento da China para outras partes da Ásia. De acordo com um inquérito AmCham de 2019, cerca de 17% das empresas consideraram ou deslocalizaram activamente as suas cadeias de abastecimento para fora da China. Em alguns sectores, como os têxteis, isto já tem acontecido e o impacto do coronavírus na oferta poderá acelerar esta mudança. Entretanto, a colaboração regional já está em curso em resposta à propagação do coronavírus. As economias da Ásia do Sul, por exemplo, estão a partilhar as melhores práticas e protocolos. A colaboração regional no âmbito da Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN) é igualmente evidente nos esforços para fazer face à pressão crescente da rápida urbanização do Sudeste Asiático, que levou ao lançamento da Rede de Cidades Inteligentes da ASEAN (ASCN) em 2018. A ASCN visa facilitar a cooperação no desenvolvimento de cidades inteligentes, catalisar projectos entre os sectores público e privado e assegurar o financiamento e o apoio dos parceiros externos da ASEAN. A futura história mundial começa na Ásia

Em 2040, a Ásia deverá representar 40% do consumo global e 52% do PIB mundial. Podemos considerar esta pandemia como o ponto de viragem quando o século asiático verdadeiramente começou. E este é certamente o ano que irá desafiar todas as hipóteses. As mudanças estruturais seguir-se-ão inevitavelmente a um grande choque mundial como este. As decisões que os líderes tomam hoje não só influenciarão a rapidez com que as organizações e as nações emergem da crise actual, como também definirão a forma como se adaptarão ao próximo normal.

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Números em conta Covid-19 continua longe de ser maior causa de morte à medida que a pandemia avança, os meios de comunicação têm amplificado os seus efeitos até ao ponto de parecer que nada mais coloca em causa a vida humana. Uma realidade virtual, se olharmos aos números que ilustram o seu real impacto sobre as taxas de mortalidade anual em todo o mundo, bem menores que a percepção comum faria indicar. Sem um quadro de referência abrangente, números como os da mortalidade podem tornar-se difíceis de interpretar e as mortes atribuídas ao vírus, fre-

Doenças cardiovasculares

48 742

6 889

7 010

Cancro

10 724

26 181

Doenças respiratórias

quentemente medidas nos milhares de pessoas por dia a nível global, ganham uma escala diferente quando as comparamos aos números totais das causas mais comuns de mortalidade em todo o mundo e que, no final de um ano normal, chegam às 53 milhões de pessoas. Um gráfico do Our World in Data contextualiza o número total de mortes diárias a nível mundial e descreve o número de pessoas que morrem diariamente de causas específicas. Aqui, ao contrário do esperado, o covid-19 fica no fundo da lista.

Demência Infecções respiratórias inferiores

3 624 6 514 Doenças digestivas

Doenças hepáticas

4 887

4 300

3 753

Perturbações neonatais

Doenças diarreicas

Diabetes

TOTAL Mundial

147 118

1 072

número de mortes Diárias

53 000 000 Número de Mortes Anuais

FONTE Our World in Data

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Nação

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O DIa Seguinte

Onde estamos e para onde vamos? O coronavírus mudou a vida em sociedade como a conhecíamos e alterou a forma de estar e fazer negócios, devendo continuar a impor alterações importantes no processo produtivo das empresas. Da indústria ao turismo, do sector financeiro ao oil & gas, do mercado de trabalho aos bancos das escolas e universidades, a mudança já começou e a E&M procura antecipar que Futuro é este que nos bate à porta, lançando, com a ajuda de algumas das principais empresas do mercado nacional, um olhar sobre que se vislumbra no ‘dia seguinte’ ao covid-19

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Texto Celso Chambisso • Fotografia Istock

o seu relatório mensal de março, o Standard Bank Moçambique faz uma radiografia à performance das empresas neste momento de sufoco, caracterizado pelo abrandamento quase total da actividade económica, com reflexos directos na procura e na facturação, ocasionando, em já demasiados casos, despedimentos e falências. A publicação conclui que a “produção das empresas sofre nesta altura uma quebra acentuada devido à pandemia”. Esta é uma das primeiras pesquisas que confirmam o que a imprensa tem estado a reportar de forma isolada, um pouco por todo o país. Baseada num inquérito a 400 empresas do sector privado, a publicação revela que “as medidas destinadas a reduzir a propagação do vírus, incluindo as restrições às viagens e a proibição da concentração de pessoas, tiveram um impacto substancial na procura, com a contracção dos números relativos ao emprego”. Com efeito, o emprego caiu pela primeira vez em 18 meses, visto que as empresas ajustaram os números da mão-de-obra face à pandemia. Também neste período, “as empresas moçambicanas se esforçaram duramente para reduzir os custos dos meios de produção devido à descida das vendas. Com a queda nas aquisições, os fornecedores reduziram acentuadamente os preços das matérias-primas, tendo os custos com o pessoal registado, também, uma descida devido a salários mais baixos e os preços de produção subiram pelo terceiro mês consecutivo”, descreve a pesquisa, testemunhando o deteriorar dos indicadores de estabilidade. Baseada num indicador denominado Purchasing

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Managers Index’ (PMI), que mede a média ponderada de cinco índices, nomeadamente novas encomendas (30%), produção (25%), emprego (20%), prazos de entrega dos fornecedores (15%) e stock de aquisições (10%), a pesquisa refere ainda que três dos subcomponentes do índice principal também caíram para valores recorde em Abril: produção, novas encomendas e stock de aquisições. Estes valores, prossegue, assinalaram uma “redução drástica na actividade”, e as empresas inquiridas associaram essa situação ao covid-19 e às restrições do Governo em relação às deslocações. Já a queda nos novos negócios foi a mais rápida dos últimos cinco anos, tendo provocado reduções massivas nas aquisições das empresas moçambicanas. Em algumas empresas o encerramento das fronteiras, em particular com a África do Sul, dificultou a obtenção de meios de produção, acabando por atrasar os prazos de entrega. Associados, todos os indicadores de desempenho das empresas privadas em Abril levam a piores expectativas em relação à produção no prazo de um ano, conclui o estudo, compilado pela IHS Markit, uma das mais importantes empresas globais de análise e oferta de soluções para as principais indústrias e mercados que impulsionam as economias. (Des)encontros entre o Executivo e empresas Entretanto, o ambiente interno tem sido marcado por uma incessante busca de saída para a crise, mas que vai sendo pontuado por ideias divergentes, em que cada interveniente procura “puxar a sardinha para a sua brasa”, o que pode tornar ineficientes as medidas tomadas. Diante de todas as dificuldades, o maior clamor do sector privado

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Nação Uma reacção em cadeia Um inquérito da IHS Markit, líder mundial em análise e soluções para as principais indústrias, a 400 empresas privadas nacionais revela as preocupações mais pontuais:

Queda da produção A produção das empresas caiu para mínimos de Abril de 2015, com a declaração do Estado de Emergência em Abril passado.

Meios de produção mais baratos O índice de preços dos meios de produção caiu acentuadamente. 18% das empresas reportaram redução de custos.

Queda de encomendas

Descida dos preços de compra

A acentuada redução da procura, devido ao covid-19, foi compensada com a queda do tempo de entrega das encomendas.

Foi a primeira queda em 10 meses, justamente numa altura em que não se pode contar com fornecedores sul-africanos.

Despedimentos em massa Assiste-se à interrupção das contratações e a despedimentos massivos reportados por 5% das empresas desde Março.

Faltam novos negócios Houve grandes recuos que levaram as empresas a fazerem ajustes rigorosos à aquisição de meios de produção.

Atrasos dos fornecedores Restrições às viagens tiveram efeitos adversos nos fornecedores em Abril, com tempos de entrega a aumentar.

Redução dos salários Há registo de uma ligeira queda nos custos com pessoal. Salários tiveram de ser reduzidos devido a níveis mais baixos de produção.

Subida de preços de venda Há um cenário misto: muitas empresas aumentaram os preços do produto final e outras reduziram devido à quebra na procura.

Queda de stock e de aquisições Empresas esforçam-se para minimizar os níveis de stock. Com a queda acentuada das aquisições, o índice atingiu mínimos de Maio de 2019.

Preocupação quanto ao futuro Várias empresas acreditam que a pandemia e a resposta do Governo vão prejudicar o seu crescimento. Ainda assim, 38% espera que a produção aumente graças à expansão dos mercados. FONTE Standard Bank citando o inquérito recente da IHS Markit

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tem sido tentar evitar a falência e a preservação dos postos de trabalho. Para o alcance desta meta, a CTA, principal associação patronal do país, avançou com a proposta de corte de encargos fiscais e da segurança social como o tão necessário ‘empurrão’ de que as empresas precisam. O Executivo respondeu com relativa flexibilidade. Mas o cálculo usado para as facilidades fiscais e aduaneiras no alívio aos impactos do covid-19 privilegiou as empresas com facturação de até 2,5 milhões de meticais por considerar tratar-se de “empresas mais necessitadas”, segundo o ministro da Economia e Finanças, Adriano Maleiane, admitindo a exclusão das grandes firmas. “As micro e pequenas empresas são cerca de 228 mil e nós vamos deixar de receber, neste processo, cerca de 2,5 mil milhões de meticais. É este o universo que nós estamos a atentar. Penso que a sociedade não iria compreender se fizéssemos uma medida geral que abarcasse bancos ou empresas da indústria extractiva porque o nível de participação na receita é muito importante e eles podem ter formas de participar sem grande esforço”, argumentou. O limite desagrada à CTA que, através do seu presidente, Agostinho Vuma, considerou a medida “impraticável” para cerca de 15 mil empresas, um número que estima ser o “grosso” do universo empresarial, indo, desta forma, em contramão com as estimativas do Executivo, que diz estar a beneficiar cerca de 228 mil PME. Além disso, Agostinho www.economiaemercado.co.mz | Maio 2020


Na história, não há memória de um momento em que as empresas precisaram tanto de apoios como agora. Também terão sido poucas as vezes que o Governo procurou responder com tanta rapidez Vuma entende que as medidas do Governo não podem constituir alívio se não estiverem na classificação do regime do IRPC por causa do tecto de 2,5 milhões de meticais do volume de negócios. Na mesma linha, o presidente do pelouro de política fiscal da CTA, Kekobad Patel, defende que “o Instituto Nacional de Segurança Social deve comparticipar no pagamento de salário dos trabalhadores, como forma de garantir a continuidade das empresas e dos postos de trabalho”. Enquanto a incerteza prevalecer, certamente que este dossier “não será fechado”. Medidas que podem fazer a diferença

Não resolvem tudo, mas podem atenuar a tensão que se vive. São notícias sobre medidas que nascem cá dentro e as que vêm de fora. Em Moçambique, o Executivo decidiu devolver a isenção do IVA sobre o açúcar, óleos alimentares e sabões, que tinha sido levantada no ano passado, para vigorar até 31 de Dezembro de 2020. A medida pretende reduzir o custo destes produtos, que acabaram por sofrer www.economiaemercado.co.mz | Maio 2020

um agravamento assinalável. As boas notícias incluem a iminente aprovação de financiamentos à economia, numa altura em que a Sociedade Civil moçambicana desacredita que o país possa contar com o apoio externo, visto que a pandemia afecta o mundo e pressiona todos os países e organizações a investirem na sua própria recuperação. Já de fora, Portugal promete disponibilizar linhas de financiamento no valor de 1,08 milhão de euros para os Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP). Para o caso de Moçambique, as medidas de apoio directo irão beneficiar, principalmente, o empresariado, educação e o sector da nutrição. Também o Afreximbank, em conjunto com a Comissão Económica das Nações Unidas para a África (UNECA), abriu uma linha de financiamento em duas modalidades, sendo a primeira o financiamento directo, que se aplica a solicitações de financiamento de empresas que atendem ao limite padrão de financiamento com valores iguais ou superiores aos 5 milhões de dólares e o financiamento indirecto, que se aplica a solicitações de financiamento de empresas que estão abaixo do limite mínimo para financiamento directo, ou seja, 5 milhões de dólares (com as empresas que não atendem aos requisitos exigidos de volume de negócios e tamanho de activos do banco), isto é, volume de negócio anual superior a 10 milhões e tamanho do balanço superior a 2 milhões de dólares.

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OPINIÃO

Trabalho remoto, negociação remota?

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João Gomes • Partner @ JASON Moçambique ecentemente, num grupo digital exclusivamente dirigido ao “Empoderamento da Mulher através da Negociação”, alguém me perguntava: Fruto da pandemia covid-19, a alteração do “paradigma do trabalho presencial” para o “paradigma de trabalho remoto em ambiente digital”, que mudanças vai trazer ao modo como se Negoceia? O actual “paradigma de negociação” em Moçambique assenta nas seguintes dimensões: tendencialmente presencial; relacional; baseado na pressão psicológica; não intermediado por tecnologia; de longa duração; baseado no preço e predominando a orientação do tipo perde-ganha. Analisemos cada uma das dimensões no sentido de anteciparmos potenciais alterações na sua estrutura. 1- Presencial. Estudos referem, e a nossa experiência comprova, que é mais fácil as Partes dizerem “Não” quando não têm de encarar pessoalmente a Contraparte negocial. Então, antecipamos nós, no actual contexto provocado pela pandemia de perda (pelo menos parcial) de contacto físico entre os negociadores, serão maiores as dificuldades em conseguir obter mais “SIM’s” para as nossas propostas. 2- Relacional. Na ausência de presença física é mais difícil as Partes desenvolverem a empatia, o rapport e conseguirem “ler” emocionalmente a Contraparte. Então, antecipamos nós, no actual contexto de perda de contacto físico entre os negociadores, serão maiores as dificuldades das Partes em acelerar o fecho, com sucesso, das negociações baseadas na relação. Em alternativa, antecipamos uma maior objectivação do processo negocial, que será mais focado na discussão sobre o produto/serviço e suas especificações; o processo de entrega; as garantias; e, fundamentalmente, o preço. É exemplo disso mesmo o que se está a passar nas plataformas electrónicas de procurement em utilização nas empresas do sector automóvel. 3- Baseada na pressão psicológica e numa lógica de perde-ganha. “Longe da vista, longe do coração”, lá diz o ditado. Então será mais difícil às Partes pressionarem psicologicamente a Contraparte e assim gerarem vantagem a seu favor. Infelizmente, no mercado, as técnicas clássicas de negociação (hard ball) ainda continuam a passar por este tipo de tácticas. Talvez a pandemia

venha, definitivamente, pôr fim, ou no mínimo, limitar, o uso e abuso deste tipo de negociação baseado na pressão psicológica. Mas na falta do elemento subjectivo, o refúgio no preço, como dimensão do processo de negociação, será a tendência natural das Partes. 4- Não intermediada por tecnologia. Provavelmente, esta será a dimensão com maior impacto no “paradigma actual de negociação”. A pandemia veio definitivamente colocar à nossa frente o Zoom e o Skype e outras ferramentas de comunicação remota. Então antecipamos que as Partes transitarão os seus processos críticos para o digital, sendo que o processo de negociação fará, igualmente, parte desse lote. Por outro lado, a intermediação da tecnologia tornará mais fácil às Partes dominarem as suas emoções. E tanto melhor quanto mais impulsivas forem. Contudo, no lado do receptor, a tecnologia tem o condão de amplificar mal-entendidos. Vejamos, como exemplo, os mal-entendidos motivados pelo uso incorrecto do e-mail! 5- De longa duração. Será de contar que a rapidez que a intermediação da tecnologia irá imprimir aos processos em geral, e em particular ao “processo negocial”, trará algumas consequências. Se, por um lado, a velocidade da tecnologia permitirá diminuir o tempo da negociação (leadtime), por outro, sendo a “pressa inimiga da perfeição”, tal poderá levar as Partes a celebrarem acordos sub-óptimos, focando-se no preço e a deixarem valor na mesa da negociação. Em conclusão. Fruto da pandemia, a mudança de “paradigma do trabalho presencial” para o do “trabalho remoto, em ambiente digital”, implicará uma alteração do “paradigma da negociação”, agora mais remota e menos presencial, tornando a aceitação das propostas mais complexa (é mais fácil dizer “não” ao telefone/skype/zoom), mais objectivo e menos relacional. Será menos baseada na pressão psicológica, mais focada no preço e nas condições objectivas da transacção, de duração mais curta, favorecendo o fecho rápido, mas trará o aumento dos acordos sub-óptimos (deixar valor em cima da mesa). Estas alterações implicarão para as empresas, organizações e Estado um necessário ajuste nos seus processos críticos, nos métodos e no reforço da qualificação das pessoas e equipas em matérias como a negociação, a prontidão digital ou o redesenho de processos de negócios.

Fruto da pandemia, a mudança de “paradigma do trabalho presencial” para o de trabalho remoto em ambiente digital implicará uma alteração do “paradigma da negociação”

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Nacão “É prematuro falar em mudanças definitivas” Edney Vieira Director-geral da Cimentos de Moçambique

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Texto Celso Chambisso • Fotografia Jay Garrido pandemia do novo coronavírus levou à repro-

gramação das prioridades de todas as organizações e ao sector da construção é um dos que accionaram o modo “pausa”, adiando a actividade para um momento menos crítico, com resultados obviamente negativos para todos os operadores do sector. Estimativas apresentadas por Edney Vieira, director-geral da Cimentos de Moçambique (CM), a maior cimenteira do país, indicam que até agora se registou uma quebra de produção na ordem dos 15% e da facturação acima dos 20%. Ainda assim, a Cimentos de Moçambique mantém-se “firme como betão” e fala em tentar “ajudar o país na manutenção da actividade económica”. Para já, a grande preocupação tem sido o compromisso da empresa com a saúde e segurança dos seus colaboradores, parte deles a trabalharem a partir de casa, à semelhança do que acontece um pouco por todo o lado, e outra a laborar em regime rotativo. O resto continua, obviamente, incerto, até que bons ventos voltem a soprar. Que transformações se assistem, ao nível operacional, na Cimentos de Moçambique, desde o processo produtivo até à capacidade de produção e de oferta ao mercado? A CM vem seguindo rigorosamente as orientações dos organismos de saúde (nacionais e internacionais) acerca das medidas de prevenção da disseminação do coronavírus no país. Estamos a aplicar todo o protoloco estabelecido pelo Governo e a implementar algumas

medidas além. O nosso staff administrativo está praticamente todo a trabalhar de forma remota (95%), evitando todas as formas de contacto social. No âmbito da produção, tivemos de readequar a situação dos trabalhadores que são considerados dentro dos grupos de maior risco (faixa etária, problemas de tensão, diabetes, etc.). Neste caso, tivemos de reduzir um turno de trabalho, chegando a impactar em cerca de 15% na nossa capacidade de produção. Mas, neste momento, não se pode dizer que exista uma quebra significativa de oferta de cimento ao mercado. Existem outras unidades de produção no país, que estão em funcionamento também (com alguma quebra é verdade). Portanto, o cimento continua a ser oferecido ao mercado dentro da normalidade possível. Qual é o impacto da pandemia ao nível da facturação da CM? Obviamente, com a redução da actividade económica em muitas frentes (até com a diminuição do efectivo laboral), houve uma diminuição na procura pelo cimento. Aliado a isso, também é notório que existe um problema de liquidez no mercado, o que faz com que as pessoas posterguem, eventualmente, a compra do produto, esperando para um cenário menos crítico. Hoje podemos dizer que toda a indústria do cimento apresenta uma quebra de facturação de cerca de 15% a 20%. Importa salientar que o maior impacto advem dos custos que não diminuíram, bem pelo contrário, sofreram um agravamento pela diminuição da produção (menor diluição de custos fixos), além do impacto do câmbio para as operações de importação de matéria-prima.

“Todas as reuniões seguem o padrão de limite máximo de pessoas em cada ambiente de trabalho. Oferecemos máscaras para todos os funcionários usarem mesmo nos trajectos de casa para o trabalho e no retorno”

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E o vosso relacionamento com as comunidades locais melhorou? Temos, hoje em dia, uma relação muito boa e tudo tende a melhorar. Criámos uma equipa oficial de ligação comunitária que, entre várias funções, identifica as oportunidades e preocupações das comunidades. Além disso, existe uma linha telefónica dedicada a denúncias anónimas. Depois, a empresa tem vindo a promover reuniões regulares por forma a estar sempre inteirada sobre todas as preocupações das comunidades. Qual tem sido a abordagem para assegurar a normalidade das suas operações? Como já expliquei, estamos com o nosso staff administrativo praticamente todo em trabalho remoto (teletrabalho). Na actividade operacional, readequamos todas as linhas de produção no intuito de garantir o cumprimento rígido das orientações do Governo. Afastámos os funcionários de grupos de risco, reorganizámos turnos de forma a que não houvesse aglomerações de pessoas em horários de trabalho, ou mesmo na hora das refeições. Todas as reuniões seguem o padrão de limite máximo de pessoas em cada ambiente de trabalho. Oferecemos máscaras a todos os funcionários usarem mesmo nos trajectos de casa para o trabalho e no retorno. Reforçámos a higienização das áreas operacionais com spray dispersor de álcool em gel. Dinamizámos a nossa comunicação interna para o aumento da conscientização no trabalho e em casa. E, recentemente, instalámos um túnel de higienização na zona de acesso à fábrica da Matola, e vamos estender essa acção a outras regiões (Norte e Centro), tudo de forma a garantir os máximos índices de segurança a todos os nossos profissionais. Que transformações é que se vão operar na empresa, de forma definitiva, como herança desta situação? Neste momento é prematuro falar em mudanças definitivas, até porque o momento é mais de incertezas. Importa é que a CM está a tentar ajudar o país na manutenção da actividade económica, sem esquecer de seu compromisso com a saúde e segurança. Além disso, a nossa gestão está a preparar-se para atravessar a crise e depois sair dela muito mais forte, pronta para capturar as oportunidades que eventualmente surjam no mercado. www.economiaemercado.co.mz | Maio 2020


Construção

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Nação “É uma oportunidade para as grandes indústrias se afirmarem” Gilberto Cossa Director-geral da MEREC

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Texto Celso Chambisso • Fotografia Mariano Silva MEREC, uma das mais im-

portantes indústrias do ramo alimentar do país (maior moageira de farinha de trigo que alimenta grande parte do sector da panificação e que também produz massa alimentar e bolachas), dá ênfase aos esforços que está a desenvolver para a prevenção e combate ao novo Coronavírus. Nesta caminhada, segundo o director-geral da empresa, Gilberto Cossa, existe, ao mesmo tempo, a preocupação de manter todo o sector produtivo operacional para garantir que não haja ruptura na cadeia de abastecimento, tarefa que, na sua opinião, deve ser assumida por todas as grandes indústrias. Em que medida a operação da MEREC foi afectada pela pandemia e como está a reagir à mesma? Foi necessário repensar a operação e identificar onde estavam os potenciais riscos por forma a tomar as medidas possíveis para os mitigar, quer a nível interno quer externo, uma vez que uma parte muito significativa da nossa operação depende da importação de matérias primas. Existe uma grande preocupação na empresa com a situação que se vive. Estando a Merec inserida no mercado, existe uma enorme preocupação em relação à pandemia e à crise que estamos a viver. A primeira grande preocupação tem que ver com o nosso bem maior, o nosso principal activo: a segurança e o bem-estar dos nossos colaboradores e respectivas famílias. A segunda, com o impacto negativo que a

pandemia está a ter na economia. Algumas empresas não estão a conseguir resistir, a título de exemplo, podemos referir o sector do turismo que está a sentir tremendamente os efeitos da crise. Esta não pode ser vista como uma situação isolada pois, as pessoas, de uma forma geral, deixam de ter rendimentos ou eles reduzem-se muito e, consequentemente, não terão como comprar os produtos que produzimos. Este é apenas um exemplo dos muitos efeitos nefastos que esta crise está a ter na economia. Como é que a empresa se está a adaptar às medidas decretadas a nível interno (trabalhadores) e face aos seus consumidores? Temos sido bastante proactivos neste processo de adaptação a uma nova realidade e às medidas decretadas. Lodo desde muito cedo, houve a preocupação em distribuirmos e consciencializarmos todos os colaboradores directos, como também junto de terceiros que nos prestam serviços, para o uso de materiais de protecção individual. Quisemos ir mais além e junto dos nossos colaboradores entregamos material de higiene e limpeza para reforçar as medidas preventivas junto dos seus familiares e respectivos lares. Relativamente aos consumidores, e em particular aos nossos clientes, temos a preocupação de manter todo o nosso sector produtivo sempre operacional, garantindo que não haja ruptura na cadeia de abastecimentos. Como é que o conjunto de medidas preventivas levadas a cabo pela MEREC se estão a conjugar?

Relativamente aos consumidores, e em particular aos nossos clientes, temos mantido a preocupação de manter o nosso sector produtivo sempre operacional, garantindo que não haja ruptura de abastecimento

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Foram tomadas uma série de medidas de carácter preventivo no que concerne ao reforço de medidas de higiene pessoal e colectiva, distanciamento social, bem como ao rastreio de colaboradores com sintomas gripais. Quanto ao reforço das medidas de higiene pessoal e colectiva, temos a destacar o reforço ao nível dos canais de comunicação interna para divulgação de mensagens de sensibilização; obrigatoriedade do uso de máscaras dentro das instalações da MEREC; lavagem e desinfecção das mãos e desinfecção de sapatos (pedilúvios); intensificação do programa de limpeza, acrescido da desinfeção de áreas mais vulneráveis como corrimões, maçanetas de portas, mesas de trabalho, balcões, entre outras; suspensão temporária do uso do alcoolímetro para controlo de alcoolémia; desinfecção dos transportes colectivos de recolha dos colaboradores, dos transportadores de mercadorias e desinfecção das rodas dos carros individuais que entram nas nossas instalações, etc. A par deste conjunto de acções também há medidas de distanciamento social que compreendem a eliminação de todo e qualquer contacto pessoal directo; cancelamento de reuniões presenciais, privilegiando meios de comunicação online, e o rastreio de colaboradores que possam estar doentes, através do controlo diário da temperatura corporal entre outras medidas. Na sua visão, qual é o papel das grandes indústrias numa altura crítica para a sociedade e para a economia do país, face aos acontecimentos que todos vivemos? Nesta fase, as grandes indústrias, como é o caso da MEREC, têm um papel crucial que passa por garantir o abastecimento do mercado com os seus produtos face à redução das importações. Estas alturas são oportunidades para as grandes empresas se afirmarem no País. É altura para demonstrar que temos mais-valias internas, capacidade instalada para gerar riqueza interna e para responder cabalmente às necessidades do nosso mercado. www.economiaemercado.co.mz | Maio 2020


IndĂşstria

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Nação “Vamos alinhar-nos pelas melhores práticas” Noor Momade Presidente da Associação das Agências de Viagens e Operadores Turísticos de Moçambique

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Texto Celso Chambisso • Fotografia Jay Garrido

sector do Turismo é o que mais imediatamente se ressentiu da pandemia com muitas empresas a encerrarem e a atirarem milhares para o desemprego. Noor Momade, Presidente da Associação das Agências de Viagens e Operadores Turísticos de Moçambique (AVITUM), e proprietário da agência de viagem Cotur, descreve os problemas no presente, mas aponta para a réplica das exigências e melhores práticas internacionais como um caminho a não perder de vista diante das inúmeras dúvidas que o futuro ainda reserva. Que mudanças a pandemia trouxe nas operações dos agentes económicos que actuam no ramo do Turismo? O momento actual é excepcionalmente difícil, todas as agências de viagens atravessam uma situação em que são obrigadas a procurar formas de aguentar, da melhor forma que conseguirem, o impacto desta crise sem precedente no sector. É importante perceber isto quando falamos de mudança de postura, porque praticamente do dia para a noite, as empresas passaram de uma situação em que tentam fazer mais vendas e crescer para uma outra em que tentam cumprir com as suas obrigações e essencialmente manter a cabeça fora de água e sobreviver. As mudanças, para todas as agências de viagens e operadores moçambicanos, foram impostas pelo duro choque com a realidade, a necessidade de encontrar formas de fazer face aos custos mais básicos da sua operação: salários, energia, internet, taxas IATA, impostos, etc.

Infelizmente, essa necessidade obrigou muitas das nossas agências à redução significativa e com efeito imediato da sua operação, impactando, com isso, directamente, a vida de centenas de milhares de famílias moçambicanas. Essa foi a grande mudança de postura para as nossas agências — lutar para sobreviver. E a Cotur? Naturalmente, enquanto maior agência do país, fomos tremendamente afectados por esta situação. No entanto, desde o início de todo este processo, a nossa administração manteve dois pontos dos quais não aceitou abdicar. O primeiro foi não avançar para qualquer redução de pessoal, salvaguardando os empregos dos seus colaboradores. O segundo foi, manter os vários projectos que a empresa tem vindo a desenvolver, procurando, com isso, dar um sinal positivo e de esperança ao sector e ao país no geral, acreditando que num futuro muito próximo estes terão um impacto profundo na forma de vender e comprar produto turístico em Moçambique. Temos uma estrutura de quase 80 colaboradores e teve de haver um esforço enorme para que todos se mantivessem em funções, mas não houve qualquer redução de pessoal e isso é algo que nos deixa muito satisfeitos. No entanto, teve de haver um reajuste de estratégias e expectativas para 2020, projectando os vários cenários possíveis. A verdade é que a formação e o desenvolvimento tecnológico são duas grandes partes do modelo de negócio da Cotur e, por isso, uma grande parte da redefinição do nosso plano para o resto do ano passou a estar centrado

“Mantemo-nos em contacto com as autoridades e entidades reguladoras do sector ao nível mundial para que, sejam quais forem as medidas necessárias, as possamos implementar”

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nessas duas áreas. O resto, nesta fase, é efectivamente uma grande incógnita. Qual tem sido a abordagem das empresas do sector para assegurar a normalidade das suas operações? É difícil falar em assegurar a normalidade num contexto destes. Naturalmente o sector funciona reagindo a um mercado que parou quase completamente. Muitas agências, pura e simplesmente, deixaram de trabalhar e muitas outras passaram a abrir quase em exclusivo para tratar de cancelamentos e problemas relacionados com cancelamentos de viagens dos seus clientes. Para as agências que se mantiveram em actividade, o teletrabalho passou de facto a ser uma das formas de operar. Foi o que aconteceu com a Cotur a partir do momento em que foi accionado o plano de contingência da empresa. Adoptámos todos os procedimentos necessários para estar em total cumprimento com as indicações do nosso Governo. Operamos assim numa relativa normalidade, conseguindo, no entanto, reduzir em cerca de 80% o número de colaboradores em simultâneo nas instalações da empresa, passando as equipas a funcionar por turnos, distribuídos entre trabalho presencial e teletrabalho a partir das suas casas. Que transformações é que se vão operar na empresa, de forma definitiva, como herança desta situação? Temos vindo a acompanhar com grande atenção todos os desenvolvimentos nos países já em fases mais avançadas de resposta à pandemia, nomeadamente os que estão na fase de desconfinamento. Mantemo-nos em contacto regular com as autoridades e entidades reguladoras do sector ao nível mundial para que, sejam quais forem as medidas necessárias, e sejam elas temporárias ou definitivas, possamos estar numa posição de as implementar de imediato e garantir o cumprimento das exigências. Não conseguimos indicar com todo o grau de certeza o que passará ou não a fazer parte do dia-a-dia das agências de viagens no futuro, como resultado directo desta pandemia. No entanto, e falando apenas no exemplo da Cotur, a mentalidade sempre foi a de procurar estar alinhado com as práticas e exigência dos líderes da indústria ao nível mundial, e seguramente que não será diferente no caso de eventuais alterações no atendimento a clientes e gestão das suas viagens. www.economiaemercado.co.mz | Maio 2020


TURISMO

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OPINIÃO

Também os contratos de empreitada padecem do vírus?

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Fabrícia de Almeida Henriques, Managing Partner & Tiago Arouca Mendes • HRA Advogados os últimos meses, o conceito de “força maior” passou a estar na ordem do dia, atento o impacto da pandemia no dia-a-dia das empresas, sendo a questão recorrente a de compreender que situações em concreto podem ser qualificadas como tal, no que tange à sua imprevisibilidade e inevitabilidade. A resposta não é linear, desde logo pela fluidez destas noções, do regime contratualmente acordado entre o dono da obra e o empreiteiro, bem como pela necessidade de um nexo de causalidade entre a falta do cumprimento das obrigações do empreiteiro e a situação gerada pelo Novo Coronavírus. Olhando, em particular, para a dinâmica em torno das empreitadas (i.e. contratos em que uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço), e porque nenhuma das medidas excepcionais recentemente aprovadas versa directamente sobre os contratos de empreitada, impõe-se agora determinar em que medida um conjunto incontornável de condicionantes afectam a execução dos contratos respectivos e que consequências extrair daí. Pensemos nas restrições de deslocação, nas limitações à importação de equipamento e matérias-primas, na escassez de recursos humanos para integrar as equipas, entre vários outros factores. Note-se, também, que por se tratar, no caso de certas empreitadas, de contratos de execução continuada, as partes tendem a incluir um articulado minucioso quanto à distribuição de risco e que comporta o tratamento da força maior. Múltiplos e variados são os cenários que se podem antecipar com relativa probabilidade e, dentre esses, escolhemos abordar aqueles que dariam azo a uma das seguintes situações: i) impossibilidade de cumprimento; ii) alteração de circunstâncias; e iii) mora. Quanto ao primeiro cenário e sem prejuízo do regime contratualmente acordado entre o dono da obra e o empreiteiro, caso exista nexo de causalidade entre a falta do

cumprimento das obrigações do empreiteiro (e.g. atrasos relativamente aos prazos parcelares fixados no plano de trabalhos) e a situação do Novo Coronavírus (e.g. em virtude de o mesmo obrigar a quarentena de empregados do empreiteiro que, assim, ficam impedidos de trabalhar), será necessário aferir se a impossibilidade do empreiteiro corresponde a uma impossibilidade objectiva, parcial (ou eventualmente total) e temporária. No que se refere ao carácter temporário, importa assinalar que, se for esse o caso, o empreiteiro ficará exonerado do cumprimento enquanto a impossibilidade se mantiver. Cessando a situação de impossibilidade, o empreiteiro deverá estar de novo obrigado a cumprir/retomar as suas obrigações contratuais. Note-se ainda que, nos casos em que se conclua estarmos perante uma impossibilidade de cumprimento não imputável ao empreiteiro, haverá reflexos também quanto ao pagamento do preço. De todo o modo, a impossibilidade temporária pode converter-se em definitiva, em determinados casos, nomeadamente se, perante as circunstâncias do caso concreto, for possível concluir que o dono da obra perdeu o interesse na prestação. Atenta a regulação específica da lei a este respeito, no que toca às empreitadas e de acordo com o artigo 1227.º do Código Civil “se a execução da obra se tornar impossível por causa não imputável a qualquer das partes, é aplicável o disposto no artigo 790.º; tendo, porém, havido começo de execução, o dono da obra é obrigado a indemnizar o empreiteiro do trabalho executado e das despesas realizadas”. Quanto ao seu carácter total ou parcial, a impossibilidade será (i) parcial se o cumprimento das obrigações contratuais do empreiteiro for possível, ainda que não em toda a sua extensão, caso em que o empreiteiro deverá cumprir o que lhe for possível e na medida do que lhe for possível e (ii) total, pelo menos durante um certo período de tempo, se o cumprimento das obrigações contratuais do empreiteiro for impossível.

A margem de incerteza que rodeia o impacto da pandemina noutro tipo de contratos, como sejam os financiamentos bancários, compra e venda ou arrendamento, encontra-se, de alguma forma, favoravelmente esbatida nos contratos de empreitada

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Impõe-se determinar em que medida um conjunto incontornável de condicionantes afectam a execução dos contratos respectivos e que consequências extrair daí

Em relação ao segundo cenário, tomemos como exemplo um aumento significativo e de forma anormal dos preços no mercado da construção dos materiais de construção e dos custos da mão-de-obra a que o empreiteiro tem de recorrer para realizar a empreitada (e.g. subempreiteiros e tarefeiros), em virtude dos efeitos da pandemia. Nesta frente, devemos analisar se, em função de cada caso, tais alterações se encontram, ou não, cobertas pelos riscos próprios do contrato de empreitada ou pelas circunstâncias em que as partes (e o empreiteiro em especial) fundaram a sua vontade de contratar, e, nesse sentido, considerar se, à luz do princípio da boa fé, é exigível ao empreiteiro que suporte o sobrecusto daqui decorrente no quadro do contrato de empreitada. É importante, para o caso em apreço, compreender se tal é discutível face a simples agravamentos do esforço de cumprir com o acordado ou se origina efectivamente um desequilíbrio ao nível financeiro quanto ao convencionado pelas partes; ou seja, a existência de custos superiores ao orçamentado não basta para impor uma modificação do contrato e um acréscimo do preço a pagar pelo dono da obra, sem que se verifique um desequilíbrio efectivo e em ofensa ao princípio da boa-fé. Por fim, quanto ao terceiro cenário e no que à mora diz respeito, importa compreender quais os casos em que o empreiteiro pode efectivamente constituir-se em mora. Um elemento imprescindível é a existência de culpa por www.economiaemercado.co.mz | Maio 2020

parte do empreiteiro no referido atraso, devendo a sua valoração ser conduzida à luz da diligência de um bom pai de família (conforme disposto pelo Código Civil). Este exercício deve ser feito por referência às obrigações a que o empreiteiro está adstrito, para que se entenda o que deve este fazer para cumprir. Em acréscimo, o empreiteiro pode estar perante uma obrigação genérica de prestar, ao invés de uma obrigação específica. No primeiro caso, como o objecto da prestação é mais amplo, o empreiteiro ver-se-ia obrigado a envidar esforços superiores (sob pena de incorrer em responsabilidade civil), enquanto no segundo, tendo as partes acordado que “apenas um determinado objecto deverá ser prestado pelo devedor, de tal modo que este não poderá cumprir com outro objecto”, esgotar-se-ia mais rapidamente o universo de possibilidades de cumprimento. Depois deste breve excurso, somos levados à conclusão de que a margem de incerteza que rodeia o impacto da pandemina noutro tipo de contratos, como sejam os financiamentos bancários, compra e venda, arrendamento, etc., se encontra, de alguma forma, favoravelmente esbatida nos contratos de empreitada, uma vez que o legislador fixou um regime especial que decorre do facto de a empreitada estar intrinsecamente ligada à produção de um resultado e do pendor marcadamente cooperativo que caracteriza o plano de risco. Nem tudo são, afinal, más notícias.

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Nação

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Mercado de trabalho

Teletrabalho pode ser irreversível. Estamos preparados? O covid-19 trouxe para o dia a dia de milhões de pessoas de todo o mundo, moçambicanos incluídos, o conceito do trabalho remoto. Com ele, chega uma rearrumação do que é o trabalho, de como se gerem horários e de quanto e como devemos e podemos estar presentes numa estrutura hierárquica e numa empresa. A prontidão digital é agora um imperativo

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Texto Celso Chambisso • Fotografia D.R

estado de emergência decretado pelo Presidente da República no dia 1 de Abril, e que não tem ainda fim à vista, levou as empresas nacionais a adoptarem medidas inauditas no ordenamento das actividades laborais em Moçambique até então. Desde a rotatividade na escala de trabalho até à realização de tarefas a partir de casa, para as actividades que o permitem, geralmente do sector de serviços. A E&M ouviu especialistas de duas das maiores empresas de Recursos Humanos do mercado, nomeadamente a Contact e a Jason Moçambique, para perceber a dinâmica e as demandas da nova forma de estar e ser profissional. Desde logo, há uma conclusão que abre o debate, e que surge em forma de certeza aqui, como em todo o mundo: “o teletrabalho e o trabalho remoto vieram para ficar. Isso levará a uma infinidade de alterações no local de trabalho, afectando o trabalho em equipa, a produtividade, a colaboração e a comunicação. Por outro lado, serão necessárias novas competências de liderança para os gestores alinharem, motivarem e acompanharem de perto as equipas e o desempenho”, assinala a Contact, em resposta ao questionário da E&M sobre o assunto. Na mesma linha, João Gomes, partner da Jason Moçambique, refere-se “à iminente mudança de atitude, do estilo de

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gestão e de liderança nas empresas, bem como à necessidade de revisão de determinados aspectos na legislação do trabalho e dos benefícios”. Os exemplos práticos desta mudança incluem o fim dos benefícios associados àquilo a que se chama de “presencismo”. Ou seja, subsídios de transporte, subsídio de refeições, e todo o tipo de ajudas de custo relacionados vão, tendencialmente, acabar ou pelo menos ser subsituídos por outro tipo de contribuições. Neste aspecto, “será preciso rever a conversão dos benefícios que não fazem sentido quando as pessoas passam a trabalhar em casa, pelos meios que o justifiquem, como os computadores, internet e melhoria de outros meios tecnológicos”. Mas esta é a parte conclusiva de um processo que, afinal, reserva muito desafios ainda por revelar no sector do trabalho. A Jason Moçambique agrupa em três áreas as grandes transformações a que iremos assistir em diferentes esferas da actividade empresarial, “nomeadamente ao nível estratégico, de recrutamento e de procurement”. Depressa mas sem perder valor

Quanto ao processo estratégico no modelo de trabalho remoto, a velocidade será um factor chave. Todos os processos de negócio, incluindo o lado estratégico, terão de acelerar brutalmente. Ou seja, as empresas que estavam habituadas

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Nação a modelos clássicos de trabalho presencial, para transitarem para um modelo de trabalho remoto, baseado no digital, terão de se despedir de planos estratégicos de longo prazo adoptar planos mais curtos (semestrais, trimestrais ou até mensais). De acordo com João Gomes, “deixar o trabalho remoto para adoptar o digital também exige suporte tecnológico, que por sua vez irá demandar muito mais agilidades das equipas que têm a função de análise estratégica nas empresas”. O especialista avisa que, neste processo, “o aspecto mais crítico será o facto de se esperar que os resultados venham muito mais depressa”, o que pode, em sua opinião, acarretar a perda de valor na qualidade, já que “a pressa é inimiga da perfeição”. Por isso, as empresas serão desafiadas a encontrar a solução da equação “ir depressa sem perder valor”, aconselha. Dominar a tecnologia e resistir à pressão

O processo de recrutamento vai impor a necessidade de buscar talentos com prontidão digital. “Isso será um assunto dominante na arena empresarial”, avisa João Gomes. Outro tema de interesse no recrutamento é a ausência física. Por exemplo, hoje as pessoas são recrutadas e apresentadas ao ambiente físico, às pessoas com quem vão trabalhar e, inclusive, ao contacto com os clientes. Mas no trabalho remoto todos os processos críticos de gestão de Recursos Humanos (recrutamento, selecção, avaliação etc.) serão impactados pela ausência desta presença física. “E as questões são: já com o requisito da aptidão tecnológica preenchido, as pessoas serão capazes de se tornarem resilientes e trabalharem longas horas sozinhas? Serão eficazes a gerir a sua sanidade mental?”. João Gomes prevê que “esta transição trará muitas questões ao nível da saúde mental porque não estamos, de forma geral, minimamente preparados para esta nova realidade”. Também avisa que, no recrutamento, haverá a necessidade de prestar atenção a variáveis que até agora não eram alvo de atenção, como por exemplo, diz, “verificar como é que as pessoas reagem a níveis altíssimos pressão, como é que se auto-motivam, com se auto-disciplinam”. Assim, aos primeiros sinais de pressão serão necessários psicólogos para evitar recrutar pessoas que rapidamente possam entrar em depressão ou, na pior hipótese, “possam contaminar todo o ambiente de trabalho”. A lógica dos contactos ‘despersonalizados’

Como encarar a relação pessoal no contexto de confinamento ou ausência de contacto físico? No processo de procurement (que abrange vários aspectos na relação entre fornecedores e empresas), todos os elementos psicológicos de negociação ficam de fora, tal como acontece na indústria automóvel, onde não há interacção humana. Fixa-se um determinado prazo para a apresentação de propostas por parte dos candidatos, com todos os requisitos na plataforma digital, incluindo o caderno de encargos e toda a formatação objectiva do processo de procurement. “Aqui em Moçambique, onde a indústria automóvel ainda não é sofisticada, vamos aprender da pior forma”, alerta o especialista. João Gomes explica que há muitas entidades, como os bancos e as indústrias do Oil&Gas, que já começaram a fazer processos de certificação para qualificar as suas práticas de gestão a este nível bem como as suas plataformas

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“Quando se partilha o mesmo espaço físico é mais fácil controlar o trabalho realizado mas, à distância, só o profissionalismo de cada um poderá contribuir para o sucesso do trabalho colectivo” de fornecedores. Por isso a variável crítica do trabalho remoto no procurement é a despersonalização de todo o processo. “E há empresas que baseiam toda a lógica de colocação da sua oferta na base relacional e que vão ter de redesenhar dramaticamente os seus processos”, adverte. Um ganho a este respeito será a redução da corrupção, já que “com a digitalização tudo tende a ficar mais transparente”, assinala o gestor. Capital humano auto-exigente

Sónia Silva e Nuno Rocha, administradores da Contact admitem, por sua vez, que para as empresas que optaram pelo teletrabalho ou trabalho remoto o sucesso operacional da medida depende sobretudo “da capacidade de adaptação dos recursos humanos às novas tecnologias”. “As novas tecnologias permitem um conjunto de ganhos de eficiência para as empresas. O tempo que despendemos em reuniões, deslocações, visitas a clientes, conferências ou seminários será muito menor se estiver à distância de uma video call”, explica. No entanto, a Contact entende que “para que esta mudança surta resultados positivos é fundamental uma maior responsabilização dos recursos humanos, no sentido de que os colaboradores não podem falhar nos horários, presença e cumprimento de prazos quando trabalham à distância”. A lógica deste posicionamento tem suporte no argumento www.economiaemercado.co.mz | Maio 2020


Mercado de trabalho

Empresas Zombie: O Adeus aos mais fracos? O trabalho remoto funciona na lógica da lei da ‘sobrevivência do mais forte’, em que as empresas fracas serão forçadas a sucumbir diante da nova conjuntura, de acordo com João Gomes. “Não tenho números definitivos sobre isto mas, em Moçambique, não vejo muito habitualmente no Diário da República anúncios da declaração de falência de empresas”, exclamou o especialista, para quem este cenário pode ser sinónimo da existência de “uma série de empresas ‘zombies’ na economia, que atrapalham, que estão constantemente a viver de dar golpes, e que fazem perder tempo e eficiência aos administradores de empresas sólidas”, critica. O partner da Jason Moçambique acredita que estas empresas serão, dado o contexto que se vive, “as primeiras a sentirem os impactos” de não conseguirem migrar para o digital. “Assim, antecipo que este ambiente de transformação traga uma limpeza gigante das empresas que não têm as condições mínimas para operar, não pagam às pessoas, que aldrabam nos contratos e não entregam o que promovem, criando falsas expectativas e que são um obstáculo muito grande no custo do contexto”, sublinhou. Trata-se de uma visão partilhada pela congénere Contact, que alerta para a aproximação de tempos de transformação que vão exigir o redobrar de esforços pelas empresas que ainda têm de se consolidar.

de que “quando se partilha o mesmo espaço físico é mais fácil acompanhar o trabalho realizado mas, à distância, só o profissionalismo de cada um poderá contribuir para o sucesso do trabalho colectivo”. Daí que, prosseguem, “as mudanças que o teletrabalho impõe, possam resultar numa vantagem competitiva para Moçambique que tem uma força de trabalho jovem, desde que os colaboradores sejam mais responsáveis e cumpridores”, conclui. Transformações no sistema de ensino

Para a Contact, o maior desafio do mercado de trabalho em Moçambique passa pelo ponto de interrogação que se coloca face ao “enorme” dividendo demográfico. Por isso, a adopção das novas tecnologias por parte das empresas asseguram, “deve dar prioridade à oferta de oportunidades aos jovens que estão, à partida, mais preparados para lidar com estes novos meios digitais”. Neste sentido, é importante que a transformação tecnológica das empresas seja, “ao mesmo tempo acompanhada pelas escolas e universidades, no sentido de que as escolas devem começar a adaptar as suas aptidões para capacitar os jovens para esta nova realidade do mercado de trabalho”. Replicar as melhores práticas, uma medida imediata

Mas não é só do lado dos trabalhadores que há trabalho a fazer. A falta de preparo que os gestores da maior parte das empresas apresentam é, para João Gomes, o maior dos desafios nesta altura. É por isso que entende que o mais indicado nos dias que correm, “é estimular a busca de conhecimentos para que todos estejam completamente informados sobre a essência do trabalho remoto”, sendo imediato que as empresas desenvolvam maneiras de comunicar isso. www.economiaemercado.co.mz | Maio 2020

Dou o exemplo da própria Jason Moçambique em que temos um Crysis Manager (gestor de crises), ou seja, a empresa adoptou uma postura em que para ir para o digital tem de ir depressa e temos de ir todos juntos. E isso passa por ter uma pessoa que mantém foco na nova forma de estar e que funcione como um farol. Que olhe para as (poucas) empresas que são referências e replique todas as medidas que se estão a tomar durante o processo de adaptação. A estratégia da Jason é olhar para empresas cuja escala é muito diferente da sua e com práticas de gestão de crises mais avançadas”, explicou. O papel do Estado e das lideranças empresariais

A Contact alinha pelo mesmo ponto de vista e enuncia como as lições trazidas pelo confinamento colocam à prova a capacidade das lideranças empresariais, entendendo que “só os que demonstraram maior capacidade de liderar os novos processos de trabalho e transmiti-los aos colaboradores vão, naturalmente, colher melhores resultados. E os colaboradores que sentem a capacidade de liderança dos seus superiores estarão, à partida, mais bem preparados e mais motivados e orientados para o cumprimento dos objectivos definidos”. Quanto ao papel do Estado em toda esta nova dinâmica que se começa a viver no mercado de trabalho , a Jason sugere que em todas as áreas ou ministérios onde a tecnologia deva tomar parte dos processos, o Estado “deveria dar o exemplo, introduzindo as respectivas facilidades. E também deve criar uma zona de tolerância fiscal durante um período de dois a três meses, para que as empresas possam facilitar as suas operações neste contexto de crise”, assume.

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Nação

“As coisas vão mudar, mas com muita dificuldade” Narciso Matos Reitor da Universidade Politécnica

Na academia, onde tudo começa, à semelhança das empresas e outro tipo de organizações, há registo de profundas alterações. A entrevista com Narciso Matos veio desvendar muitos aspectos que não são de fácil previsão. Há “coisas boas” que virão, garante, mas à custa de grandes dificuldades e sacrifícios, que até já estão a ser consentidos por todos, avisa

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Texto Celso Chambisso • Fotografia Mariano Silva & Jay Garrido

omo descreve o ambiente académico nesta altura da pandemia? Muita coisa aconteceu nos quase dois meses em que vigora o Estado de Emergência. O essencial a dizer que é que as instituições de ensino superior, sejam públicas ou privadas, pelo menos aquelas de que eu tenho conhecimento, estão a funcionar. Não tenho conhecimento de nenhuma que tenha fechado as portas. Todas as instituições, incluindo a Universidade Politécnica, entenderam que o ensino presencial

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tinha de ser interrompido em nome do distanciamento social que impede as contaminações. Portanto, de um dia para o outro já não era possível ter estudantes nas salas de aula com o seu docente, e as instituições tiveram de aprender a trabalhar de maneira diferente, exceptuando aquelas que já tinham experiência com o ensino a distância. Nós mesmos, a Politécnica, temos uma escola que desde sempre fez ensino à distância e que, em princípio, não teve de fazer nenhum tipo de adaptação, mas todas as outras, que são a maioria (seis), em várias províncias, tiveram de se adapwww.economiaemercado.co.mz | Maio 2020


educação vamos avançar com os que têm e depois vamos resolver o problema daqueles que não têm. O debate não morreu, ainda existe. E depois, ligado a isso, são os custos da própria comunicação, e são reais: uma coisa é usar o telefone para uma chamada de vez para conversar com amigos e WhatsApps, e outra coisa é, de repente, ter quatro a cinco disciplinas por dia, todas mediadas através da internet, isso aumenta os custos. E então, o outro debate é se os estudantes e os próprios docentes têm ou não dinheiro suficiente para custear este tipo de educação. Depois vamos para os próprios conteúdos, ensinar a distancia não é fazer a mesma coisa que se fazia antes. Pressupõe outro tipo de materiais didácticos, mais apropriados para o estudante aprender por si mesmo, sem, evidentemente, dispensar a interação com colegas para discussões como seminários, e com os professores. Sem contar que a academia tem aquelas discilplinas que exigem a interacção com o docente e a presença no laboratório… Existe, também, essa dimensão. O caso paradigmático é a topografia. É muito difícil ensinar topografia sem ir ao ter-

Fazíamos em cada semestre uma reunião e trazíamos todos os docentes que passavam uma semana a fazer balanços e planos. Este ano fizemos isso utilizando plataformas electrónicas e a qualidade não foi pior tar. Só uma teve de continuar. E tal como comecei por dizer, elas estão a funcionar, mas fazem-no com vários obstáculos. A que tipo de obstáculos se refere? O primeiro, que é político, diga-se, tem que ver com a compreensão que os cidadãos têm do que foi decretado. O grande debate, neste capítulo, é se seria legítimo continuar a ter ensino ou se o significado da decisão do Chefe de Estado era interrompê-lo. Associado a isso, havia (e ainda há) a discussão sobre se é legítimo que uma instituição que era presencial tenha de continuar a cobrar propinas na mesma proporção tendo passado a realizar o ensino a distância. Sobrepuseram-se discussões dos que achavam que não tinham nada que pagar e outros que achavam que deveriam pagar apenas a metade. E essa discussão ainda não morreu. E depois, ao nível do próprio funcionamento, também houve muita coisa que se passou. Os docentes e os estudantes tiveram de adaptar-se à nova maneira de se estudar. Se nem uns nem outros foram treinados previamente para isso, então todos tiveram de aprender. Refere-se, obviamente à disponibilidade e utilização dos meios tecnológicos que vão possibilitando a interacção neste novo modelo, é assim? Sim. Tiveram de aprender a utilizar o computador, ou o tablet, ou o smartphone como um instrumento de trabalho. Mesmo ao nível do tipo de equipamentos utilizados é um debate que ainda continua. Há os que dizem que não têm estes meios e, portanto, não têm como estudar. Outros dizem que, nestas condições, em que uns têm e outros não têm, ninguém deveria estar a estudar. Há outra parte que diz: www.economiaemercado.co.mz | Maio 2020

reno, mas também se pode falar de certas áreas das engenharias em que que é preciso ir aos laboratórios fazer as coisas. Isso não é possível de se fazer agora porque configura uma violação ao confinamento. Coloca-se, igualmente, a questão dos exames. Enquanto o professor habituou-se a vigiar quem é que, de facto, está a fazer a prova, no ensino a distância não há essa ferramenta. Ou o teste é feito de tal maneira que a consulta não seja considerada fraudulenta, ou que o tempo seja cronometrado de modo a que não haja tempo de consultas. Isto é para dizer que o processo está a correr, mas está muito longe de podermos dizer que é perfeito. Algumas instituições reconheceram as limitações actuais do sistema e já se estão a programar para recuperar quando terminar o confinamento que ninguém sabe quando. Mas no meio de todas estas alterações, é legítimo imaginar que haverá uma revolução na educação? Pode-se esperar mudanças positivas? Quais? Primeiro, não posso dizer, de todo, que o Covid-19 é bem-vindo. Os problemas que ele causa são enormes. Vai pressionar a viabilidade financeira das instituições que já estão a ser pressionadas até ao limite. Mas, no meio disto, há coisas positivas que têm lugar e que antes não fazíamos, mas que poderíamos ter feito porque, finalmente, estamos a fazer sob grande pressão e podíamos ter feito sem esta pressão. Por exemplo, desde que começou o confinamento fomos forçados a ter um diálogo muito mais próximo com os nossos estudantes e com os nossos docentes, e começámos a fazê-lo utilizado os meios tecnológicos. Já temos reuniões com reitores e também directores de várias escolas, com os chefes de turma, para ouvir dos próprios estudantes o que é que

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Nação Há muita gente que tem a expectativa de que as coisas mudem com facilidade. Não vão! Por muitas razões. Toma o caso da educação. A esta geração, tanto de professores como de estudantes, do primário até ao universitário, seus familiares, é muito difícil incutir que o ensino a distância pode ter a mesma qualidade que o ensino presencial. E essa mudança não se faz por decreto, vai levar muito tempo. Eu conheço uma escola pequena, privada, primária, que decidiu que já não volta ao sistema clássico, e está a planear grandes investimentos em equipamentos de comunicações computadores para os estudantes todos etc., e até diria, essa é a parte fácil, basta ter dinheiro. A parte difícil será, agora, convencer aos pais que o seu filho vai estudar estando em casa com computador e o professor em casa. Isso mexe com muita coisa. Uma das coisas é que os pais irão questionar: “como é que vou continuar a pagar 100% de propinas se eu sou quase que um professor em casa a acompanhar o meu filho?” Estou a tentar dizer que as mudanças não vão ser tão bruscas como algumas pessoas pensam ou gostariam que fossem. Há uma mudança de mentalidade que vai levar tempo a ser realizada. E depois, o ensino a distância tem custos. Este mês provou-nos que temos uma rede de comunicações medíocre… a única rede que consegue funcionar em locais remotos é a Movitel.

Não concordo com os pais que não pagam propinas por que os nossos filhos não estão a estudar… quero ver, quando acabar o Covid-19 e quiser ir deixar a criança na escola, e já não houver escola porque não resistiu acham que está a acontecer e o que é que eles veem como soluções etc., assim, mesmo depois do Covid-19, não precisamos de esperar até ao fim do semestre para ver os resultados dos estudantes. Podemos mensalmente ter uma reunião com os chefes de turma, ver e fazer as correcções ao longo do percurso. Nós, por exemplo, como resultado deste tipo de interacções não só com os estudantes, mas também com os próprios docentes, somos obrigados a analisar um a um todos os docentes que trabalham para nós, coisa que nunca tínhamos feito antes e como resultado já separamos o grupo de disciplinas que está a correr com as limitações que eu mencionei, mas está a correr. Então há coisas (boas) que vieram para ficar. E o que dizer dos ganhos e perdas que estas mudanças trarão na já bastante questionada qualidade de ensino no país? Primeiro de tudo, estou convencido que há coisas que, se formos espertos vão ficar e vão ficar sem grandes esforços.

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Reconhece que haverá avanços, mas nota-se que é quase sempre tentado a citar obstáculos… É que as mudanças fundamentas vão ter grande barreiras, sejam psicológicas das pessoas, ou de ponto de vista material, isto é, equipamentos para a transmissão de dados. Há uma grande resistência a mudanças na nossa sociedade, e não vai ser diferente em relação a isto. Depois, há um outro aspecto: no momento em que se usarem as tecnologias, de repente já se pode ter o mesmo professor as dar as mesmas aulas a várias turmas no mesmo horário e em vários pontos do país, o que pode reduzir significativamente os recursos humanos, o que tem impacto social. O desemprego. Eu acho que estes aspectos têm de ser muito bem observados. Saindo do âmbito académico, que lições o novo Coronavírus traz para a sociedade global? Na sua óptica, como é que se deve encarar a vida daqui em diante? Espero que saiamos todos com a ideia de que hoje vivemos num mundo muito mais vulnerável do que ontem. É um paradoxo! com a toda a evolução, tecnológica que alcançámos, mas o grau de vulnerabilidade é muito maior. Eu acho que uma lição a tirar é de que devíamos pensar num futuro em que estamos preparados par este tipo de situações. E não pensar que o Covid-19 foi um acidente que não volta a acontecer nos próximos 10 anos, porque é provável que volte a acontecer. Não basta viver o dia-a-dia, é preciso, para os países e para as instituições, viver dentro dos planos de contingência. A outra lição, que eu acho que ainda não entrou muito na cabeça das pessoas, é a consciência de interdependência. Eu não concordo, por exemplo, com os pais que dizem: “nós não temos nada que pagar propinas por que os nossos filhos não estão a estudar… quero ver, quando acabar o Covid-19 e quiser ir deixar a criança na escola, e quando lá chegar já não houver escola porque arrebentou perante a falta de pagamentos para suportar os custos no momento crítico. www.economiaemercado.co.mz | Maio 2020



OPINIÃO

Disrupção em tempos de crise Frederico Silva • Investidor e Empreendedor nas TICs

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esquise “Smartphones destroem a interacção social” e leia os vários artigos que defendem os males originados pelo uso da tecnologia online. Curiosamente, com a pandemia que se instalou no mundo, e neste contexto de distanciamento social, a tecnologia é, possivelmente, a única razão pela qual em certos países se consegue manter um contacto frequente com amigos e familiares. Mais, não se trata apenas de manter o contacto com os que nos são próximos, mas garantir que existe alguma normalidade face às condições atípicas que nos são impostas nos dias de hoje: as empresas asseguram a produtividade a partir de aplicativos que possibilitam o trabalho remoto; os estudos têm continuidade através de plataformas de ensino à distância; os pacientes recorrem às consultas médicas online para evitar possíveis contágios nas clínicas e hospitais; os consumidores fazem uso das plataformas de comércio electrónico para obter refeições e uma série de outros produtos sem se deslocarem das suas casas. E estas são apenas algumas das soluções que se têm evidenciado. Todas estas respostas provocaram profundas mudanças comportamentais nas populações de vários países, à escala mundial, sendo que muitas foram implementadas pelos governos dos mesmos: - Na Ásia, Israel adoptou medidas controversas ao rastrear todos os indivíduos de risco, de forma a controlar o seu contacto com pessoas infectadas. A Coreia foi mais longe e, além do rastreamento de todos os recém-chegados, garantiu o cumprimento da quarentena através de pulseiras com geolocalização, e usou robôs na distribuição de desinfectante e para medir as temperaturas.

Não é certamente por coincidência que estes países tecnologicamente avançados se tornaram casos de sucesso na forma como controlaram a propagação deste vírus. No continente Africano, que se pressupunha ser dos mais vulneráveis, foram criadas aplicações de auto-avaliação do risco, como é o caso de Moçambique e Nigéria. E na África do Sul usaram-se chat bots interactivos no Whatsapp para obter respostas relativamente aos sintomas e tratamento. No Quénia, reforçou-se a importância do uso das carteiras móveis, sendo que o dinheiro pode ser um veículo para a transmissão do vírus, onde os utilizadores activos chegaram a 50% da população. O primeiro semestre de 2020 apresentou níveis de disrupção tecnológica sem precedentes. Segundo um artigo na BBC já se estão a usar robôs na desinfecção de hospitais através de luz UV. Já o Fórum Económico Mundial refere que a robótica vai revolucionar o mercado de entregas ao domicílio, que o 3D printing irá tornar-se incontornável na produção de máscaras e outro material hospitalar, e lamenta os atrasos na implementação da tecnologia 5G na Europa, sendo que será imprescindível para garantir o bom funcionamento de toda a inovação referida acima. Por muito resiliente que seja a raça humana, o covid-19 alertou-nos para o quão vulneráveis estamos e para as fragilidades existentes. Apesar de todos estes esforços, contam-se mais de quatro milhões de casos confirmados, entre os quais mais de 280 mil mortes. A inovação tecnológica deverá acelerar o seu ritmo para fazer face a este novo status quo e garantir que o impacto da próxima pandemia não seja tão devastador. .

No continente Africano, que se pressupunha ser dos mais vulneráveis, foram criadas aplicações de auto-avaliação do risco, como são os casos de Moçambique e Nigéria. E na África do Sul usaram-se chat bots interactivos no Whatsapp para obter respostas relativamente aos sintomas e tratamento

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sociedade

“Cloroquina e azitromicina funcionaram nos casos que tivemos” É uma das médicas mais respeitadas que lidera uma das instituições de saúde mais reputadas no país e além-fronteiras. Tanto, que é impossível pensar no ICOR sem referir a sua fundadora, Beatriz Ferreira. Num momento decisivo em que a pandemia tomou conta do presente e ameaça o futuro, a E&M foi ouvir quem vive, por dentro, a luta diária contra o covid-19

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elo icor já passaram casos positivos de covid-19, é sabido. Todos recuperaram e estão de boa saúde mas a pandemia trouxe novos desafios aos profissionais da instituição que tem marcado a sua posição no sector da saúde. “Quando es-

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Texto Elmano Madaíl • Fotografia Mariano Silva te vírus entrou em Moçambique e tivemos de tomar as primeiras medidas e ter noção exacta do problema, tive a sensação de estar perante um desafio como nunca tinha enfrentado”. Beatriz Ferreira, fundadora do ICOR, explica o que foi feito para precaver o primeiro impacto da pandemia no

País e aborda, com o conhecimento profundo de quem vive a realidade por dentro, muitas das questões que todos nos colocamos. Como se explicam os números baixos, segundo dados de 13 de Maio, de contaminados em Moçambique www.economiaemercado.co.mz | Maio 2020


Saúde é uma doença nova, pouco conhecida. No início, em Itália, os médicos diziam às pessoas para ficarem em casa e telefonarem se tivessem falta de ar... Ora, quando isso acontece já as coisas estão muito avançadas. Não é só uma doença respiratória como se pensava, também ataca, entre outros, o sistema de coagulação, podendo levar à trombose, por isso o nosso tratamento integra anticoagulantes desde a fase inicial. Em África estamos a beneficiar da experiência desses países que foram atingidos primeiro. As medidas extraordinárias pretendiam achatar a curva de transmissão e dar tempo aos sistemas de saúde para se prepararem. Qual o cenário mais dramático projectado para Moçambique? Dezenas de milhares de óbitos no país inteiro, segundo modelos matemáticos transplantados da experiência do hemisfério Norte. Mas espero que isso não aconteça. Tanto no ICOR como no MISAU sabemos que não há capacidade de fazer face a um elevado número de doentes a precisarem de ventilação assistida simultaneamente, como se viu na Europa, na China ou nos Estados Unidos.

e em África (menos de 70 mil infectados em 53 países e 2 406 mortos)? Já se argumentaram possíveis respostas: a população, em África e Moçambique, é muito jovem; aqui a BCG é obrigatório, e a vacina parece ter um efeito protector contra as formas graves de covid-19. Depois, Moçambique introduziu cedo o estado de emergência e fechou as fronteiras, o que protegeu o país; e, porque aqui as pessoas estão sujeitas a grandes agressões de vários tipos de infecções, a população tem um sistema imunitário resistente. Por fim, a densidade populacional é pequena em vastas áreas do país. A capacidade de diagnóstico é adequada? Pode ter havido falhas, porque a capacidade de fazer testes de Moçambique não é grande – embora o Ministério da Saúde (MISAU) esteja a reforwww.economiaemercado.co.mz | Maio 2020

çá-la – mas, se as coisas fossem muito diferentes, haveríamos de sentir nos hospitais a pressão dos doentes e no Instituto do Coração (ICOR), por exemplo, onde testamos sistematicamente, em colaboração com o Instituto Nacional de Saúde, todos os doentes que cheguem com sintomas de covid-19. Houve semanas sem um caso positivo e isso, de facto, reflecte alguma coisa. A taxa de letalidade do novo coronavírus é significativamente baixa (4%). O que justifica, então, o pânico mundial e as medidas que arriscam o colapso da economia? Creio que tem que ver com a pirâmide etária da Europa, de um hemisfério Norte envelhecido e logo mais vulnerável, as consequências nos países com muitos idosos são bem diferentes do que se passa em África... Depois,

Quantos ventiladores tem o país, públicos e privados, agora que a transmissão comunitária do vírus já está a decorrer em Moçambique? O sistema público terá algumas centenas, o privado... o ICOR tem, neste momento, oito ventiladores nos Cuidados Intensivos e capacidade para mais cinco na enfermaria. Nos outros hospitais privados, não sei. Mas não chegamos, todos juntos (sector privado), à centena de ventiladores. A estratégia tem de passar por tratar cedo, antes de ser necessário recorrer à ventilação assistida. Mas se houver agravamento exponencial dos casos que exigem ventilação, o Sistema de Saúde público poderá contar com os privados? Estamos a colaborar, mas tudo isto tem custos enormes e, portanto, as despesas terão de ser compartilhadas. Nada está protocolado, mas há um entendimento de que quem puder custear o tratamento deve recorrer aos privados, deixando o sistema público concentrar-se na população com menos recursos.

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sociedade

Mas não chegamos, todos juntos (sector privado), à centena de ventiladores. A estratégia tem de ser tratar cedo, antes de se precisar de ventilação assistida Pessoas acima dos 60 anos apresentam um muito maior risco de mortalidade. Ora, em Moçambique, mais de metade da população tem menos de 18. Neste contexto, quais serão, aqui no país, as pessoas de facto em risco? Não foi até agora identificado um grupo-alvo de risco, mas sabemos que temos uma população com HIV não tratado, diabetes, 40% dos adultos são hipertensos – a hipertensão em África é mais agressiva do que na Europa e surge em pessoas mais jovens. Temos as pessoas com a imunidade deprimida por qualquer razão, como acontece, de resto, em qualquer outro lado do mundo. Dada a escassez de recursos,

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esta atenção excessiva à pandemia não poderá levar a que se negligenciem os cuidados que outras doenças deveriam estar a ter? Em princípio, não. O preocupante é que as pessoas estão com muito medo, os próprios doentes têm medo de ir aos hospitais. E têm de vir para as consultas de rotina, de controlo, ou levantar os medicamentos, não podem fugir disso. As consultas de Pediatria, por exemplo, tiveram uma quebra brutal porque os pais não trazem as crianças ao hospital. E, no entanto, as pessoas podem correr mais riscos na rua, nas lojas, noutros locais, do que se vierem a um sítio em que são controladas

logo à entrada e imediatamente desviadas em caso de suspeita. Em que medida é que o Covid-19 afecta a rotina funcional do ICOR? Afecta em tudo. Muitíssimo nas consultas externas, e todas as especialidades foram atingidas. A de Estomatologia suspendeu completamente, só faz urgências. A Otorrino e Oftalmologia funcionam parcialmente. Desde o fim do mês de Março que adiámos todas as cirurgias que não são de emergência e que envolvam ventilação assistida, como a cirurgia cardíaca. Só operamos casos urgentes porque os nossos ventiladores estão cativos da possibilidade de um pico. Como não sabemos o que vai acontecer nas próximas semanas, tomamos medidas para ter os ventiladores disponíveis. Tudo isto significou uma quebra brutal nas receitas do ICOR – cerca de 40%. www.economiaemercado.co.mz | Maio 2020


Saúde quíssimos casos que tivemos, funcionou. E temos de usar as armas que temos. E o internamento? É muito variável. Depende dos dias de internamento com ou sem ventilação assistida e das complicações – se fizer uma insuficiência renal aguda, por exemplo, o preço aumenta de modo exponencial devido à necessidade de hemofiltração... Cada caso é um caso.

Beatriz Ferreira formou-se em Medicina na Universidade Lourenço Marques (actual Eduardo Mondlane) em 1978, seguindo a especialidade em Cardiologia em Maputo e Paris. Em 2001 fundou o ICOR – Instituto do Coração numa antiga enfermaria do Hospital Militar em Maputo com apoios da Cooperação Portuguesa, dos Governos de Moçambique e de França e quatro ONGs. Graças ao trabalho desenvolvido pelo ICOR nos tratamentos cirúrgicos ao coração e a cateterismos cardíacos a crianças desfavorecidas – mais de 2 000 intervenções realizadas até agora –, Beatriz Ferreira, nascida em Lourenço Marques a 31 de Janeiro de 1954, foi agraciada com a Ordem da Liberdade pela Presidência da República de Portugal, e recebeu as insígnias de Cavaleiro da Ordem da Legião de Honra do Governo de França.

Qual foi o investimento acrescido que o ICOR fez em função de toda esta realidade? Tivemos de investir em coisas que não imaginávamos, como 80 mil dólares num robot que desinfecta totalmente em dez minutos o que, antes, demorava oito horas; na aquisição de Equipamentos de Protecção Individual (EPI) que, numa só encomenda, orçou os 250 mil dólares, adicionando 163 mil para o transporte; e tivemos de fazer obras, isolar compartimentos... Por alto, implicou um esforço financeiro acrescido na ordem dos 600 mil dólares. Para outras instituições, talvez seja um valor irrelevante – para o ICOR, é muito dinheiro. Que medidas de resposta imediata foram adoptadas pelo ICOR? A partir do momento em que há comprovadamente covid-19 em Moçambique, todo o funcionamento se alterou www.economiaemercado.co.mz | Maio 2020

desde a porta de entrada. A pessoa desinfecta calçado e mãos, mede a temperatura e responde a um questionário. Se houver a mínima suspeita da doença, é logo desviada para um circuito independente na instituição: uma zona de tendas ao ar livre onde é consultada e à qual vai a farmácia e o laboratório para que não haja a mínima possibilidade de contágio. Há dois telefones para pessoas em quarentena e um para doentes, no qual é o próprio médico que, de x em x dias, contacta o doente, para o manter em casa. Se a situação evoluir, o doente vem fazer exames e decidimos se deve baixar ou tomar medicação. Criámos duas enfermarias para os doentes não ventilados e temos os Cuidados Intensivos com capacidade para ventilar oito doentes. Internamos os que precisam do tratamento com cloroquina e azitromicina – há muita controvérsia, mas, nos pou-

A OMS prevê a passagem do novo coronavírus de pandémico para endémico – tal como ocorreu com o HIV. Se isso acontecer, teremos de usar máscara, por exemplo, em permanência, ou teremos já alguma imunidade? Tudo isto é muito triste, porque vai contra o que é o ser humano. Mas tenho esperança de que, com a vacinação, não haja mudanças radicais na nossa forma de viver. Os países nórdicos, por exemplo, abriram as creches porque as crianças ganham imunidade e, em princípio, não têm manifestações graves da doença. Mas é preciso que se chegue aos 60% da população com imunidade. Qual foi o sentimento mais vincado que experimentou face à pandemia? Eu não posso dissociar isto do ICOR e da responsabilidade que tenho aqui. A batalha pelo ICOR já foi grande – cerca de 2030 cirurgias pro bono desde 2001 – mas, quando este vírus entrou em Moçambique e tivemos de tomar as primeiras medidas e ter noção exacta do problema, tive a sensação de estar perante um desafio como nunca tinha enfrentado. E tive muito receio de não podermos confrontá-lo num país com tantas limitações... Além disso, aos 66 anos não me posso colocar na linha da frente. O que foi muito difícil, porque uma pessoa que dirige tem de dar o exemplo e quando o primeiro doente covid-19 baixou, eu não podia estar na primeira linha. No primeiro embate com esta doença aqui no ICOR senti o medo dos colegas que tinham de avançar à frente, e não foi fácil. Mas, depois, testamos todos e todos deram negativo, o que foi muito bom, porque as pessoas perceberam que os EPI as protegiam e o receio de enfrentar a doença foi diminuindo. Foram momentos muito difíceis que vivi pela primeira vez em 42 anos de profissão.

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lá Fora

ANGOLA CORRE ATRÁS DO PREJUÍZO O país submeteu ao Parlamento uma proposta de revisão do OGE 2020 que estima o preço do barril de petróleo abaixo dos 35 dólares, ao contrário dos 55 dólares inicialmente previstos e numa altura em que os maiores produtores tentam conter a contínua derrapagem dos preços

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ngola estabeleceu o próximo mês de Junho como a data provável para a conclusão da revisão do Orçamento Geral do Estado (OGE) 2020, conforme determina o Decreto Presidencial 96/20 de 9 de Abril, recentemente aprovado pelo Conselho de Ministros, em resposta aos impactos da baixa do preço do petróleo nos mercados internacionais, devido à pandemia da Covid-19. Em declarações aos jornalistas, a ministra das Finanças, Vera Daves, afirmou que o processo de revisão do OGE 2020 deverá ser submetida à Assembleia Nacional até ao dia 15 de Maio corrente, para eventual aprovação.

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Texto de António Nogueira • Fotografia Istock

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DÓLARES É o preço de referência por barril que o Governo deverá implementar na revisão do OGE 2020

Nos seus argumentos a favor da revisão do OGE 2020, a titular da pasta das Finanças referiu que, além da baixa do preço do petróleo, a medida deve-se, igualmente, aos impactos negativos que o covid-19 está a ter sobre a economia, marcados por fortes restrições na mobilidade, no comércio internacional e na produção de vários bens que se reflectem na redução dos fluxos comerciais. Na parte fiscal, prosseguiu a ministra, será necessário rever as projecções, como forma de se manter o equilíbrio estratégico das contas públicas, sem descurar o apoio financeiro que deve ser dado ao sistema nacional de saúde e a todas as medidas de combate à propagação da Covid-19. www.economiaemercado.co.mz | Maio 2020


angola crescimento económico registe uma contracção de mais de 2% em 2020 e que o saldo orçamental e corrente registe défices, ao invés dos excedentes que prevíamos”, lê-se na análise. No documento, a consultora sugere que Angola está a enfrentar uma espécie de tempestade, não só devido à quebra do preço do petróleo nos mercados como também à redução drástica do comércio internacional, situação agravada com o surto do novo coronavírus que obrigou o Governo a ter de fechar as suas fronteiras, limitando a circulação de pessoas e bens. “Enquanto estiver vigente, o fecho de fronteiras vai ter um efeito adverso significativo, embora talvez temporário no comércio e na actividade económica, e vai empurrar os preços para cima devido à escassez”, apontam os analistas, antevendo que o país, face à situação que vive, deverá necessitar de mais financiamento do Fundo Mo-

barris por dia, para se aplicar em Maio e Junho deste ano. Mas o facto é que a medida em causa não conseguiu – pelo menos até ao final de Abril – acompanhar o ritmo do colapso da procura, em função da pandemia do coronavírus, que obrigou, até então, ao confinamento de metade da população mundial, para limitar a sua propagação, desequilibrando assim o mercado do petróleo, onde a oferta já era excedente, nomeadamente com a decisão da Arábia Saudita em inundar o mercado mundial com mais produção. Por culpa desta situação, o preço do Brent, negociado em Londres, que é referência para a economia angolana, caiu 20% tendo chegado a tocar nos 18 dólares – o valor mais baixo em duas décadas desde 1999 –, no passado dia 21 de Abril. Também devido à pouca procura, o WTI (West Texas Intermediate), dos Estados Uni-

“Guerra de preços no petróleo é um golpe devastador para a economia angolana já que os hidrocarbonetos valem 96% das exportações, 33% do PIB e 60% da receita governamental” Aprovado pelo Parlamento em Dezembro do ano passado, o OGE 2020 previa despesas e receitas no valor de 15 875 610 485 070 kwanzas (cerca de 28 mil milhões de dólares), mais 4,5 biliões de kwanzas em relação a 2019. O Governo elaborou o OGE 2020 tendo como pressupostos um preço médio do barril de petróleo bruto de 55 dólares, uma taxa de inflação de 24% e um crescimento real do Produto Interno Bruto (PIB) de 1,8%. Mas as condições mudaram. O preço médio do barril de petróleo está, há vários meses, entre os 20 e os 30 dólares, o que, segundo o Governo, obriga o país a ter de fazer um reajuste em baixa das despesas e receitas projectadas para o OGE 2020. Angola enfrenta uma “tempestade”

No actual cenário, há quem perspective que a economia angolana venha a sofrer uma recessão superior a 2%, em 2020, como relata na sua mais recente análise sobre a economia daquele país lusófono a consultora inglesa Oxford Economics. “Vamos rever drasticamente em baixa a previsão de crescimento económico e as métricas da dívida, já que esperamos que o www.economiaemercado.co.mz | Maio 2020

netário Internacional (FMI), emissões de dívida soberana e ajuda externa para financiar as contas públicas. Recentemente, a Standard & Poor’s (S&P) baixou o rating do país, de B- para CCC+, por causa da queda abrupta dos preços do petróleo e do agravamento dos défices externo e orçamental, factores que a Oxford Economics acredita que poderão levá-la também a baixar o rating de Angola nos próximos meses. No texto, os analistas lembram que “a guerra de preços no petróleo é um golpe devastador para a economia angolana, já que os hidrocarbonetos valem 96% das exportações, cerca de 33% do PIB e 60% da receita governamental”, concluindo que o apoio contemplado no programa de assistência do Fundo Monetário Internacional não vai ser suficiente para “salvar a economia das consequências da guerra de preços”. A verdade, porém, é que, numa tentativa de equilibrar o mercado, e após longas negociações, a Organização dos Países Exportadores de Petróleo e os seus aliados (OPEP+), que inclui 23 países dos quais 13 membros da OPEP, decidiu, no passado dia 12 de Abril, cortar a produção em 9,7 milhões de

dos, foi negociado, pela primeira vez, abaixo de zero, chegando a atingir os 40 dólares negativos por barril. O analista angolano, especialista em petróleo, Patrício Quingongo, considera importante a materialização da medida tomada pela OPEP+, justificando ser a única maneira para se evitar uma baixa do crude até 20 dólares por barril, mas entende que deveria ter sido tomada há um mês e meio, já que o mercado se encontra com excesso de petróleo de mais 800 milhões de barris e a procura caiu mais de 30%. “Com a redução do consumo de energia e de petróleo no mundo, a actividade económica mundial está paralisada e os produtores petrolíferos mantiveram as suas produções, mesmo sem escoamento, aumentando os níveis de armazenamento” explicou, estimando que durante o mês de Maio nenhum país produtor quererá armazenar petróleo, daí a necessidade de haver cortes na produção. “Quanto maior for a propagação da pandemia mais forte será o impacto negativo sobre a economia mundial e a indústria petrolífera vai sofrer, assim como alguns países podem deixar de produzir”, reforçou.

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empresas

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Do agronegócio às viseiras… “nunca é tarde para aprender” O centenário Grupo JFS nem fazia ideia de que, a esta altura, teria de aprender um novo ofício. Neste caso, não pelo negócio em si, mas para se juntar à luta contra o covid-19

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Texto Celso Chambisso • Fotografia Mariano Silva

titude certa em tempo oportuno, bem ao estilo das habituais histórias inspiradoras, em que a criatividade é aguçada em tempo de crise. Assim o foi com um dos mais antigos grupos empresariais do país, a JFS que, movida pelo espírito de solidariedade, decidiu agregar a produção de viseiras ao seu portefólio já com 123 anos de existência, que se estende da área agrícola e agroindustrial, à área automóvel e imobiliário. De acordo com o administrador da JFS, Francisco Ferreira dos Santos, o Grupo teve a ideia de criar viseiras de baixo custo, primeiramente, “para apoiar o sector da saúde” utilizando trabalhadores voluntários em regime de rotação no âmbito do Estado de Emergência decretado em Abril. Baseados na visão do Grupo, de “ser uma referência no mundo empresarial, capaz de promover e inspirar impacto”, puseram mãos à obra, criaram o grupo de voluntários JFS que se autointitulou ATITUDE e a obra nasceu. “Pensámos que seria interessante produzir viseiras de baixo custo com material disponível no país”, conta Francisco Ferreira dos Santos. E de forma a que todos se sintam parte da causa, por cada unidade vendida, seria oferecida uma outra ao sector da saúde, que é prioritário neste tipo de equipamentos. “É portanto um projecto social sem fins lucrativos” afirma. As viseiras são produzidas nas instalações da Jeep (Técnica Industrial) em Maputo. “Fizemos vários protótipos e encontrámos uma óptima solução; começámos com alguns matérias que foram esgotando no mercado e tivemos de continuar a

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inovar, para nos adaptarmos ao existente”, detalha o administrador da JFS, referindo-se aos aspectos técnicos do processo produtivo. A acção acolheu sucesso imediato e a procura não para de crescer. “Em algumas horas tivemos encomendas que chegaram às 15 mil unidades. Em dois dias aumentaram para mais de 50 mil; uma autêntica avalanche, que nos obrigou a parar para criar um verdadeiro processo de gestão industrial”, assinala Francisco Ferreira dos Santos. Era, agora, necessário criar as condições para satisfazer a crescente demanda, mantendo flexibilidade para que os voluntários pudessem gerir o seu próprio tempo, acomodando a produção de viseiras dentro das suas tarefas habituais. Para além disso, tiveram de arranjar uma forma de chegar mais longe e mais rápido, pelo que estenderam o conceito a voluntários externos alinhados com a iniciativa. “Deixámos de ser um grupo de voluntários, para passarmos a ser uma plataforma de voluntários, onde contámos com a preciosa ajuda de colaboradores da Mozambikes, House Center, Tropigalia, Cimentos, Millennium e várias pessoas a título individual; começámos a produzir cerca de mil viseiras por semana e neste momento estamos a fazer cerca de 2 mil por dia”, diz, referindo o apoio da equipa de voluntários. Com isto a iniciativa vai conseguir doar pelo menos 25 mil viseiras ao sector da saúde, com entregas em todas as Províncias. “Este equipamento pode salvar vidas; basta que salve uma para nos sentirmos todos plenamente realizados!”, termina louvando e agradecendo o esforço de todos os parceiros.

B Empresa Grupo João Ferreira dos Santos (JFS) Negócios Agrícola, Agroindústria, Automóvel e Imobiliário Fundação 1897 Produção de viseiras 2 000 por dia Colaboradores Mais de 700 (30 voluntários internos na produção de viseiras)

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megafone Maior OPV do país rende distinção da The Banker É a segunda vez que a OPV da HCB é galardoada com um prémio internacional depois do Special Recognition Award da Deal Makers Africa

BCI relança solução de pagamento virtual O BCI relançou, em Abril, o POS virtual Daki, uma solução que permite aos usuários do serviço via telemóvel (conta móvel e à ordem) fazer pagamentos com recurso à plataforma USSD, junto dos comerciantes com POS do BCI. A solução ajuda a evitar o contacto físico com os teclados dos POS tradicionais, a entrega do cartão ao comerciante, sendo o pagamento efectuado exclusivamente por celular através do serviço “vai daki” ou conta móvel (*124#). O relançamento enquadra-se no conjunto de medidas adoptadas pela instituição bancária para evitar a propagação do novo coronavírus no país.

Absa Bank junta-se à iniciativa “Arte no Quintal” O Absa Bank Moçambique juntou-se ao projecto “Arte no Quintal”, iniciativa lançada pelo Ministério da Cultura e Turismo, para transmitir concertos e programas culturais através da Internet, televisão e rádio, para reduzir o impacto do novo coronavírus no sector cultural. Durante três meses, a partir do dia 16 de Maio, serão apresentados 12 concertos, envolvendo cerca de 150 pessoas entre artistas e técnicos de produção de todo o país. A par do Absa, apoiam a iniciativa a UNESCO, a Tmcel e a Galeria do Porto de Maputo onde irão decorrer as apresentações.

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a revista internacional The Banker, na sua edição de Maio de 2020, distinguiu a operação da Oferta Pública de Venda (OPV) de 4% das acções da Hidroeléctrica de Cahora Bassa (HCB), com o prémio de Deal of the Year 2020 – Equity Winner Africa. Segundo a The Banker, o prémio é o reconhecimento do sucesso nos resultados alcançados com a operação, considerada a maior OPV da história do mercado de capitais no País, tomando em consideração o desafio que foi a sua realização, tanto pela dimensão da operação como pelo facto de a maior parte da população moçambicana não estar bancarizada. É por esta razão que se destaca na publicação, igualmente, “a utilização de canais remotos especialmente desenvolvidos para assegurar o alcance e a inclusão da operação por população de todo o território nacional”, representando uma via usada para garantir mais de um terço do total das subscrições de compra efectuadas. O número de investidores registados na Bolsa de Valores de Moçambique quase triplicou ao passar de menos de 8 mil para aproximadamente 23 mil após a transacção.

A The Banker é uma publicação do Grupo Financial Times que fornece informação de inteligência económica e financeira ao sector financeiro mundial. Opera no mercado desde 1926, apresentando relatórios objectivos e incisivos com informação bancária.

Millennium bim cancela festividades para combater o Covid-19 O Millennium bim cancelou todas as iniciativas de comemoração do seu 25º Aniversário para apoiar o país na luta contra a pandemia do novo coronavírus. Em comunicado, a instituição revela que vai doar os 15 milhões de meticais destinados à comemoração para o apetrechamento do Hospital Central de Maputo, “concretamente para os serviços de medicina e o Bloco Operário, bem como para a compra de equipamento de protecção hospitalar para profissionais de saúde”. O PCA do Millennium bim, Rui Fonseca, considera esta “uma atitude simbólica que reafirma o compromisso do banco com a sociedade moçambicana num momento de adversidade.”

UNECA E STANDARD BANK CRIAM FUNDO PARA APOIAR MULHERES EM ÁFRICA A Comissão Económica das Nações Unidas para África (UNECA) e o Grupo Standard Bank anunciaram a criação de um fundo para impulsionar empresas africanas de gestão de activos, pertencentes e administradas por mulheres em África. O African Women Leadership Fund Initiative (AWLFI) visa angariar até mil milhões de dólares, fundo que dará prioridade a sectores de alto impacto como a manufactura, saúde, energias renováveis e agricultura. www.economiaemercado.co.mz | Maio 2020



mercado e finanças

O Orçamento do Estado em tempos do Covid-19 Tão raro quanto os consensos em relação ao que devia ser a gestão orçamental é encontrar uma reflexão que aponte pelo menos um aspecto que tranquilize o mercado para este ano, defendem os analistas Texto Celso Chambisso • Fotografia D.R

n

este artigo, o Orçamento

do Estado (OE) para o presente ano é analisado sob dois prismas apresentados por duas das instituições nacionais que mais se interessam pela gestão transparente e equilibrada dos recursos públicos, nomeadamente o Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE) e o Centro de Integridade Pública (CIP), uma das mais importantes organizações da sociedade civil moçambicana. Ambas apresentam pontos de reflexão que vale a pena levantar e trazer a debate para ajudar a fazer uma leitura transparente do rumo que a vida das famílias e empresas deve tomar no presente ano, e concluem haver “erros de abordagem”, quer de

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ponto de vista de opções, quer de estratégias “desajustadas” à actual realidade que o país e o mundo atravessam. Mas antes há que lançar um breve olhar aos indicadores que inspiraram os legisladores a aprovarem o OE 2020 nas condições em que se apresenta. Contexto nacional e global O OE recentemente aprovado está orientado para alcançar metas em receitas do Estado de 235,6 mil milhões de meticais, equivalente a 23,1% do PIB: despesa do Estado na ordem de 345,4 mil milhões de meticais (33,9% do PIB) e um défice orçamental na casa dos 109,8 mil milhões de meticais (10,8% do PIB). Estes números suportam previsões de um desempenho interno da economia

que se resume na taxa de crescimento do PIB em 2,2% em comparação com 2019, ano em que o crescimento foi também de 2,2%. Trata-se de um desempenho principalmente suportado pelas actividades de reconstrução pós-ciclones, pela retoma da actividade dos sectores económicos e pela materialização de diversos projectos ligados à indústria de gás natural na Bacia do Rovuma. Outros indicadores importantes apontam para a taxa de inflação média anual de 6,6%: exportações em 4 409,7 milhões de dólares, e Reservas Internacionais Líquidas de 3 276 milhões de dólares, capazes de cobrir 5,8 meses de importação. O OE 2020 é também baseado nas perspectivas de recessão da economia mundial ocasionada pela eclosão do novo cowww.economiaemercado.co.mz | Maio 2020


orçamento do estado

Números do OE e metas macroeconómicas para 2020 Eis os pressupostos mais importantes para a elaboração do documento, muitos dos quais considerados irrealistas por especialistas Em mil milhões de meticais e em % do PIB

Recursos internos

Recursos externos

278,4 (27,3%)

67 (6,6%)

Receitas do Estado

Donativos

19,9 (2%)

235,6 (23,1%) Mais-valias

14,3 (1,4%)

OE 2020

Crédito Interno

28,5 (2,8%)

345,4 33,9%

Créditos

25,9 (2,6%)

66,6 Mt/USD Taxa média do câmbio face ao dólar

2,2% Crescimento do PIB para mais de 1 bilião de meticais

ronavírus, esperando-se uma taxa de crescimento de 3,3% para este ano (contra 2,9% no ano passado) devido ao peso dos países mais afectados (China, Itália, EUA, Alemanha, entre outros) na economia mundial. Quase todos estes pressupostos são alvos de questionamentos e críticas por parte dos analistas. Realidade ignorada? O IESE entende que os efeitos económicos do novo Coronavírus, tão reais quanto fáceis de testemunhar, terão sido ignorados na elaboração do OE. E que, por isso, estamos diante de um documento irrealista. Michael Sambo, pesquisador daquela instituição, explicou à E&M que o OE 2020 se baseou em pressupostos glowww.economiaemercado.co.mz | Maio 2020

5,8 Meses Tempo de cobertura das importações pelas reservas externas

Michael

6,6% Taxa média de inflação prevista

mbo a S

IESE “Até que ponto é que as outras economias poderão dar donativos a Moçambique sendo que elas próprias estão a realizar grandes esforços financeiros para apoiar suas economias?”

bais desactualizados. Para argumentar, esclareceu que as previsões económicas internacionais do FMI, que foram publicadas no World Economic Outlook a 09 de Janeiro de 2020, afinal, continuaram a servir de base para a elaboração do OE, mesmo depois de, até 06 de Abril, terem sido substituídos por novos dados completamente contrários aos iniciais. Ou seja, até Janeiro, por exemplo, a previsão de crescimento do PIB mundial era de 3,3% em 2020, mas já em Abril esta mesma previsão já reflectia uma contracção da economia mundial em 3%, face aos efeitos da pandemia, “mas o OE aprovado em Abril não teve esta sensibilidade e continua a considerar os pressupostos globais de Janeiro”, sublinhou o pesquisador. E os créditos e donativos… de onde virão? O IESE entende que esperar por donativos e crédito externo, numa altura destas, é “demasiado optimista”. E explica: “a pandemia afecta o mundo e, de forma particularmente intensa os parceiros económicos e comerciais de Moçambique, que tiveram e ainda têm de realizar grandes gastos para apoiar as suas empresas e as suas economias a suportarem o confinamento. Assim, o IESE não vê como é que estes países poderão cumprir com a disponibilização de créditos e donativos para os países em desenvolvimento como Moçambique”. Além disso, o país está em desvantagem na corrida pelos recursos externos em relação a outros concorrentes pobres, dado o recente histórico desfavorável relativo à questão das chamadas dívidas ocultas, explicou o economista. Do total das despesas programadas, o Executivo conta com cerca de 20 mil milhões de meticais (2% do PIB) em donativos e quase 26 mil milhões de meticais (2,6% do PIB) em crédito externo. Pouco por colectar — a agravante As receitas correntes do Estado reduziram. Em 2019 estava prevista uma receita de 236,3 mil milhões de meticais (23,1% do PIB daquele ano). Para 2020, esperam-se receitas na ordem de 225,6 mil milhões de meticais, uma queda de 1% do PIB. Mas, considerando esta redução, segundo o IESE, estão mais uma vez subestimados os reais impactos do covid-19 em relação à capacidade de mobilização de receitas. É que muitas empresas reduziram a produção e incorrem em prejuízos ou na redução de lucros, na melhor das hipóteses, e outras tantas até encerraram actividades. “Portanto, embora as receitas fiscais continuem a representar

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mercado e finanças DE ONDE VÊM AS RECEITAS …

… e PARA ONDE VAI O DINHEIRO

O IESE entende que os números qui apresentados são demasiado optimistas, já que a economia tem, agora, menor capacidade de arrecadação fiscal e a ajuda externa pode falhar

O CIP entende que esta distribuição, em tempos de crise, é despesista

Em milhares de milhões de meticais e em % do PIB

Em milhares de milhões de meticais

De capital

Correntes Fiscais

Não fiscais

193,5 19,3%

14,9 1,4%

Despesas do Estado

9,9 0,9%

Funcionamento

228,3 22,8%

Correntes

227,9 22,7%

Despesas com pessoal

124,1 12,4%

345,4 33,9%

225,7 22,1%

Encargos da dívida

37,3 3,7%

Bens e Serviços

1,1 0,1%

Transferências correntes

17,2 1,7% Consignadas

a maior proporção dos recursos em 2020, era importante considerar que estas poderão baixar consideravelmente, mesmo porque há um impacto negativo também do lado do emprego, que tem grande potencial nas arrecadações dos impostos sobre os rendimentos, já que estes devem reduzir”, conclui Michael Sambo. Havia condições para fazer o certo Michael Sambo sugere que os economistas nacionais deviam ter alertado para esta nova realidade, ainda que não tivessem conhecimento da magnitude da recessão económica que se poderia esperar, à semelhança do que se assistiu noutros países que, face à mudança dos pressupostos, induziram, de imediato, à revisão em baixa do crescimento económico. Também entende que havia instrumentos de alerta bastantes para ter elaborado um OE “mais realista”, visto que o Banco Mundial já tinha alertado que a região da África Subsaariana seria um dos pontos do mundo economicamente mais afectados, embora a população não esteja de facto a ser tão afectada pela pandemia, com as estimativas a apontarem para cerca de 23 milhões de pessoas que

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Receitas do Estado

235,6 23,5%

0,4 0,4%

1,1 0,1%

28,6 2,8%

Subsídios

Subsídios

“Para rentabilizar o excesso de liquidez perante um sistema que se tornou altamente especulativo e num contexto de incapacidade financeira do Estado, este cenário poderá aumentar o financiamento da despesa pública” entrarão para a extrema pobreza. Mesmo assim, “há sinais de que os que formularam o documento antes de o levar ao Parlamento já sabiam dos impactos do covid-19 porque ao longo do documento aparecem caixas que vão falando sobre a pandemia, mas, infelizmente, reservam pequenas caixas para admitir, de modo superficial, que o coronavírus, como qualquer outra situação, pode efectivamente trazer algumas nuances, com pequenas certezas e incertezas”, lamentou o pesquisador. Um orçamento opaco… À semelhança do IESE, também o CIP critica a “subestimação dos impactos do covid-19 no OE 2020” e aponta a redução da verba para o sector da Saúde em 5%, como um dos erros mais graves na alocação dos recursos. Mas a sua abordagem vai mais a fundo em relação à transparência do próprio documento, uma dis-

cussão já bastante velha, diga-se, mas que é reavivada graças a uma reflexão recente e mais abrangente: o indicador global de transparência orçamental, instrumento recentemente apresentado ao nível global no qual o país se situa numa posição crítica, apesar da subida, este ano, em apenas um ponto para 42 em 100 possíveis. Trata-se de uma pesquisa bianual que utiliza critérios desenvolvidos pelo FMI, OCDE, Organização Internacional de Instituições de Auditoria Suprema (INTOSAI) e a Global Initiative for Fiscal Transparency (GIFT). Em entrevista à E&M, a economista e pesquisadora do CIP, Celeste Banze, parte da conclusão de que o OE “é pouco transparente e abre espaço para a corrupção, já que boa parte das prioridades do Governo não são detalhadas e orçamentadas de forma clara, podendo até comprometer a confiança do público em relação ao Governo”, para lançar um volume www.economiaemercado.co.mz | Maio 2020


Peso da saúde e agricultura cai

Descentralização vai aumentando

A redução dos recursos alocados à saúde é o aspecto mais criticado pela Sociedade Civil, por entender que vai em contramão com os desafios do covid-19

Em 2009, o poder Central geriu 64,6% do total dos recursos. Este ano, baixou para 57,2%. A crescente descentralização é o único ponto elogiado pelo IESE

Em milhares de milhões de meticais e em % da despesa total

Em milhares de milhões de meticais

educação

56,6 | 23,4% 66,3 | 27,1%

Poder central

139,9 57,2%

Poder local

104,5 42,8%

saúde

27,9 | 27,9% 26,7 | 10,9%

Distrital

Autárquico

60,7 58,1%

4,4 4,2%

agricultura e des. rural

29,1 | 12% 24,8 | 10,2%

2019

2020

39,3 37,7% Provincial

…. Fraca participação pública… No indicador da participação da sociedade no desenho do OE, Moçambique apresenta uma pontuação bastant mowww.economiaemercado.co.mz | Maio 2020

C e l e s te

extenso de recomendações sobre o que deve mudar. De um modo geral, a lista faz menção à inclusão de mais detalhes no documento, como dados sobre benefícios fiscais, activos e passivos do Governo e impacto da variação da taxa de juro no orçamento; publicação, na conta geral do estado, de informação detalhada sobre o stock da dívida pública e apresentação do desempenho relacionado com as acções e alcance de metas definidas no início do ano (publicar atempadamente os relatórios de balanço PES); publicação atempada e melhoramento da abrangência do Relatório e Parecer da Conta Geral do Estado no prazo de 12 meses a partir do exercício fiscal a que se refere ao invés do relatório de auditoria que abarca apenas 3% da despesa total realizada como tem acontecido; publicação online da declaração pré-orçamental (o Cenário Fiscal de Médio Prazo) atempadamente e a produção e publicação da revisão semestral do orçamento.

B

fonte OE 2020

z an

e CIP “É urgente a formalização de um espaço para permitir que a sociedade civil monitore a execução dos recursos para fazer face ao novo Coronavírus”

desta: só 11 dos 100 pontos possíveis. A economista do CIP entende que “no contexto actual do covid-19, seria ideal que se formalizasse um espaço ao nível central que permita a participação do público na monitoria dos fundos canalizados por doadores”. Ao mesmo tempo, o Governo deveria criar mecanismos para que o público e as respectivas entidades partilhem opiniões sobre questões do OE durante a sua formulação, execução e fiscalização. Sugere, ainda, que estes mecanismos sejam apoiados em inovações como orçamentação participativa e auditorias sociais, sendo que “o CIP está aberto para propor as melhores alternativas para melhorar a participação pública” … Pouco fiscalizado… A fiscalização do que é feito com o OE é um dos pontos menos maus, provavelmente devido à pressão que vem sendo exercida pela Sociedadee Civil: são 50 dos 100 pontos possíveis. Aqui, a economista do CIP defende que o poder legislativo realize um debate sobre política orçamental antes da proposta do orçamento ser apresentada, aprove recomendações para o orçamento seguinte; garanta que o Legislativo seja consultado quando o Executivo arrecade uma receita extraordinária, por exemplo, mais-valias. Ou que reduza gastos quando a receita é insuficiente; garanta a disponibilidade de financiamento suficiente para que o Tribunal Administrativo desempenhe as suas funções conforme determinação de uma entidade independente (ex., poder legislativo ou judiciário); e garanta que as auditorias sejam revistas por um órgão independente. … Mas tudo pode mudar Para o CIP, as instituições competentes têm demonstrado interesse em avançar para um orçamento transparente e participativo. “Neste aspecto vale a pena realçar o esforço que a Assembleia da República, sobretudo a Comissão de Plano e Orçamento, tem realizado para melhorar a sua capacidade de fiscalização orçamental e abertura com o público através da constante interacção com as organizações da sociedade civil”, aponta Celeste Banze. Mas o mesmo não se pode dizer em relação ao Tribunal Administrativo (TA). “Tem sido mais resistente em acomodar as propostas da sociedade civil nos seus planos de auditoria. Temos enfrentado dificuldades para interagir com o TA”, lamenta a economista.

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figura do mês

OE dá a ideia de que Covid-19 é um problema à parte Adriano Nuvunga

Presidente do Fórum de Monitoria do Orçamento

o

Texto Celso Chambisso • Fotografia D.R fórum de monitoria do orçamento (fmo) é já bastante conhecido pelo seu carácter crítico à forma como o Orçamento do Estado (OE) vem sendo alocado, por entender que “nunca” foi capaz de proteger os grupos mais vulneráveis da sociedade, além de “não ser suficientemente transparente” para permitir a sua leitura e interpretação”. Este ano, a avaliação das mais de 20 organizações que o compõem concluiu que o coronavírus veio expor ainda mais as “fragilidades” que tem vindo a apontar. Críticas e mais críticas. É o que se espera sempre que se procura o FMO para fazer a leitura do OE. Para começar de maneira diferente, pode apontar os aspectos positivos deste Orçamento? Prefiro olhar para o que salta à vista. A principal questão imprecisa no OE é que, pela primeira vez em 25 anos, é apresentado sem se fazer acompanhar pelo Cenário Fiscal de Médio Prazo (instrumento de planificação e orçamentação que orienta a afectação dos recursos no médio prazo). Mesmo durante a guerra civil (1976 e 1992), o Governo não falhou na preparação de uma estratégia fiscal de médio prazo. E o FMO quer saber como é que isto se explica. O próprio Governo concorda com esta situação, que denota uma grave deterioração na gestão macro fiscal? Isto pode ser a prova da ausência de uma estratégia fiscal numa altura em que o país mais necessita dela. Também significa que os parlamentares têm de aprovar medi-

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das de política fiscal sem serem capazes de ver a direcção que se vai tomar. Sabe-se que o FMO não concorda com a forma como os recursos foram distribuídos, por “não protegerem as camadas mais pobres”. Que pontos concretos dão suporte a esta preocupação? Moçambique é um país com grandes desigualdades e a protecção social é vista como o que pode ajudar na redistribuição da riqueza. Isto não vai ocorrer justamente porque há uma redução de cerca de 7% nominais e 14% em relação ao OE de 2019, um retrocesso que não faz jus ao discurso político, particularmente no sector da saúde, que é um dos sectores-chave, sobretudo nesta altura da pandemia, e que ao longo do tempo foi tendo menos investimento. Veja que mesmo no tempo em que se registou o pico do Investimento Directo Estrangeiro (entre 2012 e 2015 quando Moçambique se destacou ao nível de África),

cv

curriculum vitae

Doutorado em Governação e Democracia na Holanda, Adriano Nuvunga é director do Centro para Democracia e Desenvolvimento (CDD). Também é presidente da assembleia-geral do Centro de Integridade Pública (CIP), instituição de que foi Director de 2012 a 2017. É ainda membro do INCLUDE, Plataforma sobre Políticas de Desenvolvimento Inclusivo do Ministério dos Negócios Estrangeiros da Holanda.

não se investiu na saúde. Este sector é o que regista, em termos nominais, uma quebra de 5% em relação ao ano passado. Como é isto possível numa altura em que o mundo enfrenta a pandemia? Não se compreende! Em termos globais, o orçamento da saúde é de cerca de 7,7%, o que é pouco, estando abaixo da média africana, que é de 10,9%. Mas o Governo, mesmo no quadro do défice de mais de 109 mil milhões de meticais, tem mostrado alguma preocupação com o Coronavírus e garante que vai aplicar parte do apoio externo para minorar o seu impacto… Não está reflectido este cometimento no OE 2020. O Governo não entende que o covid-19 não é uma ‘pragazita do gafanhoto’. É, sim, um desafio da Humanidade que exige uma reorientação do Estado e do Governo. É preciso pensar a acção do Estado e do Governo em função do covid-19. Isto é, pensar educação, saúde, desenvolvimento, protecção social, à luz dos desafios impostos pela pandemia e isto não está a acontecer. O OE dá a ideia de que o covid-19 é um problema à parte, e há outras áreas públicas que funcionam normalmente, casos da agricultura, transportes, hidrocarbonetos... Há falta de compreensão e o OE 2020 reflecte isso mesmo. Como entidade preocupada com a utilização correcta e justa dos recursos públicos, como tem sido a articulação do FMO com as instituições competentes, nomeadamente o Governo e o Parlamento? Somos uma entidade sólida, que tem o seu espaço na governação política e socioeconómica do país. E não há dúvida de que o Governo moçambicano, muito particularmente o Ministério da Economia e Finanças e a Assembleia da República, particularmente a Comissão do Plano e Orçamento, têm articulado bastante bem com o FMO. Obviamente que, de há algum tempo a esta parte, tem havido uma tendência de formalismo apenas, isto é, ‘encontros para a fotografia’, com menos substância, por isso temos queixas relacionadas com a qualidade de diálogo com o FMO. Em relação ao Parlamento, há uma nova liderança nesta legislatura e vamos encetar um encontro, em breve, com a presidente da Assembleia da República, Esperança Bias, para trocarmos impressões sobre como será a nossa colaboração. www.economiaemercado.co.mz | Maio 2020


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D.R


NOVOS ÂNGULOS

As marcas da máscara

d

Pedro Cativelos • Director-Executivo da Media4Development

izem-nos as notícias o mesmo que nos contavam no mês passado. E no anterior. O covid-19 está a ganhar terreno em alguns lugares (EUA e Brasil) onde se torna preocupante a cada dia que passa, e permanece sem causar os mesmos desastrosos efeitos ao nível da mortalidade em outros pontos do mundo (África, Índia e quase todo o hemisfério sul), onde a sua presença é mais moderada ao nível do número de casos e da mortalidade, e na sua relação estatística com os números globais da população. Tem havido, de resto, alguns problemas de números em toda esta pandemia. Apresentam-se, na maioria dos casos, valores absolutos de mortalidade ou de infeccões sem a ponderação da sua correlação com o número da população a que pertencem. É só um dos equívocos a que se tem assistido. Uma outra questão que é facilmente observável, tem que ver com a forma como se apresenta o avolumar de novos casos, sem muitas vezes desse número retirar o total de recuperados. Enquanto escrevo há, de acordo com a OMS, 5,2 milhões de casos e 2,09 milhões de recuperados. Logo, é errado dizer que no mundo há 5, 2 milhões de infectados quando na realidade existem, sim, 3,1, milhões. O que é muito, de mais, ainda assim, mas é diferente. Ao falar com um administrador de um dos maiores bancos nacionais, dizia-me que hoje acreditamos em coisas em que não acreditávamos há dois meses. E é verdade. O que me fez pensar que procurarmos a verdade nos factos é, como nunca antes, um exercício fundamental. Porque nunca como agora, ou pelo menos como há muito tempo não acontece, estivemos tão receptivos a mudar. E para que essa mudança seja, de facto, evolutiva é fundamental saber porquê e para o quê estamos todos a mudar de ideias. Ainda hoje, perto de 75% das infecções e mortalidade provocada pelo novo coronavírus continua a estar registada no hemisfério Norte que está, já ele, numa curva ascendente de recuperação face ao que se viveu nos meses de Março e Abril em países como o Irão, Itália, Espanha, ou Reino Unido. Depois do medo de uma mortandade que chegou a ser anunciada pela OMS, tão precocemente como de forma atabalhoada e sem evidências adequadas à realidade específica de países como os africanos (ou alguns dos asiáticos e sul-americanos), e que, muito felizmente e por mérito

dos governos nacionais (como Moçambique, que tem gerido de forma assinalável e eficiente toda a situação), nunca se chegou a verificar. E alguns países africanos já estão em fase de desconfinamento. Aqui ao lado, o Governo sul-africano, que introduziu um dos bloqueios mais duros do continente, começou a atenuar as restrições, com o Presidente Cyril Ramaphosa a decidir autorizar as empresas a reabrir, os restaurantes a funcionarem e as pessoas a fazerem exercício entre as 06:00 e as 09:00, existindo planos para a abertura das escolas. Apesar de no Quénia e no Gana se ter iniciado o debate sobre os efeitos do lockdown, é na Nigéria que, à imagem da África do Sul, ele já vai adiantado. Com 7 mil casos e 211 mortes (a 22 de Maio) aquela que é, de longe, a nação mais populosa de África havia encerrado fronteiras e proibido os voos internacionais no final de Março. Mas começou agora a atenuar as restrições tendo já iniciado um processo de abertura da sua economia. Para a salvar, bem como aos seus 205 milhões de cidadãos, as lojas e os mercados foram autorizados reabrir parcialmente e, embora as escolas e os locais de culto não o tenham feito, os bloqueios mais duros que ocorreram nas grandes cidades, como Lagos e Abuja, já passaram e a hora é de retoma. Parcial, ainda, pois o país terá de se haver, agora, com a crise dos preços de petróleo, a grande barreira ao desenvolvimento social e económico de uma nação completamente dependente de uma só matéria-prima. E o mesmo acontecerá com outras economias africanas na mesma situação. Ainda na Nigéria, mantém-se obrigatório o uso de máscara e perto de 1 400 pessoas já foram detidas por não as usarem. É a máscara, de resto, e já deu para perceber, uma das marcas que irá ficar de tudo o que estamos a viver. E porque continua a não haver cura à vista, nas últimas semanas, começou a ganhar força uma ideia baseada numa conjectura — se o vírus passar de pandémico a endémico, todos teremos, enfim, de nos habituar a esse tal de novo normal, como acontecera há décadas com o vírus do HIV. Viver com o medo, usar máscara ou não nos tocarmos pode até ser uma ideia, mas não é assim tão nova. E pouco tem de normal, de resto. No entanto, como nos revelou Darwin em 1859, a espécie que somos nós, porque é isso que somos afinal, e tanto como qualquer outra, encaminha-se sempre, e custe o que custar, para a melhor das saídas. A da evolução.

Procurarmos a verdade nos factos é, como nunca antes, um exercício fundamental. Porque nunca como agora, ou pelo menos como há muito tempo não acontece, estivemos tão receptivos a mudar

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ócio

(neg)ócio s.m. do latim negação do ócio

66 É um dos locais para passar a “quarentena” em paz e recato aconselháveis nesta altura, mas tem muito mais para descobnrir

g

e 68 O Shawarma líbanês de Maputo é uma boa opção de refeição que permite encomendar, pegar e levar para casa

67 ‘Casamigos’, a tequila de Clooney que lhe valeu um negócio de mil mihões


Bilene

Lagoa e mar aberto… bilene

Nghunghwa Lodge Contacto +258 844 200 828

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poesia deitada na areia a pouco mais de 180 quilómetros de Maputo, e já na província de Gaza, a poesia deita-se na areia. E ali fica até chegar ao mar. Existe algo de poético na Lagoa do Bilene, ou Lagoa Uembje, o seu verdadeiro nome. Este lugar de fugas rápidas, para quem vive na capital, é, desde há muito tempo, sinónimo de descanso. Por ali a vida anda descalça e comprometida com o sal da água que nos lava os sentidos. A lagoa transparente tem perto de 27 quilómetros de comprimento. É puro deleite para não fazer nada, ou para accionar os músculos num passeio de canoa, prancha de paddle ou de windsurf, se o vento estiver por lá. Mas a lagoa permite mais

ainda. Pode andar e andar, sem deixar de sentir a areia. A grande profundidade, só mesmo lá longe, onde a água ganha o azul mais escuro. Ao redor de tanta água, guardada por casuarinas e palmeiras, existem inúmeros locais para ficar, petiscar ou deliciar-se com uma refeição mais composta. O peixe e o camarão são dali mesmo. Todos os dias chegam frescos às mãos dos chefs para os aprimorar de sabor. Chegar a esta poesia em estado puro é fácil. A partir das províncias acima de Gaza pode viajar de avião até Maputo, depois alugar um carro, ali mesmo no aeroporto. Aconselhamos um 4X4. Depois é seguir pela EN1

para norte da cidade capital. A estrada está em boas condições, só é preciso respeitar escrupulosamente os limites de velocidade. A viagem demora pouco mais de 90 minutos. Depois de passar Manhiça vai encontrar Palmeira. Conta-se que o nome ficou devido a uma gigantesca palmeira que durante anos foi referência para quem por ali viajava. Um dia, um relâmpago levou-a ao chão. Agora, no lugar dela, está uma placa que lhe guarda a memória. Mais à frente, a cerca de 15 quilómetros do destino, está Macia. Nesta vila à beira da estrada, está toda a fruta de Moçambique. Amadurecida calmamente pelo sol, é doce e suculenta. Aqui as mangas, as papaias e as lichias têm outro sabor e deixam-nos na boca um paladar perfumado.

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é tão bom chegar

Para pernoitar tem muito por onde optar. Pode dormir em confortáveis tendas no Villa N’ Banga ou no Nghunghwa Lodge, no fim da lagoa, mas há mais por onde escolher. A vila tem tudo o que precisa. Se gosta de caju natural, doce ou picante, pode comprá-lo ao vendedor que todos os dias vai ao Palmeiras Lodge, ou então encomendá-lo. Já agora, peça também os famosos rissóis que andam na boca de todo o mundo, dizem-nos que não há visitante que lhes resista. Há também artesanato que pode comprar. A maioria das gentes que por aqui vive tem baixa renda e uma ajuda é sempre bem-vinda. Para lá da Lagoa fica a praia e entrar nas ondas só mesmo para bons nadadores. Como não precisa de nadar em tão grandes ondas, pode só passear. Para ir até lá, pode combinar com os pescadores, depois de acertar o preço. São dez minutos até ao banco de areia que separa a lagoa do mar. Depois de apreciar tão grande presente da natureza, é o momento de ver as tartarugas. Para as encontrar é só virar à direita no banco de areia que separa a lagoa do mar, junto ao penhasco, conhecido como Rocha das Tartarugas. O mês ideal para as ver é Fevereiro, mas é frequente aparecerem nos meses seguintes. Mas o melhor desta poesia chega quando o sol flamejante e veloz parte para outros horizontes. O dia apaga-se no céu e milhares de estrelas brilham só para nós. É um planetário a céu aberto, onde se distinguem inúmeras constelações e os planetas mais distantes ficam quase ali. texto Cristina Freire fotografia Mauro Pinto

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Este lugar de fugas rápidas, para quem vive na capital, é desde há muito tempo sinónimo de descanso real ROTEIRO COMO IR

Ideal será um 4X4. Deve seguir pela EN1 até à vila de Bilene. O que fazer

Observar as tartarugas, pesca desportiva e snorkeling. Pode fazer longas caminhadas à beira da Lagoa, que é ideal para crianças já que não tem quase profundidade e a água é sempre morna. À noite é obrigatório observar as estrelas e acender a fogueira, mesmo que estejam 40 graus de temperatura. Faz parte da poesia do local. Onde dormir e Onde comer

O Nghunghwa Lodge (nas imagens) é constituído por casas, com quartos independentes e uma cozinha comum. Tem várias actividades para que mantenha a boa forma física. E a vista é deslumbrante. O preço, em época alta, é de 5 175 meticais por noite/pessoa. O pequeno-almoço está incluído.

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Shawarma Show

Rua Armando Tivane (entre a 24 de Julho e a Sekou Touré) +258 841 002 001

g o shawarma show abriu recentemente as suas portas, bem no centro da cidade de Maputo, e a sua proposta, assente na culinária libanesa, é uma excelente introdução às tradições gastronómicas daquele país. O espaço é amplo, agradável e acolhedor, o atendimento não desmerece e o menu é extenso e variado. A culinária libanesa é uma das mais famosas e populares em todo o mundo. Isso deve-se, em grande parte, ao contexto que marcou a História do Médio Oriente entre os séculos XVI e XX, nomeadamente à influência que os povos mediterrâneos e europeus exerceram na antiga Fenícia, actual Líbano. A miscigenação cultural regional ocorrida nesta época contribuiu para o surgimento de uma gastronomia rica e singular que se difundiu, com grande sucesso, não apenas por todo o Oriente

Shawarma Show mas também pelo Ocidente. Assim, e de forma muito resumida, podemos dizer, a título de exemplo, que dos turcos foram herdados o gosto e o uso do azeite, dos pães, dos vegetais recheados, das frutas secas e da coalhada, e que do período marcado pela presença francesa resultou a adopção de vários pratos franceses. A culinária libanesa é repleta de aromas e temperos, especiarias e ervas, frutas, legumes, conservas,, trigo, lentilhas, açafrão, canela, gergelim, coentro, cebolinho, salsa e hortelã. Num típico almoço ou jantar libanês, seja em casa ou em restaurantes, começa-se sempre pelo tradicional “mezze” (entrada). “Mezze”, apesar do acento francês da palavra, vem da expressão

A culinária libanesa é repleta de aromas, temperos, especiarias, ervas, frutos, verduras e legumes frescos

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delícias libanesas em Maputo árabe “alloumaza”, aquilo que é degustado e saboreado delicadamente com a ponta dos lábios, e consiste em várias porções de conservas e iguarias servidas em pequenos pratos. Ao tradicional “mezze” seguem-se, geralmente, as saladas como a Tabouleh ou a Fattouch. Tanto a Tabouleh como Fattouch são preparadas com tomate, pepino, hortelã e salsinha, porém, na Tabouleh acrescenta-se trigo fino cru, e no Fattouch apenas pequenos pedaços de pão árabe torrados. Outras saladas que importa também experimentar são a Hummus e a Baba Ganoush. A Hummus é feita à base de grão-de-bico, que é cozido e espremido, e leva sumo de limão, alho, sal, tahine (pasta de gergelim) e azeite. Trata-se de um prato que não é só consumido no Líbano mas em todo mun-

do árabe. Já a Baba Ganoush é uma mistura saborosa de puré de beringela com tahine e sumo de limão. Após as saladas vêm os pratos principais. As sanduíches libanesas tornaram-se das mais consumidas em todo o mundo. O exemplo mais conhecido é a Shawarma, que é feita com fatias finas de carne ou frango, que são assados num espeto vertical, e é depois servida dentro de pão árabe, juntamente com pepino em conserva, tomate, cebola, coalhada seca ou pasta de alho. No Shawarma Show é possível experimentar muitas destas delícias. Desde as saladas (Tabouleh, Fattouch, Hummus, Baba Ganoush) até à Shawarma ou, num outro registo, o também muito conhecido Soujouk (salsichas picantes). Há ainda uma variedade de sumos tradicionais a não perder. www.economiaemercado.co.mz | Maio 2020


Tequila só é... tequila se tiver sido produzida com os agaves da região de Jalisco Casamigos Tequila Reposado País México Cor Ouro pálido Sabor Rico e cremoso com notas de caramelo e cacau Teor Alcoólico 40%

Casamigos Tequila Añejo País México Cor Clara, brilhante, âmbar dourado Sabor Macio e sedoso com notas de caramelo e baunilha Teor Alcoólico 40%

José Cuervo Especial País México Cor Dourada Sabor Notas herbáceas de carvalho com final longo e picante Teor Alcoólico 38% www.economiaemercado.co.mz | Maio 2020

Casamigos

A Tequila de George Clooney surpreendeu o mercado não é certamente por acaso que os mexicanos se têm batido, ao longo dos anos, pelo direito à exclusividade do uso da designação da palavra tequila. Reclamam que a tequila genuína, com os seus típicos 40% de teor alcoólico, só é verdadeira se tiver sido feito com os agaves da região de Jalisco, cidade mexicana a 65 quilómetros de Guadalajara. Apesar da variedade de tequilas produzidas, e da existência de famosas marcas de referência, o mercado foi surpreendido, no início de 2013, com uma tequila com características únicas. Designada Casamigos, tinha também uma outra particularidade: um dos seus criadores era o actor norte-americano George Clooney que, com um seu amigo e empresário Rande Gerber, tinham por hábito passar férias juntos no México. Conta Rande Gerber que “os barmen recomendavam tipos diferentes de tequila. Depois de alguns meses, o George virou-se para mim e disse: por que é que nós não fazemos a nossa própria tequila?”. E foi isso que fizeram. Depois de consultarem amigos que viviam na região, a dupla trabalhou com um mestre destilador em Jalisco, no México, para achar o exacto perfil de sabor de que estavam à procura — sem queimar e sem ser pungente. Gerber e Clooney tinham inclinação por uma Reposado — tequila suave, equilibrada, que é envelhecida em barris de carvalho por meses — e foi por aí que iniciaram a sua actividade. A sua primeira opção foi pôr uma mistura de agave 100% Blue Weber cozida lentamente num forno de tijolos e deixada em fermentação por bastante tempo. Na realidade, o processo da fermentação é extra lento, mais do dobro do padrão das convencionais 80 horas de maturação das leveduras. O resultado é uma tequila bastante suave cujo sabor não precisa ser mascarado por sal e limão. A marca começou por lançar dois sabores, o Blanco e o Reposado. A Casamigos Reposado é uma tequila suave, limpa, com notas de caramelo, enquanto a Casamigos Blanco é nítida e clara com toques subtis de baunilha. O sucesso da Casamigos superou todas as expectativas e venceu alguns prémios internacionais. Entre 2016 e 2017, as vendas cresceram 54% e com o valor da marca em alta, Clooney e Gerber venderam a Casamigos à Diageo por mil milhões de dólares, num negócio daqueles que provocam ressaca no dia seguinte.

Casamigos Tequila Blanco País

México COR

Nítida e clara SaBOR

Citrinos, baunilha e agave doce Teor alcoólico

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The Villager

THE VILLAGER, A CULTURA o ex-ceo da insight publicis nigeria, uma das maiores agências do continente africano, o autor, graças ao cargo que ocupou ao longo de uma década, esteve, ao longo dos últimos anos, numa posição privilegiada não apenas em termos de compreender as características específicas do “consumidor” africano contemporâneo, mas também de perceber como as grandes marcas internacionais continuam, na sua maioria, incapazes de estabelecer uma relação genuína com os con-

AFRICANA E O MERCADO GLOBAL sumidores do continente. No livro, Feyi Olubodun, sublinha, em especial, a necessidade das marcas africanas partirem do contexto cultural em que se inserem para criarem narrativas (“storytelling”) inovadoras e, simultaneamente, atractivas que lhes permitam posicionar-se no mercado global. Esta aposta é, de acordo com o autor, a única que pode garantir às marcas um futuro neste mercado global tendo

Não existem muitos livros como “The Villager: How Africans Consume Brands”, de Feyi Olubodun www.economiaemercado.co.mz | Maio 2020

sobretudo em atenção que este futuro continuará a ser, inevitavelmente, marcado pela dinâmica da globalização e pela comunicação digital. Numa conferência em que participou, em Cape Town (África do Sul) no início deste mês, Feyi Olubodun sublinhou, com particular ênfase, que há um imperativo em desenvolver modelos sofisticados de comunicação, mas que isso não significa adoptar o “modelo ocidental” pois o continente possui uma cultura suficientemente rica para, a partir dela, construir a sua própria linguagem criativa.

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FLIT 16

Com 250Wh pesa cerca de 14kg com a sua bateria. Foi concebida para dobrar com uma única alavanca Preço 2 000

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FLIT-16, Uma Bicicleta Eléctrica com design inovador Desenhada por Dave Henderson,a FLIT-16 Folding Electric Bike não é “apenas” mais uma bicicleta eléctrica a juntar aos muitos modelos que actualmente procuram posicionar-se num mercado que está, em definitivo, a voltar-se para as energias limpas. Especialmente durante a pandemia onde a bicicleta voltou a ganhar lugar de destaque nas nossas rotinas. Com efeito, para além do seu design elegante, ágil e minimalista, o que faz a diferença na Flit-16 é o facto de se poder “dobrá-la” de modo a permitir um uso fácil e cómodo. Dave Henderson, um engenheiro que trabalhara anteriormente na indústria automóvel, juntou-se ao designer David Turpin para conceber a Flit-16 cujo projecto passou por uma campanha de an-

gariação de fundos na plataforma Kickstarter.

“A nossa visão era fazer uma bicicleta eléctrica dobrável que se sentisse bem a andar, mantendo ao mesmo tempo a comodidade de uma bicicleta compacta de transporte pendular”, diz Henderson. “Usando a minha formação como engenheiro automóvel, concentrei-me na geometria da e-bike para dar uma condução confortável e reactiva, perfeita para viagens pela cidade”. A Flit-16 pesa cerca de 14 kg com a sua bateria. Foi concebida para dobrar rapidamente, com uma única alavanca na haste dobrando as barras para baixo, enquanto a secção traseira da bicicleta se dobra por baixo do quadro e as malhas com a lâmina do

O No coração do Flit-16 e-bike está uma bateria de 250Wh totalmente fechada

garfo. O Flit diz que deve demorar cerca de dez segundos a dobrar. Quando a traseira da bicicleta é estendida, há uma inserção de elastómero para a suspensão. É protegido por uma série de anéis metálicos que também ajudam na dissipação de calor. Além disso, existe um conjunto de mordentes em aço inoxidável que “acasalam” entre si, para uma maior durabilidade, e que podem ser substituídos se se desgastarem. No coração do Flit-16 e-bike está uma bateria de 250Wh totalmente fechada, que se encontra dentro do tubo da estrutura. É amovível através da parte de trás do quadro para carregamento. É emparelhado com um motor de 220 watts no cubo traseiro e uma transmissão de velocidade única, que passa por um tensor de corrente para ajudar a manter a corrente no lugar quando se dobra a moto.

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