ENTREVISTA MATEUS MAGALA EXPLICA COMO O BAD CONTRIBUI PARA APOIAR MOÇAMBIQUE INOVAÇÃO HEALTH-TECH REVOLUCIONAM SECTOR DA SAÚDE EM ÁFRICA LÁ FORA A FORMA POLÉMICA COMO A TANZÂNIA REAGE AO COVID-19
Há méritos na forma como se está a conceber o futuro Fundo Soberano, mas aspectos há que denunciam riscos de falhanço. O debate está aberto Edição Fevereiro | Março 2021 15/02 a 15/03 • Ano 04 • NO 34 Preço 250 MZN
MOÇAMBIQUE
ESPECIAL CARVÃO VALE DESINVESTE MAS GARANTE OPERAÇÕES NAS MINAS EM TETE
SUMÁRIO 6
OBSERVAÇÃO
Covid-19 O mundo está cada vez mais atento à vacina de dose única desenvolvida pela Johnson & Johnson
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RADAR
Panorama Economia, Banca, Finanças, Infra-estruturas, Investimento, País
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ESPECIAL CARVÃO
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58 Escape À descoberta do fascinante monte Mabu, na Zambézia 60 Gourmet Como a indústria de restaurantes se está a reinventar perante a pandemia 61 Adega Conheça os factores que determinm a qualidade dos vinhos 63 Arte O segredo por detrás da arte de transferir retratos para o papel 64 Ao volante A Sony promete lançar, em breve, o seu primeiro veículo, o Vision-S.
Vale O cenário em tormo do desinvestimento da Vale no País. O que vai acontecer na indústria do carvão?
20 NAÇÃO FUNDO SOBERANO 20 À espera dos dólares Especialistas e autoridades buscam consensos sobre o melhor modelo a seguir 28 Entrevista Jamal Omar garante que o País está no caminho certo para assegurar boa governação do Fundo 32 Bons e maus exemplos A experiência dos países que alcançaram a propsteridade e dos caíram na “maldição”
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MERCADO E FINANÇAS
Infra-estruturas O vice-presidente do BAD, Mateus Magala, fala dos mecanismos de financiamento aos PALOP em 2021
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ESPECIAL INOVAÇÃO
Tecnologia As grandes tendências da Inovação em Moçambique, no continente africano e no mundo
www.economiaemercado.co.mz | Julho 2020
54 LÁ FORA Tanzânia Cresce pressão interna e externa contra a falta de medidas de combate à covid-19, apoiada pelo Presidente Magufuli
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EDITORIAL
Pontos nos ′is‛ a respeito do Fundo Soberano
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Celso Chambisso • Editor da Economia & Mercado oçambique está a avançar em busca dos melhores ′ingredientes‛ para criar um Fundo Soberano. O debate já leva vários anos, tendo ganho força em 2011, inspirado pelos avultados investimentos da mineradora Vale na exploração do carvão de Moatize, e que se viria a substanciar mais tarde com a entrada das gigantes petrolíferas mundiais nos activos de Oil & Gas da Bacia do Rovuma. Hoje, o processo procura chegar à fase de concepção encabeçado pelo Banco Central, instituição que em Outubro do ano passado anunciou o início da auscultação pública sobre a proposta do modelo que se pretende adoptar. Os consensos, obviamente, nunca poderão satisfazer a todos os 30 milhões de moçambicanos donos do futuro Fundo Soberano e, portanto, com direito à palavra sobre como querem que os recursos sejam aplicados. E a oportunidade criada pela auscultação pública tem denunciado um elevado grau de divergência de ideias que, por sua vez, faz crescer a pressão sobre quem tem de tomar decisões. É este o tema de fundo aqui abordado, caro leitor. Ao debate é chamada a visão de diversas fontes, como que a repetir o exercício da auscultação pública, mas com o intuito de alargar a abordagem deste assunto que a todos interessa. O Banco Central procura esclarecer questões específicas, algumas das quais alvos de críticas por parte das organizações da Sociedade Civil. Como forma de ampliar ainda mais o espaço de discussão, juntam-se artigos de opinião de entidades entendidas nesta matéria, tudo para colocar os pontos nos ′is‛ acerca do futuro Fundo Soberano, fórmula para contornar os erros que foram cometidos por certos países quando traçaram o seu percurso, e buscar o que de bom os outros países fizeram. Nesta edição, a E&M também traz notas importantes sobre o já anunciado desinvestimento da Vale em Moçambique, questão que aflige a todos, porquanto o carvão constitui a principal mercadoria de exportação e importante fonte de divisas. Uma análise suportada por num conjunto de dados permite visualizar a essência da decisão da Vale, em meio a críticas que vão sendo publicadas a darem conta do que se poderia entender como “desonestidade” ou “ingratidão”, por parte da mineradora brasileira. Recentemente, o Banco Africano de Desenvolvimento (BAD) anunciou um pacote de financiamento a projectos de infra-estruturas nos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP), cujo processo está mais avançado em Angola e Moçambique, podendo ter lugar ao longo deste ano. De Abidjan, capital da Costa do Marfim onde está sediado o BAD, o vice-presidente daquela instituição, o moçambicano Mateus Magala, esclareceu à E&M todos os mecanismos em torno dos desembolsos, no quadro de um programa que tem Portugal como principal contribuinte.
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MÊS ANO • Nº 01 FEVEREIRO 2021 • Nº 34 propriedade Executive Mocambique DIRECTOR EXECUTIVO Pedro Liquatis nienis doluptae velit etCativelos magnis pedro.cativelos@media4development.com enis necatin nam fuga. Henet exceatem EDITOR EXECUTIVO Celso Chambisso seque cus, sum nis nam iu Qui te nullant JORNALISTAS, Cristina Elmano adis destiosse iusci re in Freire, prae voles Madaíl, Ricardo David sant laborendae nihilibLopes, usciusRogério sinusam Macambize, Trindade, Yana de Almeida rehentius eosRui resti dolumqui dolorep PAGINAÇÃO José Mundundo reprem vendipid que ea et eumque non FOTOGRAFIA Mariano Silva nonsent qui officiasi REVISÃO Manuela Rodrigues dos Santos lorem ipsum Executive Mocambique ÁREA COMERCIAL Nádia Pene Liquatis nienis doluptae velit et magnis nadia.pene@media4development.com enis necatin nam fuga. Henet exceatem CONSELHO CONSULTIVO seque cus, sum nis nam iu Qui te nullant Alda destiosse Salomão, Andreia Narigão, António adis iusci re in prae voles Souto; Bernardo Aparício, Denise Branco, sant laborendae nihilib uscius sinusam Fabrícia deeos Almeida Henriques, Frederico rehentius resti dolumqui dolorep Silva, Hermano Ali Aiuba, reprem vendipidJuvane, que eaIacumba et eumque non João Gomes, Narciso Matos, Rogério Samo nonsent qui officiasi Gudo, ipsum Salim Cripton Sérgio Nicolini lorem LiquatisValá, nienis doluptae ADMINISTRAÇÃO, REDACÇÃO velit et magnis enis necatin nam fuga. E PUBLICIDADE Media4Development Henet exceatem seque cus, sum nis nam Rua Ângelo Azarias nº iusci 311 A re —in iu Qui te nullant adisChichava destiosse Sommerschield, Maputo – Moçambique; prae voles sant laborendae nihilib uscius marketing@media4development.com sinusam rehentius eos resti dolumqui IMPRESSÃO E ACABAMENTO dolorep reprem vendipid que ea et Minerva Print - Maputoqui - Moçambique eumque non nonsent officiasi TIRAGEM 4 500Liquatis exemplares lorem ipsum nienis doluptae PROPRIEDADE DOnecatin REGISTO velit et magnis enis nam fuga. Executive Moçambique Henet exceatem seque cus, sum nis nam EXPLORAÇÃO E iusci re in iu Qui te nullantEDITORIAL adis destiosse COMERCIAL EM MOÇAMBIQUE prae voles sant laborendae nihilib uscius Media4Development sinusam rehentius eos resti dolumqui NÚMERO DE REGISTO dolorep reprem vendipid que ea et 01/GABINFO-DEPC/2018 eumque non nonsent qui officiasi lorem ipsum Liquatis nienis doluptae velit et magnis enis necatin nam fuga. Henet exceatem seque cus, sum nis nam iu Qui te nullant adis destiosse iusci re in prae voles sant laborendae nihilib uscius sinusam rehentius eos resti dolumqui dolorep reprem vendipid que ea et eumque non nonsent qui officiasi
www.economiaemercado.co.mz | Abril 2019
OBSERVAÇÃO
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www.economiaemercado.co.mz | Fevereiro 2021
BÉLGICA, 2021
VACINA DE DOSE ÚNICA JÁ AGITA O MUNDO Uma vacina de dose única contra o novo coronavírus desenvolvida pela farmacêutica belga Janssen, detida pela gigante Johnson & Johnson, apresentou uma eficácia de 66%, segundo anúncio feito a 29 de Janeiro passado. Até agora, as vacinas disponíveis devem ser administradas em duas doses para fortalecerem a possibilidade de imunização, o que torna a versão da Johnson & Johnson mais fácil de implementar do que as versões que exigem duas doses. Esse ponto tem sido celebrado por especialistas em saúde pública de todo o mundo, uma vez que se torna mais fácil proteger grandes
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quantidades de pessoas em menos tempo, já que deixa de ser necessária a segunda imunização. Mas, mais do que isso, a vacina da farmacêutica Janssen tem a vantagem de poder ser guardada numa geleira comum, enquanto as outras precisam de armazenamento superfrio, o que reduz custos de logística inerentes à sua aquisição, que podem pesar ainda mais em países pobres.De acordo com a BBC, o Reino Unido já encomendou 30 milhões de doses da vacina Janssen. O Brasil já fala da intenção de comprar 38 milhões de doses a partir do segundo trimestre. A meta do fabricante é produzir mil milhões de doses ainda neste ano.
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RADAR PIB REGISTOU A PRIMEIRA RECESSÃO EM DÉCADAS AO CAIR 1,28%
O Produto Interno Bruto (PIB) apresentou um crescimento negativo no ano passado, o que não acontecia desde a guerra civil dos 16 anos, que terminou em 1992. Dados recentemente divulgados pelo INE apontam para uma queda do PIB na ordem de 1,28%, reflectindo o impacto da pandemia do covid-19. “O PIB a preços de mercado apresentou uma variação de -2,37% no quarto trimestre de 2020 comparado ao mesmo período do ano anterior e, em termos acumulados, dos quatro trimestres de 2020, situou-se em -1,28%”, lê-se no documento. Só o primeiro trimestre de 2020 registou crescimento relativamente ao mesmo período do ano anterior, uma subida de 1,68%. Mas a seguir caiu, sobretudo devido às restrições à actividade impostas para conter a pandemia, com reflexo no abrandamento da actividade económica. O segundo trimestre registou a pior queda (-3,23%), no terceiro trimestre o PIB voltou a descer, embora de forma menos acentuada (-1,09%), e o quarto trimestre voltou a acentuar o abrandamento económico (-2,37%). “O desempenho negativo da actividade económica no quarto trimestre de 2020, comparado com igual período de 2019, é atribuído, em primeiro lugar, ao sector terciário, que decresceu em 4,06%, com maior destaque para o ramo de hotelaria e restauração”, acrescenta o boletim. Não obstante “o desempenho positivo dos ramos da agricultura e da pesca”, a queda de 13,1% da actividade mineira coloca o sector primário como o segundo maior responsável pela queda do quarto trimestre.
ECONOMIA Inflação. A consultora NKC African Economics subiu a previsão de inflação média para este ano em Moçambique, estimando uma subi-
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da dos preços na ordem dos 5,5%, uma revisão explicada pelas condições económicas adversas que o País enfrenta. “Apesar da fraca procura interna ter o poder de conter a inflação este ano, o índice de preços do consumidor vai enfrentar
uma pressão ascendente devido à fraqueza da moeda, aumento dos preços do petróleo e perturbações na cadeia de distribuição”, escrevem os analistas da filial africana da Oxford Economics. “Vamos ajustar a nossa previsão de inflação para reflectir a média de 5,5% face aos 4,2% anteriormente previstos, que comparam com os 3,1% registados em 2020”, lê-se no comentário enviado aos clientes. Finanças. O Gabinete Central de Combate à Corrupção (GCCC) de Moçambique revela que, só em 2020, a corrupção resultou no desvio de quase 17 milhões de dólares do Orçamento de Estado para benefícios próprios dos gestores públicos e critica o que considera ser “falta de mobilização da sociedade contra este fenómeno”. “O custo da corrupção continua violento na Administração Pública e o seu impacto atinge directamente os cidadãos”, afirmou Estêvão Manjate, porta-voz do gabinete. A Função Pública, incluindo os sectores da saúde, educação, alfândegas, registos e notariados, entre outros, é tida como a mais crítica, devido a uma maior procura de serviços pelos utentes.
Agro-negócio. A liberalização da exportação da castanha bruta pode estar a prejudicar a competitividade das indústrias de processamento em Moçambique. Esta é uma situação que terá concorrido para a decisão anunciada há dias pela multinacional do
ramo agro-pecuário Olam, de desinvestir no processamento da castanha no País. A companhia considera que a liberalização da exportação da castanha bruta colocou as suas empresas numa situação de concorrência desleal, o que tornou pouco sustentável a continuidade do negócio em Moçambique. Num encontro virtual com a Confederação das Associações Económicas de Moçambique (CTA), a Olam apontou como principais razões para o encerramento das fábricas de castanha de caju a transformação do mercado global, que passou a influenciar negativamente a exportação da castanha processada em Moçambique, que colocava 30% da sua produção na Índia e Vietname. Transportes. Com a redução da oferta de produtos e serviços devido aos efeitos da pandemia do covid-19, associada à contínua subida da taxa de inflação e consequente desvalorização do metical face ao dólar, os transportadores de carga portuária vêem os seus rendimentos a reduzirem. Segundo a Associação dos Transportadores do Porto de Maputo (ATPM), o volume de carga que sai do Porto reduziu em pouco mais de 50%. Oliveira Massango, em representação do presidente da ATPM, disse que o trabalho de transporte de carga ficou comprometido com a redução do volume de exportações e de importações.. Agricultura. Os regadios do baixo Limpopo e de Chókwè devem apostar na segunda época agrícola para recuperar os estragos causados pelas inundações provocadas pelo transbordo do rio Limpopo e pelas chuvas que assolam a província de Gaza nas últimas semanas. Este é o plano do Conselho Executivo Provincial para www.economiaemercado.co.mz | Fevereiro 2021
reduzir o impacto da insegurança alimentar que poderá afectar a província nos próximos três meses. A informação foi avançada pelos presidentes dos conselhos de administração dos dois regadios, por ocasião da II sessão ordinária do Conselho Executivo Provincial, alargada aos quadros de algumas empresas públicas da província. Segundo o presidente do Conselho de Administração do regadio de Chókwè, Soares Xerinda, as inundações provocaram a destruição de cerca de 1000 hectares controlados pelo regadio.
Energias renováveis. Uma delegação da União Europeia (UE) e a Embaixada da Alemanha anunciou, recentemente, um pacote de financiamento para apoiar Pequenas e Médias Empresas do sector energético em Moçambique, afectadas pela pandemia do novo coronavírus. O apoio será feito através do Fundo de Acesso Sustentável às Energias Renováveis (FAZER), para o qual a UE canalizou cinco milhões de euros e o governo alemão 500 mil euros. O financiamento, denominado CovidPlus, visa aliviar o impacto da pandemia nas Pequenas e Médias Empresas.
EXTRACTIVAS Conteúdo local. A petrolífera sul-africana Sasol anunciou a disponibilização de um leque de oportunidades que podem ser aproveitadas pewww.economiaemercado.co.mz | Fevereiro 2021
lo empresariado nacional, que incluem diversas categorias de bens e serviços. Esta acção decorre da aprovação do Plano de Conteúdo Local pelo Governo, em Novembro de 2020. O plano, ora lançado, estabelece mecanismos estratégicos que visam melhorar o acesso das empresas moçambicanas às oportunidades de negócio nos projectos da Sasol, baseados em cinco pilares principais. Entre os referidos pilares destacam-se as Aquisições Locais, visando aumentar os gastos com os bens e serviços fornecidos pelas empresas nacionais através da implementação de um procedimento preferencial de aquisições; Programa de Desenvolvimento de Empresas e Fornecedores, visando capacitar e preparar as pequenas e médias empresas locais em áreas-chave e aumentar o acesso às oportunidades de negócio na SASOL e noutras empresas. Gás natural. O projecto de gás natural da Área 1, na bacia do Rovuma, província de Cabo Delgado, e o Banco Africano de Desenvolvimento (BAD) ganharam o prémio de Negócio Multilateral Global do Ano, atribuído pela revista Project Finance International (PFI). “O projecto, o maior Investimento Directo Estrangeiro (IDE) em África, com um valor de mais de 24 mil milhões de dólares vai explorar as imensas reservas de gás natural, podendo potencialmente transformar os mercados globais de energia”, lê-se no comunicado do BAD que anuncia o prémio. O BAD comprometeu-se, em Julho do ano passado, em desembolsar 400 milhões de dólares, juntando-se a um conjunto de bancos comerciais e agências de crédito à exportação que financiam o projecto liderado pela petrolífera francesa Total.
OPINIÃO
Lei das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras: Algumas Considerações
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Paula Duarte Rocha • HRA Advogados dministradores não executivos, sistema de governação e titulares de funções essenciai, A nova Lei que regula as Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (a “Lei”) – Lei n.º 20/2020, de 31 de Dezembro, que revoga as Leis n.º 15/99, de 1 de Novembro, e n.º 9/2004, de 21 de Julho – entra em vigor no próximo mês de Março, e vem estabelecer o prazo de 90 dias para a adequação à mesma pelas instituições de crédito e sociedades financeiras abrangidas, nomeadamente bancos, microbancos e cooperativas de crédito em funcionamento. Novos termos, como “administrador-delegado”, “administradores não executivos” e “sistema de governação” – tão conhecido como o corporate governance – foram especificamente introduzidos nesta Lei, indicando uma tendência do legislador para aproximar a linguagem da Lei à “realidade bancária moçambicana”. Outros termos parecem querer indicar uma maior burocracia e maior acumulado de requisitos e responsabilização para “as pessoas” que exercem as suas actividades no âmbito da legislação que regula as Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras; e, claro, com um reforço dos poderes do Regulador – o Banco de Moçambique. Vejamos: no que respeita à gestão das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (“ICSF”), a introdução e referência nesta Lei à figura do administrador-delegado não levanta dúvidas, sendo de fácil percepção e enquadramento no âmbito das disposições do Código Comercial – Artigos 432.4 e 435.2. Ou seja, o Conselho de Administração encarrega um determinado administrador (ou alguns administradores, no caso da Comissão Executiva) de certas matérias da administração da sociedade, sem que com isso fique excluído das suas competências e responsabilidades. Este alinhamento com a lei comercial, porém, já não se verifica no que respeita aos administradores não executivos introduzidos por Lei; i.e. membros não executivos que integram a composição do Conselho de Administração (ou órgão equiparado), conforme estabelecido no Artigo 14 da Lei.
Ora, a Lei refere logo no seu Artigo 12, como um dos requisitos para a constituição das ICSF, a adopção da forma de sociedade anónima (com excepção das cooperativas de crédito que adoptam a forma prevista em legislação própria, e cujos requisitos prescindimos de analisar, por ora), sendo que no nosso ordenamento jurídico as sociedades anónimas são reguladas pela lei comercial (cfr. Artigos 1 e 2 do Código Comercial). No contexto das sociedades anónimas, o Artigo 418 do Código Comercial regula a composição do Conselho de Administração destas sociedades, porém sem qualquer referência ou distinção entre administradores executivos e não executivos. Tendo por base um conhecimento geral dos poderes da Administração de qualquer sociedade comercial e, em paralelo, verificando as competências do Conselho de Administração das sociedades anónimas elencadas no Artigo 431 do Código Comercial, apresenta-se-nos difícil a concretização das competências dos administradores não executivos de uma ICSF conforme agora previstos na Lei, sem um claro suporte legislativo do elencar das suas competências. Não deixa de ser relevante o disposto no Artigo 29.5 da Lei, que estabelece que “os membros (…) do órgão de administração que não exerçam funções executivas devem possuir as competências e qualificações que lhes permitam efectuar uma avaliação crítica das decisões tomadas pelo órgão de administração e fiscalizar eficazmente a função deste”; o que parece querer indicar, por um lado, uma clara independência destes membros não executivos e, ao mesmo tempo, um papel fiscalizador; mas também uma responsabilização sobre a gestão das ICSF, que vai obrigar a que estes administradores estejam regularmente ao corrente da vida da sociedade. A aprovação, implementação e aplicação de eficazes sistemas de governação para cada ICSF, que garantam uma gestão eficaz e prudente, incluindo a separação de funções no seio da organização, passa, portanto, a revestir-se de fundamental relevância no contexto desta Lei. Assim é que (em conformidade com as disposições conjugadas dos Artigos 17 e 106 da Lei)
“Verificando as competências do Conselho de Administração das sociedades anónimas... apresenta-se-nos difícil a concretização das competências dos administradores não executivos”
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O Banco Central, enquanto regulador do sistema financeiro, tem a responsabilidade de colher informação sobre o sistema de governação das ICSF
passam as ICSF a ter o dever de prestar informação ao Banco de Moçambique sobre o sistema de governação – que deve incluir uma estrutura organizativa clara, com linhas de responsabilidade definidas, transparentes e coerentes – em linha com o conteúdo mínimo que virá a ser definido (por Aviso) pelo Banco de Moçambique. Revendo as questões que a Lei deixa em aberto no que aos administradores não executivos diz respeito, é de todo relevante realçar o papel ora atribuído na Lei aos órgãos de administração e de fiscalização das ICSF no que respeita à organização e definição do sistema de governação, assegurando a regulamentação interna da respectiva estrutura organizativa, incluindo o papel e competências dos agora previstos administradores não executivos. Mas a questão da responsabilidade permanecerá ainda assim aberta, porquanto os administradores não executivos não deixam de ser administradores da sociedade no âmbito da lei comercial, respondendo, portanto, solidariamente, perante a sociedade pelos danos que lhe causarem por actos ou omissões praticados (com preterição dos deveres legais ou estatutários), salvo se provarem que agiram sem culpa, conforme disposto no Artigo 160 do Código Comercial. A Lei traz também como novidade a referência a titulares de funções essenciais, que abrange os cargos cujos titulares, não pertencendo aos órgãos de administração ou fiscalização, exerçam funções que lhes confiram influência significativa na gestão, nomeadamente e, pelo menos, os responsáveis pelas áreas de compliance, auditoria interna, controlo e gestão de riscos, conforme estabelecido no Artigo 15 da Lei. Ora, diz a letra da Lei que as ICSF devem identificar estes, sem, contudo, fazer referência ao “como”, ao “quando” e “em que moldes” deverá ser feita esta identificação. Entretanto, a referência aos responsáveis por estas funções parece querer indicar que as pessoas que exercem estas funções (normalmente directores) passam a estar, a par dos membros dos órgãos sociais das ICSF, sujeitas ao escrutínio do Banco de Moçambique. www.economiaemercado.co.mz | Fevereiro 2021
E este entendimento encontra suporte na redacção do Artigo 26.6 da Lei [que sujeita a avaliação o exercício do cargo de membro do órgão de administração e de fiscalização das ICSF, em sede do processo de registo especial e no decurso do mandato (para assegurar a respectiva adequação)] que “é extensivo, com as necessárias adaptações, aos titulares de outros órgãos não obrigatórios criados pela instituição (ICSF) à luz dos seus estatutos, bem como aos titulares de funções essenciais, nos termos definidos pelo Banco de Moçambique”. É de realçar que o Artigo 32 trata da falta de adequação superveniente no que respeita, essencialmente, aos requisitos de idoneidade, qualificação profissional, independência ou disponibilidade (dos membros dos órgãos sociais), verificados ou constatados após a efectivação do registo especial. Como enquadrar então neste artigo esta referência aos responsáveis pelas áreas de compliance, auditoria interna, controlo e gestão de riscos? Quis o legislador sujeitar ao registo especial também os responsáveis (para já) pelas áreas de compliance, auditoria interna, controlo e gestão de riscos? Note-se que o registo especial de membros de órgãos sociais pode ser cancelado se, posteriormente, vier a concluir-se não estarem satisfeitos os requisitos de idoneidade e qualificação profissional. Admitindo, por hipótese, o paralelismo e o registo especial dos titulares de funções essenciais, em que medida é que estas disposições da Lei não trarão a lume questões laborais? São, pois, mais questões em aberto no âmbito desta Lei. Por último, a Lei passa, também, a regulamentar de forma mais profunda a questão da qualificação profissional dos membros dos órgãos de administração e fiscalização das ICSF, relevando de ora em diante não só as habilitações académicas, mas também a formação especializada apropriada ao cargo a exercer e a experiência profissional, sendo esta última presumida quando a pessoa em causa tenha anteriormente exercido funções no domínio financeiro, com reconhecida competência em matéria económica, jurídica ou de gestão.
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ESPECIAL
A VALE VAI EMBORA! E O CARVÃO FICA? Moçambique ainda vai ter de aguardar vários meses para saber o que vai suceder nesta história com altos e baixos, cujo desfecho é justificado com uma nova meta: neutralidade carbónica, em que o carvão é o mau da fita Texto Luís Fonseca * Serviço especial da Lusa para a Economia & Mercado • Fotografia D.R.
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carvão é o principal produto de exportação de Moçambique. Lidera a lista com uma receita de 1,2 mil milhões de dólares anuais, seguindo-se as barras e perfis de alumínio e a energia eléctrica - números do anuário do Instituto Nacional de Estatística (INE) de 2019, o último a ser publicado. O carvão que sai de Moçambique alimenta centrais eléctricas e fornos de siderurgias, sobretudo na Ásia. A importância na balança comercial é uma das razões para o País ficar em alerta à principal mineradora de carvão, que agora anuncia que se vai embora. Mas há outras razões: ao cabo de 10 anos emprega cerca de 8000 pessoas, perto de 3000 trabalhadores próprios e os restantes subcontratados. A empresa diz mesmo que mantém,
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“actualmente, 13 mil empregos directos e indirectos e 101 fornecedores locais, que representam 73% do total” a que recorre. A grandeza dos valores deixa claro que muito do tecido empresarial da região de Tete está entrelaçado com o negócio do carvão e seus subcomponentes. As implicações ramificam-se pelos balanços financeiros de privados e cofres do Estado, que beneficiam dos impostos e outras rendas pagas pela multinacional brasileira. É por isso que muitas pessoas e empresas querem perceber o que se passa e saber o que vai acontecer à mina de Moatize e ao corredor ferroviário de quase mil quilómetros que escoa a produção para o porto de Nacala. A saída do negócio do carvão – e, por consequência, a saída de Moçambique – estava a ser preparada e foi tornada pública pela Vale a 21 de janei-
ro. “A decisão está alinhada com a disciplina na alocação de capital, na simplificação do portefólio da companhia e reforça os seus compromissos com o Acordo de Paris e com a intenção de se tornar líder na mineração de baixo carbono”. O anúncio surgiu a propósito da divulgação de um “princípio de entendimento” assinado um dia antes da saída da Mitsui, parceira japonesa. Um acordo que representa “o primeiro passo para o desinvestimento da Vale no negócio de carvão”. A Vale explicou que seguir-se-ão “a simplificação do negócio e gestão de activos” para vender a operação. Garantiu que o “desinvestimento” vai preservar “a operação da mina de Moatize e do Corredor Logístico do Norte”, através da procura de um interessado. A agência Reuters já escreveu que os bancos de investimento Barclays e Standard www.economiaemercado.co.mz | Fevereiro 2021
CARVÃO Lembre-se que o segmento de carvão da Vale compreende a extracção do produto e serviços de logística relacionados, desde 2011. A concessão pelo Estado moçambicano termina em 2032, podendo ser prorrogada por um período adicional de 25 anos, sujeita à aprovação do Governo de Moçambique. Apesar do clima, o carvão está em alta A Vale justifica a saída do negócio do carvão com o objectivo de ser neutra ao nível das emissões de carbono até 2050 e reduzir algumas das suas principais fontes de poluição daquele tipo até 2030. Ou seja, segue o caminho de outras empresas (do sector mineiro e não só) que se querem libertar de tudo o que implique uma maior pegada ambiental – pegada que, em cada vez mais países, implica também pagar mais impostos. A pressão cresce. Os acordos internacionais para redução de emissões nunca foram cumpridos e os cientistas alertam: o aquecimento do planeta ultrapassou um ponto de não retorno. Já não basta lutar pelo fim da queima de combustíveis fósseis com metas mais ambiciosas. A partir de agora é inevitável gerir os desastres, que incluem a subida
fim à vista. “Há poucos sinais de que o consumo mundial de carvão venha a diminuir substancialmente nos próximos anos, com o aumento da demanda nalgumas economias asiáticas a compensar o declínio noutros lugares”, refere o relatório da AIE. O carvão até ganhou um impulso em Janeiro, com os valores futuros a voltarem ao nível dos 88 dólares – perto do valor mais alto desde Maio de 2019 – devido à rápida recuperação económica da Ásia após o impacto da pandemia de covid-19. Mas também por outra razão: a China vive o inverno mais frio registado desde 1966 e precisa de electricidade como nunca para se aquecer. Neste cenário, aliviou provisoriamente as restrições às importações de carvão devido a uma queda esperada no fornecimento doméstico. Segmento de carvão sempre no ‘vermelho’ O segmento de carvão tem ficado quase sempre a vermelho nas contas da Vale. A excepção, desde que a mina de Moatize começou a funcionar, foram os anos de 2018 e 2017, em que o segmento deu lucro (ver gráfico). “É o primeiro resultado anual positivo desde 2010”, destacava o relatório de desempenho da Vale de 2017. Nos últimos anos, a
A Vale segue o caminho de outras empresas mineiras que se querem libertar de tudo o que implique uma maior pegada ambiental e mais encargos fiscais em cada vez mais países Chartered são parceiros na busca. Quando é que a Vale vai terminar a venda da operação? “Não temos um prazo definido”, responde a empresa à E&M. Para já, a atenção está dedicada para “o investimento em melhoria e aumento da produção de forma a garantir a excelência operacional”. Uma intervenção que arrancou em Novembro, depois de adiada por causa das restrições de transporte provocadas pelo covid-19. O objectivo é atingir “um ritmo de produção de 15 milhões de toneladas por ano (mtpa) no segundo semestre de 2021, com uma operação sustentável e segura”. Enquanto procura por um investidor, a Vale “continuará a apoiar o ‘ramp-up’ (aceleração) do projecto e vai manter todos os seus compromissos com a sociedade e com seus ‘stakeholders’ (participantes)”. www.economiaemercado.co.mz | Fevereiro 2021
do nível do mar e fenómenos meteorológicos extremos mais frequentes. Os principais emissores de gases com efeito de estufa são a China (mais de um quarto do total mundial), seguida dos Estados Unidos e União Europeia (UE), com cerca de 10%. Todos têm planos para alcançarem a neutralidade carbónica: a China disse que o faria até 2060, Joe Biden prometeu que os Estados Unidos alcançam a meta até 2050. As perspectivas de longo prazo são negativas, mas a Agência Internacional de Energia (AIE) prevê no seu mais recente relatório que “a recuperação económica global em 2021 deve gerar uma recuperação de curta duração na procura por carvão – após a grande queda em 2020, desencadeada pela crise do covid-19”. Estima-se que o movimento venha a ser de curta duração, mas o que é certo é que não tem
produção tem ficado aquém das metas e as intempéries que têm assolado Moçambique, a par da desaceleração provocada pelo covid-19, só pioraram o cenário. A multinacional brasileira tem capacidade instalada para processar 12 mtpa de carvão, mas em 2018 produziu 11,5 mtpa e em 2019 ficou-se pelos 8,8 milhões. Os números finais de 2020 ainda não são conhecidos, mas, até Setembro, a produção tinha caído 32,6% – de 6,8 milhões de toneladas em 2019 para 4,6 milhões de toneladas. “Não se espera alcançar a produtividade projectada de carvão metalúrgico e carvão térmico, principalmente devido a dificuldades técnicas no projecto e na operação dos activos”, escreveu a empresa no mais recente relatório anual. Assim, foi desenhada uma nova estratégia de trabalho que inclui o investimento em curso, desde
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ESPECIAL A VISÃO DE MERCADO DA VALE Os relatórios anuais da Vale sintetizam a análise da empresa em diferentes variáveis da operação em Moçambique: • A procura por aço, especialmente na Ásia, sustenta o mercado de carvão metalúrgico, enquanto a electricidade suporta a demanda por carvão térmico. • A concorrência na indústria de carvão baseia-se, na óptica da Vale, “sobretudo na economia dos custos de produção, na qualidade do carvão, nos custos de transporte e proximidade com o mercado”. • A Vale apresenta como vantagens competitivas do carvão de Moçambique “o corredor de transporte, o tamanho e a qualidade das suas reservas”. As instalações de logística em Moçambique garantem entregas num prazo e a um custo relativamente baixo comparando com “as longas esperas nos portos de Queensland, Austrália, e na costa leste dos Estados Unidos”. • Os principais concorrentes da Vale no negócio de carvão metalúrgico estão localizados na Austrália e no Canadá e incluem subsidiárias, afiliadas e ‘joint ventures’ da BHP Billiton, Glencore, Anglo American, Peabody, Jellinbah Resources, entre outros.
“Há poucos sinais de que o consumo de carvão diminuia nos próximos anos, com o aumento da demanda nalgumas economias asiáticas a compensar a queda noutros lugares” Novembro, na mina de Moatize, agora já a pensar na venda da operação. Entretanto, o Governo moçambicano já foi informado sobre o acordo com a Mitsui, anunciou o Ministério dos Recursos Minerais e Energia (Mireme). A operação “deverá ser concluída a 30 de Junho” e o processo de reestruturação vai “salvaguardar os direitos dos trabalhadores e das comunidades onde a empresa opera”. Uma história com altos e baixos A presença da Vale em Moçambique está longe de ser um mar de rosas, recordou João Mosca, economista, na edição de 28 de Janeiro do programa
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‘O País Económico’ do canal STV Notícias, dedicado à venda da operação de carvão da Vale. Ao longo dos anos, a actividade da mineradora acarretou “problemas sérios de reassentamento” de comunidades, problemas que persistem, além da degradação ambiental em Tete, que classificou como “muito séria” ao nível da “poluição do solo, da água e do ar”. Mosca mostrou-se ainda crítico quanto à verdadeira vantagem económica para a região, referindo que grande parte da logística da Vale e das empresas carboníferas “vem de fora”. Localmente, beneficiaram as áreas de transportes, hotelaria e construção civil, provocan-
do um “afunilamento” da economia. O economista teme pelo futuro e assinala que, saindo a Vale e eventualmente outras empresas de carvão, rebenta um balão de oxigénio que pode “deixar fome”. Reinaldo Gonçalves, consultor e presidente da Associação Geológica e Mineira de Moçambique, presente no mesmo programa, considerou que “dentro da Vale não houve a ousadia de reestruturar ou redimensionar” a empresa para “tornar esta operação viável”. “Eu acho que é viável e que é uma oportunidade para um operador local”, sublinhou. Ao mesmo tempo, disse ser justo “valorizar o projecto da Vale” que deixa uma marca positiva: “As infra-estruturas estão lá, o capital humano está lá, engenheiros com 10 a 12 anos de experiência”, assim como “o nome de Moçambique a nível internacional”. www.economiaemercado.co.mz | Fevereiro 2021
NÚMEROS EM CONTA AS MARCAS DE CONSUMO MAIS POPULARES DO MUNDO globalmente, e sem grande surpresa, a Apple, Netflix e a Amazon são as marcas mais populares no mundo. No entanto, as preferências mudam, e de que maneira, entre cada país. Vejamos aquelas evidenciadas a partir das buscas no Google de todos os países a nível mundial. Sobre Moçambique, os dados não são suficientes para ter uma noção detalhada do mercado mas, por cá, a marca mais procurada é o Google.
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Fonte Visual Capitalist
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OPINIÃO
Um Olhar à Proposta de Criação do Fundo Soberano
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Capranzine Hunguana • Head of Treasury Execution Services do Absa Bank Moçambique oçambique possui enormes reservas de gás natural e outros recursos naturais tais como carvão, grafite, areias pesadas, entre outros. Os investimentos em actividades de pesquisa e exploração nas duas últimas décadas geraram volumes de IDE na ordem de dezenas de biliões de dólares que, entre outros benefícios para a economia, resultaram em elevados ganhos fiscais. Houve a criação de milhares de postos de trabalho para cidadãos nacionais e investimentos em infra-estruturas socioeconómicas essenciais. Houve também muitas situações de conflitos decorrentes de processos de reassentamento populacional nas zonas de exploração de recursos e outras acusações de injustiças contra os habitantes locais. Estes e outros problemas confrontam-nos, de tempos em tempos, em relação aos custos e benefícios a longo prazo dos grandes projectos. O investimento massivo que é esperado no sector do gás natural na província de Cabo Delgado tem todo o potencial para transformar Moçambique numa economia de renda média, dependendo da forma como o País irá capitalizar as oportunidades. Tratando-se de um recurso não renovável, a actual geração tem a responsabilidade de assegurar a maximização dos benefícios para si e para as gerações vindouras. Após vários anos de exigência pela sociedade civil e pela academia, chegou-se a uma espécie de consenso nacional sobre a necessidade da existência de um Fundo Soberano (FS), e o Governo tomou a sóbria decisão de criar um FS assente num modelo baseado em príncipios de boa governação, transparência, responsabilização e independência. Nos termos da proposta do BM, o FS moçambicano visa i) acumular poupança através da maximização do valor do fundo com vista a assegurar que as receitas dos recursos naturais não renováveis sejam repartidas entre várias gerações e ii) contribuir para a estabilização fiscal, com vista a isolar o OE e a economia dos impactos nefastos resultantes de flutuações dos preços das commodities nos mercados internacionais. São objectivos que respondem explicitamente à preocupação de encontrar um equilíbrio para satisfazer as necessidades presentes e das gerações futuras. A proposta em debate sugere/recomenda
que a componente do financiamento a infra-estruturas esteja integrada no OE, cabendo ao MEF, no processo normal de execução do Orçamento, decidir sobre a alocação dos recursos, não intervindo o Fundo no processo de tomada dessa decisão. Ora, a falta de definição clara dos objectivos de financiamento é vista como podendo colocar o FS em risco de tornar-se vítima de apetites contrários ao interesse público, pois a transferência de recursos do FS para o OE sem clareza quanto à sua utilização pode transcrever-se num verdadeiro “saco azul”. O nosso FS deve ser devidamente blindado de modo a evitar a aplicação em veículos de investimentos menos transparentes, como foi no escândalo do Fundo Soberano de Angola. Quanto a esse aspecto, esperamos que o exercício do poder regulamentar e de fiscalização pela Assembleia da República possa mitigar esse risco. Os representantes do povo terão a responsabilidade suprema de estabelecer um quadro regulador que não permita desvios na letra e no espírito dos objectivos para os quais o fundo será criado. Este quadro regulador deve determinar explicitamente as balizas para a definição e actualização da política de investimento, os critérios gerais para a escolha de gestores externos e internos, assim como a selecção do auditor do FS. No entanto, não basta apenas legislar para que o FS seja bem gerido. É necessário que haja a devida responsabilização pelo incumprimento da Lei, políticas, normas e padrões do FS. E para que tal aconteça, a transparência deve ser a palavra de ordem, mantendo, obviamente, a confidencialidade de informação sensível para os mercados financeiros. Por fim, cabe a esta geração garantir que, através do FS e de mais mecanismos políticos, jurídicos, económicos e sociais, Moçambique não seja mais uma vítima da maldição dos recursos. Este desafio é para “ontem” uma vez que, apesar de o gás natural ser considerado limpo comparativamente ao petróleo e o carvão, o Acordo de Paris impõe o compromisso de redução na emissão de gases de efeito de estufa, onde se destacam os combustíveis fósseis, embora o roteiro para atingir a meta de limitar o aumento da temperatura média do planeta deixe em aberto as acções específicas a serem tomadas pelas nações.
Os representantes do povo terão a responsabilidade suprema de estabelecer um quadro regulador que não permita desvios na letra e no espírito dos objectivos para os quais o fundo será criado
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NAÇÃO
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FUNDO SOBERANO
O FUNDO DO NOSSO (DES)CONTENTAMENTO Ainda não saiu do papel, mas já divide a sociedade civil, que desconfia da capacidade das instituições para gerirem de forma transparente e eficiente o que virá a ser o Fundo Soberano de Moçambique. O Banco Central diz não haver razões para receios, até porque há um processo de consulta pública
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Texto Ricardo David Lopes • Fotografia Shutterstock & D.R.
onge do consenso. Poderíamos sintetizar assim a forma como tem sido recebida e comentada pelas principais organizações da sociedade civil, economistas e académicos a proposta do Banco de Moçambique (BM) para a criação do Fundo Soberano (FS) do país. Divulgado em Outubro de 2020, o documento, de apenas 13 páginas, explica, em traços gerais, como vai ser financiado e gerido o Fundo, mas falta ainda saber em que vai investir e como vai ser fiscalizada a aplicação das verbas. Em entrevista à E&M, Jamal Omar, administrador do BM com o pelouro de Estabilidade Financeira, desdramatiza as críticas, sublinhando que “a auscultação pública em curso visa precisamente colher as diferentes visões e contribuições dos diversos sectores da sociedade moçambicana e, com base nelas, elaborar uma proposta técnica definitiva”. O objectivo da consulta – por enquanto sem data de conclusão – é, avança (ver entrevista na página 28), permitir produzir “um documento que reflicta os diferentes pontos de vista”. Até agora, garante, as contribuições que o Banco Central tem recebido “são bastante ricas e muito pertinentes e irão, sem dúvida alguma, conduzir-nos a um modelo que seja consensual”. Num ponto, pelo menos, parece haver acordo. A criação do Fundo, num País que espera receitas da exploração de gás na ordem dos 96 mil milhões USD nos próximos 20 anos, faz sentido, ou pode fazer, apesar da crise. Em declarações à E&M, Bruno Dias, Partner/Consulting da Ernst & Young Moçambique (EY), refere que “é sempre oportuna a criação de um fundo quando há boas perspectivas de obter receitas elevadas”, neste caso, do Oil & Gas, uma vez que pode “garantir o desenvolvimento sustentável do País”. Mas, destaca, tal só acontece se “for bem gerido”. O modelo de gestão do Fundo está em linha com o de outros, nomea-
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damente o da Noruega, o maior do mundo (ver infografia nestas páginas) com várias ‘camadas’ de controlo e fiscalização, mas é preciso apostar na especialização e capacidade de boa gestão. E, sobretudo, na profissionalização da gestão. Na Noruega, para além dos níveis de controlo propostos para o caso de Moçambique, a gestão é feita pelo Norges Bank, que responde perante o Banco Central, mas tem um board profissional e independente. O documento do BM prevê que o Fundo, com uma dupla função de poupança e de estabilização fiscal, tenha vários níveis de controlo. À Assembleia da República caberá aprovar a Lei que estabelece e regula o seu funcionamento”; o Ministério da Economia e Finanças actua em representação do Governo e é o responsável pela gestão global e pelo estabelecimento da política de investimento do FS, delegando no Banco Central a gestão operacional, dentro do quadro legal aprovado pela AR; por fim, o BM será o gestor operacional do Fundo, responsável pela implementação da política de investimento. O BM poderá “fazer a gestão directa de parte dos activos do Fundo, e alocar outra parte a gestores internos e externos a serem por si contratados”, indica o documento em auscultação pública. Mas, à E&M, António Alberto Francisco, professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade Eduardo Mondlane (UEM) e um dos principais críticos do processo, deixa um alerta. “Sabendo que (o Fundo) pode envolver elevados volumes de activos financeiros de propriedade do Estado, o desafio com que nos deparamos é não cairmos na famosa armadilha identificada pelo economista Milton Friedman: Se colocarem o Governo a administrar o deserto do Saara, vai faltar areia dentro de cinco anos”. Ironias à parte, refere o académico, a verdade é que “para benefício
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NAÇÃO INVESTIMENTO DIRECTO DE FUNDOS SOBERANOS TENDE A CAIR
APLICAÇÃO DE FUNDOS EM MERCADOS DE CAPITAIS VEM GANHANDO TERRENO
A redução verifica-se em todas as categorias de activos, e começou mesmo antes da pandemia. Em 2019 foi menos de metade do registado em 2015
Em contrapartida, assiste-se a uma redução dos investimentos em activos financeiros nos mercados imobiliário e de infraestruturas
valores em % do total de negócios dos fundos
valores em %
2015
37,3 34,3 8,7
2015
41,4 38 20,6
2016
14 18,2 7,7
2016
50 35,2 14,8
2017
14,7 16,9 7,9
2017
54,4 31 14,6
2018
23,7 13,9 5,5
2018
54,9 32,3 12,8
2019
21,5 9 4,5
2019
61,9 25,3 12,8
Capital
Imobiliário
Infra-estruturas FONTE IFSWF Annual Review 2019
O Banco de Moçambique prevê que o Fundo tenha dupla função: uma de poupança e outra de estabilização fiscal e vários níveis de controlo de Moçambique, a atitude intelectual e profissional mais correcta é prestar atenção aos casos de comprovado fracasso dos Fundos Soberanos de Riqueza, como o do Brasil (criado em 2008 e extinto em 2018), ou os problemáticos de Angola, Argélia e Venezuela, entre outros”. A emenda pior que o soneto “Se o Fundo que o Governo já decidiu criar não for gerido em conformidade com as boas práticas internacionais, não tenhamos dúvidas que acabará por confirmar o provérbio popular: Pior a emenda do que o soneto. Ou seja, pode ser uma opção que tenha sucesso, mas, considerando o nosso contexto institucional, tem fortes chances, dentro de 10 ou 20 anos, levar-nos a concluir que o recente escândalo das chamadas ‘dívidas ocultas’ não passou de uma modesta entrada num grande banquete de delírio desgovernativo financeiro.” Inocência Mapisse, economista e investigadora do Centro de Integridade Pública (CIP), uma organização não-governamental focada no combate à corrupção e na promoção da transparência, num documento divulgado em Novem-
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bro passado, também deixa alertas. “A estrutura proposta para a gestão do fundo é muito minimalista. Ignora o papel de outras instituições ou grupos relevantes, como é o caso da Procuradoria Geral da República (PGR), do Tribunal Administrativo e das organizações da sociedade civil”, afirma. “Para além de ignorar o papel de outras instituições, (a proposta) não toma em conta a própria economia política da gestão das finanças públicas, que deve ter em conta os diferentes actores envolvidos nesse processo, os seus interesses institucionais e particulares; as fragilidades e os riscos fiduciários que são constantemente apontados nos relatórios e pareceres do Tribunal Administrativo”, assim como “várias denúncias apresentadas pelos media, e ou, organizações da sociedade civil, no que diz respeito a má gestão financeira dos bens públicos”, destaca. Tiago Dionísio, economista-chefe da Eaglestone Securities, dá o benefício da dúvida. “Apesar de a maioria dos fundos soberanos em África ser relativamente independente, o risco de interferência política é considerado como um dos principais desafios nalguns países”. Em Moçambique, avança o responsável da casa de investimento, “está prevista a auditoria às contas e operações do Fundo por parte de um auditor externo independente e certificado com periodicidade anual. Esta medida é relevante para fortalecer a transparência e independência da gestão do fundo”. www.economiaemercado.co.mz | Fevereiro 2021
FUNDO SOBERANO COMO FUNCIONARÁ O FUNDO SOBERANO DE MOÇAMBIQUE? Abrimos, aqui, uma janela para explicar o que é um Fundo Soberano e trazer um resumo dos aspectos particulares da concepção primária do modo como este será constituído e gerido.
QUE OBJECTIVOS TEM O DE MOÇAMBIQUE? Acumular Poupança através da sua maximização para que os recursos sejam repartidos entre várias gerações, respondendo à preocupação relacionada com a conciliação das necessidades presentes com as das gerações vindouras e; Contribuir para a estabilização fiscal isolando o OE e a economia dos impactos negativos das flutuações dos preços das commodities.
COMO FUNCIONARÁ? Terá uma única conta a ser aberta junto do Banco de Moçambique em dólares, onde deverão ser depositadas todas as receitas do Fundo. Esta conta terá a designação de “Conta Única do Fundo Soberano de Moçambique (CUF)”. Em cada exercício fiscal será efectuado o pagamento de uma taxa ao Banco de Moçambique pela gestão do Fundo, nos termos a serem definidos com o Ministério da Economia e Finanças.
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O QUE É UM FUNDO SOBERANO? É um tipo de fundo administrado pelo Governo de um país ou região com um objectivo pré-determinado. Entre os principais objectivos para a sua criação estão: proteger e estabilizar o orçamento público, a economia e as gerações futuras.
FUNDO SOBERANO DE MOÇAMBIQUE
QUE REGRAS TERÁ? A entrada de recursos estabelece, entre outros, que até ao vigésimo ano, 50% devem ser canalizados para o Orçamento do Estado (OE) e os restantes 50% depositados nessa conta. A partir de 21º ano, serão 20% para o OE e 80% para o Fundo.
COMO SERÁ FISCALIZADO? As contas, registos, etc. deverão ser auditados semestralmente pelos serviços com competências em auditoria interna e a cada uma das entidades envolvidas. A auditoria às operações deverá ser efectuada anualmente por um auditor externo certificado, contratado pelo Ministério da Economia e Finanças, por sua vez auditado pelo Tribunal Administrativo.
QUEM O VAI DIRIGIR? Propõe-se uma governação tripartida: a Assembleia da República, com a responsabilidade de aprovar a Lei que regula o seu funcionamento; o Ministério da Economia e Finanças, que actuará em representação do Governo e ao qual caberá a gestão global e o estabelecimento da política de investimento e o Banco de Moçambique que assumirá a responsabilidade de gestor operacional do Fundo.
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NAÇÃO QUAIS SÃO AS ÁREAS PREFERENCIAIS PARA INVESTIR? Nos últimos três anos, a tendência dos fundos é de investirem em sectores tecnológicos, infra-estruturas, ou saúde, cujo desempenho tem sido mais resiliente face à turbulência dos mercados valores em %
iros
-10,7
Finance
-2,4
Indústria
Saúde
Energ materiaia e is
5,1
Infr estrutuaras
Tecnolo e Telecogias m
7,1
Retalho
105,6
-45,7
-49,1
SECTOR TECNOLÓGICO ATRAI CADA VEZ MAIS ATENÇÃO A pandemia terá apressado esta tendência, já que acelerou a utilidade da tecnologia, que reforçou ganhos face à imposição do confinamento e das medidas de distanciamento social desde 2020 número de negócios realizados
33 29
25
18 6 9 7
6 5 5
16 12
8
7 2
2015
2016
2017
Hardware e móvel
Internet
2019 Software e serviços
FOCO NO EXTERIOR...
... E NA ESTABILIZAÇÃO
valores em % do total de negócios dos fundos
Tipo de fundo %
Maior peso dos fundos é investido fora dos países, mas com tendência para mudar
2015
9,96 90,04
2016
13,95 86,05
2017
14,66 85,34
2018
20,46 79,54
2019
21,59 78,41 Mercado interno
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2018
Exterior
Cerca de um terço dos fundos soberanos actutais são aplicados na estabilização das economias
ESTABILIZAÇÃO
HÍBRIDO
12,8
18,6
TOTAL
100 34,3
ESTRATÉGICO
34,3
POUPANÇA FONTE IFSWF Annual Review 2019
O que fazer ao dinheiro? Também a forma como vão ser alocadas as verbas oriundas da exploração dos recursos não renováveis a que a proposta alude (50% para o Fundo, 50% para o Orçamento do Estado nos primeiros 20 anos, 80%/20% a partir do 21.º) merece críticas do CIP. “A proposta não apresenta os argumentos técnicos para a definição dos 50% da receita anual a ser arrecadada. Estes argumentos devem tomar em consideração o saldo primário, défice orçamental (líquido dos empréstimos e dos donativos) bem como as metas contidas no plano de acção da política de investimento a ser produzida”, avança o paper do CIP. António Francisco assina por baixo. “Nada no documento indica que as opções e previsões, incluindo os 50% supostamente destinados ao OE, sejam rígidas e vinculativas. Não sendo uma proposta com carácter vinculativo e sobretudo responsabilizador para quem infrinja tais percentagens, na prática nada impedirá que as excepções e decisões ad hoc prevaleçam e se convertam em regra”. “Até prova em contrário, suspeito que a distribuição 50% - 50% visa unicamente criar o sentimento na opinião pública e decisores políticos que o Governo está comprometido com uma alocação equitativa dos recursos financeiros. Se for isso, para o senso comum a opção 50%-50% é exemplo de equidade politicamente correcta”, afirma. Também Moisés Siúta e João Mosca, do Instituto de Estudos Económicos e Sociais (IESE)/Observatório do Meio Rural (OMR) alertaram, num documento sobre a proposta www.economiaemercado.co.mz | Fevereiro 2021
FUNDO SOBERANO
“Deve ponderar-se cuidadosamente... pois será a política de investimento que permitirá rentabilizar o Fundo para além do prazo de exploração dos recursos” do Fundo que o ideal é que “não existam alocações fixas e constantes do FS ao Orçamento do Estado. Propõe-se que seja obedecido o princípio de que as receitas extraordinárias sejam para custear despesas extraordinárias e que o montante anual de transferências do FS para o Orçamento nunca seja superior a determinada percentagem a estabelecer, mas nunca acima de 30% das receitas anuais do FS do ano anterior”. Paulo Pimenta, sócio da Pimenta e Associados, escritório moçambicano membro da Miranda Alliance, pelo contrário, concorda com a proposta do banco central. “Parece-me uma repartição adequada tendo em conta as necessidades de financiamento imediato do Estado para que se possa fazer sentir o efeito da aplicação das receitas no curto prazo”, diz à E&M. “Naturalmente que será sempre discutível a percentagem a alocar a cada uma das contas. Na minha perspectiva, e considerando as necessidades de financiamento do Estado para a contribuição do desenvolvimento e melhoria das condições da população, não me parece desproporcionada a alocação proposta”, reitera. A posição do Movimento Cívico Sobre o Fundo Soberano, também divulgada em Novembro passado, vai em sentido oposto. “A fórmula de 50%-50% representa um grande risco www.economiaemercado.co.mz | Fevereiro 2021
(…), dado o sistema de gestão das finanças públicas em Moçambique não estar em condições de receber um cheque em branco do tamanho que se propõe” No entanto, admite o documento da entidade, “reconhece-se que, num país com tantas necessidades, seria imoral alocar todas as receitas esperadas a uma conta de poupança”. Cuidado com os investimentos Em relação à política de investimento, Paulo Pimenta deixa um aviso. “Deve ponderar-se cuidadosamente este aspecto, pois será esse investimento que permitirá rentabilizar o fundo e a sua manutenção para além do prazo de exploração dos recursos naturais. A carteira de investimentos deverá tomar em conta o risco de cada activo investido e o retorno previsível desse investimento”. António Francisco considera que “será triste se desperdiçarmos esta oportunidade ímpar para pensar e reconceber Moçambique. Mas tenho esperança de que, até à aprovação do Fundo, ainda possamos superar boa parte das limitações. Os desafios que nos esperam na próxima década, associados ou não à criação de um Fundo Soberano, justificam uma postura mais ousada, inteligente e empreendedora, em termos intelectuais, políticos e económicos”, conclui. Bruno Dias alinha. “Se o processo for bem conduzido, os investimentos bem feitos, o Fundo pode ser algo extraordinário”, sublinha. “Moçambique vai ter a oportunidade, se fizer tudo bem, de ter um excelente veículo de salvaguarda do país e das pessoas”.
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OPINIÃO
O Fundo Soberano
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Meul Gulabsinh • CFO do Banco Big a sequência da descoberta de recursos naturais não renováveis de grande dimensão durante a última década, o Governo moçambicano cedo reconheceu a necessidade de criar bases para a gestão adequada e responsável das receitas que derivassem da implementação dos projectos de exploração desses recursos, nomeadamente através da criação de um Fundo Soberano. Desta forma, na sequência de vários eventos e visitas de trabalho, tendo como objectivo promover o debate e obter contribuições de outros casos de sucesso e sobre melhores práticas, em Outubro passado, o Banco de Moçambique publicou uma proposta de Modelo de Fundo Soberano, tendo aberto a mesma a uma consulta pública, fomentando debates e auscultando comentários por parte da sociedade civil e demais stakeholders interessados. Na proposta do Banco de Moçambique, prevê-se que o País venha a arrecadar cerca de USD 96 mil milhões durante a vida útil dos projectos de exploração de gás natural. A proposta refere também que, em linha com as melhores práticas internacionais, o Fundo Soberano não deverá realizar investimentos no mercado doméstico, os quais deverão ser efectuados exclusivamente através do Orçamento do Estado, com base nos critérios de alocação de receitas e entrada e saída de fluxos financeiros previamente definidos. Este posicionamento é compreensível e tem como interpretação uma preocupação em distanciar o Fundo Soberano enquanto potencial fonte futura de financiamento de projectos de infra-estruturas ou actuar enquanto financiador de último recurso da economia em períodos de stress, mantendo esta entidade independente dos vários ciclos económicos e políticos. Esta restrição procura também proteger a economia dos efeitos da denominada “Doença Holandesa”, nomeadamente dos efeitos que possam surgir de um sobre-investimento na economia no curto prazo, que poderia conduzir a uma apreciação cambial, tornando mais caras as exportações de sectores tradicionais da economia, conduzindo à perda de competitividade do País. Contudo, este posicionamento é susceptível de debate, na medida em que também se pode argumentar que deverá ter em consideração o estágio de desenvolvimento económico-social do País, podendo o mesmo apresentar maior
adesão em situações de países mais desenvolvidos. O mercado moçambicano, e em particular o mercado de capitais, apesar de evidenciar um desenvolvimento crescente nos últimos anos, é ainda pouco desenvolvido. Existem várias razões que contribuem para este crescimento comedido da Bolsa de Valores, entre os quais a falta de liquidez no mercado secundário. Traduzindo para números, de acordo com indicadores da Bolsa de Valores, em 2020 realizaram-se cerca de mil transacções em mercado secundário, num montante total de cerca de USD 75 milhões, na sua maioria em títulos de obrigações. Em acções, retirando o efeito não recorrente de uma transacção de um bloco de acções, o volume total transaccionado em mercado secundário foi inferior a USD 1 milhão, equivalente a cerca de 0,3% da capitalização bolsista dos títulos de acções cotadas. Esta falta de liquidez, por um lado, resulta de uma cultura de buy-and-hold, na qual os investidores detêm os activos até à maturidade ou por períodos longos, desconsiderando, ou desconhecendo, na maioria das vezes, a possibilidade de os transaccionar em secundário. Por outro lado, afigura-se como um dilema do “ovo e da galinha”, na medida em que desmotiva os investidores em transaccionar em mercado secundário e, por sua vez, desmotiva as empresas em considerar a implementação de operações em mercado primário. Desta forma, não obstante as preocupações identificadas, no âmbito da criação do Fundo Soberano e na definição da política de investimentos, revela-se importante equacionar a alocação de uma pequena percentagem do Fundo para a realização de investimentos em instrumentos financeiros no mercado doméstico, tendo em vista apoiar no seu desenvolvimento e fomento de liquidez. Naturalmente, estes investimentos deverão estar sujeitos às mesmas análises de risco e retorno subjacentes aos restantes investimentos do Fundo Soberano. Contudo, a sua mera participação no mercado doméstico, enquanto investidor institucional, com uma gestão profissional e de acordo com padrões internacionais, teria efeitos catalisadores na forma como empresas e investidores, nacionais e internacionais, percepcionariam o mercado de capitais, contribuindo para aumentar intervenientes e transacções, e impulsionar a liquidez e o profissionalismo do mercado.
É importante equacionar a alocação de uma pequena percentagem do Fundo Soberano para a realização de investimentos em instrumentos financeiros no mercado doméstico
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NAÇÃO “O MODELO QUE PROPOMOS É INSPIRADO NA BOA GOVERNAÇÃO DO FUNDO” Em nome da transparência na criação e gestão do futuro Fundo Soberano, o Banco Central está sob pressão da Sociedade Civil. Muitas das questões levantadas são aqui esclarecidas pelo Administrador do pelouro de Estabilidade Financeira, Jamal Omar
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Texto Celso Chambisso • Fotografia D.R. s armas para assegurar que a iniciativa seja bem-sucedida assentam na aposta numa governação tripartida do Fundo Soberano, nomeadamente pelo Banco de Moçambique, Ministério da Economia e Finanças e pela Assembleia da República. E para reforçar, papel igualmente relevante será atribuído à auditoria periódica às primeiras duas instituições, sem falar na publicação de todos os conteúdos relativos ao Fundo Soberano. Esta é a promessa feita pelo Banco Central, numa altura em que ainda decorre o processo de auscultação pública que vai traçar as linhas-mestras deste instrumento. Após vários meses de preparação de uma proposta técnica para a criação de um Fundo Soberano, o Banco de Moçambique (BM) iniciou, em Outubro de 2020, o processo de auscultação pública para recolher contribuições que visam gerar consenso quanto ao modelo a adoptar. A esta altura, qual é o grau de dificuldade ou de facilidade para se conseguir tal consenso? A auscultação pública em curso visa precisamente colher as diferentes visões e contribuições dos diversos sectores da sociedade moçambicana e, com base nelas, elaborar uma proposta técnica definitiva que acomoda parte das contribuições colhidas durante este processo para que, no final, tenhamos um documento que reflicta os diferentes pontos de vista de to-
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dos. Mesmo que alguns pontos de vista não sejam considerados, todas as contribuições serão remetidas aos órgãos competentes que se encarregarão de fazer aprovação para que tenham acesso ao pensamento da sociedade moçambicana sobre o assunto. A experiência internacional mostra que, quanto menos complexo for o modelo, mais fácil são os mecanismos de monitoria e prestação de contas. As contribuições que o BM tem estado a receber são bastante ricas e muito pertinentes e irão, sem dúvida alguma, conduzir-nos a um modelo que seja consensual. A Sociedade Civil tem estado a pressionar o Banco Central e o Governo, propondo uma série de medidas para a observância do que considera serem as boas práticas na criação do Fundo, com foco para a questão da prestação de contas. Que nível de participação o Banco Central atribui às Organizações da Sociedade Civil neste processo? As Organizações da Sociedade Civil (OSC), aos seus vários níveis, desempenham um papel muito importante neste processo de auscultação pública e o BM reconhece a valência e pertinência da sua participação neste decurso. É importante reiterar que, através das suas redes de contactos e dos seus associados, as OSC ajudam a promover a divulgação desta proposta. O nosso modelo não prevê a integração das OSC na estrutura de governação. São poucas as experiências internacionais em que estas integram di-
rectamente a estrutura de governação. Elas aparecem como um órgão fiscalizador. O exercício que temos vindo a realizar visa reflectir sobre o mérito das várias contribuições de modo a tornar o nosso modelo mais consensual e inclusivo. O Modelo proposto pelo Banco de Moçambique é a criação de um Fundo Soberano que, ao mesmo tempo, acautele os objectivos de Estabilização, de Poupança e de Investimentos, sendo que já prevê o Ministério das Finanças como gestor global e o Banco de Moçambique como gestor operacional. Há quem entenda que o Ministério das Finanças pode sofrer pressão política que leve a que o Fundo acabe sendo utilizado para fins políticos (eleitoralistas). Como é www.economiaemercado.co.mz | Fevereiro 2021
ENTREVISTA possam ser pontualmente corrigidas? Ou seja, mudar a estratégia previamente concebida? Sobre esta questão, é importante que se saiba que não existe um modelo perfeito e nem fórmula pré-concebida de como deve ser criado qualquer Fundo Soberano. Pelo que cada país cria o seu próprio modelo. Pode até haver similaridades entre modelos de certos países, mas, por exemplo, o modelo de Moçambique deverá procurar adequar-se às características próprias do nosso país em termos de padrões de desenvolvimento, organização política e capacidade institucional. Caso venham a ocorrer algumas imprecisões ou falhas, poderemos dar conta de que o modelo escolhido, ainda que seja bem concebido, não se adeqúe às características do País ou vice-versa. Nessa situação, não será vedada, como nação, a possibilidade de voltarmos a reflectir sobre os ajustamentos necessários para melhor responder aos nossos anseios. Mas esta prática é de todo desencorajada em sede de boas práticas internacionais.
“O Fundo Soberano não deve investir em activos domésticos, em activos ligados ao sector que o alimenta e nem ser usado para contratação ou pagamento de dívidas... mas em activos dos mercados estrangeiros” que o Banco de Moçambique olha para esta questão? O modelo proposto inspira-se em alguns dos Fundos bem cotados ao nível internacional em termos de boa governação, transparência e prestação de contas, alguns dos quais o BM teve a oportunidade de visitar. O Ministério da Economia e Finanças (MEF) aparece como gestor global em representação do Governo, que é o gestor do dia-a-dia da coisa pública. As atribuições e o âmbito de actuação de cada instituição, assim como as linhas de orientação da política de investimento, sewww.economiaemercado.co.mz | Fevereiro 2021
rão definidas em sede da Lei que será aprovada pela Assembleia da República, devendo tanto o MEF como o BM orientar-se pelo estipulado na Lei. Os mecanismos de fiscalização previstos no modelo são o meio que permite a sociedade monitorar como está sendo feita a gestão do Fundo. Por se tratar de algo novo – e apesar de todo o cuidado que o Banco Central agora demonstra para evitar erros – é possível assegurar que ao constatar imprecisões no modelo que vier a ser aprovado
Como será acautelada a possibilidade de evitar os erros de países como Angola, cujo Fundo Soberano acabou por ser alvo de escândalos de corrupção, nomeadamente ao nível dos mecanismos de controlo de transparência da gestão? No modelo que o BM está a propor, a governação é feita por três entidades, nomeadamente a Assembleia da República (AR), Ministério da Economia e Finanças (MEF) e o Banco de Moçambique (BM), que naturalmente actuam em diferentes níveis, reflectindo a necessidade de haver uma clara separação de funções e de responsabilidades entre as instituições. Como já referi, o âmbito de actuação de cada uma das entidades deverá estar claramente definido na Lei do Fundo Soberano. Adicionalmente, o funcionamento desta estrutura de governação contempla ainda a figura dos auditores em, pelo menos, dois níveis, como sejam a auditoria que será feita ao BM, focalizada no Fundo Soberano, na qualidade de gestor operacional, e a auditoria que será feita ao MEF na qualidade de gestor global. Os resultados destas auditorias deverão ser do domínio público, de modo que todos possam acompanhar como é que o Fundo Soberano está a ser gerido.
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NAÇÃO
“É importante que se saiba que não existe um modelo perfeito nem fórmula pré-concebida de como deve ser criado… o de Moçambique deverá procurar adequar-se às características próprias do nosso país” O modelo prevê ainda que tanto o BM, assim como o MEF, publiquem os seus relatórios periódicos, e que o BM tenha um canal de interacção com o público, por via do qual poderá ser solicitada informação, esclarecimento de dúvidas, colocadas questões, apresentadas propostas de melhoria de certos aspectos, entre outros. Também há quem entenda que o Fundo Soberano não deveria ser uma prioridade nesta fase em que, além do défice do Orçamento do Estado, o empresariado não dispõe dos melhores instrumentos financeiros para crescer. São vozes que defendem que seria importante, antes, aplicar os Fundos no fortalecimento do empresariado e na eliminação do défice… O argumento de que não se pode criar Fundo Soberano porque o Orçamento do Estado é deficitário parece-nos infundado. Existem experiências de países que constituíram os seus Fundos
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Soberanos em situações de défice orçamental. São exemplo países como o Ruanda, Timor Leste, Angola e Noruega. Na nossa proposta estamos a prever que metade das receitas sejam canalizadas para o Orçamento do Estado para, de forma estratégica e devidamente planificada, servir às necessidades presentes do nosso sistema socioeconómico. Portanto, esta parcela vai ajudar a promover o desenvolvimento e a eliminar, gradualmente, as deficiências que o nosso sistema possui. Importa notar também que a criação do Fundo Soberano hoje pode dar-nos vantagem competitiva como País, de nos prepararmos em termos de conhecimento e criação de capacidades para fazermos uma gestão adequada dos nossos recursos naturais, facto que pode ser muito difícil de se conseguir caso se pretenda criar o Fundo Soberano somente quando começarmos a receber as divisas oriundas da exploração desses recursos.
Importa também olhar para os méritos do modelo proposto pelo Banco de Moçambique sobre o futuro Fundo Soberano e o impacto que tem nos países que seguem modelos semelhantes… Conforme disse, o modelo é inspirado em alguns dos Fundos Soberanos de referência, e o Fundo da Noruega é certamente um deles, para além dos de Timor-Leste e Trinidad e Tobago. Não se trata explicitamente de uma réplica. Mas tomámos como base os modelos adoptados por estes países. Nestes Fundos, a governação é marcada por uma clara separação de funções e de responsabilidades, estão instituídos mecanismos claros de supervisão, monitoria e, em alguns casos, de assessoria. São Fundos que implementam sistemas claros de prestação de contas, ficando evidente a transparência da gestão dos recursos. Importa também referir que cada um desses fundos possui as suas peculiaridades, relacionadas com a realidade/ meio no qual foram criados e estão inseridos. Por exemplo, as regras de entrada e de saída de recursos diferem de país para país. No entanto, as instituições envolvidas deves executar as suas funções com responsabilidade. www.economiaemercado.co.mz | Fevereiro 2021
ENTREVISTA Pela experiência que conhece e que tem vindo a colher de todas as entidades envolvidas no processo de auscultação que começou agora, em quanto tempo podemos esperar que o Fundo seja, de facto, constituído? O BM tem estado a participar em várias sessões de debate da proposta, organizadas por diferentes entidades. Mas também tem estado a organizar sessões ao nível das capitais provinciais, com o objectivo de cobrir todo o País em termos de divulgação da proposta e recolha de contribuições. No entanto, é difícil prever em quanto tempo teremos o FS constituído, pois esta decisão caberá a outros Órgãos com competências para o efeito. Como Banco Central, a nossa função é de assessoria técnica ao Governo, e o nosso papel termina com a sistematização das contribuições da auscultação pública e remessa aos órgãos competentes, a menos que sejamos chamados a participar nas fases posteriores.
Em que moldes, ao nível da sua estrutura de actuação nos mercados, está desenhada a Estratégia de Investimento? Será feita em acções de empresas, em outros Fundos, como acontece com alguns fundos? E de que forma serão geridos os capitais? Existe, nesta altura, uma previsão de mais-valias anuais? Ainda não foi definida nenhuma estratégia de investimento, pois esta deverá estar estruturada num documento que se chama Política de Investimento, que está neste momento a ser concebida pelo gestor global, no caso concreto o MEF. No entanto, a proposta avança alguns aspectos gerais relacionados com os investimentos, com destaque para os pressupostos de que o Fundo Soberano não deve investir em activos do mercado doméstico; não deve investir em activos ligados ao sector que o alimenta; e, ainda, não ser usado para contratação ou pagamento de dívidas. Portanto, espera-se que os recursos do
Fundo Soberano sejam investidos em activos dos mercados estrangeiros de modo a rentabilizá-los e fazer com que cresçam de forma sustentável. Em quanto é que deve ser estimado, numa primeira fase, o Fundo Soberano de Moçambique, e em que medida deve crescer com o tempo, olhando para o potencial que o País apresenta em termos de recursos naturais não renováveis? Olhando somente para as previsões de receitas do gás natural, espera-se que, num período entre 25 a 30 anos, possamos receber fluxos de receitas anuais que irão atingir o pico por volta do vigésimo ano, devendo começar a decrescer a partir dessa altura. Ao todo, de acordo com informação disponível, estima-se que o País venha a receber, durante esse período, mais de USD 90 biliões. Estas receitas servirão para fortalecer o Orçamento do Estado mas também para alimentar o Fundo ao longo de muitos os anos.
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ONDE E COMO BUSCAR INSPIRAÇÃO? Pelo mundo, há experiências quanto baste para consultar e construir um Fundo Soberano que responda às aspirações do País. Aqui contamos o percurso de três bons e maus exemplos Texto Celso Chambisso • Fotografia Shutterstock
É
unânime a necessidade de evitar erros que foram cometidos por alguns países, no processo de criação do Fundo Soberano. Mas de que erros, em concreto, se trata? A E&M consultou vários documentos que detalham os méritos e deméritos dos vários Fundos Soberanos espalhados pelo Mundo, com destaque para o publicado em 2017 pelo Centro de Integridade Pública (CIP), com o título “Criação do Fundo Nacional de Desenvolvimento deve ser um processo gradual, inclusivo e transparente”. No capítulo em que aborda o tema “Aprendendo dos melhores e dos piores”, o relatório revela que o Índice de Governação dos Recursos de 2017, que avaliou 33 fundos soberanos que, em conjunto, gerem 3,3 biliões de dólares, mostrou que, de forma geral, os fundos apresentam qualidade de governação. No topo estão os fundos soberanos da Colômbia, Gana, Chile, Noruega,
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Timor Leste e Canadá. Enquanto isso, 11 fundos são considerados um falhanço, devido aos riscos excessivos, altas taxas de gestão e investimentos politicamente motivados, para além de não serem transparentes. Trata-se dos fundos United Emirates Abu Dhabi Investment Authority, Argélia, Angola, Chade, Guiné Equatorial, Gabão, Nigéria, Qatar, Arábia Saudita, Sudão e Venezuela. Corrupção em Angola Nos últimos anos, o Fundo Soberano de Angola (FSDEA) alimentou manchetes de jornais pelas más razões. Criado em 2011, o FSDEA foi efectivamente estabelecido em 2012 com uma dotação de cinco mil milhões de dólares. Contrariamente ao que é prática, o fundo soberano angolano era gerido pela empresa de investimentos suíça Quantum Global. Desde cedo, notou-se a existência de conflitos de interesse na escolha da Quantum Global, detida por um empresário suíço/angolano,
Jean Claude Bastos de Morais, por alegadamente ser amigo pessoal e sócio do antigo presidente do Fundo Soberano, José Filomeno dos Santos, que também é filho do ex-Presidente da República de Angola, no primeiro banco de investimentos em Angola, o Banco Kwanza Invest. Isto veio a provar-se quando José Filomeno dos Santos foi acusado de desvios milionários do Fundo, agora desencorajados pelo actual Presidente de Angola, João Lourenço. No que diz respeito ao funcionamento, o Fundo sofre muita interferência política, o que pode ser notado pelo facto de o Conselho de Administração ser nomeado pelo Presidente da República, que também emite a política de investimento do Fundo, define as suas principais directrizes internas e nomeia o auditor independente para a análise das suas contas anuais. O Conselho Consultivo, constituído pelo Ministro das Finanças, Ministro da Economia, Ministro do Planeamento www.economiaemercado.co.mz | Fevereiro 2021
FUNDO SOBERANO e pelo Presidente do Banco Nacional de Angola, reporta ao Presidente da República sobre o alinhamento das actividades do Fundo com os programas macroeconómicos do Executivo. O FSDEA não tem um objectivo claro, embora ele seja denominado de investimento, uma vez que pode, ao mesmo tempo, desempenhar um papel de estabilizador da economia (fundo de estabilização fiscal). É que o Ministério das Finanças poderá debitar fundos do FSDEA em períodos de dificuldade económica, com uma autorização expressa do Presidente da República e, para esse propósito, a carteira de investimentos do fundo deverá ter uma alocação mínima de 20% sob forma de investimentos líquidos a todo o momento, os quais podem ser debitados pelo Ministério das Finanças a curto prazo. Má gestão na Nigéria A Nigéria possui três tipos de fundo soberano: Fundo de Estabilização, Fundo para Futuras Gerações e Fundo de Infra-estruturas para a Nigéria. O primeiro tem como propósito o garante de liquidez e a preservação de capital. O fundo de estabilização petrolífero da Nigéria, denominado Conta de Excedentes do Petróleo (Excess Crude Account, ou ECA), foi estabelecido em 2004, tendo no período de 2004-2008 conseguido poupanças orçamentais significativas por se terem orientado as decisões de despesa pelo preço de referência do petróleo e se terem poupado as receitas excedentes. No final de 2008 a ECA tinha atingido 20 mil milhões de dólares. Entretanto, estes recursos foram efectivamente utilizados para combater a crise financeira de 2008-09, quando os preços do petróleo caíram. E como resultado, quando a crise dos preços se agudizou em 2015, o país não possuía sequer recursos para pagar salários aos funcionários públicos. O Governo deu início a uma expansão orçamental financiada por montantes retirados da ECA e, assim, no final de 2011, esta estava quase esgotada. Esta situação demonstrou que o mecanismo de estabilização adoptado pela Nigéria era imperfeito, por permitir que os recursos pudessem ser assacados a bel-prazer das autoridades, no que era considerado um enquadramento jurídico fraco da ECA. O fracasso na implementação da ECA motivou a www.economiaemercado.co.mz | Fevereiro 2021
TOP 10 MUNDO Entre os melhores exemplos está o maior Fundo Soberano do mundo: o Fundo de Pensões do Governo da Noruega, o único com um valor que ultrapassa a barreira de um bilião de dólares valores em milhões USD norway government pension fund global
1072 (noruega) china investment corporation
941,4 (china) abu dhabi investment authority
696,6 (eau) kuwait investment authority hong kong monetary authority investment portfolio
592
(kuwait)
509,3 (japão)
gic private limited national council for social security fund
440 (singapura) 437,9 (china)
safe investment company
417,8 (china) temasek holdings
375,4 (singapura) public investment fund
320 (a.saudita)
TOP 10 EM ÁFRICA Os Fundo Soberanos de Angola e da Nigéria, com todos os problemas já mencionados, estão entre os maiores do continente africano e aparecem entre os bemsucedidos, como o do Gana e Botsuana
criação de outro Fundo Soberano que está operacional desde Julho de 2012 e que tem três componentes: um fundo de estabilização, um fundo de infra-estrutura e um fundo de poupança intergeracional. Das lições aprendidas com a ECA é que este fundo tem actualmente regras mais rígidas. ′Desvios de aplicação‛ no Brasil Criado em 2008, o Fundo Soberano do Brasil viria a ser esvaziado em 2018 para cobrir o rombo nas contas do Governo, e depois extinto, através da chamada Medida Provisória (MP) da liberdade económica. Quando o fundo foi criado, o governo ainda conseguia manter as contas saudáveis. Mas, com o crescente rombo fiscal, o então presidente Michel Temer assinou, em 2018, uma medida provisória que autorizava o uso dessa reserva para equilibrar as contas públicas, até que ela se extinguisse. Assim, o dinheiro foi resgatado aos poucos pelo Tesouro, chegando a 26,5 mil milhões de reais (mais de 52 mil milhões de dólares). Mesmo assim, o Tesouro defendeu a extinção do fundo alegando que “num contexto de inoperância efectiva do FSB (Fundo Soberano do Brasil), vislumbrada para os próximos anos, não há porque a Administração Pública dar continuidade ao exercício das actividades relacionadas ao FSB e, assim, incorrer em custos explícitos e implícitos sem qualquer benefício que compense tais custos”.
(valores em milhões USD libyan investment authorityent pension fund global
60.000 (líbia) pula fund
4.927 (botsuana) fundo soberano de angola nigeria sovereign investment authority future generations
2.270 (angola) 1.781
(nigéria)
senegal fonsis
1.000 (senegal) ghana heritage fund
521
(gana)
455
(gana)
206
(ruanda)
165
(g. equat.)
142
(gabão)
ghana stabilisation fund agaciro development fund equatorial guinea fund for future generations sovereign fund of the gabonese republic future generations
FONTE Sovereign Wealth Fund Institute (SWFI)
Bons exemplos Boas práticas também não faltam, incluindo em países que mantêm boas relações com Moçambique e que podem emprestar a sua experiência para a tomada de decisões mais racionais. O mais famoso é o da Noruega, o maior de todos os Fundos Soberanos. Sobre este, muito se tem explorado. Importa, agora, olhar para realidades não muito distantes de Moçambique do ponto de vista de estágio de desenvolvimento sócioeconómico, sem perder de vista que cada país tem particularidades que não permitem que determinados modelos sejam implementados tal e qual foram concebidos noutras geografias. Mérito de Timor Leste De acordo com a Lei do Fundo Petrolífero de Timor Leste, todas as receitas geradas pela exploração petrolífera
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Tal como na proposta para o Fundo Soberano de Moçambique, no Gana, o Banco Central é a entidade que faz a gestão do Fundo, sendo que o Ministro das Finanças é responsável pela transferência de e para o Fundo devem ser totalmente canalizadas para o Fundo e investidas no exterior em activos financeiros. As únicas saídas do Fundo são as transferências para o Orçamento do Governo Central e com a devida aprovação do Parlamento. O fundo, que em 2005, aquando da sua criação, se situava em 370 milhões de dólares, havia subido para 16 mil milhões de dólares em 2016, chegando a ser considerado um dos mais robustos a nível mundial e com nível de transparência aceitável. Para garantir transparência na utilização das receitas canalizadas para financiar o Orçamento do Estado, Timor Leste criou um website denominado “Transparência Orçamental” que, numa base diária, apresenta actualizações sobre como os recursos são usados e como os processos de procurement, incluindo transferências, são efectuados. Ao mesmo tempo, o Banco Central publica mensalmente detalhes sobre todas as operações do Fundo Soberano. O modelo de governação do Fundo Petrolífero de Timor Leste é baseado num elevado grau de transparência e divulgação de informações para ajudar a desenvolver o apoio pú-
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blico na gestão prudente das receitas do petróleo e reduzir o risco de má governação. Transparência do Gana Criado em 2011, o Fundo Soberano do Gana (Ghana Petroleum Funds) já foi considerado o terceiro melhor fundo em termos de governação a nível mundial. O Fundo compreende dois fundos soberanos, criados com propósitos diferentes, nomeadamente: o Ghana Stabilization Fund e Ghana Heritage Fund. Os dois são alimentados por 30% do total das receitas de petróleo, partilhados em 70% e 30%, respectivamente. O Banco Central é a entidade que faz a gestão do fundo, sendo que o Ministro das Finanças é responsável pela transferência de e para o fundo e pelo desenho e implementação da estratégia de investimento. As receitas geradas pela exploração de petróleo são canalizadas ao Petroleum Holding Fund, que depois faz a distribuição pela Empresa Nacional de Petróleos do Gana e para o Orçamento do Estado. Assim, cabe ao Orçamento uma percentagem não superior a 70% da média das receitas.
Irão, um exemplo de equidade O Fundo Nacional de Desenvolvimento do Irão surgiu depois da criação, no ano 2000, do Fundo de Estabilização (financiado pelas receitas do petróleo) que tinha a mesma função do fundo de desenvolvimento, incluindo a estabilização do orçamento nos momentos de crise. A lógica de investimento do Irão é a de investimentos sustentáveis, bem como preservar os fundos para as gerações futuras, sem prejudicar a geração actual. Assim, as receitas geradas pela venda de petróleo e gás natural são canalizadas na sua totalidade à Empresa Nacional de Petróleos do Irão, que retém 14,5% do total das receitas e depois distribui 63,5% para o Orçamento do Estado, 2% para as regiões produtoras e 20% para o Fundo de Desenvolvimento Nacional. Os superavits do Orçamento do Estado (ou seja, os valores que o Orçamento não absorve) são canalizados para o Fundo de Estabilização. Dos recursos que sobram no final de cada ano no Fundo de Estabilização, 50% são canalizados para o Fundo Nacional de Desenvolvimento. Por sua vez, o Fundo Nacional de Desenvolvimento disponibiliza empréstimos a agentes bancários para financiarem projectos de investimento virados para o desenvolvimento socioeconómico. www.economiaemercado.co.mz | Fevereiro 2021
OPINIÃO
O Link(age) perdido
v
João Gomes • Partner @ JASON Moçambique
em o título deste artigo a propósito de um estudo1 a que recentemente tive acesso e que conclui, para enorme surpresa minha, e talvez do meu leitor@, que o Investimento Directo Estrangeiro (IDE), nos 44 países em vias de desenvolvimento analisados, em média contribui negativamente para o respectivo crescimento económico. Ou dito de outra maneira: nos países em vias de desenvolvimento (região da SADC incluída), o IDE normalmente não só não faz crescer o PIB como, “ainda por cima”, gera deseconomias. Talvez agora possamos interpretar a uma nova luz, i) para além da redução dos preços das commodities em 2019 e ii) a que se veio juntar a crise pandémica COVID-19, o porquê do stock de IDE, no continente Africano, ter reduzido 10% ($45 mil milhões de USD) em 2019, e em 2020 a estimativa de contracção estar entre os 20% a 40%. E esta tendência veio para ficar. Deixo a explicação da causalidade do IDE gerar deseconomias nos países em vias de desenvolvimento remetendo para o excelente estudo cuja referência deixo em rodapé. Neste artigo convido-vos a analisar o IDE numa perspectiva diferente: quais os efeitos para o país hospedeiro do abandono de um grande projecto de IDE. Neste contexto veremos sucessivamente os i) Conceito de IDE e seus benefícios; ii) Conceito e modalidades de linkagem; iii) Externalidades Negativas resultantes da saída do IDE; iv) Soluções de mitigação e v) Conclusões. i) Conceito de IDE e seus benefícios: “É o investimento feito para criar (novo investimento ou Greenfield), ou adquirir (M&A Aquisição & Fusão ou Brownfield) um interesse duradouro em empresas que operem fora da economia do investidor. A relação de IDE compreende uma empresa matriz e uma filial estrangeira, as quais, em conjunto, formam uma empresa multinacional. Para ser considerado como IDE, o investimento deve conferir à matriz o controle sobre a sua filial”. A popularidade deste instrumento de desenvolvimento económico radica no facto de gerar, para o país hóspede e para as suas empresas, comunidades e populações, uma
série de externalidades positivas que podemos sintetizar através da noção de acumulação de capital: - Capital financeiro: por exemplo, através da entrada de recursos financeiros da empresa matriz; - Capital humano: por exemplo, a criação de postos de trabalho, e muito particularmente, de posições altamente qualificadas; - Capital técnico: por exemplo, partilha de conhecimento através de programas de treino e de estágios na empresa matriz; a partilha das melhores práticas de gestão; - Capital tecnológico e propriedade industrial: por exemplo, através da importação e uso de tecnologia de ponta e de processos de fabrico flexíveis e com alta incorporação tecnológica; - Capital-mercado: por exemplo, através da abertura de novas rotas de exportação e internacionalização das empresas domésticas; - Capital público: por exemplo, através do aumento da base fiscal e, consequentemente, da arrecadação de impostos, taxas e licenças resultantes da entrada do IDE; - Capital comunitário e ambiental: por exemplo, através de programas de reassentamento; - Outras externalidades positivas do IDE: por exemplo, da construção de infra-estruturas viárias, ferroviárias, portuárias, etc. ii) Conceito e modalidades de linkagem: Mas a acumulação das diferentes formas de capital não ocorre apenas na e através da empresa multinacional: o charme do instrumento IDE para os países hospedeiros está na oportunidade de fazerem participar as empresas domésticas neste esforço de acumulação de capital, de modo a qualificarem o seu talento, fazerem o upgrade tecnológico, robustecerem as suas práticas de gestão, melhorarem os seus níveis de produtividade e assim poderem produzir produtos e serviços de maior valor acrescentado permitindo a estas poderem competir em mercados internacionais. E desta forma surgem, ora voluntariamente, ora impostas por regulamentação de conteúdo local, as ligações/Linkagens
Surpreendentemente, nos países em vias de desenvolvimento, incluindo a região da SADC, em média o IDE contribui negativamente para o respectivo crescimento económico
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Em Moçambique, o facto de o Investimento Directo Estrangeiro (IDE) estar concentrado no sector extractivo também contribui para limitar a geração de riqueza
entre empresas multinacionais e empresas domésticas. Ainda que as modalidades de linkagem possam ser diversas, um estudo recente aponta para a linkagem vertical (aquela que ocorre entre a empresa multinacional e os seus fornecedores no mercado hospedeiro) como sendo a modalidade (sendo a linkagem horizontal aquela que opera entre a empresa multinacional e os seus clientes) que ocorre mais frequentemente. iii) Externalidades Negativas resultantes da saída do IDE: E regressando para a nossa surpreendente nota de abertura. Ora, o IDE nos países em vias de desenvolvimento, contribui negativamente para o crescimento económico. E o que dizer das consequências do abandono da empresa multinacional do país hospedeiro? O conceito de externalidade negativa dá-nos uma ajuda nesta resposta: numa dada actividade económica (v.g. IDE), externalidades negativas são os efeitos negativos provocados em terceiras partes que não participaram no processo de decisão (v.g. de abandono do país hospedeiro) e que não dispõem (v.g. os indivíduos, as empresas, as comunidades, o Estado) de mecanismos efectivos de feedback para exigirem compensações. E, no caso da saída do IDE do país hospedeiro, os exemplos de externalidades negativas são a outra face da moeda do que acima enunciamos como formas de acumulação de capital: neste caso, justamente apelidadas de deseconomias ou de destruição de capital financeiro, de capital humano, de capital técnico, de capital tecnológico e de propriedade industrial, de capital de mercado, de capital público, de capital comunitário e ambiental, de outras ex-
ternalidades (efeitos negativos nos programas de manutenção de infra-estruturas, etc). iv) Soluções de mitigação: No contexto dos países em vias de desenvolvimento e perante este duplo efeito de tesoura do IDE (na entrada não gera valor, antes destrói valor, e na saída agrava o efeito de destruição de capital), que mecanismos de defesa têm as economias hospedeiras? Diminuir a volatilidade do IDE passa por 1) Aumentar a estabilidade política, económica e social no país hospedeiro; 2) minimizar, simplificar e agilizar o ambiente de “Doing Business”; 3) Reorientar o IDE para fora da dependência dos recursos naturais e diversificar a economia; 4) Atribuir benefícios e isenções fiscais a título condicionado (v.g. à permanência dos efeitos de linkagem no território, não necessariamente da multinacional). Em conclusão O IDE constitui um poderoso instrumento de desenvolvimento económico porquanto permite ao país hospedeiro acumular capital, nas suas várias formas. Não admira a luta entre os países para atraírem IDE. E, muito particularmente, nos países em vias de desenvolvimento, onde o duplo efeito da redução dos preços das commodities e da crise pandémica gerou perdas gigantescas de inflows de IDE. Surpreendentemente, nos países em vias de desenvolvimento, em média o IDE contribui negativamente para o respectivo crescimento económico. Menos surpreendentemente, o abandono do IDE representa um custo de oportunidade, que se pode tornar um linkage perdido, no caso de não serem tomadas inovadoras medidas de diminuição da sua volatilidade.
[1] “Externalities from FDI on domestic firms’ Productivity: A Literature Review for Developed Countries”. Santos, Eleonora. www.economiaemercado.co.mz | Fevereiro 2021
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MERCADO E FINANÇAS “ESTAMOS FOCADOS NA BUSCA DE FINANCIAMENTO PARA OS PALOP” O vice-presidente do BAD, Mateus Magala, promete uma presença ainda mais vincada daquela instituição na área de infra-estruturas dos PALOP em 2021
o
Texto Mário Baptista, em Abidjan, serviço especial da Lusa para a E&M • Fotografia D.R.
banco africano de desenvolvimento (BAD) abriu, recentemente, duas linhas de crédito para Angola e Moçambique no valor global de 70 milhões de dólares ao abrigo do Compacto Lusófono, programa comandado pelo moçambicano Mateus Magala, vice-presidente do Banco Africano de Desenvolvimento (BAD). Os projectos dos dois países estão mais avançados, mas, “de uma forma geral, foram identificados outros potenciais considerados estruturantes em todos os PALOP (Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa)” a serem assistidos por este mecanismo, segundo explicou Magala em entrevista. O Compacto Lusófono é um modelo inovador de financiamento dos projectos nos países lusófonos africanos, em que Portugal, que tem inscrita uma garantia de 400 milhões de euros no Orçamento do Estado para este ano, e o BAD, desempenham um papel primordial no financiamento, preparação, acompanhamento e execução dos projectos. O BAD é o financiador principal e intervém também como angariador de financiamento, já que a sua participação nos projectos diminui o risco percebido pelos investidores. A partir de quando estará disponível a garantia concedida pelo Estado português? Os 400 milhões de euros estarão disponíveis a partir deste ano. O Banco está a preparar a sua implementação junto do Governo português.
Em concreto, quais são os países beneficiários e os projectos que vão ser lançados ao abrigo deste programa? Foram identificados projectos potenciais estruturantes em todos os países membros dos PALOP, nas áreas de infra-estruturas, agricultura, energia, saúde, finanças e indústrias no montante global de 3 mil milhões de dólares. Os projectos de Angola e Moçambique estão mais avançados, tendo já duas linhas de crédito aprovadas pelo BAD, recentemente, no valor global de 70 milhões de dólares para apoiar as pequenas e médias empresas (PME) nesses países através da banca comercial. Todos estes projectos encontram-se estrategicamente alinhados com os planos nacionais de desenvolvimento de cada país, bem como com as cinco áreas prioritárias operacionais do BAD, nomeadamente, Iluminar e Electrificar África, Alimentar África, Integrar África, Industrializar África e Melhorar a qualidade de vida das pessoas em África. Qual é o papel do BAD no financiamento dos projectos e qual o valor global envolvido? É importante salientar que o BAD é o financiador principal dos projectos do compacto Lusófono, através dos recursos alocados para os países e de alavancagens que faz através de parcerias com outros agentes económicos, incluindo o sector privado. A garantia de 400 milhões de euros disponibiliza-
A garantia de 400 milhões de euros irá mitigar o risco de projectos potenciais que envolvem alguma participação portuguesa, alavancando os recursos existentes do BAD, até seis vezes, para os PALOP
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da pelo Governo de Portugal irá mitigar o risco de projectos potenciais que envolvem alguma participação ou comparticipação portuguesa, alavancando os recursos existentes do BAD, até seis vezes, para estes países, aumentando assim o número de projectos privados e Parcerias Público-Privadas financiadas pelo BAD nestes países. Por último, o BAD mobilizará recursos financeiros adicionais de outras instituições financeiras internacionais para financiarem projectos do compacto. Uma plataforma aceleradora é o Africa Investment Forum, que junta os investidores a nível global com os promotores que têm projectos estruturantes em África. A plataforma é uma outra iniciativa do BAD, com outros parceiros que incluem instituições financeiras de desenvolvimento africanas e não africanas como o Banco Europeu de Investimento. Por que razão houve a necessidade de agrupar os PALOP num grupo? O Banco sente que não está a conseguir penetrar nestes países da forma que pretendia? Não se trata de um agrupamento de países, mas sim de um catalisador da implementação das áreas prioritárias do banco liderado pelo sector privado. Ora, sendo os PALOP não geograficamente integrados, mas com fortes laços históricos, culturais e linguísticos – e partilhando os mesmos desafios como, por exemplo, o desenvolvimento sustentável e inclusivo do sector privado –, o BAD identificou a necessidade de aprofundar a cooperação económica no seio da comunidade dos países lusófonos. Isto, reforçando, ao mesmo tempo, a sua integração em cada região e as suas ligações às cadeias de valor do comércio intra-regional e www.economiaemercado.co.mz | Fevereiro 2021
ENTREVISTA
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MERCADO E FINANÇAS
O BAD criou, em parceria com os governos de Portugal e dos PALOP, a iniciativa Compacto Lusófono como um quadro para acelerar o crescimento, permitindo aumentar o financiamento ao sector privado global. Por isso, o BAD criou em parceria com os governos de Portugal e dos PALOP a iniciativa Compacto Lusófono que serve como um quadro estratégico para acelerar o crescimento inclusivo, sustentável e diversificado do sector privado nos PALOP, que permitirá, ao mesmo tempo, aumentar o volume de financiamento do BAD ao sector privado nesses países. Qual é o valor mínimo que um projecto tem de ter para se candidatar ao financiamento neste modelo? Devido aos custos elevados associados ao financiamento de projectos privados, para a janela de financiamento directo ao sector privado, o BAD considera projectos no valor mínimo de 30 milhões de dólares. Isto também vai ao encontro da política do banco que estipula que a comparticipação financei-
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ra máxima do BAD em qualquer projecto não deve exceder 33% do custo total – custo do projecto ou do programa de investimento. Isto permitirá ao BAD co-financiar com outros financiadores comerciais ou parceiros. É importante salientar que o papel do BAD não é competir com bancos comerciais, mas sim mobilizar capital privado para financiar projectos estruturantes no continente, em vez de o excluir ou de distorcer o mercado. No entanto, o BAD dispõe de vários instrumentos e iniciativas que apoiam projectos de menor dimensão… Sim. E fá-lo principalmente através de intermediários financeiros locais e regionais ou de programas de investimento. Os exemplos incluem empréstimos e linhas de crédito a institui-
ções financeiras locais e regionais para repassar às entidades de sectores diferentes. O BAD também investe em fundos de participação privada que, por sua vez, fornecem capital inicial às PME para a sua sustentabilidade e crescimento, a fim de colmatar as lacunas de financiamento persistentes. O BAD também tomou nota do contexto dos PALOP e, através de vários instrumentos e iniciativas como o Compacto Lusófono, está a explorar formas inovadoras de trabalhar com intermediários para apoiar o sector privado dos respectivos países, bem como atrair investimentos. Como sabemos, a maior parte dos PALOP tem constrangimentos em estruturar projectos de grande dimensão, por isso o BAD propõe veículos especiais de investimento como instrumentos importantes para apoiar o desenvolvimento do sector privado, especialmente em economias menores, com o objectivo de permitir o financiamento de pequenos projectos, mas de grande impacto económico e social. www.economiaemercado.co.mz | Fevereiro 2021
NOVOS ÂNGULOS
O caminho do Meio (Ambiente)
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Pedro Cativelos • Director-Executivo da Media4Development
izem-nos as notícias que a pandemia teve o papel principal no abrandamento generalizado do mundo e, por consequência, da economia nacional, numa espécie de ‘dupla tributação’ sobre as contas gerais do País, para utilizar um termo financeiro. O mundo abrandou, e Moçambique, demasiado dependente do exterior, ressentiu-se disso a nível interno. Como se tal não bastasse, o travão a fundo em sectores-chave como o turismo ou a indústria provocou o tal duplo impacto, de dentro para fora e de fora para dentro, que penaliza a economia nacional e os seus agentes a dobrar. Não é cientificamente comprovada a ideia, é certo, mas será como a sensação térmica e as temperaturas reais. Não batem certo nos graus, mas sentem-se na pele. Ao ler o Relatório sobre Execução Orçamental de 2020 percebemos melhor porquê. A contribuição dos megaprojectos atingiu 20,2 mil milhões de meticais, correspondente a 8,6% da receita total cobrada, com um brutal decréscimo de 72,4.% em relação a 2019, algo que o relatório aponta como “referente aos sectores de Exploração de Petróleo e de Recursos Minerais que registaram decréscimos de 87,0% e 5,6%, em termos nominais” face a igual período do ano passado. A justificação está, na não contabilização de mais-valias que se verificaram em 2019 e, claro, na redução na contribuição das empresas do carvão causada pela eclosão do covid-19”. O exemplo da Vale que, primeiro, parou, tal como muitas outras indústrias, para agora anunciar a sua saída do País, fruto de uma mudança de shift, a nível global, mostra um caminho que muitas das grandes empresas mundiais começaram a trilhar há já algum tempo. E uma tendência que a pandemia só veio acelerar. O carvão tem, há anos, os dias contados, enquanto fonte ‘suja’ de energia necessária, sendo já proibida a sua utilização como acontece em muitos países da União Europeia, por exemplo. Mas bastaram meses de covid-19 para o ‘enterrar’ de vez. China, Índia, África do Sul e EUA utilizam-no ainda para alimentar fábricas, mas Biden, agora sentado no lugar de Trump, devolveu os pontos ao ambiente assistindo para a vitória contra o carvão. Mesmo aqui ao lado, na África do Sul, onde 90% da energia produzida provém de centrais térmicas, o Governo aprovou em Setembro passado a estratégia de desenvolvimento de baixas emissões (LEDS) que apelida
de “início da viagem em direcção a uma economia com zero emissões até 2050”. E uma resposta ao Acordo de Paris para que os países estabeleçam estratégias climáticas a longo prazo que congrega uma abordagem holística de políticas, planeamento e investigação entre todos os sectores produtivos. Mas há mais exemplos, alguns que nos dizem bastante. A Total, está, também ela, numa fase de transformação conceptual da sua imagem e negócio. Não tanto pelo LNG que é das menos poluentes entre as fósseis e até bem vista enquanto alternativa imediata ou transitória por comparação ao crude. A multinacional francesa quer assim, nas próximas décadas, reduzir o impacto do petróleo no seu portefólio, aumentar o do LNG e diversificar, recorrendo às renováveis. Para isso, tem um plano de investimento de 500 milhões de dólares por ano, cerca de 3% da sua despesa total de capital, para fazer crescer o negócio de baixo carbono e criar uma oferta mais ampla para abranger gás, energias renováveis, eficiência energética, combustíveis limpos e tecnologia de captura, bem como a energia fotovoltaica e eólica. A ENI, outra bem nossa conhecida gigante multinacional, revelou em meados do ano passado aquela que foi aclamada como uma das promessas climáticas mais ambiciosas feita por uma ‘supermajor’ do oil & gas: reduzir as emissões de gases com efeito de estufa em 80% durante as próximas três décadas. Também aí, a sua produção de gás natural passará a representar 85% da produção total. Boas notícias para Moçambique aqui. E haverá dezenas de outros exemplos de empresas que estão a ver para lá da curva. Pode discutir-se se o fazem pela rentabilidade pura e dura de um novo nicho em que a Mckenzie estima que irão ser investidos 350 mil milhões de dólares para que, até 2035, as renováveis que representam hoje 4% do total da fonte energética global cheguem aos 12%. Ou se é negócio, apenas, até porque o cluster das renováveis, assente na mineração de materiais raros, também tem um lado negro, diferente do verde que nos querem ‘vender’. A verdade é que os grandes poluidores das últimas décadas serão os grandes investidores de um amanhã ecológico. Confuso? Que o novo normal não seja ‘business as usual’ e que o caminho do Meio, não seja apenas um meio para atingir os velhos fins que nos trouxeram até aqui.
Se é negócio, relações públicas ou, quem sabe, uma crise de consciência: os grandes poluidores de ontem serão os grandes investidores de um amanhã ecológico. Confuso ou nem tanto?
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EspecialInovação
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46 HEALTH-TECHS A pandemia do novo coronavíris está a estimular o surgimento de várias startups africanas que ocasionam uma rápida evolução na qualidade dos serviços de saúde em todo o continente
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FRESH & GREEN
A inovação que permite produzir hortícolas com maior eficiência
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OPINIÃO
Um olhar sobre a importância e perigos do uso das criptomoedas
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As notícias da inovação em Moçambique, África e no Mundo
HEALTH-TECHS
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Start-ups Africanas Apostam na Transformação Digital dos Sistemas de Saúde Na última edição da Web Summit, a maior conferência mundial de tecnologia que, desde 2016, se tem vindo a realizar em Lisboa (Portugal), a start-up etíope foi a grande vencedora, de entre 700 participantes, da competição PITCH promovida pela multinacional KPMG TEXO Rui Trindade • FOTOGRAFIA D.R.
O
trabalho desenvolvido pela Labibela Global-Networks foi considerado de relevância excepcional para a transformação digital do sector da saúde no Leste da África. O projecto que deu o primeiro lugar na competição à Labibela Global-Networks, designado ABAY-CHR, e que arrancou em 2019, tem como objectivo a digitalização dos processos de gestão hospitalar. O ABAY-CHR permite a simplificação dos procedimentos hospitalares e tem, comprovadamente, melhorado a qualidade do atendimento prestado pelos hospitais. Desde que começou a ser implementado, o ABAY-CHR já permitiu digitalizar 1,2 milhões de registos de pacientes. Wuleta
da em Outubro passado, e que é organizada pela International Telecommunication Union, a agência das Nações Unidas para o sector das telecomunicações. A Appy Saúde desenvolveu uma aplicação móvel, disponível desde 2017, que permite aos seus utilizadores reservar medicamentos e encomendar produtos farmacêuticos não sujeitos a receita médica, marcar consultas e aderir a seguros de saúde. A aplicação permite ainda que os seus usuários identifiquem a farmácia mais próxima, os melhores preços e a disponibilidade dos medicamentos. Neste momento, o aplicativo da Appy Saúde dá acesso a mais de 1500 farmácias, 320 clínicas privadas e 275 hospitais públicos em Angola. De acordo com notícia avançada pela Disrupt Africa,
Os últimos anos têm sido marcados por um boom que está a permitir soluções inovadoras na saúde Lemma, co-fundadora e CEO da Lalibela Global-Networks, sublinhou, ao receber o prémio, que a pandemia só veio dar ainda mais ênfase à importância do trabalho que tem sido realizado: “A Covid-19 mostrou a importância de termos registos médicos seguros o que, para mim, deveria ser um dos direitos humanos essenciais”. Mas a Labibela Global-Networks está longe de ser a única start-up do continente africano cujo trabalho inovador tem vindo a ser reconhecido internacionalmente. Também a start-up angola Appy Saúde foi recentemente premiada, na categoria de eHealth, durante a conferência interncional ITU Virtual Digital World 2020, realizawww.economiaemercado.co.mz | Fevereiro 2021
a start-up angolana pretende expandir as suas actividades para outros países do continente, nomeadamente África do Sul, Ruanda, República Democrática do Congo e Namíbia. Independentemente destes projectos que, entre outros, obtiveram notoriedade internacional, o mais recente relatório da Disrupt Africa (High Tech Health: Exploring the E-Health Startup Ecosystem Report 2020) mostra, de forma inequívoca, que os últimos anos têm sido marcados por um boom no sector e permite também ter uma visão ampla da diversidade dos actores e das tecnologias que estão a criar soluções inovadoras e, por via disso, a atrair, cada
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AGRITECHS
vez mais os investidores internacionais. De acordo com o relatório, o número de health-techs no continente africano cresceu, nos últimos três anos, 56,6% havendo, neste momento, 180 start-ups activas. Um dos dados interessantes do relatório – que detalha o crescimento do investimento ao longo dos últimos cinco anos – é que mais de metade do valor deste investimento aconteceu já em 2020, em plena pandemia do novo coronavírus. Nos primeiros seis meses do ano passado, as health-techs de África conseguiram investimentos na ordem dos 90 milhões de dólares.
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Telemedicina, drones e ferramentas de diagnóstico inovadoras
O relatório destaca ainda a grande variedade do tipo de soluções tecnológicas que estão a ser desenvolvidas por estas start-ups. Vejamos, a título ilustrativo, alguns dos casos mais exemplares: Com a pandemia, uma das áreas que teve maior desenvolvimento foi o das consultas online. Na Nigéria, a eHealth Africa criou uma plataforma para permitir o acesso rápido dos cidadãos a consultas médicas sem necessidade destes se deslocarem a clínicas ou hospitais. Ainda na Nigéria,
também a Helium Health, que durante os últimos anos se tinha focado sobretudo na digitalização dos registos médicos hospitalares, desenvolveu uma plataforma de consultas online que conta já com dezenas de hospitais e clínicas ligadas à sua plataforma. Uma outra área que conheceu um grande desenvolvimento ao longo do último ano foi a da distribuição de medicamentos e equipamentos médicos através do uso de drones. O caso mais conhecido é, certamente, o da Zipline a qual, já antes da pandemia, se tinha destacado no Ruanda, pelo uso de www.economiaemercado.co.mz | Fevereiro 2021
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de ferramentas de diagnóstico inovadoras, quer na agilização e disponibilização junto da comunidade médica e hospitalar de meios de diagnósticos sofisticados. No primeiro caso refira-se, por exemplo, a sul-africana Erada que criou um teste para a malária através da análise da saliva. O teste permite ter resultados em 5/10 minutos e evita a colheita de sangue. Por seu turno, a queniana Illara Health desenvolveu um kit de diagnóstico para diabetes e hipertensão – que tem estado a ser usado por médicos e farmácias em zonas rurais do país e que usa ferramentas de Inteligência Artificial. O kit inclui uma série de dispositivos móveis, como smartphones, que habilitam os profissionais de saúde a conectarem-se em tempo real com a base de dados da Illara Health para confirmação do diagnóstico. Há que recordar que, já em 2014, África já se tinha destacado pela criação da Dabadoc, plataforma que permitiu a conexão de médicos e pacientes de Marrocos e Tunísia.
Como a IA vai revolucionar o sector da saúde
Estes desenvolvimentos inserem-se no quadro mais amplo das transformações que, a nível global, estão já a ocorrer em todo o ecossistema do sector da saúde por via da digitalização das diversas componentes e segmentos que o compõem. Em particular, a crescente aplicação da Inteligência Artificial e dos programas de Machine Leraning (Aprendizado-Máquina) prefiguram uma mudança radical no que foi, até agora, o modelo convencional de operar do sector da saúde.
na área de aplicação da Inteligência Artificial no sector da saúde – cifra-se em cerca de 230. O relatório oferece, no entanto, uma visão abrangente de como a Inteligência Artificial já está a impactar o ecossistema da saúde e como os futuros desenvolvimentos mudarão definitivamente o seu modus operandi. Um dos aspectos mais relevantes tem que ver com a capacidade preditiva da tecnologia. Por exemplo, a partir da análise de grandes volumes de informação já existente (exames médicos, tomografias, electrocardiogramas, etc.) será possível extrair padrões de dados e chegar a modelos estatísticos de probabilidade de um evento ou patologia ocorrer. De igual modo, e de acordo com um estudo da consultora Accenture, de 2018, a aptidão da Inteligência Artificial para melhorar a eficiência da análise de imagens, sinalizando de maneira rápida e precisa anomalias, irá ter um impacto signicativo no diagnóstico médico e na tomada de decisão. O estudo da Accenture destaca ainda outra área cujo potencial já começa a ser explorado e irá conhecer um rápido desenvolvimento: o das cirurgias robóticas assistidas por programas de Inteligência Artificial. O uso desta tecnologia na análise dos dados e dos registos médicos pré-operatórios e o seu apoio na condução dos procedimentos operatórios levados a cabo pelo cirurgião irá aumentar a eficiência dos procedimentos e assim gerar uma redução de 21% no tempo de permanência dos pacientes no hospital. Para a Accenture, o impacto da Inteligência Artificial – descoberta de novos medica-
O número de health-techs em África cresceu, nos últimos três anos, 56,6% e há 180 start-ups activas drones. Actualmente, a Zipline é responsável, por exemplo, por transportar 35% de todo o sangue usado para transfusões no país. Cada drone consegue percorrer uma distância de 160 km a partir dos centros de distribuição o que significa conseguir chegar a algumas das comunidades mais remotas do país. Outro exemplo é o da nigeriana LifeBank que assegura com os seus drones o transporte e a entrega de sangue, vacinas e oxigénio para hospitais, evitando assim que pessoas morram por falta destes recursos. Um segmento importante das start-ups tem-se focado quer no desenvolvimento www.economiaemercado.co.mz | Fevereiro 2021
O recente relatório da Market Data Forecast (Big Data Healthcare Market- Growth, Trends, and Forecast 2020 - 2025) estima que o mercado global da saúde digital ultrapasse os 312 biliões de dólares até 2025 sublinhando que a pandemia da Covid-19 acelerou a adopção e a inovação de soluções digitais, principalmente através do uso de sistemas baseados em Inteligência Artificial. De acordo com o relatório, o número estimado de start-ups que, a nível global, estão a utilizar a Inteligência Artificial para a descoberta e desenvolvimento de novos medicamentos – apenas uma peque-
mentos, elaboração de modelos preditivos reforçando a “medicina preventiva”, reforço da capacidade de diagnóstico e da possibilidade de “soluções personalizadas” para cada paciente, aumentos de eficiência nos fluxos operacionais hospitalares e nos procedimentos cirúrgicos, etc. – combinado com a multiplicação de opções de telemedicina (consultas à distância) e de aplicativos inovadores bem como de plataformas online em rede (conectando todos os actores do ecossistema) serão os elementos estruturais que irão configurar os sistemas de saúde do século XXI.
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Fresh and Green
Produzir sem Terra nem 85% da Água Necessária A hidroponia é um sistema novo em Moçambique. Ainda assim, já há algumas iniciativas que procuram adoptá-la como modelo de negócio, sendo pioneira a empresa Fresh and Green TEXTO Hermenegildo Langa • FOTOGRAFIA Mariano Silva
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adopção de novas técnicas aliadas às soluções sustentáveis e amigas do ambiente em diferentes negócios é uma prática que se dissemina muito rapidamente no mercado, numa altura em que está em voga a necessidade de reduzir a emissão de poluentes do meio, que vão acelerando o processo de mudanças que hoje tendem a tornar-se numa verdadeira crise climática que o mundo enfrenta. A Fresh and Green é o exemplo destas iniciativas voltadas para a valorização do meio ambiente. É um projecto que se dedica ao cultivo de hortícolas através do sistema hidropónico, reduzindo o máximo possível o desperdício da água. Por exemplo, a produção de alface, principal core business da empresa, e que é praticada numa área de quatro campos de estufas, usa apenas 15% da água comparativamente às outras práticas agrícolas. “Aqui não desperdiçamos água. Se compararmos com o cultivo no solo, apenas usamos 15% a 20% da água no cultivo normal em pouco espaço de produção. Portanto, fazemos a recirculação da água e a cada 15 minutos damos uma pausa no sistema por mais 15 minutos”, explica Jenaro Lopes, director-geral da Fresh and Green, ressalvando que “o objectivo deste projecto é estimular a produção de hortícolas ao nível interno por forma a substituir a importação desses produtos a partir da África do Sul”. Aliás, a falta de alface e outros produtos no mercado nacional em determinados períodos do ano foi também uma das razões
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que inspiraram o surgimento deste projecto. “Vemos que as grandes cadeias de supermercados no nosso país são sul-africanas e elas trazem produtos especiais como estes que a Fresh and Green produz aqui em Moçambique. Então, a ideia é romper esta dependência total da África do Sul”, justifica o gestor. No projecto hidropónico, Jenaro conta que há várias inovações que foram adoptadas de modo a que se torne ainda mais favorável para Moçambique, tendo em conta as mudanças climáticas. “Produzimos num ambiente controlado onde evitamos a entrada dos insectos no interior das estufas para não danificar os produtos, portanto, fazemos um controlo defensivo contra eles”, sublinha. Com apenas três anos de existência, o projecto ganhou o mercado da capital do País e arredores. Até aqui, a alface produzida pela Fresh and Green, de diferentes tipos, já é fornecida nos principais estabelecimentos hoteleiros e de restauração, estando neste momento a fornecer também alguns supermercados das cidades de Maputo e da Matola. Mas, por causa da pandemia, “agora estamos a trabalhar nos 30% a 40% da nossa capacidade de produção, pois há muitos hotéis e restaurantes que continuam fechados e alguns ainda não fazem refeições”, lamentou o empreendedor. Sem medo da concorrência, Jenaro Lopes sai em defesa dos benefícios para o País e incentiva os outros agricultores a replicarem esta técnica de produção.
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EMPRESA Fresh and Green DIRECTOR-GERAL Jenaro Lopes ANO DE FUNDAÇÃO 2018 MÃO-DE-OBRA 4 Trabalhadores
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Saúde
Moçambique testa eficácia da vacina contra a tuberculose no combate ao covid-19 O Centro de Investigação em Saúde da Manhiça (CISM) começa em Fevereiro corrente ensaios clínicos sobre a eficácia da BCG, vacina usada contra a tuberculose, no combate ao covid-19, disse recentemente o director científico da instituição, Francisco Saúte. “O que se pensa é que a BCG possa também ser benéfica no combate ao covid-19, essa é a hipótese que se levanta”, constatou Saúte. O CISM pretende replicar ensaios já em curso em países como África do Sul, Ho-
landa e Austrália sobre a provável capacidade da referida vacina no combate à pandemia. “Pode ser que a vacina não impeça a infeção, mas consiga impedir as suas formas mais graves pelo novo coronavírus”, enfatizou o diretor científico do CISM. Por outro lado, um eventual falhanço da eficácia da vacina nos países que já estão a fazer ensaios não implica necessariamente que a mesma não possa ser válida noutros territórios, explicou Saúte.
Ciência
País prepara mapeamento de pesquisa tecnológica
Inovação
Scanner portátil detecta covid-19 em pessoas ou superfícies O dispositivo, que é chamado de “The COVID Hunter”, está a ser desenvolvido pela empresa norte-americana Advanced Medical Solutions International (AMSI) e é capaz de localizar a presença do coronavírus que provoca a doença covid-19 dentro de humanos – como nos seus pulmões, garganta, nariz e pele – sem ter de lhes tocar ou estimular de forma invasiva.
Tudo o que precisa de ser feito é apontar o scanner a uma distância de dois metros de uma pessoa ou objecto. Na fase de testes, o The COVID Hunter mostrou uma taxa de precisão de mais de 99%, conseguindo diferenciar entre pacientes positivos e negativos, e detectando amostras positivas para o covid-19 validadas através de um teste de PCR.
Agricultura
Inteligência artificial melhora o cultivo de abacate na África do Sul A SupPlant, uma solução tecnológica para a agricultura de precisão criada em Israel e com experiência comprovada em tecnologia de ponta para a área agrícola, utiliza algoritmos agronómicos, sensores, inteligência artificial, grandes dados e tecnologia baseada em nuvens, a fim de alcançar melhores desempenhos da produção, especialmente ao nível da quantidade de água utilizada. Olhando para a cultura do abacate, eles desenvolveram um modelo de dados utiwww.economiaemercado.co.mz | Fevereiro 2021
lizando algoritmos preditivos baseados na análise deste fruto. A aplicação móvel permite a todos os agricultores parceiros monitorizarem as parcelas e controlar o seu orçamento de água a partir de qualquer lugar. Com a aplicação, cada agricultor é capaz de ver a informação de cada parcela, exibições gráficas dos planos de irrigação passados e futuros, dados climáticos actuais e previstos específicos para cada parcela, percepções agronómicas, padrões de crescimento, etc.
Moçambique equaciona a realização do primeiro mapeamento de pesquisas e inovações tecnológicas produzidas em todo território nacional, uma acção que visa apurar as soluções locais que mais se adequam à resolução dos problemas enfrentados pelas comunidades. O desafio foi lançado à Academia de Ciências de Moçambique (ACM) pelo Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Daniel Nivagara, que abordou também a necessidade de se proceder ao registo da propriedade intelectual destas criações. O governante falava durante uma reunião de balanço das actividades desenvolvidas pela ACM para avaliar a Estratégia de Ciência, Tecnologia e Inovação de Moçambique (ECTIM), documento que orienta a maximização da realização de pesquisas no domínio das Ciências, Tecnologias, Engenharias e Matemáticas (STEM, na sigla em inglês). “Precisamos de maximizar as valências da ACM em fazer validação de estudos, produção e apreciação de pareceres técnicos sobre matérias inerentes ao ensino superior, ciência, tecnologia, inovação, entre outros”, desafiou o titular do pelouro.
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LÁ FORA
TANZÂNIA SOB PRESSÃO CRESCENTE POR “NEGLIGÊNCIA” PERANTE O COVID-19 Muita gente a morrer e as autoridades garantem tratar-se de surto de “pneumonia”. O preocupante é que Moçambique não parece restringir a entrada destes vizinhos, como estão a fazer alguns países da região de África e do mundo Texto Celso Chambisso • Fotografia D.R.
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postura da tanzânia vem surpreendendo o mundo desde o início da pandemia do novo coronavírus há cerca de um ano, sendo até qui o único país que se destaca na imprensa internacional por tentar convencer a todos e a si mesma de que “as orações” da população o “livraram” do problema. Mas, porque este país não está isolado do resto do mundo – mesmo porque é o vizinho do norte –, está a registar protestos crescentes de dentro e de fora, diante do aumento significativo de óbitos cujas causas as autoridades atribuem a um surto de pneumonia. Aqui é importante frisar que o covid-19 – que o Governo da Tanzânia, através do seu presidente, John Magufuli, nega que esteja presente no
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seu país – é uma infecção similar à pneumonia. Mas esta é outra história. Nos dias que correm, têm sido divulgadas várias evidências que dão conta do equívoco do presidente Magufuli, que minimiza o perigo do vírus ao ponto de não ter activado quaisquer medidas para limitar a propagação da doença, mesmo quando todos os Estados vizinhos, incluindo Moçambique, fechavam as fronteiras e impunham restrições à circulação interna. “A Covid-19 está a matar pessoas e estamos a ver muitos casos, mas não podemos falar sobre isso por causa da situação”, disse, citado pela agência France Presse (AFP), um médico a trabalhar num hospital público em Dar-Es-Salaam, capital do país, que pediu o anonimato por medo de represálias. Uma análise à situação daquele país,
publicada pela AFC e no site “Observador”, refere que a Tanzânia publicou números oficiais da infecção pelo novo coronavírus pela última vez em Abril de 2020 e anunciou, um mês mais tarde, desafiando a credibilidade dos testes, que estes tinham dado positivo para Covid-19 numa papaia, em codornizes ou em cabras. O Centro de Controlo e Prevenção de Doenças da União Africana (África CDC) considerou, mais tarde, que os testes tanzanianos eram fiáveis. A SIC Notícias também revela que, desde há cerca de dois meses, o número de casos do covid-19 neste país se mantém nos 509, com pouco mais de 20 mortos, contradizendo os dados dos partidos da oposição e de várias organizações internacionais que falam em dezenas de milhares de casos. www.economiaemercado.co.mz | Fevereiro 2021
TANZÂNIA Doenças (SSI) confirmou que duas pessoas que regressaram de uma viagem à Tanzânia deram positivo para a nova variante sul-africana, que pode ser mais contagiosa. Em Dar-Es-Salaam, uma residente disse à AFP que o seu primo tinha morrido após uma viagem de negócios à África do Sul. “Duas semanas depois de regressar a casa, sentiu-se mal e depois sofreu dificuldades respiratórias antes de morrer… Um médico disse-nos que ele tinha o coronavírus”, acrescentou. O Reino Unido proibiu os voos da Tanzânia, numa tentativa de conter a propagação da variante sul-africana, enquanto os EUA, num aviso aos viajantes emitido no início de Fevereiro corrente, afirmaram que o país tem “níveis muito elevados” de covid-19. Quebrando a lei de silêncio imposta pelo governo, a Igreja Católica na Tanzânia exortou os seguidores a protegerem-se. “O nosso país não é uma ilha. Temos todos os motivos para tomar precauções e rezar a Deus para sairmos incólumes desta pandemia”, escreveu recentemente a instituição. Em Zanzibar, uma região semi-autónoma do país, o vice-presidente, Seif Sharif Hamad, confirmou que foi hospitalizado devido à covid-19. Um médico de serviço no centro de rastreio do
respiratórias” que se dirijam “rapidamente ao hospital mais próximo para serem testadas”. Um funcionário do ministério negou, sob condição de anonimato, qualquer ligação entre esta recomendação e o coronavírus. “Não. Só queremos que as pessoas tenham cuidado, porque o número de pessoas que sofre de problemas respiratórios está a aumentar. Isto não é Covid-19”, afirmou. No mês passado, Magufuli chegou a admitir que o vírus pode estar a circular na Tanzânia, mas culpou as próprias vacinas, que considerou “perigosas”, ao afirmar que alguns tanzanianos se deslocaram ao estrangeiro para serem vacinados e “trouxeram um coronavírus estranho”. A OMS afirma estar a fazer esforços para que a Tanzânia comece a vacinar a população. “As vacinas funcionam e encorajo o governo da Tanzânia a preparar uma campanha de vacinação contra o covid-19”, disse à BBC Matshidiso Moeti, director da OMS para África, acrescentando que a organização está pronta a apoiar o país nesta campanha. Também o director do Africa CDC, John Nkengasong, fez votos para que a Tanzânia “reveja rapidamente” a sua posição sobre o coronavírus. “Este é um vírus perigoso,
No mês passado, o Presidente John Magufuli chegou a admitir que o vírus pode estar a circular na Tanzânia, mas culpou as próprias vacinas, que considerou “perigosas” A pressão A AFP também fala de esquemas do Executivo tanzaniano para impedir o fluxo de informação relacionado com o novo coronavírus: a legislação passou a proibir a publicação de artigos sobre “doenças mortais ou contagiosas” sem autorização oficial. Apesar disso, alguns (poucos) tanzanianos usam agora máscara e falam abertamente sobre o medo da doença. “Esta coisa está a atacar-nos e o Governo não quer revelá-la ou aceitá-la. Conheço quatro pessoas que morreram de pneumonia, pelo que nos foi dito, e morreram todas ao mesmo tempo”, disse à AFP Kuluthum Hussein, uma jovem de 28 anos, que esperava pelo autocarro com uma máscara colocada no rosto. Em Janeiro passado, o Instituto Dinamarquês para o Controlo de www.economiaemercado.co.mz | Fevereiro 2021
arquipélago revelou à AFP que foram ali registados mais de 80 casos entre meados de Dezembro e o início de Janeiro. “Mas não estamos autorizados a publicar estes dados. Estamos a guardá-los para uso futuro”, acrescentou. O repórter da BBC, Dickens Olewe, citado pelo jornal português “Expresso”, revela haver famílias de luto silencioso por pessoas que morreram após serem transportadas para o hospital com tosse seca e sem olfacto. A contradição O aumento do número de casos deu origem a mensagens mistas por parte das autoridades. Em Zanzibar, por exemplo, o Ministério da Saúde apelou, recentemente, para que as pessoas evitem as reuniões e recomendou a todas as pessoas que sintam “dificuldades
que se propaga muito rapidamente, e que não conhece fronteiras. Não distingue quem está ou não na Tanzânia”, afirmou. Mas a ministra da Saúde da Tanzânia, Dorothy Gwajima, que é uma acérrima defensora das posições assumidas pelo presidente Magufuli relativamente às vacinas, frisou que o país tem “o seu próprio procedimento sobre a forma de receber qualquer tipo de medicamentos”. Em conclusão, a luta que a Tanzânia e Moçambique travam para conter o terrorismo na fronteira conjunta não se estende a outro inimigo em comum, o vírus. Facto preocupante é que não há, até agora, qualquer informação oficial sobre as medidas para limitar a entrada de pessoas vindas daquele país, e que, segundo os noticiários, chegam diariamente às dezenas.
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ócio
(neg)ócio s.m. do latim negação do ócio
58 Uma viagem até ao monte Mabu, na fascinante floresta zambeziana
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e 60 Como os chefs de cozinha tem sobrevivido à crise que a pandemia sujeita à indústria de restauração
61 Em que medida a qualidade dos vinhos (des) obedece às diferentes condições da sua concepção
Berço da biodiversidade
MONTE MABU, A FLORESTA no dia em que Vanessa Ca-
MONTE MABU
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banelas subiu ao Monte Mabu com as filhas, de 6 e 8 anos, choveu “torrencialmente”. Acompanhadas de colegas de trabalho da mãe e guias comunitários, entraram na floresta húmida e caminharam ao longo de várias horas sobre um terreno acidentado e escorregadio. Lá em baixo, na comunidade de Nangaze, o líder tradicional aguardava consternado. “O líder não estava disponível quando subimos e decidimos avançar de qualquer maneira. Quando descemos, tínhamos o líder muito preocupado e disse que a chuva foi porque subimos sem ele abençoar”, conta Vanessa, membro fundador da organização não-governamental Justiça Ambiental, recordando o episódio decorrido em 2017. Mais tarde, o líder acrescentou que, depois de tomar conhecimento da ingressão na floresta, ficou a fazer
SECRETA DA ZAMBÉZIA cerimónias até que regressassem para que não lhes acontecesse nada. Afinal, era a primeira vez que entravam crianças de fora na Floresta Mabu, considerado um local sagrado pelas comunidades circunvizinhas. Com 1700 metros de altitude, Mabu ocupa uma área de cerca de 7880 hectares no interior da província da Zambézia. De cada vez que alguém pretende visitar o local, os líderes de Nangaze, Nvava, Namado e Limbue, no distrito de Lugela, devem ser consultados para realizarem a necessária cerimónia aos espíritos. É desta forma que, desde tempos imemoriais, a população local zela pela preservação de uma das últimas florestas intactas de todo o planeta. “Todo o sistema de apoio está identificado e eles sabem tudo o que se pode fazer ou
não fazer (para proteger a floresta)”, explica Vanessa. A partir de 2008, Mabu ganhou notoriedade mundial quando o explorador britânico Julian Bayliss, associado à Royal Botanic Gardens em Kew (Londres), uma instituição pública de investigação botânica do Reino Unido, realizou uma expedição àquela que é tida como a maior floresta húmida de média-alta altitude do continente. “A expedição teve uma importância muito grande, porque colocou Mabu no mapa da investigação científica”, considera Vanessa. Realizada no âmbito de uma parceria com o Instituto de Investigação Agrária de Moçambique, a expedição – que abrangeu apenas uma “pequena porção” da floresta – levou à descoberta de uma dezena de novas es-
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pécies de plantas, insectos, pássaros e mamíferos. “O conhecimento e a informação dos quais nós, enquanto humanidade, podemos beneficiar estão potencialmente aqui à nossa volta”, comenta Bayliss num registo audiovisual captado em Mabu. A projecção mundial que se seguiu trouxe, no entanto, novos desafios para as comunidades. Vanessa aponta como exemplo os relatos da população local que observou helicópteros a descer sobre Mabu para trazer investigadores cuja origem lhes era desconhecida. “Antes do mais, (qualquer investigação) tem de beneficiar as comunidades e a academia local”, defende Vanessa. É com esta preocupação em mente que a organização da qual é co-fundadora tem realizado um trabalho próximo com as comunidades, para que se organizem em associações de modo a defender os seus direitos e a estruturar o modelo de conservação. Foi neste contexto que, em 2016, se formalizou o processo de requisição do título de Direito de Uso e Aproveitamento da Terra (DUAT) para que, posteriormente, possam submeter à Administração Nacional das Áreas de Conservação (ANAC) uma proposta de criação de uma área de conservação comunitária em Mabu. A viagem que Vanessa realizou em 2017 com as filhas não foi a primeira nem será certamente a última. A voz emociona-se quando recorda o contacto com a floresta, em particular “o cheiro da floresta e o tapete imenso de folhas no chão”. “Mabu tem um cheiro próprio e é sempre fresquinho. As nascentes de água lá em cima foram a melhor água que alguma vez experimentei na minha vida”, acrescenta. TEXTO CRISTIANA PEREIRA FOTOGRAFIA SHUTTERSTOCK
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“DEPOIS DE TOMAR CONHECIMENTO DA INGRESSÃO NA FLORESTA, O LÍDER FICOU A FAZER CERIMÓNIAS ATÉ QUE REGRESSASSEM PARA QUE NÃO LHES ACONTECESSE NADA” ROTEIRO COMO IR
A partir de Quelimane, são cerca de 200 km até à sede do distrito de Lugela. Uma vez ali chegados, é imprescindível consultar as autoridades locais e tradicionais para autorizarem a entrada em Mabu. A subida leva quatro horas até ao primeiro acampamento e, depois, são mais três horas até ao cume. Conte com um mínimo de três dias para realizar o trajecto em segurança. ONDE COMER
O distrito mais próximo é Lugela. Para pernoitar na floresta, a única opção de alojamento é acampando com meios próprios e acompanhado por guias e carregadores locais. ONDE DORMIR
Para ficar em Mabu, deve levar mantimentos próprios. A cidade mais próxima para se abastecer devidamente é Mocuba. O QUE FAZER
A imersão numa floresta intacta é a experiência mais memorável que qualquer pessoa que visite Mabu pode ter.
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DE UM MODO GERAL, OS CHEFS TÊM INOVADO MOSTRANDO COMO OS AMANTES DA CULINÁRIA PODEM USAR INGREDIENTES SIMPLES E DE BAIXO CUSTO PARA FAZER PRATOS ATRAENTES
CHEFS
g a pandemia foi uma sentença de ‘morte’ para muita da
indústria da restauração em todo o mundo. Com o novo normal a basear todos os processos de intracção entre as pessoas nos meios digitais, tendencialmente, muitos chefs de cozinha buscam soluções tecnológicas para não ficarem para trás. E hoje, muitos pratos são servidos nos ecrãs dos telemóveis dos amantes da culinária nas redes sociais. E os internautas estão cada vez mais cientes disso. Sem poder frequentar os restaurantes, têm-se refugiado na “cozinha virtual” durante este período de confinamento, reproduzindo as suas receitas favoritas disponibilizadas pelos chefs que passaram assim a professores. O espanhol Ferran Adrià, chef do conceituado restaurante elBulli, afirma que se a pandemia é uma “tragédia” para os restaurantes, o confinamento serviu para
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CHEFS — DA COZINHA reconectar as pessoas com a cozinha. E é esta oportunidade que ele explora para se manter no mercado. “Compartilho receitas on-line e tento ensinar as pessoas a se organizarem na cozinha”, disse aquele que é um dos maiores chefs do mundo. Já o norte-americano Tom Colicchio, cujos quatro restaurantes em Nova Iorque se encontram actualmente encerrados, publicou um pequeno vídeo na rede social Instagram, demonstrando como estava a utilizar restos de couves assadas de Bruxelas e cenouras para fazer o almoço. Foi um sucesso. O chef João Costa, de Portugal, decidiu tirar o maior partido do confinamento e, inspirando-se na gastronomia tradicional portuguesa, tem estado a criar pratos sem sal, sem corantes nem conservantes. Os seus posts
AOS TELEMÓVEIS são, a algum nível, destinados a inspirar um estilo muito mais saudável de confeccionar os alimentos com benefícios a longo prazo. Outro exemplo é o da Chef americana Christina Tosi, proprietária do Milk Bar, que lançou um clube de pastelaria no Instagram Live e ensina alternativas para quem falhe um ou mais ingredientes, sem comprometer o resultado final. Se não tiver farinha pode moer aveia num liquidificador, ou se faltar um rolo de massa, pode usar uma garrafa de vinho ou um rolo de espuma muscular. O mesmo caminho é seguido por um casal de portugueses residentes em Nova Iorque. Frederico Ribeiro, co-proprietário da Té Com-
pany, uma loja de chá e restaurante West Village, com a sua esposa, Elena Liao, tem vindo a utilizar o Instagram Stories para documentar como comem em casa, numa série denominada “Chez Fred” na qual têm partilhado receitas simples, práticas e com ingredientes caseiros. De um modo geral, os chefs têm inovado mostrando como os amantes da culinária podem usar ingredientes simples e de baixo custo para fazer pratos atraentes, saudáveis e num curto espaço de tempo. E aproveitam para dar corpo a uma mudança social também nas cozinhas: se o público não pode ir aos restaurantes, estes levam a gastronomia até ao público. O que virá a seguir? www.economiaemercado.co.mz | Fevereiro 2021
A SABEDORIA CONVENCIONAL PODE MUITAS VEZES AFASTAR OS CONSUMIDORES DE VINHOS DELICIOSOS
COMO PENSAR SOBRE VINTAGES
o impulso para falar em geral sobre uma vindima, para a avaliar e até classificar, é fácil de compreender. Poucas coisas se imprimem num vinho de forma mais duradoura do que as condições de um determinado período vegetativo. Picos de temperatura, demasiada precipitação (ou não suficiente), uma calamidade como a geada ou o granizo no momento errado - todos serão expressos no próprio vinho, embora nem sempre da mesma forma. A habilidade e intenção de um produtor, juntamente com a flexibilidade para se ajustar às condições particulares de uma vindima, podem ir muito longe na produção de vinhos que transcendem as difíceis condições de crescimento de um ano. Além disso, aqueles que estão a julgar as vindimas, principalmente críticos influentes em publicações sobre vinhos, trazem frequentemente os seus gostos pessoais e expectativas estilísticas para a avaliação, complicando ainda mais uma avaliação de curto prazo. Se declarar que uma vindima é medíocre pode, por vezes, ser um problema, o mesmo pode acontecer com a caracterização de um ano como grande. Com demasiada frequência, temos visto consumidores que se fixam em vinhos de qualidade de anos considerados menos relevantes pela crítica, muitas vezes por muito menos dinheiro. Em parte, isto deve-se ao facto de as vindimas serem frequentemente avaliadas de acordo com o tempo previsto de envelhecimento dos vinhos. Os vinhos que são imediatamente acessíveis são muitas vezes considerados menos sérios - agradáveis em vez de formidáveis. Talvez os críticos precisem de reavaliar o que faz um grande ano. Será uma vindima, que vai beber bem depois de 50 anos, mas que oferece pouco prazer nos seus primeiros 20 anos, realmente melhor do que uma vindima, que é deliciosa durante 20 anos, mas que pode não ser apreciada tão bem pelos nossos netos? www.economiaemercado.co.mz | Fevereiro 2021
VINTAGES
As vindimas devem ser sempre julgadas hierarquicamente, numa única escala universal? Talvez devêssemos considerá-las simplesmente diferentes umas das outras, em vez de boas ou más, com uma melhor para os bebedores e outra para os coleccionadores e investidores. As diferenças de vindima são muitas vezes importantes. Os amantes do Chablis sabem que na vindima de 2017 os vinhos estão no estilo clássico, com todas as nuances minerais que o tornam singular entre os Chardonnay. A vindima muito mais quente de 2018 produziu um Chablis muito mais poderoso e frutado, notável neste ponto pelo impacto e não pelas nuances. Algumas colheitas, tenho de concluir, simplesmente não são muito boas. Se gosta de Champagne vintage, provavelmente já ouviu conselhos que o avisam para evitar 2011. Muitos dos vinhos, independentemente das intenções estilísticas de um produtor, têm uma estranha qualidade vegetal. Mais do que alguns Bordeaux da colheita de 2013 pareceram-me não estar totalmente maduros. Há quem goste mais do Bordeaux de 2011, que alguns críticos classificaram como inferior ao de 2013. Mesmo que as vindimas tenham diferenças pronunciadas, creio que devemos prestar-lhes menos atenção do que talvez façamos. Muito mais importante do que seguir obsessivamente as vintages é destacar os produtores cujos estilos gostamos. É simultaneamente mais divertido e melhor prática seguir os produtores que se admiram em cada colheita. Como é que gerem as condições particulares todos os anos? Como é que os vinhos reflectem cada ano? Os vinhos são complexos e pedem isso de nós. Faz parte do seu charme. Podemos ir pelo produtor ou pelo ano, pela casta, pela região e por aí fora. Até à forma da garrafa. Mas se procuramos consistência, o corredor de refrigerantes do supermercado seria um melhor local para procurar. E não a adega.
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DESENHO
A trabalhar por conta própria, Maló Sombra exibe a arte de transferir retratos para o papel
AS MÃOS QUE METAMORFOSEIAM a arte ‘chamou-o’ ainda na
infância, quando teve pela primeira vez contacto com o lápis na escola. Desenhar, então, transformou-se na melhor forma de se comunicar com o mundo. Calisto João Sigaúque, ou simplesmente Maló Sombra, como é conhecido no meio artístico, é um jovem que, com o lápis e o papel, transforma simples fotografias em surpreendentes retratos realistas. De 35 anos de idade, Maló Sombra não conhece outra forma de viver que não seja de lápis em punho. É um verdadeiro modo de vida que se expressa por meio da arte de reproduzir rostos em papel. Quando criança, transformava histórias em desenhos de quadrinhos. Quis ir além das bandas desenhadas e sentiu-se tentado a fazer retratos. Reproduziu, pela primeira vez, a fotografia do seu pai e colou-a na parede do seu quarto. Os elogios fizeram com que
CLIQUES FOTOGRÁFICOS não tivesse mais dúvidas sobre o que queria seguir, por isso, nunca mais parou. Há cerca de oito anos começou a encarar a sua arte como profissão. Nem a ânsia de ter um emprego formal tirou o gosto pela arte de desenhar fotografias, de tal forma que, mesmo quando esteve empregado numa organização, não fazia outra coisa se não desenhar, por isso, achou melhor deixar o trabalho e… continuar a desenhar. E assim o fez. Aliou o amor pela arte à necessidade de ganhar dinheiro. Hoje, são incontáveis os retratos feitos por Maló Sombra, entre desenhos de figuras públicas e pessoas anónimas que pedem emprestado o seu talento para imortalizar as suas fotografias. Habituado a reinventar-se, viu na pandemia uma oportunidade para evoluir pro-
SÃO INCONTÁVEIS OS RETRATOS FEITOS POR MALÓ SOMBRA, ENTRE DESENHOS DE FIGURAS PÚBLICAS E PESSOAS ANÓNIMAS www.economiaemercado.co.mz | Fevereiro 2021
fissionalmente. “Procuro superar os meus limites, por isso desafio-me a cada dia. Aproveito muito este período da pandemia para fazer trabalhos de estudo. Uso fotografias de figuras públicas como base para as minhas pesquisas. Aprecio o trabalho de artistas de diferentes cantos do mundo e procuro melhorar as minhas técnicas”, explicou o artista. De facto, à E&M, Maló Sombra apresentou-se com retratos nítidos, por ele desenhados, de alguns músicos, com destaque para o rapper Azagaia e a cantora Lourena Nhate. Confiante no futuro, Maló Sombra acredita que um dia possa chegar a níveis mais altos na sua arte tornando os seus retratos ainda mais realistas (afinal, a perfeição não tem limites. É possível fazer sempre melhor). “Quero subir mais degraus. O céu é o limite”, concluiu. TEXTO YANA DE ALMEIDA FOTOGRAFIA MARIANO SILVA
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VISION-S
O automóvel deverá ter um motor duplo capaz de levar apenas 4,8 segundos dos 0 aos 100 km/h
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VAI NASCER O VISION-S os veículos eléctricos es-
tão em voga e nem a Sony faltou à chamada. A empresa revelou o seu primeiro carro eléctrico, o Vision-S. Durante o Consumer Electronics Show (CES) 2021, uma feira profissional de electrónicos de consumo, realizada anualmente em Janeiro, a japonesa adiantou informações sobre o progresso do projecto. O evento deste ano foi realizado virtualmente devido à pandemia do covid-19 e, de acordo com a empresa, citada pelo “Russia Today”, o Vision-S está a ser testado em condições de Inverno na cidade de Graz,
O PRIMOGÉNITO DA SONY na Áustria. O automóvel deverá ter um motor duplo (um em cada eixo), capaz de o levar dos 0 aos 100 km/h em apenas 4,8 segundos, e atingir uma velocidade máxima de 240 km/h. Um conjunto de 40 sensores deverá tornar este veículo “consciente” do que o rodeia. Para detectar obstáculos, o Vision-S usa um sistema denominado LiDAR que lhe permite mapear o trajecto, evitar colisões e manter uma distância e velocidade seguras em rela-
PARA DETECTAR OBSTÁCULOS, O VISION-S USA UM SISTEMA DENOMINADO LiDAR QUE LHE PERMITE MAPEAR O TRAJECTO
ção aos outros automóveis. Em termos de entretenimento, o carro será uma “extensão” da casa do utilizador, uma vez que a empresa irá proporcionar aos passageiros do banco traseiro a oportunidade de jogarem Play-Station durante a viagem, graças a um sistema de “Remote Play”. O som é garantido através de altifalantes embutidos em cada assento, equipados com a tecnologia “360 reality audio”. Tal como os modelos da Tesla, o Vision-S será capaz de se conectar à nuvem para receber novos recursos e correcções de segurança. Para já, a Sony ainda não revelou quando pretende lançar o Vision-S no mercado.
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