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Tecnologia é (Des)Emprego? Como é Que Nós, e o Mercado, Podemos Reagir?
O burburino global gerado pelo ChatGPT trouxe consigo, nos últimos meses, um conjunto de inovações que, ao mesmo tempo que se constituem como soluções para inúmeros problemas, colocam simultaneamente questões sobre o futuro de inúmeras profissões que poderão, a breve trecho, vir a ser substituídas pela tecnologia. A IA será uma ameaça à existência de certas profissões? Ou podemos trabalhar juntos?
No filme Terminator2, de 1991, protagonizado por Arnold Schwarzenegger, o mundo caía num apocalipse tecnológico, desencadeado pela ascensão das máquinas criadas pela Skynet que, ao adquirirem consciência, decidem então eliminar todos os seres humanos do planeta Terra por os considerarem uma ameaça a sua existência. Há 30 anos, tudo isto era pura ficção científica, e uma obra de imaginação inatingível pelo mundo de então em que, recordemos, a Internet, os tele- logia não são acompanhadas das preocupações pelas consequências que estas podem desencadear. Pelo menos para já. Mas o debate, esse sim, está lançado e, acredita-se, será dos mais interessantes de seguir nos próximos tempos. Olhando apenas ao mundo do emprego, não é a primeira vez que o mercado do emprego é confrontado com mudanças contextuais provocadas pela tecnologia. Longe disso. Historicamente, o mercado do trabalho está em constante transformação, e profissões que deixam de existir dão espaço a novas ocu- móveis e, até os computadores pessoais, não existiam de forma massificada e disponível ao uso comum.
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No entanto, hoje em dia, a realidade parece aproximar-se da ficção, pelo menos (esperemos, claro) na parte em que as máquinas já pensam, ainda que de forma generativa baseada no machine learning e na utilização de algoritmos, e o que assistimos com a ascensão do ChatGPT e de outros mecanismos baseados na mesma tecnologia, são o primeiro sinal real de que o futuro já chegou.
Será justo dizer que o entusiasmo com que foram recebidas as inovações que já estão a surgir baseadas nesta tecno- pações para melhor atender às demandas emergentes. Tal é o caso da profissão de telefonista, fundamental até à década de 1980, muito antes da automação de serviços. Na altura, as operadoras de telefonia dependiam de profissionais que passavam os sinais de comunicação da central para canais específicos. Porém, com a automação das linhas telefónicas e o avanço da tecnologia de dispositivos móveis, essa profissão deixou de existir para o público. E o mesmo aconteceu com a profissão de linotipista (sim, existia!), cuja tarefa era a de manusear o linotipo, uma máquina de escrever tradicional que possui um depósito de linhas que armazenam um determinado número de frases prontas, optimizando o trabalho de digitação e impressão das folhas. Assim como os dactilógrafos, a máquina também exigia cursos de especialização, permitindo que os linotipistas trabalhassem em editoras e jornais. Mas com o advento da tecnologia, principalmente computadores e impressoras, esta profissão foi também extinta. Então, porque seria diferente agora?
O que vai então mudar?
O ChatGPT, e outros como o DALL-E ou o Mid Journey (criação de imagem) por exemplo, têm sido vistos en- quanto ameaça às carreiras de jornalistas, copywriters, artistas plásticos, linhas de apoio ao cliente, advogados, cientistas, médicos, programadores, manequins ou actores. E Só para citar alguns. Mas será mesmo assim? Sónia de Sousa Silva e Nuno Rocha, especialistas em RH (e administradores da Contact, uma das empresas de recrutamento líderes no mercado nacional), defendem que, na verdade, “é natural que haja preocupações, que são legítimas, mas este é um fenómeno normal e, quiçá, benéfico para o mundo das carreiras. A IA poderá extinguir empregos, mas o mercado naturalmente irá criar centenas de outras ocupações com maiores graus de complexidade e responsabilidade”, argumentam. E, lançando um olhar ao futuro, explicam como a mudança se poderá manifestar de três formas: “iremos assistir à mutação da natureza de algumas profissões, ao completo desaparecimento de umas e ao surgimento de novas actividades, porque as mudanças são uma consequência natural da evolução”.
Recrutamento já se está a adaptar
E como irão as empresas de recrutamento adaptar-se a todo este novo entorno que a IA poderá representar para o mercado? Para os administradores da
Contact “o tempo das empresas com várias pilhas de curricula em cima da mesas já acabou”, e justificam que “isto só foi possível porque a transformação digital aconteceu, incorporando mais tecnologia e ferramentas para a execução dessas atividades”. Assim, “actualmente, o uso da tecnologia em empresas como a Contact já é mais do que essencial, traz-nos mais agilidade e uma tomada de decisão mais assertiva em qualquer processo de recrutamento e selecção. Com isso, diminuem-se as etapas operacionais e garante-se mais tempo para se pensar na parte estratégica do processo”, assinalam. No entanto, há ainda coisas essenciais que a IA não faz, e dificilmente poderá fazer num futuro próximo. “Muitas tarefas e habilidades ainda exclusivamente humanas, como a empatia são, no fim de contas, importantes no processo de recrutamento e selecção. Sem interacção humana, pode ser difícil construir relações com os candidatos e avaliar a sua adequação cultural”, explicam.
Aumento exponencial das competências em IA
E continuam: “se a tecnologia já era indispensável para manter as empresas competitivas, agora ganhou maior relevância e importância, principalmente depois da pandemia. A flexibilização exigida e o home office levaram a uma maior procura de profissionais qualificados na área de tecnologias de informação”. E o mercado nacional, poderá, no médio prazo dar respostas a esta mais do que prevísivel necessidade? “Em Moçambique, assistimos às universidades a introduzirem no seu currículo licenciaturas e mestrados em Robótica e Inteligência
Artificial, e isso é um primeiro sinal claro de que já existe a necessidade em formar estes skills”.
Claro que a realidade socioeconómica de um País que ainda tem demasiados desafios mais próximos e urgentes para ultrapassar colocam a questão do impacto da IA no mercado de trabalho numa perspectiva ainda longínqua, mas já existem, hoje, sectores de actividade, como as Telecomunicações e a Banca, em que o debate sobre o processo de automação e inclusão de IA nas suas operações é tido em conta. Não haja dúvidas que a transição digital já começou e o processo é, nesta altura, imparável.
O que o mercado vai procurar
E é por isso mesmo que é essencial que os jovens moçambicanos estejam cientes de que a IA fará parte do seu (e do nosso) presente e que se devem preparar para esta nova era buscando uma maior capacitação e formação nestas matérias.
Sónia Silva e Nuno Rocha concordam que, felizmente, já há cada vez mais jovens entusiastas das tecnologias que procuram formação nessas áreas. “Se estão cientes desta transição? Parte sim, outra nem tanto. E aqui a questão é de base, é necessário criar, nos jovens, hábitos de utilização de tecnologias e de levantarem questões para a resolução dos seus problemas, questões essas que permitirão incutir mais esforço no desenvolvimento de ferramentas que nos simplifiquem o dia-a-dia”, argumentam. E aconselham: “é preciso apostar no co- nhecimento de linguagens de programação como C#, C++, Java e Python. É preciso gostar de estatística e de matemática e procurar formação superior específica nestes segmentos. As áreas que claramente vão apresentar uma procura mais acentuada serão, com certeza, a inteligência artificial, blockchain, big data e data analytics”, assinalam.
Quanto às organizações, consideram que a IA pode ser uma importante aliada na análise de grandes quantidades de dados, assim como no acesso à informação em tempo real e na relação com os clientes, como é o caso dos assistentes virtuais. “Há, como consequência, uma procura de profissionais que tenham essas competências técnicas. Mas não só, pois as competências interpessoais ou soft skills são, no mínimo, igualmente importantes para desenvolver as soluções de forma eficaz. Com a IA, a procu- ra poderá recair em profissionais ‘transversais’, capazes de trabalhar em equipa, criativos e com grande flexibilidade e, do lado das empresas, um dos desafios que se colocam a este nível será o défice de profissionais nesta área, o que as obrigará a reforçarem o investimento na formação dos seus próprios profissionais”.
Formação, o outro lado da moeda
Em Moçambique têm sido dados alguns passos no reforço da formação em robótica e, embora ainda haja um grande caminho a percorrer, no que diz respeito à IA. Os progressos a este nível começam a acontecer pela porta da Universidade Pedagógica de Maputo, mais concretamente através da Faculdade de Matemática e Ciências Naturais.
A E&M falou com Armindo Monjane, director e professor catedrático desta instituição, que nos revela que, para conseguir resultados satisfatórios na formação de quadros nacionais em tecnologias, a instituição ainda busca por parcerias internacionais e recursos financeiros, pelo que existe um plano estratégico já bem definido para atacar este objectivo, que consistirá na selecção dos programas a leccionar, dos docentes que poderão colaborar bem como nos modelos de ensino a serem adoptados.
Mas, enquanto isso não acontece, de acordo com Armindo Monjane, a UP vai investindo nas chamadas ‘Salas do Futuro’, espaços multidisciplinares que funcionam como oficinas pedagógicas para o ensino integrado em STEM (Ciências, Tecnologias, Engenharias e Matemática). Estão equipadas com kits de ciências, robótica e equipamento digital, e vão permitir a integração de várias áreas do saber no mesmo espaço com novos métodos de ensino para o desenvolvimento de competências para aprendizagem baseada na resolução de problemas da realidade quotidiana, tendo por base todas estas novas ferramentas de IA que estão agora disponíveis em open source (disponíveis para a comunidade de programadores que as queiram utilizar na criação de soluções).
Por agora está disponível apenas uma sala, instalada no campus principal da UP em Maputo, mas a previsão é que sejam instaladas outras três, em outros pontos do País.
Formação para os mais novos
Ainda no quadro da sua intervenção neste âmbito, a UP está a desenvolver o que chama de robótica educacional. Consiste em despertar, nos alunos de nível secundário, o gosto pela ciência e pelos automatismos da IA e da robótica. “À luz da robótica educacional, a Uni- versidade forma já centenas de jovens anualmente, que exibem os seus projectos numa competição promovida na academia e em que participam centenas de alunos representantes de algumas escolas da capital. Os vencedores têm, depois, a oportunidade de integrar equipas de concorrentes internacionais, que acabam por ser uma oportunidade de entrar em contacto com conhecimentos de outras realidades”, realça o responsável.
A este respeito, do último evento de robótica educacional, realizado em finais do ano passado, foram seleccionados seis alunos para um concurso internacional em Dallas, nos Estados Unidos, em Abril deste ano. Antes, graças ao mesmo evento, um outro grupo de jovens Moçambicanos tinha tido a oportunidade de participar num concurso similar na Suíça.
O projecto de divulgação da iniciativa da robótica educacional nas escolas tem apoios de várias organizações, sendo uma das principais a Osuwela – uma ONG ligada às ciências que fomenta o pensamento crítico, cria conteúdos para projectos na área da robótica, etc., –, que fornece formação para alunos e professores dos Clubes STEM das 12 escolas secundárias envolvidas na cidade e província de Maputo. Tudo isto é possível graças à aliança com parceiros estratégicos como a ExxonMobil, a VexRobotics, o Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano, entre outros parceiros.
Ainda de acordo com Armindo Monjane, a ideia passa agora por “ampliar este movimento” a cada ano que passa e tentar massificar o gosto pela IA e pela robótica para, a partir daí, começar a estimular iniciativas “made in Mozambique”, que possam contribuir para aproximar humanos e máquinas, e assim criar as respostas aos problemas concretos da sociedade moçambicana e global.