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O Fardo do Preço dos Transportes e o Peso das Taxas de Juro
Em nome de uma inflação controlada a um dígito, o Banco de Moçambique tem assumido agravamentos nas taxas de juro. Enquanto isso, a pressão dos combustíveis e dos riscos externos, entre outros factores, não dão tréguas. O preço dos transportes em Maputo, por exemplo, já subiu e não há sinais de estabilidade para este ano, dizem os economistas
Texto Celso Chambisso • Fotografia Jay Garrido
Recentemente, o Banco de Moçambique decidiu manter a taxa de juro de política monetária – taxa MIMO – em 17,25%, mas aumentou os coeficientes de reservas obrigatórias para os passivos em moeda nacional de 10,5% para 28%, e em moeda estrangeira de 11,5% para 28,5%.
Esta postura do Banco Central, que tem sido criticada pelo sector privado e por uma parte importante dos economistas nacionais, visa manter a estabilidade dos preços ao nível de um dígito, algo que não se consegue desde o ano passado, quando a inflação média anual esteve na casa dos 10,9%, sendo que para este ano a previsão do Governo é de 11,5%.
Paralelamente, e apesar disso, a pressão sobre os preços não pára. O preço dos transportes de passageiros, por exemplo, já foi agravado em três meticais na cidade capital do País, o que reduz ainda mais o poder de compra das famílias.
Ambas as medidas têm potencial para criar instabilidade na microeconomia (famílias e empresas) com impactos que não são de ignorar ao nível da macroeconomia.
Mas para uma melhor percepção do que nos espera nos próximos meses (e se calhar ao longo de todo o ano), a E&M traz a visão de três economistas, pesquisadores em Economia de Desenvolvimento e docentes universitários.
Cenários de crise em cadeia
O economista Elcício Bachita começa por alertar que “a subida dos preços dos transportes vai, sem dúvida, afectar adversamente o tecido empresarial nacional e as famílias moçambicanas no geral”.
Começando pelas empresas, avança que o agravamento da tarifa dos transportes implicará um custo adicional de produção das que operam sobretudo na agricultura e na indústria, e explica que estas dependem de matérias-primas e bens de capitais que transitam por via rodoviária (que, entretanto, está mais cara).
Assim, “os custos elevados para transportar os mesmos vão ditar a subida dos custos de produção o que irá, certamente, encarecer o custo do produto final a ser vendido ao consumidor, podendo, igualmente, reduzir o seu poder de compra e, por conseguinte, a margem de lucro das empresas”.
Além disso, a subida dos preços dos transportes vai afectar negativamente as finanças das famílias mais desfavorecidas, reduzindo os bons resultados de luta contra a pobreza que o País já vinha alcançando. Prevê ainda que se registe uma subida generalizada dos preços dos produtos alimentares podendo reverter o cenário decrescente das pressões inflacionárias na economia, como se verificou entre os meses de Dezembro do ano passado (10%) e Janeiro deste ano (9,78%).
Daqui adicionam-se também os riscos e incertezas associados às mudanças climáticas, ataques terroristas e elevados custos de produção que poderão contribuir para uma aceleração da taxa de inflação acima de 10% ao longo do ano, o que também poria em causa o crescimento.
“O PIB real poderá estar abaixo dos 5% previstos pelo Governo e pelo FMI, pois a inflação não irá estimular o consumo e o investimento privado ao nível das PME. A inflação estimula o crescimento da economia quando a velocidade da subida dos preços de bens e serviços ao longo dos 12 meses do ano vai até 2%, o que não se vai verificar este ano”, explicou, recomendando que “o Governo deve adoptar políticas fiscais e monetárias mais coesas que possam reduzir a inflação e estimular o crescimento do PIB”.
Muita pressão
O economista Egas Daniel começa por recordar que os transportes perfazem uma percentagem significativa no orçamento familiar em Moçambique, em torno de 4% a 5%, “por isso é inevitável que este ajuste tenha impacto na vida das pessoas, e quanto mais pobres forem mais impactados serão porque têm de ajustar um orçamento cada vez mais apertado para assegurar o transporte, em muitos casos indispensável.
E por causa do peso que tem ao nível do orçamento, o ajuste agora verificado do preço dos transportes vai ter reflexos na inflação”. Mas, ao contrário da leitura feita por Elcídio Bachita, Egas Daniel não vê um cenário de uma inflação anual a crescer além das previsões (média de 11,5%). Explica que “a inflação média anual de 2023, embora neste momento esteja num contexto de abrandamento, continuará alta e na casa dos 11,5% de acordo com o Plano Económico e Social e Orçamento do Estado (PESOE 2023), o que faz acreditar que o Governo pode ter incorporado uma possível mexida dos preços administrados dos transportes e dos combustíveis.
Ou seja, não é de esperar que a inflação esteja fora destas previsões porque, possivelmente, o Governo já equacionava esta mexida do preço dos bens administrados na previsão de inflação inicialmente feita”.
Mas o economista Constantino Marrengula rebate: “a nossa capacidade de previsão é bastante limitada e não me parece que o ajuste actual tenha sido contemplado nos 11,5 % previstos”, refere, acrescentando: “esta situação ainda vai transferir-se na cadeia de preços e agravar a sua subida. Pode ser que a inflação avance bem além do que se conhece das previsões oficiais”.
Constantino Marrengula, por sua vez, ressalva que esta situação não vai afectar todos na mesma dimensão. Entende que vai recair mais sobre as famílias e sobre as micro e pequenas empresas, uma vez que “as empresas que operam em situação monopolista e oligopolista conseguem repassar o custo da inflação ao consumidor final.
Mas as de pequena dimensão têm grande dificuldade em fazer o reparo e acabam amortecendo parte do choque inflacionário nas suas próprias contas”.
Mais desequilíbrios do lado das taxas de juro
Elcídio Bachita lembra que os agravamentos das taxas de juro por parte do Banco de Moçambique fazem parte do seu papel como regulador do mercado financeiro, visando enxugar o dinheiro em circulação dentro do sistema financeiro, tornando-o menos acessível ao público e ao sector privado.
Tudo para perseguir o mandato de conter a subida generalizada de preços a curto e médio prazo. Mas alerta que o ajuste do coeficiente de reservas obrigatórias em moeda externa de 11,5% para 28,5% é uma medida que, apesar de evitar uma eventual depreciação do metical em relação ao dólar e ao euro, bem como evitar o outflow da moeda externa devido ao aumento da procura para transacções ao nível externo, poderá propiciar o aumento dos custos das importações e favorecer o aumento do desequilíbrio na balança de pagamentos do País.
Já Egas Daniel explica que o ajustamento das reservas obrigatórias – percebidas como a obrigatoriedade de os bancos comerciais depositarem parte da sua liquidez no Banco Central sem nenhuma remuneração – funciona como uma medida complementar e alternativa à subida da taxa MIMO “que já se mostra insustentável e até ineficaz se continuar a subir sem ter outros instrumentos complementares”.
Ou seja, “a ideia é aumentar o grau de resposta do sistema financeiro aos aumentos anteriores da taxa MIMO, para enxugar a liquidez excessiva associada ao aumento das despesas do Governo, por sua vez ocasionada pela implementação da Tabela Salarial Única e pela tendência crescente do endividamento público”.
O economista entende que estas medidas acabam por ser desafiadas por choques externos (guerra na Ucrânia, alterações climáticas, etc., e a frágil capacidade de resposta interna), “o que mostra que o País só poderá retomar a estabilidade em 2024, porque os efeitos das medidas do Banco de Moçambique são de médio prazo. Por exemplo, começou a aumentar a taxa MIMO no ano passado, mas até no presente ano teremos uma inflação acima da meta estabelecida num dígito”, concluiu.
Para o economista Constantino Marrengula, esta postura do Banco de Moçambique reflecte que a instituição está a tentar evitar o pior, por isso está a realizar choques muito grandes nas taxas de juro. “Confunde-se um pouco com uma instituição que procura fazer a sua parte para minorar o impacto dos problemas que outros sectores da economia provocam”, argumentou.
Com a elevaçao do Coeficiente de Reservas obrigatórias, teme-se que os pequenos bancos percam a capacidade de conceder financiamentos.