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Uma Década à Espera de Uma Lei… E Muito Ainda Por Esclarecer
O tempo passa, mas prevalecem muitas zonas de penumbra quanto ao futuro da exploração de recursos naturais. Ainda assim, os entendidos na matéria não se cansam de “emprestar” o seu saber na tentativa de mudar o rumo das coisas
Texto Celso Chambisso e Manuel Mandlaze • Fotografia Istock Photo
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Nunca ficaram claras as razões para quase se ter abandonado a ideia de instituir uma lei de Conteúdo Local, da qual se fala há cerca de dez anos, e cuja proposta chegou a ser aprovada em Agosto de 2019 pelo Conselho Económico. Hoje, várias versões são chamadas à análise quando se levanta esta questão vital para um país rico em recursos naturais, principalmente o gás natural.
A E&M ouviu três figuras que acompanham de perto matérias relacionadas com o Conteúdo Local e que tentaram explicar os obstáculos que existem no terreno, como removê-los e quais as implicações da sua eventual prevalência para a economia.
O primeiro é Florival Mucave, expert em Oil & Gas, com experiência de trabalho em empresas como a petrolífera estatal angolana SONANGOL e actual presidente da Câmara de Energia de Moçambique (CEM).
Sobre a proposta de lei de Conteúdo Local, Mucave diz ter-se apercebido que “durante os trabalhos da sua elaboração, os diferentes ministérios que participavam não tinham clareza do que pretendiam, pelo que cada um apresentava uma visão diferente sobre o assunto”.
Será por isto que não se consegue chegar a consensos. Assim, o presidente da CEM defende que as empresas moçambicanas devem criar parce-
rias com empresas estrangeiras, de modo a ganharem capacidade e experiência para competirem na indústria de hidrocarbonetos.
O outro é o economista Humberto Zaqueu, com larga experiência de trabalho na monitoria de grandes projectos e actividades do Governo, e que entende ser importante, primeiro, criar-se capacidade tecnológica, financeira e humana para as empresas moçambicanas competirem com as estrangeiras no fornecimento de bens e serviços às concessionárias do gás da Bacia do Rovuma, o que não parece estar a acontecer ou, pelo menos, não está no ritmo desejado.
Ao contrário de Florival Mucave, que defende que mais do que se criar uma lei, é necessário que se crie uma visão e/ou estratégia sobre o Conteúdo Local que poderia designar-se por Conteúdo Nacional, Humberto Zaqueu acredita que “é importante que se aprove a lei porque teremos indicadores para perceber o impacto que esta terá nas empresas moçambicanas”.
O outro lado da história na voz da sociedade civil
A E&M ouviu, igualmente, Adriano Nuvunga, director-executivo do Centro Para a Democracia e Desenvolvimento (CDD), uma das mais interventivas organizações da sociedade civil que fazem uma espécie de rastreio do que se passa na indústria extractiva.
Nuvunga refere que, apesar de as multinacionais envolvidas nos projectos de gás em Moçambique se posicionarem a favor da defesa dos interesses do País, na realidade, são elas que pressionam o Governo a não avançar com a proposta de lei para a Assembleia da República. Entende que aquelas empresas buscam salvaguardar os seus interesses na contratação de bens, serviços e mão-de-obra, para além de escaparem à obrigatoriedade de alienarem as suas acções.
Refere, igualmente, que o decreto-lei que atribui um regime especial para as áreas 1 e 4 da Bacia do Rovuma é uma prova da pressão que as multinacionais exercem sobre o Governo. “Se formos a observar, as multinacionais já têm estabelecidos contratos de prestação de produtos e serviços com empresas experientes de outros países”, explicou. “Sem uma lei de Conteúdo Local, o País não terá argumentos legais para impor a preferência na aquisição de bens e serviços locais, na contratação de mão-de-obra local e na participação de singulares e pessoas colectivas privadas e públicas nos projectos de grande dimensão”, reforçou.
Florival Mucave concorda, mas explica de outra forma. “Uma lei de Conteúdo Nacional também não será do agrado de alguns investidores estrangeiros, pois as multinacionais têm o que chamam de global supplier, ou seja, as contratadas e as subcontratadas para os produtos e serviços que pretendem. Quando tu lhes dizes que quando chegarem a Moçambique têm de ter um parceiro nacional, que seja uma empresa ou cooperativa constituída por moçambicanos que vai ter 15%, tu estás a tirar 15 % daquela empresa em benefício dos nacionais”, esclareceu.
Tirando as conclusões feitas por estas fontes, a imprensa reporta, inúmeras vezes, várias iniciativas levadas a cabo pelas multinacionais para apoiar empresas nacionais a se posicionarem. Tempo é tudo o que já não temos, restando apenas aguardar para ver o desfecho deste enredo.
Fontes de inspiração
No que se refere à experiência de outros países que desenvolveram a indústria do petróleo e gás com sucesso, Florival Mucave avançou que Moçambique deveria aprender com Trinidad e Tobago. “Eles têm a vantagem de ser uma ilhacom uma população pequena, mas em termos de utilização do gás para a industrialização do país fizeram um trabalho excelente. Apesar da sua dimensão geográfica, têm fábricas de fertilizantes, amónia e GPL (Gás para Líquidos), que é um processo que transforma gás natural em combustíveis líquidos. O combustível proveniente deste processo pode ser utilizado em veículos equipados com motores a diesel sem modificações”, explicou.
Mucave defende ainda que Moçambique deve olhar para os países do Mar do Norte, quando se fala em Conteúdo Nacional, como a Noruega.