CONTEÚDO LOCAL
O QUE AS MULTINACIONAIS QUEREM E FAZEM PELA INTEGRAÇÃO DE EMPRESAS NACIONAIS?
INOVAÇÕES DAQUI
COMO A SUSTENTABILIDADE AMBIENTAL ESTÁ A INSPIRAR NOVOS INVESTIMENTOS NO MERCADO
CARVÃO
CEO DA VULCAN GARANTE QUE O MERCADO CONTINUARÁ ESTÁVEL NOS PRÓXIMOS ANOS
CEO TALKS • JORGE BRITES, ENTREPOSTO “QUEREMOS ESTAR EM TODOS OS NEGÓCIOS QUE ‘TENHAM RODAS’ EM MOÇAMBIQUE”
DESAFIOS DA PRÓXIMA DÉCADA
QUAL O CAMINHO DO DESENVOLVIMENTO?
Da produção à industrialização, da governação ao emprego e da segurança à sustentabilidade, que País teremos em dez anos?
MOÇAMBIQUE
Junho • 2023 • Ano 06 • Nº 61 • 350MZN
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OBSERVAÇÃO
O futuro da tecnologia
Japão acolhe conferência mundial de alto nível sobre Inovações, Engenharia e Tecnologia, a 26 de Junho
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E SG
O dilema da redução das emissões de CO2 na indústria da aviação, com algumas companhias já a equacionarem investimentos em novos motores amigos do ambiente
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OPINIÃO
“Culturas Regenerativas – O Meu Papel no Todo Maior”, Susana Cravo, Consultora & Fundadora da Kutsaca e da Plataforma Reflorestar.org
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CONTEÚDO LOCAL
O que as grandes empresas mineiras querem e o que estão a fazer para facilitar a integração das Pequenas e Médias Empresas locais nos seus empreendimentos
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OPINIÃO
“A Revolução da Nuvem: Transformar Empresas e Impulsionar a Inovação nos Diversos Sectores”, Jaikumar Sathish, director de Tecnologias de Informação do Absa Bank
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NAÇÃO DESAFIOS DA PRÓXIMA DÉCADA
22 Desenvolvimento Estudiosos e gestores seniores de instituições e de projectos de desenvolvimento fazem uma fotografia ao panorana nacional de um futuro próximo
30 Opinião “O Que nos Dizem as Yield Curves”, Wilson Tomás – Research Analyst, Banco BIG Moçambique
32 Entrevista Fáusio Mussá, economista-chefe do Standard Bank, projecta um crescimento robusto do PIB, mas sem grande impacto na redução da pobreza
36 O Contexto Africano A falta de recursos humanos qualificados e financeiros dificulta o cumprimento dos programas de desenvolvimento nacionais e continentais
OPINIÃO EY
“A Relevância da Função Financeira e as Ferramentas que Precisa de Ter para a Apoiar”, Francisca Neves, EY Associate Partner - Assurance
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P OWERED BY STANDARD BANK
“Somos Ambiciosos, Apesar dos Desafios na Educação e Regulamentação”, Agnaldo Mavera, director-executivo da Sociedade Gestora do Fundo de Pensões do Standard Bank
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P OWERED BY FNB
FNB realoca balcão para o Centro Comercial Baía Mall, numa área de 300 m2, particularmente dedicado aos segmentos de retalho e Micro, Pequenas e Médias Empresas
74 Escape Uma aventura pelos arranha-céus de Hong Kong 76 Gourmet A Joli Gest House é uma mistura perfeita entre a decoração, o lazer e a gastronomia 77 Adega Conheça as seis tendências da actualidade e futuras das vinícolas 78 Moçambicanos pelo mundo O percurso de José Alface, engenheiro de software na Adobe nos EUA 81 Artes “O Livro Desalmado”, uma colectânea de poemas em homenagem a alma do autor Rito Nobre 82 Ao volante do Revuelto, o primeiro híbrido plug-in da Lamborghini
49 E SPECIAL INOVAÇÕES DAQUI
50 Sustentabilidade Ambiental
O mercado moçambicano está a registar um boom de projectos inovadores na área da sustentabilidade ambiental. Conheça alguns deles
54 EDUdigital
Uma plataforma capaz de optimizar os processos de ensino e aprendizagem no ecran de um telemóvel
OPINIÃO
“Falhar, um Catalisador do Sucesso: Lições Inspiradoras dos Empreendedores em Série”, João Gomes - Partner @ BlueBiz
60 OPINIÃO
MERCADO E FINANÇAS
CEO da Vulcan Moçambique, Sanjeev Gupta, anuncia o aumento da produção de carvão para 17 milhões de toneladas em 2023 e revela estabilidade do negócio
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58 66
INSITE “Fraude Alimentar - Consequências para a Economia”, Manuel Júnior, Consultor Junior na Insite
CEO TALKS
O CEO da Companhia de Moçambique, holding do Grupo Entreposto, Jorge Brites, fala do impacto da recente mudança de imagem do grupo e das perspectivas do futuro
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BAZARKETING
“Sem crise.”, Thiago Fonseca, Sócio e Director de Criação da Agência GOLO, PCA Grupo LOCAL de Comunicação SGPS, Lda.
73 ÓCIO
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Celso Chambisso Editor Executivo da Economia & Mercado
É Hora de Recomeçar!
Arevista Economia & Mercado acaba de fechar o ciclo dos cinco anos de publicações ininterruptas das suas edições mensais. São já 60 edições que tivemos o privilégio de produzir, sempre a pensar em manter a responsabilidade que assumimos com prazer, que é municiar o nosso prezado leitor do melhor conteúdo de informação nacional e global, de âmbito económico e não só.
Nesta 61.ª edição, em vez de fazer o balanço da sua própria trajectória –como é costume quando fecham, por exemplo, os ciclos de governação –, a E&M decidiu revisitar o tema da 1.ª edição, em 2018, há exactos cinco anos. Foi um arranque em que procurou projectar o olhar para o que se poderia esperar de Moçambique nos dez anos seguintes (no horizonte até 2028) em termos de desenvolvimento socioeconómico.
Mas a E&M não resolveu rebuscar este tema inspirada apenas pelo tempo. Terá sido, fundamentalmente, a mudança de paradigma a que se assistiu em todo o mundo e, particularmente, aqui em Moçambique. Ou seja, a fotografia tirada em 2018 mudou completamente a paisagem do futuro. Nada continua no lugar em que era suposto estar.
O mundo teve de enfrentar a pandemia do covid-19, que praticamente mudou a forma de ser e estar da sociedade global; agudizou-se o terrorismo e todo o tipo de crises humanitárias não antes previstas; mais recentemente, a guerra entre a Rússia e a Ucrânia, com resultados negativos para a economia mundial; a inflação global; e outros fenómenos.
Moçambique, país vulnerável ao contágio por fenómenos da conjuntura global, também passou (e ainda passa) por algumas questões particulares, com
destaque para o terrorismo em Cabo Delgado, que fez recuar por tempo indeterminado os tão esperados projectos do gás, e vários ciclones e tempestades tropicais que representaram um grande retrocesso ao esforço pelo desenvolvimento.
E porque o paradigma mudou, o Governo moçambicano também já se prepara para rever os seus instrumentos de actuação e ajustá-los à nova realidade. Com efeito, a Estratégia Nacional de Desenvolvimento 2015-2035 deve sofrer uma actualização. Informação que consta da página electrónica do Ministério da Economia e Finanças confirma que já arrancou o processo de auscultação pública para o efeito.
Nesta altura, não restam dúvidas de que o País não conseguiu alcançar avanços à medida do que era esperado em termos de desenvolvimento socioeconómico.
E as diversas entidades que dão voz ao tema central desta edição não vislumbram avanços significativos nos próximos dez anos, a avaliar não só pelas dificuldades que prevalecem a diversos níveis, mas principalmente pela dificuldade de as contrapor.
Um dos temas relevantes é também o estágio actual da exploração de carvão nas minas de Moatize, provincia de Tete. Depois da saída da Vale, e com o movimento global a favor da descarbonização, aumentaram as dúvidas em relação ao peso que esta commoditie terá na economia. Mas o CEO da Vulcan, a nova operadora, tranquiliza o mercado e garante que a produção vai aumentar.
A E&M acredita, por todas as mudanças já referidas, acrescentando a rapidez da evolução tecnológica, que é hora de fazer uma nova fotografia ao futuro. É hora de redefinir estratégias de desenvolvimento. É hora de recomeçar!
JUNHO 2023 • Nº 61
DIRECTOR EXECUTIVO Pedro Cativelos
EDITOR EXECUTIVO Celso Chambisso
JORNALISTAS Ana Mangana, Filomena Bande, Hermenegildo Langa, Nário Sixpene, Yana de Almeida, Manuel Mandlaze
PAGINAÇÃO José Mundundo
FOTOGRAFIA Mariano Silva
REVISÃO Manuela Rodrigues dos Santos
DEPARTAMENTO COMERCIAL
comercial@media4development.com
CONSELHO CONSULTIVO
Alda Salomão, Andreia Narigão, António Souto; Bernardo Aparício, Denise Branco, Fabrícia de Almeida Henriques, Frederico Silva, Hermano Juvane, Iacumba Ali Aiuba, João Gomes, Rogério Samo Gudo, Salim Cripton Valá, Sérgio Nicolini
ADMINISTRAÇÃO, REDACÇÃO
E PUBLICIDADE Media4Development
Rua Ângelo Azarias Chichava nº 311 A — Sommerschield, Maputo – Moçambique; marketing@media4development.com
IMPRESSÃO E ACABAMENTO
RPO Produção Gráfica
TIRAGEM 4 500 exemplares
EXPLORAÇÃO EDITORIAL E COMERCIAL EM MOÇAMBIQUE
Media4Development
NÚMERO DE REGISTO
01/GABINFO-DEPC/2018
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E DITORIAL
Japão, 2023
Mundo Debate Futuro da Tecnologia e da Indústria
A capital japonesa, Tóquio, acolhe a Conferência Internacional sobre Inovações Recentes em Engenharia e Tecnologia, no próximo dia 26 de Junho. A ideia é que cientistas, académicos, engenheiros e estudantes de universidades de todo o mundo e da área da indústria apresentem actividades de pesquisa em andamento e, portanto, promovam relações entre as universidades e a indústria.
Trata-se de uma conferência que oferece oportunidades para que os participantes troquem novas ideias e experiências de aplicação face-a-face, estabeleçam relações comerciais ou de pesquisa e encontrem parceiros globais para futuras colaborações.
O evento é organizado pela International Society for Engineering Research and Development (SERD) e oferecerá um grande número de palestras proferidas por convidados de renome de todo o mundo.
FOTOGRAFIA D.R.
OBSERVAÇÃO 6
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Combustíveis
Preços dos combustíveis passam a ser ajustados mensalmente
O director Nacional de Hidrocarbonetos e Combustíveis, Moisés Paulino, anunciou que os preços dos produtos petrolíferos em Moçambique vão passar a ser revistos mensalmente, sendo ajustados e comunicados aos distribuidores às quintas-feiras da terceira semana de cada mês.
Assim, qualquer alteração ao preço dos combustíveis no mercado internacional deverá reflectir-se no mercado doméstico, quando assim se justificar e em diferentes proporções.
A medida do Executivo tem como propósito resolver a dívida para com as gasolineiras, estimada em mais de 450 milhões de dólares, embora o próprio Governo ape-
Fiscalidade
Ministério da Economia anuncia projecto para tornar tributação mais eficiente e inclusiva
O Ministério da Economia e Finanças (MEF) anunciou que irá beneficiar de um projecto que inclui o apoio técnico para tentar tornar a tributação mais eficiente e inclusiva.
Trata-se do projecto Tributação Eficiente para o Desenvolvimento Inclusivo (TEDI), com uma duração de cinco anos e financiado pelo Reino Unido e pela Suécia, cuja finalidade é apoiar o MEF e a Autoridade Tributária (AT) no âmbito da reforma do sistema, tanto no domínio da política como da administração.
Para já, os trabalhos em curso têm-se centrado na análise do Imposto do Valor Acrescentado (IVA) e do Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Colectivas (IRPC), com o apoio presencial de uma equipa de consultores e especialistas de lei fiscal e de economia.
O projecto TEDI tem um roteiro amplo, que inclui todo o leque de instrumentos tributários do Estado moçambicano.
O objectivo é assegurar que as reformas a médio prazo decorram de forma coordenada, integrada e baseada em evidência e com um equilíbrio na sua mira: “maximização de receitas, apoio ao sector privado e protecção dos mais vulneráveis”.
As metas do TEDI estão alinhadas com algumas das medidas previstas no memorando de entendimento que há um ano permitiu ao País garantir um apoio financeiro do FMI no valor de 470 milhões de dólares até 2025.
Fitch Ratings
nas reconheça 300 milhões. Moisés Paulino disse, no entanto, que o diálogo entre o Governo e as gasolineiras permitiu gerir a situação.
Prevê-se que se mantenha uma diferença de 0,75 centavos de metical por litro de combustível no mercado doméstico, se os preços baixarem no mercado internacional, para permitir a liquidação da dívida.
O Governo vai empenhar-se em liquidar a outra metade da dívida no próximo ano, com a condicionante de ajustar, mensalmente, os preços dos combustíveis, baseando-se no Artigo 75, Decreto n.º 89/2019, que o obriga, como já nos referimos, a anunciar os novos preços na terceira quinta-feira de cada mês.
Moçambique “precisa de melhorar gestão das finanças públicas para atrair investidores”
ímpeto é menos positivo porque os frutos são mais para o futuro”, disse o director da Fitch Ratings para África e Médio Oriente, Toby Iles.
A agência de notação financeira Fitch Ratings diz que são necessárias mais melhorias e confiança na gestão das finanças públicas de Moçambique para que a opinião dos investidores sobre a qualidade do crédito soberano possa melhorar. “Os desenvolvimentos no sector dos hidrocarbonetos e as reformas com a chancela do Fundo Monetário Internacional (FMI) são importantes, pois o que se verifica é que houve mais financiamento externo a Moçambique, mas o
Crescimento
Falando numa conferência virtual sobre a evolução das economias africanas, Toby Iles referiu que a volatilidade no mercado de dívida doméstica em Moçambique é um factor que aponta para a necessidade de melhorias. “Isto é uma questão de gestão, mais do que liquidez. No entanto, queremos ter mais confiança nisso antes de mexermos no rating”, referiu.
De acordo com o analista, apesar de 2023 não ser um ano muito pesado em termos de maturidade da dívida soberana, os dois próximos anos serão difíceis para uma boa parte dos países que enfrentam o final do prazo dos empréstimos, e terão, portanto, de pagar a totalidade do que pediram emprestado ou emitiram nos mercados financeiros internacionais.
Economia moçambicana poderá crescer 8% em 2024
O Fundo Monetário Internacional (FMI) projecta que a economia moçambicana cresça cerca de 8% em 2024, fortemente influenciada pela exploração de gás natural liquefeito. Segundo o organismo, as perspecti-
vas económicas baseiam-se, sobretudo, num crescimento de 4,5% e 5% registado em 2022 e 2023, respectivamente, superior à média regional de 3,5% nos últimos dois anos. Para o FMI, as perspectivas a médio e longo
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prazo apontam para um crescimento mais elevado do que em relação à média regional, podendo atingir um pico em 2027 e 2028, acelerando depois para mais de 10%.
Fiscalidade
Este crescimento dever-se-á ao início da exploração de gás natural através do projecto Mozambique LNG da TotalEnergies e ao desenvolvimento do projecto da ExxonMobil.
Interdita a circulação e venda de bebidas alcoólicas sem selo fiscal no País
O Executivo aprovou, a 18 de Abril, o decreto que aprova o regulamento de gestão de activos apreendidos ou recuperados a favor do Estado.
O regulamento, aprovado na 13.ª sessão ordinária do Conselho de Ministros, “estabelece os procedimentos administrativos de gestão de activos apreendidos ou recuperados e do Gabinete de Gestão de Activos e aplica-se a este no âmbito da sua actuação com os Gabinetes Centrais e Provinciais de Recu-
Extractivas
peração de Activos e com outras autoridades judiciárias, no quadro de processos nacionais ou actos decorrentes da cooperação jurídica e judiciária internacional”, lê-se na nota de imprensa do Conselho de Ministros.
Outro instrumento que foi apreciado e aprovado naquela sessão foi o novo decreto que revê o n.º 39/2017, de 28 de Julho, e que aprova o regulamento da mera comunicação prévia para o exercício de actividades económicas.
O Banco Mundial aconselha os países africanos a maximizarem as receitas obtidas dos recursos naturais, podendo gerar grandes dividendos fiscais e ambientais.
A instituição multilateral considera que os governos ricos em recursos naturais da África Subsaariana têm a oportunidade de aproveitar melhor os seus recursos para financiarem os seus programas públicos, diversificar a sua economia e aumentar o acesso à energia.
Intitulado “O Futuro dos Recursos de África”, o relatório do Banco Mundial, lançado re-
centemente, constata que, em média, os países captam apenas cerca de 40% das receitas que poderiam potencialmente obter dos seus recursos naturais e avança que, num momento em que os países estão sobrecarregados por um crescimento lento e um elevado endividamento, os governos poderiam mais do que duplicar as receitas provenientes dos recursos naturais, como minerais, petróleo e gás, adoptando um melhor conjunto de políticas, implementando reformas e investindo numa melhor administração fiscal.
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África capta apenas 40% das receitas que poderia obter dos seus recursos naturais
Como Olham os Países Para a IA
A Inteligência Artificial (IA) é uma das tecnologias em mais rápido crescimento e mais disruptivas do mundo actual. Uma vez que tem o potencial de afectar drasticamente a sociedade, é importante medir como as pessoas se sentem em relação a ela.
A infografia visualiza dados de inquéritos da empresa de estudos de mercado Ipsos, para ver como as atitudes em relação à IA variam consoante o país. Ao incluir o PIB per capita de cada um, podemos ver que as populações mais ricas são mais cépticas em relação a produtos e serviços que utilizam a tecnologia.
Dados e metodologia
Estes dados baseiam-se num inquérito realizado em 28 países a 19 504 adultos com idades compreendidas entre os 18 e os 74 anos. A sondagem decorreu entre Novembro e Dezembro de 2021 e os resultados foram publicados em Janeiro de 2022.
Esta pesquisa ocorreu antes da recente explosão de popularidade de ferramentas de IA generativa, como ChatGPT, DALL-E e Midjourney, mas forma a base de como as pessoas vêem esta tecnologia em rápida evolução.
Pessoas a viver em economias mais desenvolvidas olham a IA de forma menos positiva
NÚMEROS EM CONTA
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% de pessoas que concordam Código de cores: PIB per capita $10k $30k 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90% 100% $50k $70k China Arábia Saudita Índia Peru Malásia México Colombia Chile Coreia do Sul Turquia Brasil áfrica do Sul Argentina Rússia Espanha Itália Hungria Polónia Japão Suécia Bélgica Reino Unido Austrália Alemanha Estados Unidos Países Baixos Canadá França FONTE IPSOS; Visual Capitalist.
Voar é um Negócio Sujo?
Apesar de todos os esforços, grande parte da economia construída em torno da indústria da aviação torna a descarbonização incrivelmente difícil e o Voo Com Destino às Emissões Net Zero ainda está longe de chegar ao destino. Mas será que levantou já?
Os aviões de passageiros são responsáveis por mais de 2% das emissões globais anuais resultantes da queima de combustíveis fósseis, o que representa, muitas vezes, a contribuição da aviação comercial para o PIB mundial. Duas forças parecem preparadas para aumentar este valor nos próximos anos.
Em primeiro lugar, as pessoas adoram voar. A IATA (Air Transport Association), organismo comercial do sector da aviação, prevê que quatro mil milhões de passageiros voem no próximo ano, tantos como em 2019, antes de o covid-19 ter paralisado temporariamente o sector.
As companhias aéreas poderão estar a transportar cerca de dez mil milhões de passageiros em meados do século (ver gráfico 1). A Boeing, fabricante americana de aviões, estima que tal exigirá que a frota mundial duplique de cerca de 26 000 em 2019 para 47 000 em 2040.
Após uma pandemia, os investidores estão novamente mais optimistas quanto às perspectivas do sector (ver gráfico 2). Demonstrando a sua confiança, em 9 de Maio, a Ryanair, um gigante das viagens aéreas de baixo custo, fez uma encomenda no valor de 40 mil milhões de dólares de 300 novos Boeings.
Em segundo lugar, à medida que outras indústrias que emitem carbono, desde a produção de electricidade e os transportes rodoviários até à produção de aço e cimento, se tornam ecológicas, as viagens aéreas estão a revelar-se mais difíceis de descarbonizar. Para
que o sector da aviação atinja o objectivo da indústria de emissões de CO2 nulas até 2050, a frota de amanhã terá de ser muito mais limpa do que a de hoje.
A Mission Possible, um consórcio do sector, considera que isto só poderá ser conseguido duplicando os ganhos históricos em termos de eficiência de combustível, colocando no ar aeronaves equipadas com novas tecnologias até meados da década de 2030 e lançando rapidamente combustíveis sustentáveis (mais tecnologia de captura de carbono para compensar as emissões residuais, ver gráfico 3).
Serão precisos grandes investimentos
Um relatório recente do Amsterdam Economics e do Royal Netherlands Aerospace Centre, dois grupos de reflexão, estima que o investimento necessário até 2050, só na Europa, é de cerca de 820 mil milhões de euros (900 mil milhões de dólares), a preços de 2018, para além dos 1,1 biliões de euros necessários para manter a situação actual. Infelizmente, a actual tecnologia de ponta da indústria da aviação e a sua economia fazem com que a Missão Possível pareça impossível.
Quando se trata de reduzir as emissões, a aviação tem uma “história maravilhosa” em comparação com outros sectores, diz Steven Gillard, director de sustentabilidade da Boeing. E não está enganado. As emissões de carbono por quilómetro percorrido por um passageiro médio diminuíram mais de 80% nos últimos 50 anos.
Cada nova geração de aviões consome geralmente menos 15-20% de combustível do que a anterior, em grande parte graças aos motores melhorados.
O director executivo da Boeing, Dave Calhoun, disse aos investidores no ano passado que pretende que o seu próximo modelo seja “pelo menos, 20%, 25%, talvez 30% mais eficiente” do que os aviões que substitui.
O problema é que a tecnologia que poderá ajudar Calhoun a atingir este objectivo é pouco perceptível no horizonte. À medida que a era do jacto se aproxima do seu centenário, até mesmo o ritmo histórico de melhoria está a tornar-se mais difícil de manter.
“Cada salto tecnológico torna o seguinte mais difícil”, diz Andrew Charlton, da Aviation Advocacy, uma empresa de consultoria. E não apenas para a Boeing e para a sua arqui-rival europeia, a Airbus.
Veja-se o caso dos motores. A CFM, uma joint venture entre a GE e a Safran, dois fabricantes de motores, tem cerca de 1000 engenheiros a trabalhar no Rise, um motor de rotor aberto que elimi-
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Texto The Economist; Bloomberg, E&M • Fotografia Istock Photo & D.R.
O director executivo da Boeing, Dave Calhoun, disse aos investidores no ano passado que pretende que o seu próximo modelo seja “pelo menos, 20%, 25%, talvez 30% mais eficiente”
E SG | AVIAÇÃO
na a carenagem que cobre as pás da ventoinha. A Rolls-Royce e a Pratt & Whitney, dois outros grandes fabricantes de motores, também estão a trabalhar nas suas próprias ideias. Mas nenhum destes motores é susceptível de proporcionar os ganhos de eficiência que a Boeing procura.
Ajustar as estruturas, como a potencial actualização dos jactos de pequeno curso A320 da Airbus com asas compostas que podem transportar motores maiores e mais eficientes, pode ajudarmas só um pouco.
O trabalho de remodelação mais radical da fuselagem, como a utilização de uma asa mais estreita e mais leve, mantida no lugar com uma escora que se estende a partir da parte inferior da fuselagem, como nos pequenos aviões a hélice, em desenvolvimento pela Boeing e pela NASA, a agência espacial americana, é, na melhor das hipóteses, preliminar.
As novas opções da indústria...
Se os objectivos de eficiência da Missão Possível parecem distantes, as perspectivas de novos tipos de aviões ou de combustível parecem remotas. Algumas empresas em fase de arranque, como a Electra.Airflow e a Heart Aerospace, estão a trabalhar em protótipos alimentados por baterias.
A Heart já tem encomendas da Air Canada e da United Airlines para aviões de 30 lugares que podem voar 200 km apenas com baterias, ou o dobro com energia híbrida utilizando combustível sustentável. Se tudo correr bem, estes aviões poderão estar no ar em 2028. Anders Forslund, chefe da Heart, considera que, em 2050, todas as rotas até 1500 km poderão ser servidas por aviões eléctricos. Mas essas viagens representam apenas 20% das emissões actuais dos aviões.
Outra opção é o hidrogénio líquido. Em 2020, a Airbus afirmou que iria começar a trabalhar nesta tecnologia, com
o objectivo de ter um jacto comercial de pequeno curso no ar até 2035. Parece pouco provável. O hidrogénio deve ser armazenado a uma temperatura inferior a -235°C e ocupa mais espaço do que o querosene por unidade de energia.
A sua utilização exigiria, portanto, uma profunda remodelação do avião, com sistemas de refrigeração pesados e depósitos de combustível maiores, que deixam menos espaço para os passageiros, sendo que os aeroportos não estão equipados para lidar com o gás. Se o hidrogénio puder ser utilizado como bateria será, provavelmente, limitado a voos de curta distância. Reduzir a pegada de carbono dos voos de longo curso exige outra coisa.
O mais promissor é o combustível sustentável, que, embora não seja totalmente isento de carbono, emite 80% menos gases com efeito de estufa do que o querosene. Actualmente, estes combustíveis são produzidos a partir de gorduras alimentares usadas e, ocasionalmente, misturados em pequenas quantidades com o combustível convencional.
A Boeing prometeu que todos os seus aviões serão capazes de funcionar com combustíveis 100% sustentáveis até 2030. Muitas companhias aéreas e empresas de energia anunciaram planos conjuntos para aumentar a produção e baixar o custo, que actualmente é cerca de duas vezes superior ao do querosene. A produção atingiu 300 milhões de litros em 2022, de acordo com a IATA, um aumento de três vezes em relação ao ano anterior.
Tal ainda é uma gota de água no oceano. Para que os combustíveis sustentáveis levem a indústria a 65% do caminho para as zero emissões de CO2 até 2050, seriam necessários 450 mil milhões de litros por ano até 2050, de acordo com a IATA. E os obstáculos para atingir a escala necessária continuam a ser consideráveis.
Um dos principais é a disponibilidade de matérias-primas. O óleo alimentar usado não é produzido em massa em quantidades suficientes. O mesmo acontece com os resíduos domésticos e os subprodutos da silvicultura, duas outras matérias-primas potenciais
... E mais e mais obstáculos tecnológicos
A conversão de culturas alimentares em combustível permitiria ir mais longe, mas é politicamente controversa numa altura em que os preços dos alimentos já estão a aumentar rapidamente.
Recentemente, a UE proibiu os produtores de combustíveis de utilizarem matérias-primas provenientes de cultu-
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ras alimentares para cumprirem os novos requisitos em matéria de combustíveis sustentáveis.
As alternativas sintéticas, feitas a partir de carbono capturado de fontes industriais ou directamente do ar, são, até à data, o exclusivo de alguns projectos-piloto.
A superação destes obstáculos tecnológicos é dificultada pela dinâmica concorrencial do duopólio da produção de aviões. A crise do covid-19 e a imobilização do 737 MAX, o cavalo de batalha da Boeing para voos de curta distância, durante 20 meses, após acidentes fatais em 2018 e 2019, deixaram a empresa americana com dívidas de longo prazo de 47 mil milhões de dólares.
A empresa já está a lançar uma versão maior do MAX e a certificar o 777X, uma variante do seu popular jacto de longo curso. Se não lançar um avião totalmente novo até ao final da presente década, será um intervalo de 25 anos desde a sua última grande estreia, o 787 em 2005. As competências dos seus engenheiros podem perder-se. Um novo programa de aviões que poderá custar até 30 mil mi-
lhões de dólares e demorar dez anos desde o lançamento até à comercialização não se coadunaria com o objectivo da Boeing: voltar a dar dinheiro aos accionistas até 2026. As finanças da Airbus são mais saudáveis. Mas também ela tem poucos incentivos para fazer uma aposta gigantesca numa nova tecnologia não testada, sem que a sua némesis americana esteja em posição de exercer pressão competitiva. Actualmente, as encomendas da empresa europeia já rondam os 7000 aviões, cerca de 50% mais do que as da Boeing.
A solução não é para já!
Tudo isto significa que é pouco provável que, em breve, os voos se tornem radicalmente mais amigos do clima. Scott Deuschle, do banco Credit Suisse, considera que o objectivo de zero emissões da indústria é “pouco provável”. A única outra opção é os governos levarem o problema a sério.
Há sinais de que isso está a acontecer. A UE está a introduzir gradualmente um mandato para os combustíveis sustentá-
NO AR NO MUNDO
Capitalização do mercado
veis, cuja quota nos tanques das companhias aéreas europeias terá de aumentar de 2% em 2025 para 70% em 2050. Em 2026, o bloco começará a eliminar gradualmente as licenças de emissão gratuitas para as transportadoras ao abrigo do seu sistema de comércio de emissões.
Alguns países estão a ir mais longe. No âmbito do seu plano de resgate da Air France durante a pandemia, o Governo francês proibiu a transportadora de competir com os comboios em trajectos de menos de duas horas e meia.
Entretanto, nos Países Baixos, as autoridades impuseram uma redução, até ao final de 2023, do número de voos no aeroporto estatal de Schiphol, o maior do país, em 8%, para 460 000 por ano, a fim de reduzir a poluição por dióxido de carbono e a poluição sonora.
A iniciativa francesa poderá funcionar, embora seja discutível o seu efeito positivo. O plano holandês foi travado em Abril por um tribunal, com o apoio de várias companhias aéreas.
O sector da aviação quer a virtude do clima - mas ainda não.
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Tráfego de passageiros aéreos, em milhares de milhões
As companhias de aviação por sectores 0 0.3 0.6 0.9 1.2 1.5 1.8 2021 20 21 22 23 FONTE IATA; Blomberg Companhias aéreas Outros sectores aeroespaciais e da defesa Boeing Airbus 0 2 4 6 8 10 2021 25 30 35 40 45 50 Floresta
Muitas companhias já se preparam para investir em frotas de aeronaves menos puluentes
Escrevo este artigo ao mesmo tempo que preparo uma apresentação para o ISEL – Instituto Superior de Engenharia de Lisboa, um parceiro com o qual orgulhosamente colaboro no âmbito da Kutsaca, mas com que francamente me identifico a nível pessoal.
O meu desafio é o habitual – eu sei qual é a história que as pessoas gostam de ouvir (e de participar). Mas a minha voz interna, e o corpo todo, sempre me recordam que a responsabilidade na história que se conta é enorme. Não só porque é preciso (tentar) honrar todas as vozes (não apenas as minhas, ou a da minha experiência que é, naturalmente ,subjectiva), mas também porque a narrativa que eu escolho cria realidade, constrói caminho.
E a realidade não é romântica, nem o caminho é seguro ou certo. Na minha vida, imprópria para cardíacos, basta-me a candeia para o próximo passo. Embora ao longe, algures no horizonte (e dentro do coração), eu saiba que caminho para a utopia e que não importa se lá chego ou não, importa que eu dê passos nesse sentido e contribua para desbravar caminho aos que me seguem.
Há uma razão forte pela qual, nesta fase da minha vida, me interessa particularmente actuar na Educação para a Cidadania Global: as narrativas que nos chegam nos meios mais formais, institucionais, educacionais, mas também mediáticos, continuam toldadas por um pensamento linear, antropocêntrico, centrado no paradigma de “fazer o bem” e de “resolver problemas” e, não menos importante, parcial. E isso impacta na maneira como regeneramos ou degeneramos os sistemas.
Na minha viagem entre os Mundos, e após os primeiros choques iniciais, fui percebendo que a informação é-nos revelada na mesma medida em que nos predispomos a recebê-la. Mas sempre gradualmente, por fases e camadas,
Culturas Regenerativas – O Meu Papel no Todo Maior
e ainda bem, porque à medida que vamos adentrando, é tão avassalador que não aguentaríamos tudo de uma só vez. Recebi, nos últimos nove anos na Aldeia de Mahungo, vários jovens e adultos que chegam frequentemente do hemisfério norte com vontade de mudar (e salvar) o mundo.
Frequentemente com boas intenções e vontade de “fazer o bem”, são surpeendidos no terreno com questões práticas, subtis e profundas que os deixam confusos, perplexos, bloqueados, mas também apaixonados, energizados e com sementes potentes que precisam sempre de um espaço seguro e compassivo para maturar. Não dei-
difícil de ver e assumir. É que, frequentemente, nós achamos mesmo que somos da equipa dos bons, e à medida que a vida nos mostra – a toda(o)sque não é bem assim, cada um(a) tem o seu próprio caminho de aceitação e integração (ou rejeição e fuga).
Não é apenas o modelo Educacional e Institucional que incentiva os jovens a mudar o mundo, a partir de uma perspectiva de Herói/Salvador e frequentemente centrado em combater e resolver problemas. Até o entretenimento, o cinema, a literatura, a música e as histórias que contamos para adormecer os nossos filhos estão povoadas disto.
Ninguém nos conta que se nós, os sabedores que portamos a verdade do Mundo, deixarmos de interferir nos Lugares e nas suas Comunidades, a essência e biointeligência dos sistemas volta a ter espaço para emergir.
Interferir anda frequentemente de mãos dadas com influenciar, controlar, manipular, mas também com extrair, usurpar, fracturar.
Para Achille Mbembe, “o nosso impacto sobre o planeta é tal, que a humanidade se tornou uma força geológica (...) e mais do que nunca, a função do poder é tornar possível a extracção (...)
xa de ser curioso que os do Norte querem frequentemente“ajudar” o Sul e que os do Sul (também cansados da interferência) querem finalmente viver uma vida confortável (que antes só era acessível a uma raríssima elite). Não se enquadra aqui claro, o Povo, que em todos os lugares do mundo, é sempre quem paga a fatura e como diz Mia Couto “A maior desgraça de uma nação pobre, é que em vez de produzir riqueza, produz ricos”.
As maiores resistências (e discussões acesas) que encontrei estão sempre ligadas ao emaranhamento que é
A fractura, o fissuramento e o esgotamento não concernem apenas aos recursos, mas também aos corpos vivos expostos ao esgotamento físico e a todos os tipos de riscos biológicos, às vezes invisíveis.”Achille Mbembe in Brutalismo.
Os vocábulos utilizados por Mbembe não são inocentes, são importados da mineração, uma das principais actividades económicas do continente africano da época colonial, que permanece, e que por mais que nos seja difícil de aceitar, com o conluio de toda(o)s nós.
O lado negro do mercantilismo capitalista envergonha-nos a toda(o)s, Norte e Sul, não apenas às elites políticas e económicas, mas também a nós, educa-
www.economiaemercado.co.mz | Junho 2023 16 OPINIÃO
Na minha viagem entre os Mundos, e após os primeiros choques iniciais, fui percebendo que a informação é-nos revelada na mesma medida em que nos predispomos a recebê-la
Susana Cravo • Consultora & Fundadora da Kutsaca e da Plataforma Reflorestar.org
dores, legisladores, eleitores e consumidores. Num mundo em que o consumidor tem mais poder do que o eleitor, a desresponsabilização tem cada vez menos lugar.
Moçambique é, pode dizer-se, uma “mina gigante” de tesouros apetecidos: gás natural, grafite, ouro, rubis, madeira, carvão e areias pesadas, das quais se extraem minérios raros como ilmenite, rútilo, zircão, nomes que o comum cidadão nem sequer conhece, mas que são imprescindíveis à indústria tecnológica, em que se incluem as nossas queridas telecomunicações, mas também o sector da aeronáutica.
A primeira vez que fui a Tete em trabalho, fiquei doente. Não creio que tenha sido apenas pelo choque térmico ao qual também sou sensível. A minha sabedoria instintiva, visceral e ancestral foi recordada do ciclo de violência antigo que continua, com outras máscaras de modernidade. Ver a terra esventrada (ou doente) é algo muito doloroso para mim. Os corpos que a esventram, por necessidade de pão para a boca, são frequentemente os negros.
A nós, classe média/alta, que não nos confinamos em cores nem em continen-
tes, cabe-nos comprar os produtos finais, sem termos de lidar com as histórias que estão por trás dos nossos luxos, que entretanto se tornaram bens de primeira necessidade.
Só que por trás dos nossos luxos está muita falta de dignidade, desumanização, riscos biológicos e ecológicos.
E não pretendo com isto, levar-nos para a polaridade utópica de deixarmos de comprar e usar tudo o que degenera os sistemas. Pretendo apenas lembrar que, é mais importante que todos façamos uma pequena parte, do que muito poucos façam muito.
Não basta reduzir os danos ou fazer o bem ao planeta e aos ecossistemas – que é onde se foca a sustentabilidade.
Não basta criar programas de ajuda e desenvolvimento (e voluntariado), alguns francamente ingénuos, outros nem por isso (como disse no meu último artigo). Lamentavelmente por vezes até, doando com uma mão e retirando com a outra (interesses, influências, recursos).
Não são só as Instituições que gostamos de culpar – os maus – que fazem isto.
Somos nós também, quando “vamos ajudar os pobrezinhos”, mas a seguir compramos os produtos feitos pe-
los pais dos pobrezinhos que ajudamos. Somos nós também, quando educamos as nossas crianças para serem os melhores, porque só há lugar para os melhores e os Heróis, perpetuando no inconsciente colectivo que os outros – aqueles que não foram os melhores nem fizeram “nada de especial” - são uns fracassados.
Somos nós que, nesta sociedade cada vez mais individualista e focada na sua família nuclear, cuida do seu quintal, achando que vai passar imune à interdependência e reciprocidade da vida.
Somos nós, activistas compulsivos, que andamos sempre a combater problemas, que precisamos de parar, respirar fundo e ganhar discernimento.
E somos ainda, tristemente nós, os que “ajudamos” os países pobres ou em desenvolvimento (o que quer que isso queira dizer), “pois se eles decidem vir todos por aí acima temos um problema sério” (como eu já ouvi de nomes impensáveis).
E por fim, nós, os vendedores de sonhos de propósito e do direito natural à abundância – que às vezes já é excesso, e que depende claramente da carência de outros, em Lugares que não vemos. Precisamos apenas de respeitar as Leis da Vida, pois ela é soberana. Precisamos de deixar de interferir. De ouvir e respeitar os Lugares. De permitir a sua auto-expressão e autodeterminação e evolução.
E nós, Aprendizes-Peregrinos-Praticantes, temos a responsabilidade de relembrar – a nós próprios e a quem connosco se cruza – as perguntas-guia:
- A forma como estou a viver serve a Mim, à minha Família, à minha Equipa, à minha Comunidade, prejudica Outras? Ao Planeta?
- De que forma estou a relacionar-me com a Vida?
- O que preciso de compreender antes de agir?
- Como é que eu activo o meu estado de agência?
Muhammad Yunus considera que “só podemos ter paz quando acabarmos com a pobreza”. Eu diria até que acabar com a pobreza me soa, mais uma vez, a combate, a resolver problemas. Mas podemos, pelo menos, fazer o que estiver ao nosso alcance para não contribuir para aumentar a desigualdade, extracção e desumanização.
O Nobel da Paz Yunus acrescenta que, “se queremos mudar as coisas, temos de voltar à Educação”, e, aqui, concordo totalmente. Mas que seja uma Educação feita por Toda(o)s e para Toda(o)s, centrada no Bem Comum e adequada a cada Lugar e contexto e aos tempos que vivemos.
www.economiaemercado.co.mz | Junho 2023 17
“Num mundo em que o consumidor tem mais poder do que o eleitor, a desresponsabilização tem cada vez menos lugar”. FOTO Escolinha Kutsaca
Quando a Iniciativa Vem das Multinacionais...
As grandes empresas que operam no sector extractivo reuniram-se, recentemente, na 9ª Conferência de Exposição de Mineração e Energia de Moçambique para partilhar as suas experiências e estratégias no sentido de desenvolver capacidades das empresas moçambicanas. O que de lá saiu?
ALei de Conteúdo Local ainda não foi aprovada, circunstância que todos sabemos. Esta (aparente) fragilidade concorre para a adopção de outras estratégias para materializar o objectivo de envolver directamente as empresas nacionais no negócio dos grandes projectos.
A preocupação é que, na ausência de um instrumento legal mais consistente para nortear as regras do Conteúdo Local, cada empresa desenvolve a sua política, estratégia e plano para o efeito. Esta questão sempre foi vista com alguma desconfiança, no sentido de que as multinacionais não têm qualquer preocupação em desenvolver negócios locais.
Verdade ou não, o certo é que o tema foi levantado na 9.ª Conferência de Exposição de Mineração e Energia de Moçambique, evento realizado recentemente em Maputo e que serviu para a partilha dos diferentes modelos de desenvolvimento do Conteúdo Local que estão a ser implementados pelas empresas.
O que acontece no gás...
A Sasol, petrolífera sul-africana que explora gás natural onshore nas bacias de Pande e Temane, província de Inhambane, foi a primeira empresa a exibir o que de melhor se faz para assegurar a participação de empresas locais nos seus empreendimentos. Trata-se de uma ex-
periência que começou em 2019, altura em que a Sasol assinou um acordo com o Governo visando salvaguardar o Conteúdo Local, tendo depois desenvolvido um plano conjunto com o Instituto Nacional de Petróleos (INP).
Na sua apresentação, o gestor nacional da Sasol, Ovídeo Rodolfo, revelou que o plano da empresa contempla cinco pilares, mas destacou apenas dois.
O primeiro tem que ver com o desenvolvimento da capacidade das Micro, Pequenas e Médias Empresas (MPME) cuja implementação teve início em 2020 e já capacitou mais de 100 empresas, a maior parte das quais da província de Inhambane em matéria de gestão de negócios.
O segundo pilar diz respeito à criação, há dois anos, de um fundo de apoio às MPME e que já desembolsou mais de um milhão de meticais em benefício de dezenas de empresas, melhorando o seu processo de produção e de inserção no mercado.
... E no carvão
Presente na conferência, Sanjeev Gupta, director da Vulcan em Moçambique – mineradora que depois de adquirir as minas de carvão da brasileira Vale se tornou na principal operadora do mercado nacional –, revelou que “quando começámos as operações iniciadas pela Vale, o nosso cometimento era não só seguir as nossas obrigações, mas se-
guirmos acima daquilo que vinha sendo feito em termos de Conteúdo Local”. E continuou: “é possível desenvolver a empresa enquanto se desenvolve a comunidade. Acho que isso pode beneficiar todo o País e este é o nosso modelo de operação”.
O responsável esclareceu, na ocasião, que a Vulcan está também a trabalhar com o Governo local para desenvolver a cidade de Moatize. “Para nós crescermos como empresa precisamos de atrair os melhores. Acontece que os melhores tendem a vir para Maputo, pois Tete não é a melhor opção.
Então queremos desenvolver a pequena cidade de Moatize para atrair os melhores e torná-la num lugar atractivo onde as pessoas queiram ir”, prometeu Sanjeev Gupta sem avançar mais detalhes.
Lições dos últimos dez anos
Na ocasião, o coordenador do Conteúdo Local ao nível do Ministério dos Recursos Minerais e Energia (MIREME),
www.economiaemercado.co.mz | Junho 2023 18 CONTEÚDO LOCAL
O Instituto Nacional de Petróleos passou por uma reestruturação que criou dois pelouros, um dos quais designado de Pelouro de Desenvolvimento e Conformidade Empresarial
Texto Nário Sixpene • Fotografia D.R
António Cumbane, recordou que apesar da falta de uma Lei “temos algumas linhas orientadoras para garantir a maximização do valor arrecadado em Moçambique proveniente dos projectos de Oil & Gas e temos um grupo de Conteúdo Local que é formado por várias instituições públicas.
Em termos de estratégia, privilegiamos três pilares: a formação ou capacitação dos recursos humanos, a capacitação das MPME e o desenvolvimento de linhas de financiamento das empresas”.
Sobre a capacitação, António Cumbane revelou terem sido formados técnicos médios e superiores para servirem as empresas e para garantirem a sua empregabilidade nos grandes projectos. Também foram apetrechadas as instituições de educação vocacional e técnico-profissional.
Quanto à capacitação das empresas, reconhece haver limitações no que diz respeito à provisão de meios tecnológicos e certificações de qualidade, “por isso, optámos pela certificação e capacita-
ção das empresas através de joint ventures entre entidades nacionais e empresas internacionais com experiência na provisão de fornecimento de bens e serviços”.
O que faz o regulador?
Recentemente, o Instituto Nacional de Petróleos (INP), regulador do sector, passou por uma reestruturação, tendo criado dois pelouros, mas o foco vai para apenas um, voltado para o desenvolvimento do sector empresarial e designado de Pelouro de Desenvolvimento e Conformidade Empresarial.
Possui duas direcções: uma olha para a conformidade relativamente ao Conteúdo Local e monitoria, e a outra acompanha e garante que as directrizes da participação do sector privado nacional na cadeia de valor sejam, de facto, maximizadas ou o mais efectivas possível.
Natália Camba, directora de Promoção e Desenvolvimento do Sector Privado no INP, intervindo na sessão, explicou que “o quadro legal traz algumas previsões relativamente à obrigatoriedade de
formar e capacitar, tanto a mão-de-obra local como as MPME, além de alguns princípios que dizem respeito à aquisição de bens e serviços para o sector de petróleo e gás”.
Existem, igualmente, algumas disposições legais que remetem a obrigação das multinacionais, como o Decreto Lei que já traz a obrigatoriedade de apresentar um plano de Conteúdo Local...”
Já a Associação dos Mineiros de Moçambique, em contraposição, entende que “temos de ter uma estratégia clara e objectiva de industrialização. Temos uma legislação solta sobre o Conteúdo Local, e sem qualquer estratégia clara de industrialização baseada em recursos minerais.
Trazemos aqui uma proposta sobre qual seria o caminho para alcançarmos essa industrialização”, apontou Reinaldo Gonzales, presidente da Associação, propondo soluções em duas etapas, nomeadamente o planeamento e o suporte institucional para haver clareza sobre quem e como conduz o processo.
www.economiaemercado.co.mz | Junho 2023 19
ÀJaikumar Sathish • Director de Tecnologias de Informação do Absa Bank Moçambique
medida que entramos na Quarta Revolução Industrial, não há dúvida de que a tecnologia em nuvem está a transformar a forma como vivemos e trabalhamos. A nuvem revolucionou a maneira como as empresas operam, fornecendo formas mais eficientes de armazenar e processar dados, além de possibilitar o acesso a novos modelos e oportunidades de negócio. “A nuvem é o grande nivelador, dando às pequenas empresas acesso a tecnologias anteriormente disponíveis apenas para grandes corporações.” - Marc Benioff, CEO da Salesforce.
É importante frisar que o conceito de tecnologia em nuvem existe desde a era dos sistemas centrais de processamento partilhado. No passado, as empresas compartilhavam sistemas centrais com outras organizações para armazenar e processar dados. A introdução da computação cliente/servidor nas décadas de 1980 e 1990 permitiu que as organizações armazenassem e processassem dados nos seus próprios servidores dedicados, o que reduziu a necessidade de espaço de computação compartilhada. No entanto, isso também resultou num aumento dos custos de infra-estrutura de Tecnologias de Informação (TI).
A introdução da computação em nuvem no início dos anos 2000 mudou o jogo mais uma vez, permitindo às empresas ter acesso a recursos de computação sob demanda, sem a necessidade de investir na sua própria infra-estrutura de TI. Esta mudança na tecnologia permitiu que as empresas se concentrassem nas suas principais competências e reduzissem os custos. “A computação em nuvem não é apenas o futuro da computação, mas também o presente e todo o passado da computação.” - Larry Ellison, co-fundador e ex-CEO da Oracle.
Existem três tipos de nuvem: pública, privada e híbrida. A nuvem pública é a forma mais comummente usada de computação em nuvem, onde recursos de computação são disponibilizados, ao público em geral, pela Internet. A nuvem privada é usada por uma única organização e não é acessível ao público. A nuvem híbrida é uma combinação da nuvem pública e privada, onde recursos de computação são compartilhados entre a nuvem pública e privada.
De acordo com Ginni Rometty, ex-CEO da IBM, “a nuvem diz como é que se faz computação, e não onde se faz computação.” Esta citação destaca o facto de a nuvem estar mais relaciona-
A Revolução da Nuvem: Transformar Empresas e Impulsionar a Inovação nos Diversos Sectores
da com o método de computação do que com a localização física dos dados.
Mas com a transformação na nuvem vêm novos desafios, especialmente em relação à regulamentação e mitigação de riscos, e muitos reguladores partilham da mesma preocupação.
“Estou preocupado que ainda não estejamos a prestar atenção suficiente aos riscos associados à terceirização em nuvem, particularmente em relação ao risco de concentração, ao risco sistémico e ao risco cibernético.” - Andrea Enria, presidente da Autoridade Bancária Europeia (ABE) Muitos países implementaram leis estritas de protecção de dados, o que pode afectar a adopção da tecnologia em nuvem por empresas que operam nessas jurisdições. Portanto, é crucial que as empresas entendam o cenário regulatório em cada país em que operam para garantir que estejam em conformidade com as leis locais. Além dos desafios regulatórios, também há uma preocupação constante com a segurança da tecnologia em nuvem, especial-
esta tecnologia e aproveitar os benefícios que a mesma oferece.
Os benefícios desta tecnologia para o sector financeiro são significativos. Por exemplo, pode ajudar as instituições financeiras a reduzir custos, melhorar a experiência do cliente e aumentar a velocidade e eficiência das suas operações, ao mesmo tempo que facilita a inovação e o lançamento de novos produtos e serviços.
Os benefícios da tecnologia em nuvem não se limitam ao sector financeiro. Esta tem o potencial de transformar muitas outras indústrias, como a saúde, educação e retalho. De acordo com Marc Benioff, CEO da Salesforce, “as empresas de serviços em nuvem ajustam-se a todos os tamanhos... A nuvem é para todos. A nuvem é uma democracia.” Esta citação destaca o facto de esta tecnologia estar acessível a todas as empresas, independentemente da sua dimensão.
No entanto, as organizações devem ter especial atenção com a gestão de custos desta tecnologia. Se não for bem gerida, a tecnologia em nuvem pode tornar-se financeiramente insustentável. As organizações devem entender os seus padrões de uso e optimizar o seu uso para evitar gastos excessivos.
mente no que diz respeito ao armazenamento de dados financeiros sensíveis. É aqui que os bancos e os reguladores entram, pois têm interesse em garantir a segurança e estabilidade do sector financeiro.
Para mitigar esses riscos, os reguladores centrais implementaram directrizes sobre o uso da tecnologia em nuvem por instituições financeiras. Essas directrizes podem incluir requisitos de segurança, privacidade de dados e protecção de dados, além da necessidade de auditorias independentes para garantir que os provedores de nuvem atendam a esses requisitos.
Outra solução para mitigar esses riscos é o uso de soluções em nuvem privada, permitindo às instituições financeiras, armazenar e processar os seus dados em servidores dedicados e altamente seguros, reduzindo o risco de violação de dados.
Apesar dessas preocupações, muitas instituições financeiras já estão a adoptar a tecnologia em nuvem para melhorar as suas operações, permitindo mitigar os riscos associados a
O futuro dos modelos de negócio em nuvem também está a evoluir rapidamente. À medida que a tecnologia em nuvem continua a evoluir, surgem novos modelos de negócio, como a computação sem servidor (serverless) e a função como serviço (function-as-a-service). Esses novos modelos estão a mudar a forma como as empresas utilizam a computação em nuvem e a impulsionar a inovação e a eficiência.
Em conclusão, a tecnologia em nuvem está a transformar a forma como vivemos e trabalhamos, e o sector financeiro não é excepção. Embora haja desafios em relação à regulamentação e mitigação de riscos, os benefícios da tecnologia em nuvem no sector financeiro são significativos. Com o uso de soluções de segurança adequadas e opções de nuvem privada, as empresas podem mitigar os riscos associados a esta tecnologia e aproveitar os benefícios que a mesma oferece.
É também importante para as organizações entenderem os diferentes tipos de computação em nuvem e gerirem cuidadosamente os seus custos. À medida que esta tecnologia continua a evoluir, novos modelos de negócio surgirão, e as organizações devem manter-se actualizadas em relação às últimas tendências para permanecerem competitivas.
www.economiaemercado.co.mz | Junho 2023 20 OPINIÃO
À medida que a tecnologia em nuvem evolui, surgem novos modelos de negócio
NAÇÃO | DESENVOLVIMENTO
Qual o Caminho do Desenvolvimento?
Ter potencial económico não é suficiente para facilitar o processo de crescimento e o alcance do desenvolvimento. Exemplos disso o mundo tem de sobra. Ter boas políticas para o funcionamento da das instituições e da economia não assegura que o povo tenha garantido o pão à mesa. Isso é também bem sabido. Ter vontade pode até valer mais do que os primeiros dois requisitos. Mas a equação para chegar ao desenvolvimento requer muito mais do que vontade. No seu singelo contributo nesta luta de todos os moçambicanos, a E&M tenta adicionar a partilha de ideias entre diversas vozes representando diferentes áreas da sociedade moçambicana, com um pano de fundo sobre os grandes desafios da Nação na próxima década. Fazemos votos para que resulte!
• Fotografia Istock
Texto Celso Chambisso & Manuel Mandlaze
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Desafios da próxima década
Nesta análise percorremos não só os mais variados sectores de actividade económica, como fomos ao encontro dos desafios sociais, políticos e climáticos considerados cruciais para a transformação estrutural de Moçambique. Comecemos pela macroeconomia.
De acordo com o representante-residente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Alexis Meyer-Cirkel, um desafio fundamental para Moçambique nos próximos anos é manter a disciplina fiscal e a estabilidade macroeconómica. Isto significa manter défices fiscais baixos e evitar depender do financiamento com endividamento interno, que é actualmente muito caro. Note-se que as obrigações de tesouro estão actualmente a pagar taxas de juro próximas dos 20%. Neste contexto, os planos de despesa pública devem ser alinhados com as receitas públicas, os donativos e os empréstimos concessionais.
O economista refere ainda que é necessária uma gestão eficaz das despesas com a massa salarial para garantir que os serviços públicos sejam prestados de forma rentável e sustentável do ponto de vista fiscal. Neste sentido, a massa salarial em Moçambique aumentou de 11% do PIB (e 50% das receitas fiscais) em 2017 para 17% do PIB (e 80% das receitas fiscais) em 2022, um nível que é insustentável. Assim, uma prioridade importante para Moçambique a curto e médio prazo é colocar o nível de despesa da massa salarial numa base sustentável.
Alexis Meyer-Cirkel considera importante compreender que um nível elevado de despesas com a massa salarial restringe as despesas prioritárias com a saúde, educação, infra-estruturas e protecção social, cruciais para o crescimento económico e para a redução da pobreza. Por isso, investir em melhores sistemas de monitorização e de informação pode contribuir fortemente para uma gestão mais eficaz da massa salarial.
Falta capital humano
Várias barreiras estruturais precisam de ser eliminadas para libertar o potencial de crescimento do País. O representante do FMI fala das lacunas significativas ao nível de capital humano em termos de saúde e educação dos trabalhadores. Avança o exemplo do sector agrícola, que emprega uma grande proporção da força de trabalho, mas a sua produtividade é baixa e a insegurança alimentar é elevada. Além disso, existem vários obstáculos ao investimento privado, incluindo o acesso restrito ao crédi-
to, obstáculos à actividade empresarial e uma fraca governação. Assim, os esforços contínuos para fortalecer as instituições, o ambiente de negócios e a governação são importantes para limitar as vulnerabilidades à corrupção e reduzir os obstáculos ao investimento gerador de emprego.
“Em muitas regiões do País que visitei, vi situações de crianças a assistir às aulas debaixo de uma árvore. É nestas situações que penso que a alocação dos recursos orçamentais, com mais de ¾ da receita fiscal-colecta de impostos a ser canalizada para o pagamento de salários, precisa de ser constantemente debatida e repensada”, sugere o responsável.
Ainda neste quadro, Alexis Meyer-Cirkel refere que vamos precisar de muitos mais engenheiros, médicos e matemáticos. No entanto, o primeiro passo é criar um ensino primário e secundário de qualidade acessível a todos. Salvaguardar, talvez, através de sistemas de incentivos, que as crianças e especialmente as raparigas permaneçam mais tempo na escola e saiam de lá com uma boa educação.
Gestão do gás
Por último, uma gestão adequada da riqueza do Gás Natural Liquefeito pode apoiar a sustentabilidade fiscal, bem como ampliar os objectivos sociais, criando
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NAÇÃO | DESENVOLVIMENTO
Um dos desafios cruciais da próxima década é a expansão de infra-estruturas de suporte à industrialização, entre as quais a rede de energia
OS DEZ DESAFIOS DA PRÓXIMA DÉCADA
Como podemos contornar os males da pobreza e embarcarmos no caminho do desenvolvimento?
Eis os dez pontos-chave e os maiores desafios de Moçambique:
INDUSTRIALIZAÇÃO
Será preciso investir na competitividade das infra-estruturas de logística e transporte
GESTÃO DO GÁS
O pensamento deve ser o da diversificação da economia com enfoque na agricultura
EDUCAÇÃO E SAÚDE
São necessárias na formação, expansão e instalação de melhores infra-estruturas
EMPREGO
O País precisa de melhorar as políticas de apoio aos jovens e de incentivo ao auto-emprego
TAXAS DE JURO
Não haverá prosperidade enquanto o sector privado tiver de pagar caro pelo dinheiro
espaço fiscal para um crescimento mais elevado e mais inclusivo e/ou assegurando uma redistribuição equitativa das receitas dos recursos entre gerações. As receitas do GNL criarão desafios de estabilização significativos para a política fiscal, devido à sua dimensão, incerteza, volatilidade e natureza finita. O desenvolvimento de um quadro fiscal sólido e de instituições para gerir adequadamente a riqueza dos recursos naturais será crucial para o futuro de Moçambique.
A criação de uma indústria competitiva
Não é possível haver desenvolvimento socioeconómico sem industrialização. Que factores críticos se nos colocam pela frente para criar e desenvolver uma indústria nacional verdadeiramente competitiva? E em que patamar poderemos estar até 2033 (ou mesmo 2035), a avaliar pelo cenário que temos hoje? Antes do mais, importa recordar o mapa do potencial industrial do País, que nos é apre-
MUDANÇAS CLIMÁTICAS
Ciclones e tempestades tropicais tenderão a ser um inimigo difícil de combater
DÍVIDA PÚBLICA
O Estado deve devolver a sustentabilidade e aliviar a pressão com os encargos da dívida
DIVERSIFICAÇÃO
Há que evitar a dependência económica excessiva da exploração dos recursos naturais
PLANIFICAÇÃO
Os planos de desenvolvimento económico devem ser de longo prazo e não descontinuados
SEGURANÇA
O fim da insurgência e a segurança cibernética serão cruciais para a competitividade económica
sentado pelo presidente da Associação Industrial de Moçambique (AIMO). De acordo com Rogério Samo Gudo, se tivéssemos todos os desafios (que veremos a seguir) resolvidos, na próxima década poderíamos ser uma referência regional em áreas de produção de bens de primeira necessidade, incluindo o agro-negócio, que já deu sinais de que pode desenvolver-se, mas precisa de ser estruturado para estimular outras áreas como o comércio. A mineração também pode fazer a diferença pela sua dinâmica e demanda que cria na área dos materiais de construção. Desempenha um papel importante, por exemplo, na metalomecânica, com potencial de acelerar a produção de peças industriais, podendo resolver um dos grandes problemas do mercado, que é a manutenção e reposição de equipamentos (tão cara que dificulta a competitividade da indústria nacional). O sector da energia também faz parte da matriz do potencial nacional por poder expandir-se para a África Austral,
incluindo as renováveis que desempenham um papel cada vez mais relevante no quadro da descarbonização, sem falar na indústria do turismo.
Os desafios da industrialização Com conhecimento profundo da estrutura instalada no País a diversos níveis, o presidente da AIMO apontou como primeiro grande obstáculo os choques climáticos cíclicos. Explicou que o sector da indústria sofre grandes impactos porque funciona com base na infra-estrutura criada, mas que é ciclicamente destruída tornando difícil o acesso a estradas, pontes, água, energia, entre outros meios importantes para o desenvolvimento do sector. “O excesso de ciclones retrai todo o esforço feito pelos sectores público e privado no desenvolvimento dos processos de transformação industrial”, sublinhou.
Associado a isso está a insurgência em Cabo Delgado, com a interrupção das operações da Total. “Isto afecta
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de forma brutal a transformação porque entendemos que está a ser perdido o esforço para estimular a cadeia do processo de industrialização através da produção local, retardando ainda mais a ambição de industrializar o País”, esclareceu.
Para Rogério Samo Gudo, o desenvolvimento do sector de exploração de gás e de energia são factores estruturais para a industrialização devido aos recursos que disponibiliza, tanto ao nível de infra-estruturas (desenvolvimento portuário, aeroportos, estradas, etc.) como na ligação a um conjunto de sectores que constituem mercado importante para o desenvolvimento, e as estratégias existentes assentam nisso.
Dificuldades herdadas de fora
A industrialização também sofre influência negativa de fenómenos externos. Primeiro, o País é muito dependente da economia sul-africana, sobretudo no que diz respeito aos produtos de primeira necessidade como a transformação de insumos e de tecnologia. “É um desafio para o qual precisamos de encontrar soluções a médio e longo prazo. Tudo o que acontece na economia sul-africana afecta-nos directamente”, sublinhou o responsável. De fora vêm, igualmente, outros males como a inflação que o mundo todo está a importar decorrente da guerra entre a Rússia e a Ucrânia. “Este é um factor crítico para todas as economias e já afecta o sistema financeiro internacional, com os Bancos Centrais a aumentarem as taxas de juro, sendo que a industrialização e extremamente alérgica a dinheiro caro. Isto significa que nós, que estamos na cauda do desenvolvimento, sentimos mais os impactos da variação da inflação e das taxas de juro”, argumentou.
Definitivamente, não somos competitivos
A nossa competitividade está completamente minada. Esta é a lamentável conclusão a que se pode chegar, pelo menos na actualidade. “Moçambique só vai conseguir vantagem do ponto de vista de competitividade industrial se conseguir resolver todos os problemas estruturais já referidos”, revela o presidente da AIMO. É que, para poder atrair Investimento Directo Estrangeiro (IDE), os investidores precisam de ter a certeza de que terão margens e retornos. E para isso o País tem de ser competitivo, o que está longe se tornar real. “E o dilema é: como é que atraímos estes investimentos?”, questionou.
Citando o exemplo da África do Sul, que atravessa uma histórica crise ener-
gética, questionou: “porque é que as indústrias sul-africanas que sofrem apagões não que vêm solucionar os seus problemas em Moçambique, onde há energia abundante?”. E a seguir constatou: “é que, apesar do défice energético, o processo de logística ainda compensa. Isto é, contas feitas, continua a ser preferível operar no seu país e continuar a ter problemas de energia, do que vir a Moçambique. Assim, perdemos uma grande oportunidade de ganhar com a crise do país vizinho”.
As políticas até são boas, mas...
Samo Gudo chama a atenção para a necessidade de reconhecer que as dinâmicas locais de Moçambique já estão desenvolvidas sob o ponto de vista de políticas. O presidente da AIMO faz menção ao Programa Nacional Industrializar Moçambique (PRONAI), lançado em 202, e ao Pacote de Medidas de Aceleração Económica (PAE), aprovado no ano passado, como instrumentos que contêm as bases para uma transfor-
mação estrutural ao nível da indústria. “Trata-se de um esforço do Governo de lançar um sinal para o mercado, no sentido de que compreende esta preocupação e a resposta é através destes instrumentos que demonstram uma vontade política, mas que, operacionalmente, ainda não estão a trazer os resultados que se esperam”, constatou.
Próxima década pode ser de mudança
Apesar de todos os desafios que se nos colocam pela frente enquanto País, Rogério Samo Gudo olha para os próximos dez anos com “muito optimismo porque acredito nas pessoas”. Entende também que a questão da insurgência em Cabo Delgado se vai resolver, o que ajudará a credibilizar o mercado aos olhos dos potenciais investidores externos. Aliado a isso, é importante a atenção na luta contra o branqueamento de capitais e no financiamento ao terrorismo que é, igualmente, um bom sinalizador dos investidores e cuja
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Para atrair IDE os investidores precisam de certezas sobre potenciais retornos. E para isso o País tem de ser competitivo, o que está longe de ser verdade
resolução está ao nosso alcance. “Se resolvermos apenas estas duas questões, teremos maiores fluxos de investimento importantes para dinamizar os processos de industrialização”, afirma Rogério Samo Gudo.
Precisamos de reformas económicas, sugerem os economistas
Se, por um lado, o gás e outros recursos naturais são vistos como oportunidade, por outro, constituem um desafio a ter em conta, dado o risco de trazerem uma grande dependência - se não houver diversificação da economia - e má distribuição de riqueza, ocasionando um fraco progresso ou mesmo um retrocesso do Índice de Desenvolvimento Humano. Os economistas convergem em relação aos desafios que dizem respeito ao desenvolvimento da agricultura, manutenção da segurança e efeitos das mudanças climáticas, mas não concordam que na próxima década haja sinais de progresso a avaliar pela complexidade das questões por corrigir. A não ser que sejam implementadas reformas que sejam levadas mais a sério do que as que já foram até aqui realizadas.
Capitalizar petrodólares e desenvolver a agricultura
Esta questão já tinha sido mencionada pelo representante do FMI. Também
o economista Edgar Chuze, que exerce o cargo de vice-presidente do Pelouro de Política Fiscal, Aduaneira e Comércio Internacional da Confederação das Associações Económicas de Moçambique (CTA), olha para os próximos anos como sendo promissores para a economia moçambicana, considerando que, dentro de dois ou três anos, Moçambique começará a beneficiar das receitas do gás natural da Bacia do Rovuma, na província de Cabo Delgado.
Alerta, entretanto, que será preciso saber usar as receitas do gás para transformar o País numa economia de investimento e não de consumo, como é actualmente. “Preocupa-me a falta de poupança, sobretudo do Estado, já que não podemos contar com a poupança familiar porque a cesta básica custa o dobro ou o triplo do que as pessoas ganham.
Não podemos cair na euforia por causa das receitas que vão chegar. Teremos de gerir o dinheiro de forma criteriosa”, aconselhou o economista, recomendando a procura de boas práticas de gestão de recursos naturais que existem pelo mundo.
Ao mesmo tempo que projecta que a economia volte a crescer a uma média de 7% a 8% por ano, tal como sucedeu entre 2005 a 2014, manifesta reservas em relação a duas questões. A primeira é a vulnerabilidade em relação aos
SERÁ PRECISO REPROJECTAR O FUTURO REALISTICAMENTE
Indicadores macroeconómicos estabelecidos na Estratégia Nacional de Desenvolvimento (ENDE) estão, até aqui, muito aquém das previsões
Meta ambiciosa de crescimento
Em 2022, o PIB cresceu 4,1% e o Banco Mundial projecta que entre 2023 e 2025 o crescimento seja de 6%. Longe dos previstos na ENDE
Projecção da taxa média do crescimento do PIB (em %)
O PIB de Moçambique ronda os 19 mil milhões USD, mas a média prevista entre 2021 e 2025 aponta para quase o triplo
Projecção do crescimento do PIB (em milhões USD)
O PIB per capita está perto dos 500 dólares ao ano. Se as projecções da ENDE fossem realistas seria de cerca de 1300 dólares
Projecção do PIB per capita (em USD)
Meta de acesso à energia pode ser alcançada
Um dos poucos indicadores que parecem estar dentro das metas estabelecidas na ENDE é a expansão do acesso à energia
Expansão do acesso à energia (projecção em %)
Redução da pobreza... mas não já
Os índices revelam-se altos e não há sinais de que nos próximos dez anos a situação melhore tanto quanto na projecção abaixo
Previsão da incidência da pobreza (em%)
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7,7 7,1 7,0 25 000 66 805 106 515 1305,4 1850,4 2596,7 46,1 63 30 2021-2025 2026-2030 2031-2035 2021-2025 2026-2030 2031-2035 2021-2025 2026-2030 2031-2035 2017 2020 2035 2014 2021 2035 24 31 100 FONTE PNUD, INE, ENDE
efeitos das mudanças climáticas e as fragilidades na agricultura, que classifica por “lamentáveis”. Sustenta, por isso, que o Governo devia utilizar o dinheiro do gás e de outros recursos naturais para mudar a abordagem para uma agricultura orientada para os mercados e que seja capaz de produzir durante todo o ano.
Preservar a sustentabilidade da dívida e criar emprego
Por sua vez, o economista Humberto Zaqueu, membro do Grupo Moçambicano da Dívida, diz que sem reformas profundas e sem uma paz efectiva na província de Cabo Delgado vai ser difícil a economia moçambicana alcançar um bom desempenho na próxima década, particularmente no que diz respeito ao combate à pobreza.
“A economia moçambicana cresce fragilizada pelo excesso de concentração no sector extractivo e, apesar de a prioridade ser gerir os efeitos das mudanças climáticas e resolver a insegurança em Cabo Delgado, a médio prazo serão necessárias reformas estruturais nas infra-
-estruturas para melhorar o crescimento e sustentar a recuperação económica. E, por ser membro do Grupo Moçambicano da Divida - uma coligação constituída em 1996 por entidades singulares e colectivas para buscar soluções em assuntos da pobreza, desenvolvimento e dívida externa –, Zaqueu mostra mais preocupação com esta vertente. “Não há dúvidas de que o crescimento do PIB deve acelerar gradualmente a partir do próximo ano, chegando a uma média de 7% entre 2027 e 2030, mas será necessário preservar a sustentabilidade da dívida, no seguimento de uma degradação da posição orçamental”, alertou.
Em termos de criação de emprego, Humberto Zaqueu prevê um País muito longe de satisfazer a procura nos próximos anos e exemplifica com os sectores da indústria do carvão e do alumínio que, mesmo com um peso de 70% nas receitas de exportações, contribuem com apenas 0,3% na criação de empregos.
“Actualmente, a economia moçambicana cria quase 25 mil empregos por ano no sector formal, mas a demanda de emprego é muito alta. O número de pessoas
que entram no mercado laboral em Moçambique, a cada ano, é de 500 mil”, esclareceu. Para melhorar este indicador, será preciso apostar em sectores como a agricultura, pescas e turismo.
Um olhar à governação e aos problemas sociais
A E&M ouviu também o director do Centro de Integridade Pública (CIP), uma das mais interventivas organizações da sociedade civil, Edson Cortez. Ao falar dos desafios, começou, como os outros intervenientes, por apontar o conflito em Cabo Delgado como o mais importante de todos.
Mas logo entrou em questões relativas à governação. “A cada ciclo de governação as ideias anteriores são descontinuadas pelos Governos”, constatou, sugerindo a criação de uma memória institucional que possa permitir olhar para o que já se fez e tentar melhorar.
Além disso, no domínio dos desafios económicos, Cortez faz menção a conseguir trazer a indústria extractiva do sonho para a realidade porque pode tornar-se o motor de desenvolvimento, sendo que para isso serão necessárias instituições fortes, que inspeccionem o que as indústrias estão a fazer e evitar que o interesse nacional seja prejudicado.
“O Estado tem perdido muito dinheiro na recuperação de activos com as multinacionais, e se não conseguirmos robustecer o Instituto Nacional de Petróleo (INP) e o regulador do sector mineiro para que estejam um pé à frente dos operadores destes sectores mineiro e de Oil & Gás, poderemos vir a repetir o que se passa no Congo, que apesar do potencial mineiro foi assaltado e não se desenvolve. Uma das vias de conseguir isso passa por uma capacitação técnica e redução de 'politiquices' que são característicos no nosso País", sugeriu Edson Cortez.
Então, que País teremos na próxima década?
Edson Cortez manifestou-se pessimista. Acredita que "em Mocambique, teremos uma juventude numerosa, desempregada e desiludida, que vai provocar conflitos sociais, tensões constantes e mais desordem", refere o activista social.
“Daqui a alguns anos, a demografia vai criar pressão ao poder político e este vai ter de reagir de uma dessas formas. As manifestações a que temos assistido não vão acabar porque temos cada vez mais jovens preparados, lúcidos, que sabem lutar para defender os seus direitos. Não vejo o Governo a conseguir acomodar toda a população e a dar boas condições a todos, é tecnicamente impossível”.
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"Há muitos países que não têm os recursos naturais que temos, mas que com recursos humanos competentes conseguiram progredir"
Wilson Tomás • Research, Banco BIG Moçambique
O Que nos Dizem as Yield Curves
Uma curva de taxas de rendimento, ou Yield Curve, é uma estrutura temporal das taxas de juro de mercado de um determinado emitente ou qualidade de crédito. Apresenta uma série de pontos que reflectem várias combinações de taxas de rendimento de instrumentos de crédito com a mesma qualidade de risco e em maturidades distintas, desde o curto prazo (maturidades até 1 ano), até maturidades de longo prazo.
Em Moçambique, no caso da dívida pública, as taxas de juro de curto prazo têm por base as taxas de rendimento de Bilhetes de Tesouro com maturidades entre três meses a um ano, e o médio e longo prazo tem por base as taxas de rendibilidade das Obrigações do Tesouro, que têm maturidades superiores a um ano.
As formas que tomam as Yield Curves podem ser justificadas com base em alguns fundamentos teóricos, sendo eles a Teoria das Expectativas, a Teoria da Segmentação de Mercado, a Teoria da Preferência por Liquidez, entre outras. A Teoria das Expectativas tem por base o sentimento de mercado dos agentes económicos sobre as suas perspectivas de evolução das taxas de juro para as várias maturidades.
A Teoria da Segmentação de Mercado não procura relacionar as yields entre o curto, médio e longo prazo, defendendo apenas que, para determinado risco de crédito, existem investidores com perfis diferentes com apetência por diferentes maturidades. Para esta teoria, a curva de taxas é determinada pela procura e oferta dentro de cada sector ou segmento de prazo de vencimentos.
A Teoria da Preferência por Liquidez defende que os investidores exigem retornos ajustados ao risco superiores, quanto maiores forem as maturidades.
As yields que se obtêm num mercado financeiro líquido representam um mecanismo de equilíbrio que orienta as decisões dos investidores e dos emitentes. Por conseguinte, são também um importante motor das preferências de afectação de activos dos investidores e indicadores do crescimento económico, existindo três formatos muito comuns de representação das curvas: a curva normal, a curva plana ou a curva invertida.
A curva de rendimentos normal, positivamente inclinada, apresenta yields menores no curto prazo e yields superiores à medida que vamos avançando para maturidades de médio e longo prazo.
Neste caso, de acordo com a Teoria das Expectativas, o mercado assume que pode estar a caminho um período de crescimento da inflação derivado de uma expansão económica. Uma Yield Curve normal implica, geralmente, condições económicas estáveis durante um determinado ciclo económico.
A curva de rendimentos plana apresenta yields similares entre as maturidades de curto, médio e longo prazo. Uma Yield Curve plana implica uma situação económica caracterizada por elevada incerteza.
Esta situação ocorre, geralmente, em finais de períodos de crescimento expressivo, com forte procura agregada, inflação elevada e receios de um abrandamento associado a expectativas de restrições de política monetária dos Bancos Centrais e a aumentos de taxas de referência na economia.
Por fim, a curva de rendimentos invertida, negativamente inclinada, apresenta yields maiores no curto prazo do que nos médio e longo prazo. Este tipo de Yield Curve surge tipicamente quando o mercado estima que a economia pode estar a caminho de um período recessivo, caracterizado por baixa inflação e fraco desempenho da activida-
www.economiaemercado.co.mz | Junho 2023 30 OPINIÃO
Uma Yield Curve normal implica, geralmente, condições económicas estáveis durante um determinado ciclo económico. A curva de rendimentos plana apresenta yields similares entre as maturidades de curto, médio e longo prazo
Espera-se que a descida contínua da inflação leve o Banco de Moçambique a cortar as taxas de juro ainda este ano
de económica. Na conjuntura actual, as Yield Curves estão invertidas em muitas economias desenvolvidas, como indicação de uma iminente entrada para um quadro recessivo, que alguns analistas estimam que possa ocorrer até ao final de 2023. Estas estimativas são uma reacção aos sucessivos aumentos de taxas de juro por parte dos Bancos Centrais.
A subida das taxas de juro leva a uma redução da procura agregada, o que geralmente pressiona a inflação e faz com que a actividade económica registe um abrandamento.
Neste contexto, o mercado admite que um abrandamento económico global será inevitável, daí as curvas de rendimentos apresentarem taxas de juro decrescentes no médio e longo prazo.
A maioria das obrigações que têm pagamentos de cupões apresentam uma taxa de juro da emissão que determina os pagamentos desses cupões. No entanto, o verdadeiro custo do financiamento ou o rendimento do investimen-
to em obrigações é determinado pela yield de uma obrigação. A yield de uma obrigação é o retorno esperado que um investidor irá obter no seu investimento, caso detenha a obrigação até à sua maturidade. A yield representa também a discount rate – taxa de desconto que permite que a soma do valor presente dos fluxos de caixa futuros seja igual ao preço de mercado da obrigação.
As alterações na Yield Curve têm impacto directo sobre o preço das obrigações, principalmente nas obrigações de cupão fixo ou obrigações sem cupão.
No cenário de inversão da Yield Curve, as alterações das taxas de juro fazem com que os preços das obrigações aumentem de valor no mercado, uma vez que as yields que descontam os cash-flows são cada vez menores a cada pagamento previsto, ou seja, o valor presente dos cash-flows aumenta.
Moçambique apresenta actualmente uma Yield Curve normal, caracterizada por um alargamento do spread entre as yields dos títulos de dívida públi-
ca de curto vs. longo prazo, com as taxas dos títulos de maior maturidade a apresentarem um crescimento superior às taxas dos títulos de curto prazo. A inflação, após ter atingido um máximo em Agosto de 2022 de 12,96%, tem vindo a decrescer, situando-se um pouco abaixo dos 10%.
Esta descida contínua da inflação poderá motivar uma inflexão na política monetária do Banco de Moçambique e conduzir a um corte das taxas directoras ainda em 2023.
Por outro lado, o Estado reduziu o montante previsto a ser angariado através da emissão de dívida pública interna para cerca de MZN 36 mil milhões (vs. uma média de MZN 49 mil milhões nos últimos três anos).
Caso a procura por títulos de dívida pública se mantenha, a materialização destes factores poderá conduzir a uma descida das yields de títulos de longo prazo, motivando uma redução no spread de taxas entre as diferentes maturidades.
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“Não Vejo Transformações de Fundo na Economia na Próxima Década”
Fáusio Mussá, economista-chefe do Standard Bank, projecta um crescimento robusto do PIB, mas assinala que, na sua opinião, “há uma combinação de factores que pode manter ainda elevados os índices de pobreza”. Contrariar esta projecção só é possível, diz, “se o modelo de desenvolvimento a ser adoptado for claro, de longo prazo, e colocar as pessoas no centro das decisões”
Na sequência do primeiro Economic Briefing de 2023, em que apresentou os principais indicadores sobre o desempenho macroeconómico global, regional e nacional, realizado sob o lema “Moçambique, as complexidades do caminho para uma recuperação económica sustentável”, a E&M quis conhecer as projecções do economista chefe do Standard Bank para a próxima década. Fáusio Mussá que acompanha diariamente os movimentos da economia nacional, lança um olhar em jeito de overview, que combina aspectos económicos e sociais, sem deixar de lado os novos desafios que já se avistam no horizonte.
Gostava que começasse, tal como no Economic Briefing, por me falar um pouco sobre este cenário, diria cinzento, que temos no mundo actual, em termos estruturais e conjunturais, associando tudo isso, aos desafios próprios de uma economia em desenvolvimento como a moçambicana. Para onde vamos?
Não podemos ignorar a turbulência que se vive na economia mundial e verificar o que na política monetária se chama por “mecanismos de transmissão”. Isto é, existem alguns mecanismos de transmissão do que acontece no resto do mundo para Moçambique. O primeiro é o preço das commodities. O cenário mundial sugere que podemos viver períodos de volatilidade no preço destas, que podem trazer, também, volatilidade nas nossas receitas de exportação, podendo, por sua vez, afec-
tar negativamente a economia moçambicana, sobretudo porque o País se tornou muito dependente das commodities para a exportação. É uma tendência que se vai agravar ao longo do tempo se a dependência em relação ao gás aumentar. O segundo mecanismo de transmissão tem que ver com a dívida pública. Moçambique, por causa da dívida externa que continua elevada, tem um espaço muito limitado para contrair novos empréstimos (há espaço apenas para os concessionais como os do Banco Mundial, BAD, entre outros). Esta conjuntura externa traduz-se num Moçambique menos apetecível para captar Investimento Directo Estrangeiro (IDE) devido ao elevado risco que representa para os potenciais investidores. Ou seja, será muito mais difícil Moçambique atrair IDE fora da área do gás. Por isso, faz sentido que o Governo esteja a acelerar reformas para tornar o País mais atractivo ao IDE porque estamos a concorrer em termos mundiais.
O terceiro elemento são as taxas de juro mais altas, cujo impacto se manifesta através da elevação não apenas do serviço da dívida pública externa, como também do serviço da dívida privada. E o País começa já a ter um nível de dívida privada que, somada à externa, tem impacto na Balança de Pagamentos, ou seja, tem de gerar moeda externa para fazer o serviço da dívida, seja pública ou privada.
A inflação é outro tema que está há mais de um ano a dominar o cenário macroeconómico global. Moçambique acaba por “importar inflação”, por
ser importador de combustíveis e de quase tudo o resto...
Sem dúvida que isso obriga a um conjunto de políticas internas para ajudar a limitar o impacto. Ou seja, o alto preço dos commodities é bom para as exportações de commodities, mas, no caso de Moçambique, e exceptuando o carvão e os produtos agrícolas, é mau porque o País importa produtos processados, com o agravante de que a falta de uma rede de logística e de comércio bem desenvolvida torna o País vulnerável à importação mesmo de produtos em que já começámos a ter algum excedente. Por exemplo, produzimos milho, mas, porque não houve uma política de gestão, acabamos por exportar o excedente. Pouco tempo depois vem a escassez que nos obriga a importar o milho a um preço mais alto do que aquele que conseguimos na exportação. Por isso, a agricultura tem de ser mais organizada e desenvolvida e requer uma rede de infra-estrutura logística pronta para apoiar a sustentabilidade na oferta de alimentos.
Temos uma série de desafios ao crescimento, e todos interligados entre si. Por onde é que se deveria começar a ‘desactar o nó’ do subdesenvolvimento?
Na minha opinião, tem de se começar pelas pessoas, porque não existe cresci-
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Texto Pedro Cativelos • Fotografia Mariano Silva & Istock Photo
mento sustentável sem se olhar para elas. Temos de as olhar sob o ponto de vista da Educação, da Saúde, do acesso a infra-estruturas básicas de saneamento. Há muita coisa que está a ser feita, mas, provavelmente, a um nível muito inferior do que o País precisa. Se chegarmos a um consenso de que é por aqui que se começa, então, a seguir, é preciso olhar para as infra-estruturas. Por exemplo, a rede de estradas é extremamente importante, mexe também com as pessoas, porque estas precisam de mobilidade para aceder aos mercados, escolas, hospitais, energia, etc. Nós (Standard Bank) queríamos desenvolver a discussão à volta disso, reconhecendo as limitações do Estado em investir na área de infra-estruturas. Queríamos, por isso, que o sector privado pudesse olhar para as oportunidades que Moçambique oferece e trouxemos o exemplo de um produtor independente de electricidade, que pode ser replicado em diferentes escalas e lugares no País. É também importan-
te que não percamos de vista uma limitação que temos: a de olhar apenas para o nosso mercado. Quando deixarmos de fazer isto e adoptarmos uma perspectiva de mercado regional, as possibilidades de investimento aumentam. E Moçambique tem sabido explorar este aspecto ao longo dos corredores de desenvolvimento de Maputo, Beira e Nacala. Por exemplo, mais recentemente tem havido um grande enfoque na replicação das linhas férreas, o que significa que estamos a sair das estradas para os meios de transporte mais eficientes quando se fala de comércio transfronteiriço. Tal ajuda a reduzir os custos do transporte por toneladas e ajuda a trazer mais estabilidade para o comércio internacional e regional. Queríamos que as pessoas percebessem que, apesar das limitações do Estado, existem possibilidades de negócio e abertura do Governo que se manifestam, inclusive, nas 20 medidas de estímulo à economia anunciadas no ano passado... que acaba por tocar naque-
le primeiro ponto: as pessoas! Se não se pensar nas pessoas, não haverá desenvolvimento, nem sustentabilidade.
Do seu ponto de vista, as pessoas estão reflectidas nos números que nos são apresentados sobre o crescimento e desenvolvimento?
Penso que há alguma harmonia na conversa sobre números. Mas não consigo olhar para um cenário em que Moçambique possa considerar que está a registar progressos na sua economia se as pessoas ficarem excluídas. E há um número interessante que diz que mais de 70% das pessoas vivem da agricultura. Mas nós vemos que grande parte do esforço que está a ser feito para acelerar o crescimento económico se situa no sector dos recursos naturais e muito poucas pessoas serão absorvidas por esta área. Então, como é que se vai reconciliar isto? Como é que este crescimento pode ser mais inclusivo? Sem dúvidas que todos estes temas sobre a criação de infra-estruturas e desenvolvimento da agricultura são importantes, mas estamos curiosos em perceber o que irá o Governo trazer como estratégia nacional de desenvolvimento. Já ouvimos alguns debates, mas queremos saber como se vai transformar a economia e como irão as pessoas participar no processo de desenvolvimento. Se deixarmos os recursos se tornarem no sector dominante sem que haja atenção a outros sectores da economia, teremos um crescimento não suficientemente inclusivo. E o mecanismo de transmissão que vemos, neste momento, está no sector fiscal.
E qual seria a engenharia a ser feita ao nível do sector fiscal na transformação que sugere?
Num contexto em que as questões de segurança provavelmente limitarão os efeitos positivos dos grandes projectos na região e na economia no seu todo, o benefício para o resto da economia vai tornar-se mais visível quando o Governo for capaz de utilizar, noutros sectores da economia, as receitas que cobra desses projectos. Por isso, é interessante percebermos o que diz o plano nacional de desenvolvimento. Sabemos que está a ser preparado pelo Governo, mas não ainda finalizado e não foi tornado público.
Quando coloca as pessoas no centro das decisões que deveriam nortear a estratégia de desenvolvimento, deixa a ideia de que é preciso planificar para um horizonte de décadas. Mas há uma ideia, talvez não realista, de que es-
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“A mudança tem de começar pelas pessoas, porque não existe crescimento sustentável sem se olhar para elas”, assinala Fáusio Mussá
NAÇÃO | DESENVOLVIMENTO
te tipo de planeamento não é comummente encontrado nas economias africanas...
Há muito poucos exemplos no mundo, sobretudo em África, de economias que tenham sido bem-sucedidas quando as questões de desigualdade são muito elevadas. Na maior parte dos casos em que temos exploração de recursos, vemos que essas economias apresentam desigualdades de rendimento muito altas, o que significa que grande parte da população fica excluída. Isto significa que se pensarmos que o mercado, por si só, vai levar essas economias para um nível de sustentabilidade, está provado, pela nossa história mais recente, que isso não vai funcionar. E se o mercado não funciona, o que é que pode ajudar a corrigir essa falha, em que os ricos ficam mais ricos e os pobres mais pobres? É com liderança, políticas, investimento e inclusão. Eu vejo alguns sinais para se caminhar nessa direcção. Em Agosto do ano passado vimos a publicação de um pacote de 20 medidas de estímulo à economia num contexto em que o País estava a entrar para um programa do FMI, ou seja, a mensagem que se está a passar é que o programa do Fundo é importante para ajudar a estabilizar a economia, a melhorar a governação... mas, do ponto de vista de médio e longo prazo, o País tem de ser capaz de gerar um crescimento mais inclusivo e desenvolver a economia.
Na sua óptica seria o mais correcto criar, de raiz, um modelo próprio de desenvolvimento? Quais seriam as implicações disso?
Há muitas peças soltas ainda. E, se calhar, não tenho informação suficiente para fazer uma avaliação e dizer se estamos a caminhar na direcção certa ou não, porque vimos todo um esforço para restaurar a confiança trazendo o FMI para o País, vimos que, apesar de termos um programa com o FMI, as questões de desenvolvimento não estão esquecidas e existe a intenção de avançar nesta área. Mas devo dizer que ainda não há uma estratégia clara sobre o modelo que queremos seguir. Há muito apoio para os recursos naturais se desenvolverem porque tal vai acelerar o crescimento económico, mas a maior parte das intervenções para reduzir as desigualdades sociais resultam do apoio externo. E se este apoio externo reduzir, será que haverá progresso? Por outro lado, Moçambique vive dos recursos financeiros dispostos pelo Estado. Esta situação é muito complexa. Por exemplo, a reforma salarial está a consumir muitos recursos para beneficiar
cerca de 400 mil funcionários públicos. Isto é, a maior parte da população não faz parte deste processo e eu pergunto: será que enquanto se vive esta perturbação, o Governo continua a ter a mesma atenção que devia ter em relação a outras áreas da economia, segmentos ou grupos?
Uma questão sobre a qual pouco se fala é a necessidade de uma nova mentalidade por parte do empresariado, no que diz respeito à redução da dependência do apoio do Estado, até em relação à própria banca, aos doadores... o que pensa sobre isto?
O nosso empresariado tem aprendido, e tem-no feito sob condições muito duras. O Estado, nos últimos tempos,
tem passado por momentos muito difíceis do ponto de vista de finanças públicas e, embora continue a ser um importante actor na economia, o período que atravessa desde 2016 tem obrigado os nossos empresários a voltarem-se para outras áreas e oportunidades de mercado, adoptando modelos de negócio em que são menos dependentes do Estado. Isso, se calhar, ajuda a criar uma nova mentalidade, e eu acredito que esta mudança esteja a acontecer. Durante muitos anos, pareceu que, em Moçambique, só se fazia negócios com o Estado. Mas não nos devemos esquecer que o País vem de um contexto de economia centralizada e a transição para uma economia de mercado obrigou a um período de adaptação. E estas cri-
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“O crescimento económico pode acelerar sem que haja desenvolvimento nem crescimento inclusivo. Está claro que os recursos naturais são importantes, mas não respondem às necessidades do País”
ses que hoje vivemos ajudam a quebrar esta dependência.Além disso, Moçambique enfrenta outras limitações: o nível de pobreza é muito elevado e a classe média muito pequena. E, provavelmente, alguns negócios não sobrevivem num ambiente em que quase que não existe classe média. Tal explicará um pouco a razão por que grande parte dos negócios estão virados para o Estado como único cliente. Penso que há muitas empresas que reduziram a dependência em relação ao Estado.
Já se pode olhar para como a economia, no seu todo, foi impactada pela pandemia e que ‘cicatrizes’, diria assim, vai deixar nos próximos anos?
Em relação à pandemia do covid-19, eu diria que a economia se tornou ainda mais informal, o que foi muito negativo, já que estávamos em processo de recuperação da crise da dívida de 2016. Em 2020, veio a crise mundial gerada pela pandemia. E, agora, vivemos um momento em que o tecido empresarial está muito fragilizado, não só por causa dos efeitos da pandemia e das crises
que vivemos, mas também da conjuntura relacionada com o aperto da política monetária para conter a inflação, aperto da política fiscal para estabilizar as finanças públicas e uma conjuntura mundial que requer muito mais cautela a quem quer fazer negócios, porque recebemos impactos negativos do resto do mundo. Na minha opinião, tudo isto enfraquece o empresariado nacional, gera uma economia informal muito maior do que era antes da pandemia e coloca-nos num nível de dependência extrema em relação aos recursos naturais como a área que pode ajudar a acelerar o crescimento. O problema desta equação é que o crescimento económico pode acelerar sem que haja desenvolvimento nem crescimento inclusivo. Está claro que os recursos naturais são importantes, mas não respondem às necessidades do País.
Se tudo corresse bem, no sentido de aproveitarmos, da melhor maneira, o potencial que existe em Moçambique e que é, tantas vezes, reconhecido por todos, que estágio de desenvolvimen-
OS DEZ GRANDES DESAFIOS DA ECONOMIA MOÇAMBICANA
Eis as principais barreiras ao desenvolvimento socioeconómico, segundo o economista-chefe do Standard Bank, Fáusio Mussá.
1) A turbulência na economia mundial, o preço dos commodities dos quais Moçambique é dependente;
2) Economia demasiado dependente do IDE e com pouco apetite dos investidores internacionais que estão mais prudentes tornando Moçambique vulnerárel;
3) As taxas de juro internacionais que ainda estão a subir. Tal aumenta o serviço da dívida externa e da dívida privada. Ambas somadas têm impacto na balança de pagamentos.
4) A inflação. É boa para as exportações de commodities, mas, no caso de Moçambique, e exceptuando o carvão e os produtos agrícolas, é má porque o País importa produtos processados;
5) Por onde começa a mudança? Nas pessoas;
6) Olhar para a região em que estamos e não apenas para o mercado interno;
7) Planeamento e estratégia de desenvolvimento. Podemos ter o nosso próprio modelo de desenvolvimento?
8) Como fugir à “doença holandesa”? Há bons sinais. O programa do FMI é importante;
9) Mudanças climáticas são um desafio;
10) Criação de banco de desenvolvimento.
to seríamos capazes de alcançar numa década?
Depende das políticas que vão ser implementadas para transformar esse potencial em algo que, por sua vez, transforme a economia porque, até agora, o que temos são políticas para estabilizar a economia. Não vejo que nos próximos dez anos haja uma transformação da economia. O alerta do nosso Economic Briefing é que nos próximos dez anos haja, provavelmente, um crescimento muito mais robusto do PIB, mas ainda não é visível uma transformação que signifique um crescimento inclusivo, que a pobreza reduza substancialmente, que a qualidade do acesso à saúde, educação e mitigação dos impactos do clima sejam geridos de uma forma que crie prosperidade para o País.
Qual seria o papel da banca nesta transformação?
Moçambique já tem bancos comerciais bastantes, mas precisa de um banco de desenvolvimento que não seja estatal, mas que seja capaz de apoiar projectos de médio e longo prazo.
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Quando o Desenvolvimento Depende da… Dependência Externa
Existe um objectivo de desenvolvimento comum a todos os países africanos, expresso na Agenda 2063, documento que arrola com precisão todos os problemas do continente. Mas a sua execução está refém da falta de recursos financeiros e de quadros qualificados. Assim, vamos mantendo a esperança nos planos internos, também de eficácia questionável
A“África que queremos” – slogan escolhido para orientar os Governos africanos a buscarem o caminho do desenvolvimento no quadro da Agenda 2063 – ajusta-se bem às ambições contidas neste documento que representa o expoente máximo da esperança de um continente com os mais elvados índices de pobreza e vulnerabilidade do mundo.
A Agenda 2063 é um conjunto de iniciativas actualmente em implementação pela União Africana, adoptado a 31 de Janeiro de 2015 na 24.ª Assembleia Ordinária dos Chefes de Estado e de Governo da União Africana (UA) em Adis Abeba. A convocação para esta agenda foi feita pela primeira vez na 21.ª Assembleia Ordinária a 26 de Maio de 2013 como um plano para os 50 anos seguintes.
De um modo geral, os objectivos declarados na Agenda são o desenvolvimento económico, incluindo a erradicação da pobreza em apenas uma geração; a integração política, particularmente através do estabelecimento de uma África unida federal ou confederada; melhorias na democracia e na justiça; estabelecimento da segurança e paz em todo o continente; fortaleci-
mento da identidade cultural por meio de um “renascimento africano” e ideias pan-africanas; igualdade de género e independência política de potências estrangeiras. Estas metas desdobram-se noutras inúmeras e específicas.
Oito anos após a sua entrada em vigor, a União Africana (UA) fez um balanço preliminar do caminho que se está a traçar e as conclusões ainda são preocupantes. Ora vejamos:
Falta dinheiro e capital humano
A UA concluiu que, em certa medida, os grandes desafios em termos de projectos prioritários do continente se reflectem, também, nos objectivos estabelecidos.
Por exemplo, dois dos maiores objectivos são, simultaneamente, os principais desafios que se impõem à consecução plena da Agenda 2063, nomeadamente a falta de recursos humanos qualificados e a falta de recursos financeiros.
Isto é, se por um lado a própria Agenda tem entre os seus objectivos a eliminação desses desafios, por outro, os mesmos têm um forte carácter limitador, uma vez que se constituem como barreiras à sua própria eliminação. Por exemplo, a ambição é que a África assu-
ma plena responsabilidade de financiar o seu próprio desenvolvimento. Outra meta é produzir “cidadãos bem-educados e revolucionar competências apoiadas pela Ciência, Tecnologia e Inovação. Mas a execução dos planos de desenvolvimento geralmente trava quando o financiamento tem de depender do apoio externo.
“Isso fica bastante evidente na ideia da criação da Universidade Virtual Africana, cujo objectivo principal é justamente contribuir para a eliminação da escassez de recursos humanos qualificados. Paradoxalmente, esta iniciativa carece de recursos humanos qualificados e financeiros para a sua efectiva concretização , constata a União Africana no balanço preliminar da Agenda 2063.
Sinais modestos de avanço É certo que o tempo de vigor da Agenda 2063 é ainda muito reduzido se olharmos para o horizonte dos 40 anos que ainda faltam para concretizá-la.
Mas, apesar disso, e em linhas gerais, “o continente apresenta um certo atraso na implementação das metas”, de acordo com os dados disponibilizados na Agenda 2063 Dashboard, medidos pela UA. Assim, dos 20 objectivos, ape-
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Texto Celso Chambisso • Fotografia Istock Photo
Dois dos maiores objectivos são, simultaneamente, os principais desafios que se impõem à consecução plena da Agenda 2063: a falta de recursos humanos qualificados e financeiros
nas dois apresentam implementação superior a 65%. São eles a busca por instituições financeiras e monetárias continentais implementadas e funcionais, com 93% de consecução da meta prevista para o período inicial, e uma arquitectura de paz e segurança africana totalmente funcional e operacional, com 73% de execução.
Sete dos objectivos gerais apresentam implementação igual ou superior a 32,5% (ou seja, de 50% em relação ao que se esperaria para o período). Trata-se, entre outros, do objectivo que preconiza um padrão de vida elevado e qualidade de vida e de bem-estar para todos os cidadãos, com 59%, e de cidadãos saudáveis e bem nutridos, com 44% da meta estabelecida para este período.
Estes números parecem, diga-se, bastante optimistas se considerarmos o fraco recuo da pobreza associada a diversos fenómenos que ocorrem no continente (terrorismo, epidemias, mudanças climáticas, etc.).
Já no que diz respeito aos outros 11 objectivos, nove apresentam implementação inferior a 32,5% e dois abaixo de 10% (Agricultura moderna para aumentar a produtividade e a produção, com 8% de execução; e Instituições ade-
quadas e liderança transformadora, com 4%).
O que nos dizem os planos individuais de desenvolvimento?
Na verdade, a Agenda 2063 não tem sido vista como prioridade máxima pelos Governos nacionais em África, em parte porque cada país tem desafios específicos e particularidades do ponto de vista de potencial para criar riqueza e bem-estar. Por isso, cada território adopta as suas próprias armas para combater o subdesenvolvimento. A E&M foi buscar parte dos desafios que os países mais desenvolvidos do continente procuram resolver e a forma como estão a orientar as suas políticas de resposta.
A ambição da Nigéria
País mais industrializado de África a par da África do sul, com o PIB avaliado em 400,8 mil milhões de dólares em 2021, a Nigéria apresenta um dos mais elevados índices de pobreza e de desigualdade social do continente, com um PIB per capita de cerca de 2000 dólares anuais.
Para atacar os diversos desafios que incluem a alta dependência do petróleo, o Governo lançou, recentemente, o Plano Nacional de Desenvolvimento
A VISÃO COLECTIVA DE ÁFRICA
A Agenda 2063 é clara quanto aos objectivos a perseguir, mas também está evidente a dificuldade para os alcançar. Eis dez dos vários pontoschave para transformar o continente:
Erradicar a pobreza nas próximas décadas;
Oferecer habitação condigna de baixo custo;
Catalisar a educação através da ciência, tecnologia, investigação e inovação
Industrializar as economias acrescentando valor aos recursos naturais
Modernizar a agricultura e o agronegócio e melhorar a produtividade
Combater os efeitos das alterações climáticas e preservar o ambiente
Ligar África através de infra-estruturas de classe mundial
Acelerar a criação de uma zona de comércio livre continental
Apoiar os jovens como os impulsionadores do renascimento do continente
Silenciar as armas até 2020
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FONTE Agenda 2063 da União Africana 1 3 5 7 9 4 6 8 10 2
da Nigéria – Agenda 2050. A meta deste instrumento é garantir que o país atinja um PIB per capita de 33 328 dólares por ano, colocando-o entre as principais economias do mundo, em termos de renda, até 2050.
Os nigerianos pretendem utilizar o capital proveniente da exploração petrolífera para fazer andar o seu plano. A Agenda preconiza, igualmente, que o emprego total deve aumentar para 203,41 milhões em 2050, que comparam com 46,49 milhões em 2020. “Isto implica que o desemprego cairá significativamente para 6,3% em 2050, de 33,3% em 2020. O resultado é que o número de pessoas na pobreza cairá para 2,1% em 2050, de 83 milhões em 2020”, estimou o Presidente daquele país, Muhammadu Buhari, durante o lançamento da Agenda 2050.
Ao mesmo tempo, o país possui um plano quinquenal 2021-2025, que pretende tirar da pobreza 35 milhões de pessoas por meio do que chama de crescimento económico acelerado, sustentado e inclusivo e iniciativas de protecção social.
Conseguirá a África do Sul eliminar a pobreza até 2030?
O antigo Presidente Jacob Zuma nomeou uma Comissão Nacional de
Planeamento, em Maio de 2010, para elaborar uma visão e um plano de desenvolvimento nacional. O Relatório de Diagnóstico da Comissão, lançado em Junho de 2011, estabeleceu a posição da África do Sul depois de identificar uma falha na implementação de políticas e a ausência de parcerias amplas como as principais razões para o progresso lento, e definiu nove desafios principais: poucas pessoas trabalham; a qualidade da educação escolar para negros é má; as infra-estruturas estão sectorialmente mal distribuídas, inadequadas e mal conservadas; o ordenamento territorial impede o desenvolvimento inclusivo; a economia é insustentavelmente intensiva em capital; o sistema público de saúde não consegue atender à demanda ou manter a qualidade dos serviços; os serviços públicos são desiguais e muitas vezes de má qualidade; os níveis de corrupção são altos; e o país continua com sociedades divididas.
Constatados os problemas, a meta do Plano Nacional de Desenvolvimento da África do Sul é que, até 2030, seja possível reduzir a proporção de famílias com renda mensal abaixo de 419 randes por pessoa (a preços de 2009), de 39% para zero, e reduzir as desigualdades sociais.
Em termos de acções, a ideia é au-
mentar o emprego de 13 milhões em 2010 para 24 milhões em 2030; aumentar a renda per capita de 50 mil randes em 2010 para 120 mil randes até 2030, entre várias outras medidas de impacto social económico. O certo é que este objectivo está a ser contrariado no terreno. Em 2022, cerca de 18,2 milhões de pessoas na África do Sul viviam na extrema pobreza, com o limiar de 1,90 dólares por dia, o que representava um aumento de 123 mil pessoas empurradas para a pobreza em comparação com 2021. E as projecções para os próximos anos não são animadoras.
Egipto quer chegar ao TOP 30 Também com uma agenda até 2030, o Egipto ambiciona estar entre os 30 países com melhor qualidade de vida do mundo, em termos de combate à corrupção, tamanho da economia medida pelo PIB, competitividade dos mercados e desenvolvimento humano.
Na agenda egípcia estão discriminadas três dimenções de acção, nomeadamente a económica, a social e a ambiental.
Na dimensão económica, o destaque vai para o pilar do desenvolvimento: em 2030, o Egipto quer uma economia equilibrada, baseada no conhecimento, competitiva, diversificada e de mercado, caracterizada por um ambiente macroeconómico estável, capaz de alcançar um crescimento inclusivo sustentável. Quer tornar-se num player global activo capaz de gerar empregos decentes e produtivos, e um PIB per capita que possa atingir o nível dos países de renda média alta.
Já na dimensão social, destaca-se o pilar da justiça: até 2030, o Egipto tem o objectivo de estabelecer uma sociedade justa, caracterizada por igualdade económica, social e com direitos políticos e oportunidades que concretizem a inclusão social.
Angola está só a começar!
Não significa que o país nunca tenha tido planos de desenvolvimento, mas o de longo prazo está na fase inicial de implementação para um horizonte até 2050. Angola é uma das grandes economias do continente, mas só em termos de PIB, já que tem recursos que provêm da exploração do petróleo. O país é marcado por grandes desigualdades sociais, elevados índices de desemprego e pobreza extrema.
Na sua estratégia, Angola apresenta os eixos prioritários de desenvolvimento que visam ter uma economia diversificada em 2050.
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A meta do Plano Nacional de Desenvolvimento da África do Sul é que, até 2030, reduza a proporção de famílias com renda mensal abaixo de 419 randes por pessoa, de 39% para zero
Francisca Neves • EY Associate Partner- Assurance
“A Relevância da Função Financeira e as Ferramentas que Precisa de Ter Para a Apoiar”
Afunção financeira nas empresas públicas e privadas tem uma enorme relevância na garantia da fiabilidade e disponibilidade atempada de informação financeira, que é um pilar para os investidores e consequente atracção de capitais para os diferentes mercados, o que potencia o crescimento económico e social.
Com o aumento das complexidades e exigências do mercado, tanto pela complexidade das actividades como pela multiplicidade dos investidores, não é suficiente que os departamentos financeiros tenham bons quadros, os quais tenham acesso a ferramentas informáticas robustas e sem risco de ataques externos, e que tenham formação técnica que os mantenha actualizados.
É também necessário que tenham acesso a ferramentas tanto internas como externas, que robusteçam e suportem a sua função e, consequentemente, o relato financeiro.
Na estrutura interna, destacam-se alguns pontos, transversais a todas as organizações, que precisam de estar salvaguardados para que a função financeira consiga produzir informação atempada e de qualidade.
O primeiro ponto é a necessidade de as empresas terem, para cada departamento, a descrição dos respectivos processos e procedimentos e que os mesmos estejam bem desenhados e implementados, garantindo um nível de controlo interno que suporte o correcto registo de todas as transacções de acordo com os princípios contabilísticos da empresa.
Em segundo lugar, é necessário que as empresas tenham sistemas informáticos robustos e protegidos de ataques externos, que permitam não apenas garantir o registo atempado das transacções, como posteriormente fazer uso da informação financeira numa óptica de análise e perspectivas fu -
turas de mercado, garantindo também que é captada a plenitude das suas operações. No que se refere aos sistemas informáticos é também importante que exista uma boa interacção com os diferentes sistemas que a empresa poderá necessitar, caso não consiga ter um sistema totalmente integrado.
Por fim, é necessário que a função financeira tenha bem definido o processo de fecho de contas, o qual deverá ter, pelo menos, o detalhe de todas as tarefas pela ordem que têm de ser executadas e com a indicação das datas específicas de cada uma, ao longo do ano, e em especial no fim do seu exercício económico.
Para este último ponto é importante estarem também desenhados e implementados os controlos que permitam detectar qualquer erro que venha dos restantes departamentos e que garantam a interligação atempada do departamento financeiro com os restantes departamentos da empresa.
Essa estrutura de ferramentas internas precisa de estar bem implementada, por um lado, para dar apoio à tomada de decisões da empresa e, por outro, para satisfazer as necessidades dos demais utilizadores da informação financeira.
O departamento financeiro tem, desta forma, a função de se municiar de ferramentas de análise dos dados, que permitam uma visualização simples (através de dashboards desenhados à medida) dos dados estruturados e alinhados com as necessidades da organização, para além da sua principal função - a de produzir um relato financeiro sem erros materialmente relevantes e que corresponda às exigências dos seus sócios ou accionistas, dos reguladores e dos demais interessados na informação financeira.
Porém, a manutenção dessa estrutura interna, que permita ao departamento financeiro desempenhar as suas funções, requer também um am -
www.economiaemercado.co.mz | Junho 2023 40 OPINIÃO
O departamento financeiro tem a função de se municiar de ferramentas de análise dos dados, que permitam uma visualização simples dos dados estruturados
biente externo que suporte e potencie que a mesma seja não apenas mantida, mas melhorada e adaptada às exigências crescentes dos mercados em crescimento e dos desafios constantes de um mundo de negócios cada vez mais complexo.
Desta forma, em complemento à estrutura interna das empresas, é também importante que existam soluções de suporte às mesmas, nomeadamente em termos de suporte à avaliação do sistema de controlo interno dos seus processos significativos, bem como no apoio sobre os mais diversos temas contabilísticos e de relato financeiro que sejam mais complexos.
Esta estrutura externa, para além de ajudar na monitorização do sistema interno, deverá apoiar as empresas na difícil função de contínua qualificação dos seus quadros, além do seu principal objectivo de dar conforto sobre o
relato financeiro. Neste contexto, os contabilistas, os auditores, os peritos fiscais e outros peritos em áreas específicas de actuação de cada empresa, bem como os reguladores, têm um papel fundamental no suporte à função financeira, dando-lhe as ferramentas adicionais para que consiga cumprir com os objectivos de ter um relato financeiro isento de erros materiais e que traga, assim, valor acrescentado aos mercados e à sociedade como um todo.
O garante da fiabilidade da informação financeira e a garantia da qualidade e tempestividade em que a mesma é apresentada são um pilar para que as sociedades tenham conforto no seu sistema empresarial e potenciem as oportunidades de crescimento económico e social, sendo assim a função financeira fundamental em todas as organizações. Uma estrutura empresa -
rial com informação fiável e atempada aumenta a sua atractividade para investidores internos e externos, estando alinhada com o objectivo de se construir um mundo de negócios melhor.
Em suma, a função financeira dentro das organizações é muito relevante, sendo o departamento que agrega toda a informação sobre as operações da empresa e que garante o correcto relato da sua actividade em cada exercício económico.
Assegurar que a informação registada e relatada é correcta, e que é disponibilizada de forma atempada e na forma que os decisores e investidores a precisam de obter, é apoiar o desenvolvimento do mercado e, consequentemente, o crescimento económico e social, sendo assim muito relevante a organização interna das empresas e a garantia de uma estrutura externa que as apoie.
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A função financeira é das mais relevantes dentro das organizações
FUNDO DE PENSÕES
“Somos Ambiciosos, Apesar dos Desafios Que Ainda se Colocam no Sector”
OStandard Bank – Sociedade Gestora do Fundo de Pensões detém um capital social de 229 milhões de meticais e está aberto à entidades públicas, privadas e individuais, o que impõe um conjunto de desafios importantes para o exercício de uma actividade ainda a dar os primeiros passos e que pressupõe a administração de fundos de pensões, gestão e assessoria em investimentos.
Como resumiria o estágio actual da actividade de fundo de pensões?
Tem sido desafiante, mas temos feito bons progressos. Se por um lado, temos de alcançar o maior número de clientes, por outro, há ainda falta de conhecimento sobre esta matéria no mercado e temos estado a trabalhar neste aspecto. Fazemos parte de um grupo com uma marca forte a suportar os nossos esforços, o grupo Standard Bank, que é bastante conhecido e com uma forte penetração no mercado corporativo, e isso é uma grande vantagem competitiva.
Este tipo de solução ainda é pouco divulgado em Moçambique. Para onde é que este segmento do mercado pode evoluir a médio prazo?
De facto, a questão dos fundos de pensões é ainda bastante embrionária em Moçambique. A legislação data de 2009 e obviamente que esta janela temporal é ainda muito pequena para que possamos assistir ao desenvolvimento pleno de qualquer indústria. Diria que o grande défice e, simultaneamente, o maior desafio que temos
a este respeito é a falta de conhecimento sobre este tipo de solução. São ainda poucas as pessoas que sabem que existem fundos de pensões, como funcionam e quais os seus benefícios. Outro desafio é que o fundo de pensões não substitui a segurança social obrigatória, e algumas empresas ainda olham para este instrumento como um encargo financeiro adicional, uma vez que estão cientes de que oferecer benefícios no quadro do fundo de pensões complementar aos colaboradores não substitui a obrigação de contribuir para a segurança social obrigatória (INSS). Essa situação acaba por ser também um bloqueio para a massificação deste segmento. Mas, também é verdade que, com o passar do tempo e com o crescente número de pessoas preocupadas com estas questões, o mercado começa a amadurecer.
A chegada das multinacionais e dos grandes projectos terá impacto no crescimento e amadurecimento desta indústria, concorda?
Sim, e isso já se verifica. Quando os operadores dos grandes projectos começaram a chegar ao mercado, surgiu, obviamente, uma disputa por quadros qualificados com uma visão mais ampla do que podem ser os serviços financeiros, instrumentos de poupança e investimento. Agora qualquer indivíduo qualificado olha não apenas para a remuneração por via do salário, mas considera também outros benefícios como o seguro de saúde, o fundo de pensões, instrumentos que, noutros mercados mais amadurecidos, fazem parte do pacote remuneratório.
Então, a chegada deste tipo de operadores também tem um contributo importante porque vão pressionando o mercado no sentido de melhorar a oferta de benefícios aos colaboradores e, de forma indirecta, desenvolvendo toda uma indústria. Mas, aqui, volto à questão de fundo: muitas grandes empresas e profissionais já consolidados no mercado ainda não conhecem os fundos de pensões complementares e, por isso, cabe-nos o papel de educar a sociedade, e esse tem sido o nosso maior foco. Educar e permitir a criação de ferramentas e conhecimento suficientes para os potenciais beneficiários tomarem as melhores decisões. Quando falamos de educar a sociedade não nos referimos apenas aos profissionais, mas também aos empregadores. Esse é o grande desafio da indústria e nosso também como operadores da mesma. Olhando por outra perspectiva, o potencial do País e a
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Texto M4D • Fotografia Mariano Silva
Agnaldo Mavera, director-executivo da Sociedade Gestora do Fundo de Pensões do Standard Bank, explica a evolução do sector de fundo de pensões durante o ano findo
postura empresarial que se tem estado a adoptar dá-nos indicadores de que existe mais preocupação com o bem-estar dos colaboradores e isso mostra que estamos no bom caminho neste mercado.
Quais são, então, as vantagens de aderir a um fundo de pensões?
São inúmeras. Em primeiro lugar é um complemento à reforma e actua também como mecanismo de seguro, uma vez que todos temos a previsão de continuarmos saudáveis e termos uma
vida longa, mas nem sempre isso sucede, infelizmente, e há que tomar decisões pensadas e que tenham em conta as nossas obrigações e dos nossos dependentes. Outra das componentes aquando da subscrição ao fundo é que o subscritor nomeia os seus beneficiários e atribui-lhes a percentagem de benefícios a que têm direito, o que sendo, por exemplo, filhos menores, e no caso de um falecimento precoce do beneficiário principal, continuarão a poder ter acesso a educação e outras garantias, de acordo com o que se foi
STANDARD FUNDO DE PENSÕES
O Standard Fundo de Pensões Sociedade Gestora é uma subsidiária do Standard Bank Moçambique e as actividades da entidade incluem administração de fundos de pensões, gestão de investimentos e assessoria em investimentos. A entidade foi estabelecida em 2011, cerca de dois anos após entrada em vigor da legislação do sector de fundo de pensões em Moçambique. Inicialmente, a actividade da entidade estava centrada na gestão do Fundo de Pensões do Standard Bank, tendo posteriormente expandido o seu âmbito para gestão de outros fundos. Conta com um capital social de MT 229 milhões, contra um montante de MT 3,75 milhões mínimo exigido pelo regulador para entidades do género.
Como membro do Grupo Standard Bank (SBG), a entidade está bem posicionada para servir os seus clientes através de uma equipa de profissionais experientes com vasta experiência no sector financeiro. Standard Fundo de Pensões Sociedade Gestora permite aos seus clientes beneficiar da sua experiência em Moçambique, bem como dentro e fora do continente Africano. Agnaldo Mavera é o Director Executivo da Standard Fundo de Pensões Sociedade Gestora. Com mais de 16 anos de experiência no sector financeiro, na sua maioria na banca comercial, antes da sua nomeação, em 2021.
poupando ao longo do tempo. Além destes imprevistos extremos, em caso de alguma situação que impeça o beneficiário de desenvolver a sua profissão, este poderá ter acesso ao fundo como uma fonte de rendimento para ajudar a suprir as suas necessidades do quotidiano. Portanto, o fundo de pensões funciona basicamente como uma poupança para o investimento porque, ao subscrever, abdicamos de um consumo presente para ter um benefício futuro. Do nosso lado, como gestores, há duas componentes: uma da administração e suporte aos clientes, e outra relacionada com a gestão dos activos e a carteira de investimentos na qual temos equipas a trabalhar para identificar oportunidades seguras e rentáveis para investir os activos dos nossos clientes.
Há uma relação directa entre a capacidade financeira do cliente e a pos-
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Ainda há muito desconhecimento sobre fundos de pensões complementares e nós, enquanto instituição de referência, assumimos esse papel de educação financeira”
Q&A
O QUE SÃO FUNDOS DE PENSÕES COMPLEMENTARES ?
É um meio de poupança e investimento com o objectivo principal de proporcionar rendimento adicional para a reforma.
Qual é diferença entre este fundo e o INSS?
A segurança social do INSS é obrigatória, enquanto os fundos de pensões complementares são opcionais e de carácter voluntário não substituindo a segurança social do INSS.
E quais são os benefícios de investir?
São vários: do rendimento adicional que se pode obter para redução da dependência da pensão de reforma (INSS) e a correspondente melhoria da qualidade de vida na reforma. Depois, terá acesso à investimentos não facilmente elegíveis individualmente. É também um mecanismo de salvaguarda em caso de eventos indesejados (morte, invalidez, perda de emprego, etc).
sibilidade de poder aderir à um fundo de pensões?
Não necessariamente, desde que o aderente tenha um rendimento pensionável, pode aderir ao fundo. Um aspecto a destacar, e que é uma das vantagens do fundo de pensões, é que os aderentes se beneficiam do efeito sinergia ao integrar o fundo. Sabemos que há muitos investimentos até atractivos, mas que ao mesmo tempo enfrentam barreiras de entrada, isto é, têm limites mínimos. Mas quando se faz parte do fundo de pensões, embora mesmo que com condições financeiras limitadas, faz-se parte de um agregado, e o somatório das partes acaba por resultar num montante significativo, o que vai permitir o acesso a investimentos a que as pessoas, de forma individual, não conseguiriam aceder. Dou-lhe um exemplo: muitos moçam -
bicanos, hoje em dia, são accionistas da HCB que, em termos de activos, é das maiores empresas do País e tem um potencial enorme. E muitos destes novos accionistas puderam sê-lo por via de fundos de pensões que já existem no mercado, uma vez que individualmente poderiam não ter condições para tal. Ou seja, há aqui um activo saudável, e há outros exemplos no mercado, de que os fundos de pensões são rentáveis ao longo do tempo e podem beneficiar a milhares de famílias moçambicanas de todo o País. Portan -
to, beneficiamos também das sinergias, ou seja, não me beneficio apenas daquilo que tenho, mas sou parte de um grupo maior e que tem, por isso mesmo, maiores capacidades, abrindo o acesso a investimentos de grande volume dentro ou fora do País. Temos clientes que nos perguntam se podem comprar acções da Tesla ou Google. Sim, é possível, claro. E para o nosso caso particular, fazendo parte do grupo Standard Bank que tem presença em diferentes continentes, obviamente que o acesso à uma rede
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“Os mercados são voláteis, por isso fazemos investimentos em activos que ofereçam segurança”
fortíssima abre a porta à investimentos nessas geografias.
Existem riscos associados no caso dos fundos de pensões?
Obviamente que temos todo o tipo de normas e regulações em questões relacionadas ao risco porque o nosso objectivo, em primeira instância, é o de assegurar a preservação do capital dos investidores e, acima de tudo, rentabilizá-lo. Temos, então, a componente a que chamamos de retornos sustentáveis, isto é, não investir em activos que, ao longo do tempo, entrem em colapso e acabem por gerar prejuízo e perdas. Todos os investidores, numa primeira fase, querem ter um retorno máximo, mas isso tem riscos associados. Portanto, a esse nível, e mais uma vez trago aqui a história e solidez de processos do Grupo Standard Bank em todas as
geografias em que está presente, estamos completamente alinhados com as melhores práticas e somos, por isso mesmo, muito conscientes no que diz respeito à investimentos de risco, sendo muito criteriosos a escolher o tipo de investimento a fazer e os riscos associados. Fazemos investimentos apenas tendo em conta esses dois requisitos –segurança e retorno.
Como é que os fundos de pensões podem ajudar a desenvolver outros subsectores da área financeira?
Pelo facto de o nosso mercado ser ainda novo há muitas oportunidades, mas, como dizia há pouco, a grande componente que tem de ser trabalhada não por um operador, mas pela indústria no seu todo, é a educacional. É curioso que há muitas pessoas e empresas com recursos para investir, mas,
por falta de conhecimento, acabam por não fazer. Infelizmente, a legislação em torno do fundo de pensões também precisaria de algumas actualizações, mas há conversações nesse sentido, de flexibilizar questões da legislação com vista a alavancar esta indústria no sentido de a tornar um instrumento de crescimento e desenvolvimento económico com impacto na vida de cidadãos e empresas.
Qual é a matriz do vosso portefólio de investimentos?
Em termos de leque de investimentos, a aposta pode recair nos mercados de capitais que se têm desenvolvido imenso em Moçambique, mas também em mercados de acções. Depois, temos a área do imobiliário na qual temos trabalhado bastante, e digo isto de forma muito cautelosa porque é um mercado que tem ainda poucas ferramentas efectivas que permitam determinar o preço fiável dos imóveis num mercado altamente especulativo que o torna muito volátil. Sendo o nosso maior interesse garantir a segurança e rentabilidade dos capitais que gerimos, fazemo-lo apenas em situações onde temos todas as garantias que o investimento é seguro. Embora a volatilidade seja normal na economia, queremos garantir que dentro de um certo prazo o retorno chegue.
Há já muitos profissionais moçambicanos com experiência na gestão deste tipo de fundo?
Esse é um dos grandes desafios que temos enfrentado, o de encontrar profissionais qualificados para esta indústria. Felizmente temos na nossa equipa quadros já com uma vasta experiência mas, ainda assim, e por esta ser uma área em constante evolução, a formação é contínua. Estamos, a nível do grupo, e mesmo de outros parceiros do sector e de regulação, a tentar compreender como desenvolver a área de formação neste segmento. Este é um esforço conjunto.
Qual é a perspectiva que têm para os próximos dois, três anos?
Temos metas ambiciosas, não o escondo, mas estamos conscientes de todos os desafios que teremos pela frente. Apesar disso, estamos muito confiantes, sabemos que não será um trabalho de curta duração, mas sim de médio e longo prazo. Achamos, acima de tudo, que temos a estratégia e as ferramentas adequadas e, mais do que tudo, a equipa certa para atingir esse objectivo.
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FNB Realoca Balcão para o Centro Comercial Baía Mall
OFNB Moçambique (FNBM) inaugurou, no dia 26 de Abril, o seu Balcão no Centro Comercial Baía Mall, na Avenida Marginal, em Maputo. A cerimónia contou com a presença do Vereador do Planeamento e Finanças do Conselho Municipal da Cidade de Maputo, Dr. Eduardo Nguenha, da Vereadora do Distrito de Kamaxaquene, Dra. Isilda Zandamela, e do Administrador Delegado do FNB Moçambique, Peter Blenkinsop, bem como de outros convidados entre Clientes e Parceiros.
Por ocasião desta cerimónia de inauguração, o Administrador Delegado do FNB, Peter Blenkinsop, destacou: “com esta realocação do balcão, reforçamos a nossa estratégia de proporcionar uma experiência cada vez melhor aos nossos Clientes, que são o centro de tudo o que fazemos e fazemo-lo sempre a pensar na sua comodidade, na simplicidade e segurança das suas operações”. Também o Vereador Dr. Eduardo Nguenha salientou a importância desta nova estrutura para os muní-
cipes de Maputo: “o FNB é um parceiro estratégico na implementação de planos de desenvolvimento municipal na cidade.
A realocação desta unidade de atendimento para este espaço comercial é, no nosso entendimento, uma manifestação de confiança do banco no ambiente de negócios aqui, em Maputo”.
E acrescentou: “com um balcão nesta zona nobre da cidade de Maputo, o FNB reforça o seu compromisso de parceria com o Conselho Municipal de Maputo, na melhoria da visão de serviços de qualidade aos munícipes desta cidade.
O Conselho Municipal de Maputo apoia esta iniciativa que, não só proporciona comodidade e conforto aos cidadãos, como também alarga o seu leque de escolhas à altura das suas capacidades de poupança e investimento".
A realocação agora levada a cabo insere-se numa estratégia de reabilitação de alguns balcões para alinhar a imagem, a experiência e o Serviço ao Cliente do banco com as outras subsidiárias do grupo FNB, passando também pela implemen-
tação de processos de digitalização e simplificação dos vários canais da instituição, no sentido de proporcionar maior autonomia aos Clientes.
Ocupando uma área de 300 m2, o novo espaço que já abriu ao público vai dedicar-se particularmente aos segmentos de Retalho, de Micro, Pequenas e Médias Empresas (MPME) e oferece uma área dedicada aos Clientes Private.
Peter Blenkinsop finalizou agradecendo a todos quantos estiveram envolvidos “para garantir que esta realocação fosse possível”, destacando o Banco de Moçambique “que acolheu esta nossa intenção positivamente”.
O FNB Moçambique é membro do FirstRand Bank Limited, o maior grupo financeiro de África por capitalização bolsista e uma das maiores instituições listadas na Bolsa de Valores de Joanesburgo, na África do Sul, com presença em 11 países africanos, na Inglaterra, Emirados Árabes Unidos, Índia e China.
A instituição é FirstRand Moçambique Holding Limitada, pela FirstRand EMA Holding (PTY), Limited, e pela FirstRand Investment Holding Proprietary, Limited. Opera no mercado nacional desde 2007, com enfoque na prestação de serviços financeiros ao sector empresarial moçambicano, à respectiva cadeia de valor e a pessoas singulares.
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Ocupando uma área de 300 m2, o novo espaço vai dedicar-se particularmente aos segmentos de Retalho e MPME
inovações daqui
50 INOVAÇÃO AO SERVIÇO DA SUSTENTABILIDADE
Ao mesmo tempo que cresce a noção da necessidade de preservar o meio ambiente, aumenta a visão do aproveitamento económico das iniciativas sustentáveis. Fomos descobrir algumas das que mais se destacam, o seu impacto e perpectivas.
Uma empresa que cria plataformas para promover e ampliar o acesso a conteúdos académicos.
As notícias da inovação em Moçambique, África e no Mundo.
BY
POWERED
especial
54 56 EDUDIGITAL PANORAMA
Como a Inovação na Sustentabilidade Ajuda o Ambiente?
Numa altura em que o mundo enfrenta problemas cada vez mais severos decorrentes das mudanças climáticas, verifica-se uma cada vez maior preocupação em dar resposta a esses fenómenos através da mitigação dos efeitos negativos da acção do homem sobre o meio ambiente. Como se manifestam e porque devem ser encorajadas?
Éirrefutável que a tónica dos debates no mundo está, hoje, assente em questões ambientais. Apesar de existirem outros problemas e desafios que preocupam os líderes mundiais, o foco está, agora, mais do que nunca, virado para as mudanças climáticas e presente na agenda de especialistas da área, Governos e organismos internacionais.
Entre as várias iniciativas desenvolvidas neste âmbito, a maior parte provém de jovens, através de startups ou organizações não-governamentais (ONG) com interesse em assuntos ambientais. Uma dessas iniciativas, das mais inovadoras do mercado moçam-
Cabo Delgado, no Norte do País. O plástico é um material difícil de compactar e gera um grande volume de resíduos.
Por isso ocupa um grande espaço no meio ambiente e acaba por dificultar a decomposição de outros materiais orgânicos, razão pela qual a iniciativa Makobo é tida como transformadora.
Outra das várias inovações de destaque no País é a famosa “Casa de Vidro”, situada nas imediações do Macaneta Beach Resort, no distrito de Marracuene, província de Maputo.
A obra foi feita por iniciativa do ambientalista Carlos Serra, com o apoio da Noruega, e consiste no uso de garrafas, plásticos, redes, etc. (“lixo” também recolhido nas praias), dispensando o tra-
bicano, é a AJT do projecto Makobo –uma plataforma moçambicana com a missão de prover e fomentar serviços que criem bem-estar social de grupos menos favorecidos, através de acções de responsabilização individual e corporativa.
E em que consiste a AJT? Exercendo grande impacto na redução dos resíduos plásticos em lugares públicos ao transformá-los em blocos interlock.
De acordo com informações no website da plataforma Makobo, a maior parte desses resíduos é recolhida nas praias e/ou retiradas das lixeiras na cidade de Pemba, capital provincial de
dicional betão e laje, mas oferecendo, mesmo assim, 100% de segurança. Há que destacar ainda o primeiro cartão de débito biodegradável de Moçambique.Trata-se de um produto que resulta da parceria entre o Banco Comercial e de Investimentos (BCI) e a Fundação para a Conservação da Biodiversidade (BIOFUND).
A inovação, neste produto, reside no facto de ser de origem biológica, isto é, desenvolvido com material PLA (ácido poliláctico), um substituto do plástico derivado do petróleo, obtido a partir de fontes renováveis (o milho), podendo ser reciclado e incinerado ou colocado
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TEXTO Ana Mangana e Nário Sixpene • FOTOGRAFIA Jay Garrido & D.R.
A produção de fogões ecológicos provou já ter um impacto significativo ao nível da sustentabilidade e é uma aposta para um número crescente de pequenas empresas
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em aterros, pois não é tóxico. Esta iniciativa permite não só angariar fundos para apoiar projectos de conservação da biodiversidade, mas introduz um modelo sustentável de cartões que pode, no curto prazo, ser replicado por outros bancos.Outra iniciativa que merece destaque é da Ecolola Green Glass, que fabrica copos com base em garrafas de vidro descartadas e recolhidas pelos catadores de lixo, em Bilene, província de Gaza.
Esta ideia constitui uma importante fonte de rendimento para um número significativo de famílias, além de ajudar a remover os resíduos de vidro do meio ambiente.
Boas ideias, mas com fraco apoio e insustentáveis
Se as iniciativas inovadoras e sustentáveis no quadro da preservação do meio ambiente são uma realidade, falta garantir a sua continuidade, o que não é possível sem o apoio pelo qual os seus investidores clamam.
Carlos Serra, docente de advocacia, investigador e ávido activista social e ambiental, refere esta questão, apesar de reconhecer que a sociedade global está atenta ao desenvolvimento da economia circular e que cresce a inspiração em reduzir a pegada de carbono.
“Temos estado a acompanhar o que se passa pelo mundo fora. Estamos a dar os primeiros passos, mas ainda não podemos falar seguramente da sustentabilidade, incluindo a económica, que é um elemento vital. Digo isto porque estou a liderar várias iniciativas e o nosso dia-a-dia é sobre como conseguir apoio”, começa por explicar o ambientalista.
“Acredito que quanto mais apoio for canalisado, em termos de políticas e economicamente, para o empreendedorismo, inovação, tecnologia... será melhor.
Hoje sentimos a necessidade de suporte não só financeiro, porque todos os tipos de apoio são essenciais, mas temos de nos focar nas prioridades. Se estas forem mesmo a protecção da biodiversidade e a resiliência às mudanças climáticas, então temos de incentivar toda a investigação e todos os investimentos que estejam a ser feitos em soluções”.
Mudanças de política também são precisas
Não há dúvidas de que tudo o que é considerado lixo é susceptível de valorização. No entanto, há todo um conjun -
IMPACTOS DA INOVAÇÃO NA ÁREA DE ENERGIA
Ainda no campo da energia, há várias organizações que trabalham com os brickets (bloco denso e compacto de materiais energéticos, geralmente feitos a partir de resíduos de madeira), chamados de carvão ecológico como alternativa. A Associação Moçambicana de Reciclagem é uma das entidades que desenvolveram, nas suas investigações, um bricket, que dura mais do que o carvão convencional e reutiliza ou recicla materiais orgânicos. Já foram feitos testes ao nível da cooperativa de educação ambiental sobre a iniciativa e foram bem-sucedidos. Isto significa que se houver organizações a desenvolverem fogões económicos e sustentáveis, ou seja, que garantam a utilização de menos calor, haverá uma racionalização energética e, por conseguinte, uma resposta favorável em relação à flora, redução da pegada ecológica negativa e, naturalmente, tal terá um impacto positivo na resiliência às mudanças climáticas. Ao substituir um simples fogão convencional por um fogão melhorado consegue-se um salto grande na racionalidade energética. Actualmente os fogões convencionais desperdiçam até 90% de energia que existem na biomassa mas, quando for melhorada, a tendência é próxima dos 100% de valorização energética, dependendo do modelo e do tipo de fogão.
to de factores a que é preciso responder para que se chegue lá. “Há medidas que fariam muita diferença ao nível político e administrativo e que ajudariam bastante a catapultar este tipo de iniciativas. Mas, seguramente, estamos ainda muito longe delas”, aponta Carlos Serra, esclarecendo que “noutros países, certos tipos de embalagens têm os dias contados, mas não por proibição de as
utilizar. Determinou-se que, a partir de um determinado ano, embalagens de uso único serão as do tipo A, B ou C que substituirão as actuais.
Isto cria logo um nicho de oportunidades. Então, temos de procurar soluções e pensar em materiais que não sejam nocivos ao ambiente, que sejam reutilizáveis e utilizem material orgânico”, explicou Carlos Serra. Recorrendo
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SUSTENTABILIDADE
“Acredito que quanto mais apoio for canalisado, em termos de políticas e economicamente, para o empreendedorismo, inovação, tecnologia... será melhor”, diz Carlos Serra
ao exemplo da iniciativa da plataforma Makobo, o ambientalista acrescentou que “quando encontramos solução para um produto que pode ser colocado no mercado e que resolverá este problema, temos menos impacto na saúde pública e no ambiente.
A iniciativa Makobo também está associada a construções resilientes, logo, a partir deste exemplo, poderemos equacionar outros.
É que este mesmo plástico, que hoje é um problema, pode ser uma solução para um conjunto de materiais que estão a encarecer no mercado”.
E insistiu: “é preciso algum apoio, algum investimento para fazer com que possamos ter construções mais resilientes, mais duráveis e fazer o uso de algo
que está no ambiente, principalmente para os centros urbanos vulneráveis às mudanças climáticas onde já registamos uma subida dos preços dos materiais de construção”.
O papel das redes sociais
Carlos Serra explicou ainda que antes da existência das redes sociais, pouca gente acompanhava o seu trabalho ou fazia ideia do que fazia e defendia em termos de ideias.
Mas com o Facebook conseguiu logo estabelecer uma rede de contactos que não tinha antes, identificou uma série de pessoas com habilitações que passaram a fazer parte deste movimento e a fazer melhor noutros lugares. “Quando dei conta, já fazia parte de uma famí -
lia global de pessoas que trabalham na prevenção e combate à poluição de resíduos, em particular plásticos”, esclareceu Carlos Serra.
Isto significa que hoje temos acesso a um mundo, não somente de comunicação, mas também de informação, que nos permite saber o que está a acontecer à nossa volta.
A concluir, o ambientalista apela à necessidade de se utilizar o “enorme” talento que a juventude tem a favor do meio ambiente neste momento único na história da humanidade.
“Temos de nos posicionar e começar pelas coisas mais simples, mesmo à nossa vista, fazendo uso do contexto académico para catapultar estas iniciativas”, observou.
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Da Sala de Aula Para o Ecrã, ou Como a Educação Pode ser Digital
No que podemos considerar como uma comunidade cada vez mais global e tecnológica, os métodos tradicionais de ensino estão a dar lugar a novas fórmulas que levam a educação muito para lá da sala de aula, até aos ecrãs das nossas casas.
Oavanço da tecnologia permitiu a optimização dos processos de ensino e aprendizagem, abrindo espaço para a realização de aulas à distância, bastando, para isso, ter acesso a um computador ligado à Internet, processo que em inglês se denomina por “electronic learning” ou, simplesmente, “e-Learning”.
Acontece que estas plataformas podem também servir de meios de suporte à formação dos colaboradores de uma organização, por forma a que os gestores possam ter sob a sua responsabilidade colaboradores com conhecimento suficiente para darem resposta às necessidades do mercado de forma mais ágil.
Existem, no País, empresas que fornecem serviços de e-Learning já há décadas, e que chegaram a expandir os seus serviços para outras geografias. Uma das que mais se destaca, até por se ter internacionalizado, é a EDUdigital, empresa moçambicana fundada em 2012. “O que nos diferencia? É o facto de sermos especialistas em aprendizagem online, utilizando tecnologias inovadoras e de código aberto, que garantem uma relação custo-benefício vantajosa no mercado em Moçambique, mas também em Portugal, Angola e Cabo Verde, mercados em que estamos presentes”, explica à E&M Ricardo Santos, executive director da EDUdigital.
Com nacionalidade portuguesa e moçambicana, Ricardo viveu em Moçambique desde 2000, época em que trabalhou no sector da Educação, tendo estado ligado ao Ensino a Distância no País. Já entre 2002 e 2004, a Universidade Católica tinha um projecto de Ensino a Distância (EaD), em suporte de papel, no Bairro da Manga, na Beira e no sul da província Niassa do qual fez parte.
Mais tarde, em 2011, após ter estado no lançamento do Plano Tecnológico da Educação, lançado pelo Ministério Educação, em Maputo, associado a grandes players tecnológicos como a Dell e a Mi-
TEXTO Nário Sixpene • FOTOGRAFIA EDUDIGITAL
crosoft, estavam reunidas as condições para um novo impulso do EaD digital. “Como já tínhamos a experiência de um projecto bem-sucedido com a Universidade Eduardo Mondlane, começámos a dar os primeiros passos enquanto EDUdigital”, recorda.
Mais de uma década depois, a empresa cresceu, internacionalizou-se e especializou-se na criação de conteúdo didáctico e na implementação de plataformas de e-Learning Moodle e Totara; a produção de cursos e-Learning multimédia à medida das necessidades dos clientes; formação em TIC e entrega de conteúdos digitais enquanto entidade formadora certificada, fornecendo ainda serviços Web e programação de aplicações de gestão académica e websites e sistemas de análise online.
Conta, para isso, com mais de 20 colaboradores directos, incluindo formadores, e mais de 30 parceiros e colaboradores indirectos, alguns dos quais como a Cambridge, a Microsoft ou a Moodle. “Gostamos de servir os nossos clientes no seu processo de aprendizagem ao longo da vida e acreditamos que, assim, mudamos o mundo, com uma consciência de preservar o planeta, pois produzimos menos 85% de carbono (CO2) no e-Learning, quando comparado à formação em ambiente de sala de aula”, explica o gestor.
A plataforma tem uma abordagem personalizada para que cada cliente conheça as suas necessidades. “Agendamento de reuniões, faz-se a análise das necessidades de cada cliente para depois executar um plano de serviços de desenvolvimento na configuração das plataformas, no hosting gerido dos servidores, nos serviços web que estão integrados noutros sistemas, na produção de conteúdos digitais à medida, e uma oferta de dezenas de cursos de formação online e entrega de aplicações”, explicou. E continua: “Acreditamos que a melhor forma de servir o cliente nacional é colocar as nossas melhores práticas que usamos
também em Portugal, Angola ou Cabo Verde, Timor-Leste, ao serviço dos clientes de Moçambique”.
Ricardo Santos refere ainda que a concorrência no sector das operadoras móveis permite que qualquer moçambicano que esteja distante da capital Maputo disponha de velocidades médias de internet de 6Mbps, o que permite aceder às plataformas e-Learning para fazer uma Licenciatura ou uma formação técnica mais virada para o mundo empresarial, e estima em mais de 35% a população que acede à Internet em Moçambique, com cerca de 70% desses acessos feitos por dispositivos móveis.
A inovação, claro, é uma componente essencial da evolução da operação da empresa, que, por isso mesmo, e com o advento da IA já identificou algumas oportunidades nessa área. “Neste momento, a IA representa uma oportunidade para nós, utilizando alguns serviços como a criação de guiões pedagógicos instrucionais ou storyboards de vídeo de microlearning com recurso à IA, se bem que existem ainda vários erros da IA que obrigam a que tenhamos de utilizar, necessariamente, as equipas para controlo de qualidade”, assinala.
www.economiaemercado.co.mz | Junho 2023 54 EDTECH
EDUDIGITAL
BEMPRESA EDUdigital EXECUTIVE DIRECTOR Ricardo Santos ÁREA Plataformas de e-learning FUNCIONÁRIOS 20 FUNDAÇÃO 2012
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Telecomunicações
A empresa de comunicações móveis Vodacom Moçambique lançou, recentemente, em Maputo, a Tecnologia 5G – a quinta geração de tecnologia celular sem fios e maiores velocidades para carregar, baixar e fazer conexões mais consistentes –, detendo melhor capacidade em relação às versões anteriores.
Com esta nova geração de tecnologia, a Vodacom pretende expandir a cobertura de rede para novas zonas rurais, promover melhor disponibilidade da rede e fibra, prover tecnologia de ponta e transformar a sua arquitectura de rede seguindo a estratégia adoptada pela Vodafone.
Nuno Quelhas, presidente do conselho de administração da Vodacom em Moçambique, manifestou a intenção de “garantir a ampliação da inclusão financeira, assegurando que cada vez mais moçambicanos com idades acima dos 16 anos e seus dependentes tenham acesso aos serviços financeiros do M-Pesa.
O objectivo é abranger 75% da população moçambicana adulta até 2025 e possibilitar pagamentos através do M-Pesa em qualquer ponto do País”, apontou.
Transportes
Moçambique vai ter fabricante de autocarros eléctricos até 2024
O Governo moçambicano pretende introduzir uma fábrica de montagem de autocarros eléctricos até ao próximo ano, com o objectivo de mitigar a crise de transporte público de passageiros que se regista nos principais centros urbanos.
Em média, os autocarros teriam uma autonomia de 300 km por dia e, numa primeira fase, seriam importados cerca de 100 autocarros prontos, sendo que,
Inovação
para os restantes, viriam em kits para a montagem no País.
Esta é uma iniciativa privada apadrinhada pelo Governo através dos Ministérios dos Transportes e Comunicações e da Indústria e Comércio no âmbito do Programa Nacional Industrializar Moçambique. Com a implementação desta iniciativa, o País poderá registar uma redução no consumo de combustível, particularmente do diesel.
Lagos lança primeiros autocarros eléctricos
Os novos autocarros eléctricos lançados em Lagos, na Nigéria, são um grande negócio para o sistema de transportes públicos da cidade porque podem percorrer 280 km com uma carga completa.
A autonomia destes seria suficiente para cobrir a média diária de 200 km dos actuais BRT, o que significa não haver necessidade de se preocupar com a possibilidade de os mesmos pararem
enquanto se deslocam. O Estado de Lagos está a trabalhar com a Oando Clean Energy Limited para colocar carregadores universais em centros comerciais e estações de serviço para alimentar os autocarros eléctricos e planeia ainda abrir, em breve, uma fábrica onde os veículos serão fabricados.
Estes novos autocarros fazem parte do plano do Governo para tornar a cidade mais inteligente.
TVSD Tecnológica Moçambicana Marcou Presença na Feira Internacional “Critical Communications World”
mundial, entre as quais esteve a TVSD, em representação de Moçambique.
Entre os dias 23 e 25 de Maio a TVSD participou na Conferência Internacional do sector das Tecnologias e Comunicações Critical Communications World, uma das maiores e mais significativas a nível mundial, e que decorreu na capital finlandesa, Helsínquia, um evento de referência do que melhor existe em termos de sistemas de comunicações críticas para vários ambientes públicos e privados e, onde marcam presença as principais empresas tecnológicas do sector a nível
As comunicações críticas são essenciais para prevenir ataques terroristas, desastres naturais, segurança operacional em minas, operações de drilling e aeroportos, entre outros, e pressupõem a existência de sistemas modernos de comunicação digital funcional em todas as circunstâncias, em qualquer lugar e a qualquer hora. Nesse contexto, e de acordo com Sérgio dha Costa, CEO da empresa, “neste evento internacional reforçámos a nossa relação com parceiros de longa data, reforçámos a nossa capacitação e actualização sobre as novas soluções tecnológicas existentes no mercado global, e que disponibilizamos no mercado nacional em áreas fundamentais como a indústria extractiva, com a qual a TVSD trabalha enquanto fornecedora de Rádios Comunicação, Rádios POC (Push Over Cellular), sistemas de videovigilância com Inteligência Artificial e Bodycams, como sistemas de comunicação Tetra e LTE e comunicações satélite”.
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Vodacom lançou tecnologia
PANORAMA
5G no mercado
Este artigo aborda uma atitude que tenho observado em Moçambique em jovens empreendedores, em alunos de MBA e até em executivos e profissionais em programas de coaching e treino empresarial. Refiro-me ao “medo de falhar”.
E o “medo de falhar” não seria relevante, não fosse o caso de gerar consequências negativas (ver adiante, na tabela, “As dimensões do falhanço empresarial”), quer para os indivíduos e suas famílias, quer para as empresas e organizações onde trabalham.
Neste artigo, desafio o meu leitor@ a responder à pergunta: Como é que os Empreendedores em Série (“ES”) lidam com o fracasso nos seus negócios, e que lições poderemos nós daí retirar para i) enfrentarmos o nosso “medo de falhar”; ii) recuperarmos rapidamente do fracasso; iii) e voltarmos ao caminho do sucesso?
Vejamos sucessivamente:
- O que é um Empreendedor em Série (“ES”).
- Quais as consequências de falhar, e que estratégias utilizam os “ES” para combater o “medo de falhar”, recuperar do fracasso e voltar ao caminho do sucesso empresarial.
- Conclusão.
A - O que é um Empreendedor em Série (“ES”)?
Na minha opinião, o perfil de um “ES” pode ser caracterizado a partir de dez dimensões.
1. É uma pessoa física;
2. Com forte iniciativa para fundar e operar, ao longo do tempo, várias empresas (startups);
3. E cuja principal motivação se baseia na recompensa psicológica de causar impacto.
4. Neste contexto, o “ES” convive mais frequentemente do que o empreendedor noviço, quer com o sucesso, quer com o fracasso dos seus empreendimentos.
Falhar, um Catalisador do Sucesso: Lições Inspiradoras dos Empreendedores em Série
Neste artigo, sigo a definição de “fracasso empresarial” como o encerramento de um negócio que ficou aquém dos seus objectivos, não satisfazendo assim as expectativas dos principais “accionistas”. Esta definição de fracasso empresarial vai além de concepções relativamente estreitas de fracasso como apenas a falência ou a liquidação.
5. [Fracassos esses] que se ficam a dever a diversas causas (os inquiridos deste estudo1 puderam escolher várias razões):
i) Problemas com a rentabilidade da empresa (52%);
ii) Intenção deliberada de prosseguir com outro empreendimento (52%);
iii) Razões pessoais, como problemas de saúde, familiares, etc. (41 %);
iii) Alguns sectores apresentam taxas de encerramento mais elevadas do que outros.
8. Os “ES” experimentam uma percentagem maior de insucesso nos seus empreendimentos subsequentes - entre 20% a 30% (Fonte: Harvard Business Review). Apesar desse risco acrescido de falhar, a grande maioria dos “ES” persiste, insiste, resiste ao fracasso… e recomeça tudo de novo!
9. Cerca de 60%4 dos “ES” são indivíduos que encerraram um negócio, mas que desejam continuar como proprietários de uma nova empresa, seja abrindo um empreendimento completamente novo ou adquirindo um similar ao anterior. Em contrapartida, aproximadamente 30% optaram por regressar a empregos formais ou se encontram desempregados, enquanto os restantes 10% escolheram a reforma após venderem ou encerrarem as suas actividades empresariais.
iv) Para evitar novas perdas económicas (37 %);
v) O negócio teve um desempenho abaixo das expectativas (32 %).
6. [Fracassos esses] dos quais resulta o fecho da empresa e a respectiva saída do “ES”.
Estudos2 sobre o fecho de empresas tendem a relatar taxas médias de encerramento variando entre 3% a 9% do stock total de empresas, por ano.
7. Para continuarmos a caracterização do perfil do “ES” ajudará perceber que as empresas não fecham de forma uniforme3:
i) As taxas de encerramento são mais elevadas nos primeiros anos após o arranque e diminuem à medida que as empresas envelhecem.
ii) As empresas mais pequenas têm mais probabilidades de encerrar do que as maiores.
10. Não existe uma associação significativa entre a experiência de fracasso empresarial dos “ES” e a capacidade de inovação dos seus empreendimentos actuais. Estes resultados5 sugerem que, embora o insucesso empresarial possa aumentar a capacidade dos “ES” para identificar oportunidades, as oportunidades que exploram talvez não sejam mais inovadoras. Esta observação colide de frente com o “mito” de que uma das fontes da inovação é o erro, o acto de falhar!
B- Que estratégias de sucesso utilizam os “ES” para combater o “medo de falhar”, recuperar do fracasso e voltar a trilhar o caminho do sucesso empresarial?
Inspirado nas boas práticas dos “ES”, atribuo o nome de “Estratégia Para Falhar Inteligentemente6”, a qual consiste em adoptar 20 recomendações que, sinteticamente, apresento na tabela infra.
Em conclusão
O impacto do “medo de falhar” é significativo, resultando em consequências negativas não apenas para os indivíduos e suas famílias, mas também para as empresas e organizações em que trabalham.
www.economiaemercado.co.mz | Junho 2023 58 OPINIÃO
O impacto do “medo de falhar” é significativo, resultando em consequências negativas para os indivíduos...
João Gomes • Partner @BlueBiz
A nível cultural
- A (falta) de tolerância cultural para o falhanço, particularmente empresarial
- Crie uma narrativa pessoal do falhanço, em que este não é um evento negativo e estigmatizante, mas sim uma valiosa experiência de aprendizagem: não é um falhanço, é uma experiência.
- Evite a auto-estigmatização: normalmente penalizamo-nos mais a nós próprios do que os outros o fazem em relação ao nosso falhanço.
- Estabeleça um hiato, uma “medida de distância de recuperação”, um período de carência entre o evento crítico do fecho da empresa e a retoma da iniciativa.
Explorando os perfis dos Empreendedores em Série “ES” destaquei dez dimensões que os caracterizam.
Além disso, examinei as consequências do fracasso empresarial, apresentando 20 recomendações utilizadas pelos “ES” para i) superarem o “medo de falhar”, ii) recuperarem do fracasso e iii) trilharem novamente o caminho do sucesso. Essas recomendações, reunidas sob o conceito de “Estratégia Para Falhar Inteligentemente” envolvem acções específicas relacionadas com aspectos culturais, psicológicos, económicos, relacionais e empresariais.
Ao adoptarem essas recomendações, os “ES” conseguem combater o estigma do fracasso, preservar a sua motivação, gerir melhor os aspectos emocionais e económicos, manter relacionamentos saudáveis e aproveitar as lições aprendidas para identificar novas oportunidades… mas não para inovar!
Apesar do risco aumentado de falhar em empreendimentos futuros, a grande maioria dos “ES” persiste, resiste e recomeça tudo novamente.
Portanto, é essencial compreender que o fracasso não deve ser visto como um obstáculo intransponível, mas sim como uma valiosa experiência de aprendizagem.
A nível Psicológico
- A quebra emocional
- A perda de motivação
- Active imediatamente o apoio das redes de auto-ajuda (camaradas na adversidade).
- Evite os efeitos negativos da “paralisia do falhanço”.
- Acelere a passagem pelas diferentes fases da “curva da pena”: i) negação; ii) raiva; iii) negociação; iv) depressão; v) aceitação; vi) crescimento e resiliência.
Ao adoptar a mentalidade de falhar inteligentemente, podemos superar o medo de falhar, transformar o fracasso em oportunidade de crescimento e seguir em busca do sucesso. Afinal, como nos ensinam os “ES”, é enfrentando as adversidades que alcançamos os nossos maiores triunfos.
A nível económico
- A perda de fonte de rendimento
- O endividamento
- A alocação errada de recursos
A nível relacional
- As relações privadas desfeitas
- As relações profissionais quebradas
- As relações sociais descontinuadas
- Adopte a estratégia das “pequenas perdas” e assuma o risco calculado de aceitação do falhanço empresarial, mas numa escala pequena.
- Evite o isolamento social.
- Esteja disponível para aceitar “Feedback Loop”.
- Adopte o mecanismo de “gestão de impressões”.
- Adopte a mentalidade de que a “falha inteligente” é uma característica inerente ao empreendedorismo.
- Faça uma reflexão crítica sobre a experiência do falhanço empresarial: aprenda com o falhanço.
- Capitalize a experiência anterior de criação de startups.
1 POLITIS, Diamanto “Entrepreneurs` Attitudes Towards Failure – An Experimental Learning Approach”. Lund University, Sweden.
2 Birley; Bates e Nucci; Banco Barclays, todos referidos no estudo de STOKES, David “Learning the hard way: the lessons of owner-managers who have closed their business” - Small Business Research Centre Kingston Business School.
3 Hall; Nucci ambos referidos no estudo de STOKES, David “Learning the hard way: the lessons of owner-managers who have closed their business” - Small Business Research Centre Kingston Business School.
A nível empresarial
- As lições aprendidas
- As novas oportunidades detectadas
- Capitalize a experiência anterior de falhanço empresarial.
- Desenvolva um sistema de “aviso avançado” e “sinais de alerta” para futuros “perigos de falhar”.
- Evite os “pontos-cegos” do sucesso e não se deixe surpreender.
- Identifique novas oportunidades para empreender.
- Procure o apoio de outros “ES” (Peer-learning).
- Aproveite a pausa/hiato para fazer um MBA ou obter certificações.
- Procure o apoio de um mentor/business coach.
4 STOKES, David “Learning the hard way: the lessons of owner-managers who have closed their business” - Small Business Research Centre Kingston Business School.
5 UCBASARAN, Deniz “Life after Business Failure: The Process and Consequences of Business Failure for Entrepreneurs”. Centre for Small and Medium-Sized Enterprises, Warwick Business School.
6 Pedi emprestada a expressão a CANNON, M.D., & A.C. Edmondson “Failing to Learn and Learning to Fail (Intelligently): How Great Organizations Put Failure to Work to Innovate and Improve.”
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DIMENSÕES
O fracasso empresarial deve ser encarado como experiência de aprendizagem
AS 5
DO FALHANÇO EMPRESARIAL A S 20 RECOMENDAÇÕES DA “ESTRATÉGIA PARA FALHAR INTELIGENTEMENTE”
Fonte: Adaptada pelo autor deste artigo, a partir de várias fontes.
“Estamos Preparados para os Momentos de Crise”
Existe uma ideia que se generalizou na sociedade moçambicana de que o carvão não foi capaz de gerar desenvolvimento na medida esperada e vai perdendo importância na economia, dado o movimento global de descarbonização. Sanjeev Gupta, CEO da Vulcan – principal operadora das minas de Moatize – desconstrói esta ideia e garante que há ainda muito mercado para esta commodity
Em Abril do ano passado, a mineradora Vulcan Resources –empresa privada indiana que faz parte do Grupo Jindal –concluiu a compra de activos na exploração de carvão em Moçambique, antes detidos pela brasileira Vale, num negócio de 270 milhões de dólares, que inclui o Corredor Logístico de Nacala, com uma ferrovia de 912 km de extensão. Com pouco mais de um ano a operar, a Vulcan Moçambique – considerada a maior empresa do País pela consultora KPMG – mantém boas perspectivas de rentabilidade do negócio do carvão, principal produto de exportação, apesar da forte concorrência e do crescente desencorajamento da sua utilização pela comunidade internacional, como parte dos esforços de combate ao aquecimento global. Para o CEO da Vulcan, Sanjeev Gupta, o obstáculo que se tem colocado nesta indústria é a volatilidade dos preços, mas a empresa tem sabido lidar com a situação.
Que balanço faz do primeiro ano após a aquisição da mina de carvão de Moatize pela Vulcan Resources, em termos de desempenho?
Este primeiro ano foi de transição e adaptação à nova cultura da empresa. Demos as boas-vindas aos nossos no-
vos accionistas no final de Abril de 2022 e, desde então, avançámos na consolidação de uma empresa mais ágil na tomada de decisões e mais focada em destravar constrangimentos operacionais que prejudicavam a conquista do nosso real potencial produtivo. No ano passado batemos recordes de produção, transporte e embarque, mesmo tendo produzido 12 milhões de toneladas. Este ano, em que planeámos cerca de 17 milhões de toneladas, teremos mais recordes em diversos indicadores. Do lado social, reafirmámos o nosso compromisso com iniciativas de sustentabilidade e aumentámos em 30% a nossa projecção de investimentos em diversas iniciativas que mencionarei mais adiante.
Com o mundo a voltar-se para a descarbonização, cresce a pressão para que o carvão deixe de fazer parte da matriz das fontes de energia. Isso já começa a agitar os mercados fazendo adivinhar um futuro de desinvestimentos graduais e cada vez menor rentabilidade dos projectos. Que leitura faz do cenário futuro?
Os preços das commodities, principalmente do carvão, variam de acordo com diversos factores como o conflito Rússia-Ucrânia, o bloqueio do carvão da Austrália pela China, entre outros. Essa vo-
www.economiaemercado.co.mz | Junho 2023 60 M&F CARVÃO
Texto Celso Chambisso • Fotografia Vulcan & Istock Photo
“Se pensarmos em termos de geração de energia, o carvão térmico tem um papel fundamental até mesmo para países europeus... Imagine para os países em desenvolvimento”, Sanjeev Gupta
latilidade afecta a lucratividade do empreendimento, pois é o mercado que determina o preço final do produto. Assim, para nos mantermos competitivos e termos um negócio sustentável, focámo-nos no aumento dos volumes de produção e num rigoroso processo de revisão e controlo de custos. Precisamos de estar preparados para enfrentar os momentos de crise e essa preparação deve preceder os momentos de dificuldade. Apesar de toda a discussão sobre transição energética, a minha visão é que esse processo ainda deve levar algum tempo. Nem todos os países estão na mesma bússola em termos de tecnologia, desenvolvimento e parque energético instalado. O resultado disso são as diferentes prioridades na alocação de capital e recursos financeiros geridos pelo Estado. Além disso, se pensarmos que o mundo hoje tem mais de oito biliões de habitantes e continua a crescer, vejo que a demanda por aço e as suas matérias-primas, como minério de ferro e carvão metalúrgico, ainda continuará forte, pois até ao momento não há produtos que possam substituí-los. Ainda assim, se pensarmos em termos de geração de energia, o carvão térmico tem um papel fundamental, como vimos recentemente, até mesmo para países europeus como a Alemanha, Itália, Áustria, entre outros que ligaram as suas centrais termoeléctricas. Imagine para os países em desenvolvimento!
Uma das questões em voga nos dias que correm é o contributo dos grandes projectos mineiros no quadro do Conteúdo Local, principalmente com a falta de uma lei que oriente as empresas nas suas decisões a este respeito. Como é que a Vulcan encara esta questão?
Ser a maior empresa de Moçambique traz, entre outras coisas, traz-nos o peso da responsabilidade social. Quando o empreendimento foi iniciado, em 2004/2005, o País não tinha uma tradição expressiva na mineração e a cadeia produtiva necessária para colocar em funcionamento um projecto deste porte era incipiente. Por isso, diversas empresas estrangeiras e expatriadas trabalharam intensamente para capacitar a mão-de-obra, desenvolver fornecedores e as comunidades onde actuamos, e o resultado, hoje, é uma força de trabalho de 5600 colaboradores directos, sendo 97% moçambicanos. Também temos cerca de 10% de participação de mulheres e o mesmo percentual para cargos de liderança. Contamos também com cerca de 11 600 trabalhadores indirectos, 75% dos quais fornecedores locais, totalizando um empreendimento que emprega mais
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de 17 mil pessoas, essencialmente locais. A maior concentração está em Tete, mas temos bases em Nampula, Nacala e Maputo, bem como um escritório em Blantyre, no Maláui, que servem desde a mina de Moatize até ao porto de Nacala, percorrendo os 912 quilómetros que os ligam. Vale ressaltar que, por causa do Project Finance que fizemos em 2017 (liquidado em 2021), implementámos programas de sustentabilidade de nível internacional, envolvendo agricultura, avicultura, abastecimento de água, preparação para o mercado de trabalho, apoio à comunidade, entre vários outros, que beneficiam mais de 50 mil pessoas. Só neste ano de 2023 esperamos aplicar cerca de 20 milhões de dólares, um aumento de 30% em relação ao que investimos no ano anterior.
Gostaria que fizesse uma avaliação da capacidade criada para a transferência de conhecimento para os moçambicanos. Em que horizonte temporal será
possível ter um volume de moçambicanos com capacidade técnica que se equipara à dos técnicos estrangeiros?
Como disse, a Vulcan emprega um total de 17 238 trabalhadores entre directos e indirectos, sendo 97% nacionais e maioritariamente locais. Além disso, já temos moçambicanos orgulhosos em cargos-chave de gestão e técnicos traduzidos em 86% de liderança nacional dentro da empresa. E este volume só vai aumentar à medida que as nossas universidades em Moçambique formarem cada vez mais pessoas qualificadas, que os moçambicanos ganhem mais experiência e que a Vulcan siga a sua política de formação e promoção de talentos locais.
Qual tem sido o papel do carvão nos projectos industriais de Moçambique?
O carvão, assim como outros recursos minerais presentes em Moçambique, é um insumo importante para criar condições para a expansão industrial. A energia também é importante e posso adian-
tar que estamos a estudar a viabilidade de implantação de uma central de geração de energia eléctrica que possa contribuir com esse propósito.
Existe a impressão de que a venda das minas de carvão pela Vale à Vulcan deu um sinal negativo aos mercados, no sentido de que já não é evidente que o País possa vir a registar grandes benefícios da exploração deste recurso. Como olha para esta questão?
Não posso falar sobre a estratégia de desinvestimento da Vale, mas não se deve reagir desta maneira a uma decisão específica de uma empresa. Pode ter sido tomada por muitos factores, como o seu portefólio geral e prioridades. O que posso dizer é que a mina de Moatize é um activo muito importante no portefólio da Vulcan, e que acreditamos que tanto o carvão metalúrgico quanto o térmico continuarão a desempenhar um papel importante no desenvolvimento e crescimento dos países emergentes.
A exploração deste recurso chegou a colocar a província de Tete como um dos destinos preferenciais de investimentos em sectores específicos como o imobiliário, o que veio a arrefecer nos últimos anos. Hoje, com a Vulcan à frente deste sector, que perspectivas se abrem quanto à possibilidade de restaurar a apetência por novos in-
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“A mina de Moatize é um activo muito importante no portefólio da Vulcan, e tanto o carvão metalúrgico quanto o térmico continuarão a desempenhar um papel importante no desenvolvimento”
vestimentos à volta da exploração do carvão?
Por enquanto, a Vulcan está focada exclusivamente em aumentar a produção e o uso do carvão de Moatize. Acreditamos que o desenvolvimento e incentivo a novos investimentos na região dependem de uma task-force entre políticas de incentivos e o contexto económico actual.
Quais são, hoje, os principais destinos da produção do carvão de Moçambique e como é que o País se posiciona perante uma concorrência forte como a da Austrália?
O nosso produto abastece um mercado global, claro, com maior abrangência do asiático. Entretanto, pelo facto de se registar uma demanda agregada por carvão que tende a exceder a oferta, podemos dizer que, apesar de importante a análise da concorrência, o nosso foco, na Vulcan, é produzir um bom carvão a custos competitivos, e eperamos que essa seja a chave para o sucesso a longo prazo.
Qual é a perspectiva para a mineração de carvão nos próximos anos?
A perspectiva é positiva. Estamos a construir bases sólidas para atingir o tão esperado volume de produção de 18 milhões de toneladas. Queremos construir uma história de sucesso no País e um legado para as gerações futuras.
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Afraude alimentar ou o acto de enganar os compradores para um ganho económico – sejam eles consumidores, fabricantes, retalhistas e/ou importadores –tem sido um fardo para a indústria alimentar ao longo da história. Alguns dos primeiros casos envolveram alimentos como o azeite, chá, vinho e especiarias, produtos que continuam a ser associados a fraude, juntamente com outros alimentos. Embora a maioria das fraudes não representem uma ameaça para a saúde dos consumidores, alguns casos, de que a adição de melamina em fórmulas infantis é um conhecido exemplo, resultaram em riscos reais para a saúde pública.
Fraude AlimentarConsequências Para a Economia
A fraude que resulta num risco de segurança dos alimentos e/ou de saúde pública pode, além do mais, ter consequências financeiras significativas para a indústria alimentar.
De acordo com as notas do conselho da UE, em Dezembro de 2019 o custo de práticas fraudulentas para a indústria alimentar ao nível global foi estimado em cerca de 30 mil milhões de euros por ano. As estimativas da Consumer Brands Association (CBA) sugerem que a fraude alimentar pode custar às indústrias alimentares, a nível global, cerca de dez a 15 biliões de USD por ano, afectando aproximadamente 10% de todos os produtos alimentares vendidos. Além dis-
MELAMINE EM FÓRMULAS INFANTIS
A quantidade de Nitrogénio presente num alimento é um dos indicadores de avaliação do seu teor de proteína. Em 2008, na China, fabricantes adicionaram melamina (produto químico sintético com alto teor de nitrogénio comumente usado em plásticos) a fórmulas infantis, para fazer parecer que os seus produtos continham proteína suficiente. Segundo a Food and Drug Administration (FDA), esta fraude causou mais de 300,000 casos de doença, incluindo insuficiência renal em bebés, 50,000 hospitalizações e, pelo menos, 6 mortes.
Conceito de fraude alimentar
Para propósitos de trabalho, a FDA define fraude alimentar como “substituição ou adição fraudulenta intencional de uma substância a um produto, com o propósito de aumentar o valor aparente ou reduzir o custo de produção do mesmo, com o objectivo de obter um ganho económico”.
Modo geral, o termo “fraude alimentar” abrange a substituição, adição, adulteração ou falsificação deliberada e intencional de alimentos, ingredientes e/ou embalagens, assim como declarações falsas feitas sobre o produto, para obter um ganho económico.
Por exemplo, relatórios publicados por autoridades da União Europeia (UE) indicam que a fraude em frutos do mar e alimentos à base de peixe se tem intensificado por todo mundo, consistindo maioritariamente na utilização de espécies de baixo valor comercial rotuladas como espécies de alto valor comercial. Outros exemplos são a adição de melamina ao leite para aumentar artificialmente o teor de proteína; a adição de água e ácido cítrico ao sumo de limão para aumentar a acidez do produto final; e a adição de um corante (ex: vermelho sudan) para realçar a cor da paprica de baixa qualidade.
so, a CBA estima, ainda, que a fraude pode reduzir cerca de 2% a 15% das receitas anuais das empresas e, em casos mais extremos, se os riscos de segurança dos alimentos se materializarem, pode levar à sua falência.
No entanto, assumindo que a maioria dos casos de fraude passa despercebida, uma vez que quem a comete quer evitar a todo o custo a sua detecção e necessariamente não tem a
intenção de causar danos físicos, mas sim de obter ganhos económicos; que a maior parte dos casos não resulta em risco de segurança dos alimentos; e que os consumidores dificilmente conseguem notar algum problema de qualidade nos produtos que compram, actualmente a maioria dos pesquisadores reconhece que a escala da fraude alimentar a nível mundial pode ser desconhecida ou mesmo imensurável. Assim, provavelmente, o número de incidentes documentados corresponde apenas a uma fracção do real.
Situação em Moçambique
Como noutras geografias, a nível nacional há falta de dados precisos sobre a fraude alimentar. No entanto, de acordo com o Global Food Security Index 2022, no que diz respeito à avaliação da Qualidade e Segurança dos Alimentos, Moçambique encontra-se na 110.ª posição de uma lista de 113 países, como ilustra a imagem a seguir.
Ainda de acordo com a Economist Impact, entre as causas para esta classificação está a fraca legislação sobre segurança dos alimentos.
Efectivamente, não obstante a criação, desde 1982, de alguns instrumentos para regular e combater esta prática, a moldura legal do País não terá sofrido actualizações consideráveis nos últimos cinco a dez anos. O gráfico abaixo indica que Moçam-
www.economiaemercado.co.mz | Junho 2023 64 OPINIÃO
Manuel Júnior • Consultor júnior na Insite
bique apresenta uma pontuação de 0,0, na componente de legislação da segurança dos alimentos, contra 70,8, que é média de todos os países.
As autoridades legais atribuem, e bem, a responsabilidade primária da prevenção de fraudes aos operadores do segmento alimentar, através de requisitos de rastreabilidade e de
EXEMPLOS DE CASOS DE FRAUDE ALIMENTAR EM MOÇAMBIQUE
Óleo contrabandeado e não fortificado
Em Maio de 2022, a INAE e a Autoridade Tributária de Moçambique (AT) notificaram 12 marcas de óleo alimentar falsificado que estão a ser comercializadas no País. O produto falsificado foi identificado no âmbito da Operação “Óleo de Cozinha Saudável”, que visa promover o consumo de produtos fortificados. Segundo a porta-voz da INAE na época, durante a operação foram apreendidas 438 garrafas de óleo alimentar falsificado (859 litros) (*).
O caso dos frangos provenientes do Brasil
Em Abril de 2017, a INAE apreendeu cerca de cinco mil peças de carne, na sua maioria frangos brasileiros, em estabelecimentos comerciais da Zambézia por suspeita de adulteração ou deterioração. Os produtos apreendidos estavam avaliados em cerca de 800 mil meticais. (*)
competentes para controlar e inspeccionar produtos alimentícios em vários estágios da cadeia alimentar. No lado das tecnologias, o desenvolvimento/uso de dispositivos portáteis relativamente baratos podem levar os testes dos laboratórios para o campo e permitir a amostragem baseada em risco.
O Blockchain (cadeia vinculada que armazena dados auditáveis e imutáveis em unidades chamadas blocos) mostra-se igualmente uma tecnologia promissora no combate à fraude alimentar, na medida em que pode ajudar a fornecer um registo imutável desde a produção primária até à comercialização de produtos.
O estudo acrescenta como causas para a qualificação supramencionada a falta de estruturas adequadas (ex: laboratórios), recursos humanos competentes e tecnologias necessárias para o desenvolvimento da segurança dos alimentos. No nosso país, a Inspecção Nacional de Actividades Económicas (INAE), tutelada pelo Ministério da Indústria e do Comércio, é a instituição que tem a responsabilidade de investigar e combater práticas de fraude envolvendo alimentos.
A evasão fiscal, danos causados aos titulares das marcas e risco para a saúde pública encontram-se entre as principais consequências de casos de fraude alimentar detectados no País, como se exemplifica abaixo. O combate à fraude alimentar no contexto geral referenciado, quais seriam, então, as intervenções (legais e outras) e inovações técnicas que podem ajudar a combater a fraude alimentar?
Uma definição mais concreta de fraude alimentar, por ora inexistente, pode trazer foco e oferecer soluções direccionadas para proibições pré-existentes, bem como destacar os riscos para as economias e a saúde das pessoas. Pode fomentar a aposta na prevenção, mais segura e económica do que a tentativa de detecção/correcção.
adesão às boas práticas agrícolas e de fabricação. Nesse sentido, uma forma de melhorar a capacidade do sector privado na prevenção de fraude é a adopção de avaliações de vulnerabilidade à fraude alimentar. Seguindo a metodologia da Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controlo (HACCP), a Análise de Vulnerabilidades e Pontos Críticos de Controlo (VACCP) permite a uma organização desenvolver procedimentos para identificar e mitigar os riscos de fraude alimentar nas suas cadeias de abastecimento. A adopção de normas alimentares, e em particular o uso de padrões desenvolvidos pela Comissão do Codex Alimentarius, é altamente recomendada na medida em que permite um melhor controlo sobre as especificações dos produtos importados e comercializados no mercado, fornecendo uma base para distinguir um produto original de outro contrafeito. Particularmente, as regras de rotulagem de alimentos, quando combinadas com normas alimentares, podem ser eficazes na prevenção da fraude alimentar.
Por outro lado, os Governos precisam de ser capazes de detectar a ocorrência de fraude alimentar, inclusive por meio de controlos de importação de bens nas suas fronteiras. Tal requer a criação de uma base legal e recursos humanos
Considerações finais
A fraude alimentar é um problema antigo que ganhou mais reconhecimento nas agendas políticas nos últimos anos, com a descoberta e divulgação de casos com repercussão na saúde pública.
Devido às alterações nos hábitos de vida das pessoas, à demanda relacionada com alimentos de qualidade e ao crescimento explosivo de alimentos e-commerce, o risco de fraude alimentar pode aumentar.
Este assunto requer, pois, acção dos Governos para garantir a confiança na segurança e funcionamento das suas cadeias de abastecimento alimentar. Em Moçambique, a responsabilidade de conter a fraude alimentar cabe à INAE, ao Ministério da Indústria e Comércio e ao MISAU, que devem continuamente estar comprometidos em identificar, prevenir e combater estas situações.
De igual modo, é preciso que os consumidores se informem melhor sobre os alimentos que consomem e colaborem denunciando suspeitas destas práticas. Para isto, seria oportuno a criação de ferramentas, à semelhança do “Rapid Alert System for Food and Feed” (RASFF), que permitam uma rápida partilha de informação entre as partes interessadas.
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É preciso um melhor controlo sobre as especificações dos produtos importados e comercializados
“Queremos Estar em Todos os Negócios que Tenham Rodas”
O Grupo Entreposto acaba de entrar numa nova era da sua história secular no mercado moçambicano. Mudou a imagem, conta com um accionista de peso – o Grupo JAP – e mudou também as suas ambições. Jorge Brites, CEO da Companhia de Moçambique, Holding do Entreposto, ajuda-nos a perceber o percurso do Grupo desde a génese até às suas metas para o futuro
Nascido em Moçambique, em 1943, o grupo Entreposto está hoje presente em seis países e emprega mais de 3 000 colaboradores. Em Moçambique, é uma referência nas soluções de mobilidade com viaturas ligeiras e pesadas, máquinas agrícolas e industriais e outros serviços adjacentes, mas também representa marcas líderes em Tecnologias de Informação. Recentemente apresentou uma nova imagem ao mercado, representativa, nas palavras de Jorge Brites, CEO da Companhia de Moçambique que detém a bem mais conhecida marca que é, de facto, o Entreposto, de uma mudança estrutural que se iniciou há alguns anos. “Passámos por uma situação financeira delicada enquanto grupo, não adianta escondê-lo. O que fizémos? Assumimos a dificuldade, houve uma mudança societária na empresa com a entrada do Grupo JAP, reestruturámos as operações, e agora, surgimos renovados. E sim, pode dizer-se que somos um novo Entreposto”.
Gostava que me falasse um pouco desta marca forte, de Moçambique até, que é o Entreposto e como é que ela está hoje?
Para conhecermos a realidade de hoje, temos de perceber o percurso que nos trouxe até aqui. Talvez as pessoas não tenham muita compreensão do que é a Companhia de Moçambique, mas foi uma companhia majestática que, inclusive, criava e imprimia moeda, tinha poderes soberanos principalmente na zona Centro do País, onde o grupo Entreposto começou. Começámos na Beira com negócios muito ligados à agroindústria, como o do caju, algodão e indústrias alimentares, e todo esse per-
curso demonstrava o valor e o reconhecimento do que hoje existe em Moçambique. Começámos como Companhia de Moçambique, mas, ao longo do tempo, fruto do desenvolvimento dos muitos negócios que temos, a marca Entreposto foi a que perdurou e a que as pessoas reconhecem. A Companhia de Moçambique é uma holding que gere todos os negócios que o Grupo Entreposto tem em Moçambique, ou seja, desde a importação ao retalho automóvel, a assistência automóvel em todo o País, a participação nas tecnologias de comunicação, onde temos a participação em 100% da DataServ, maior distribuidora da HP e muito reconhecida pela marca. Temos também parcerias com a Microsoft e outras marcas de computadores, além de parcerias com empresas na área do arquivo e com um grupo português onde somos maioritários com 75% da gestão de arquivos. Representamos, ainda, marcas de ar condicionados como a Mitsubishi e K9, esta última é nossa propriedade, criada para o contexto moçambicano.
A área automóvel é ainda o baluarte das vossas actividades, certo? Certo. Queremos estar presentes em todos os negócios que tenham rodas. Falaremos disso mais à frente quando abordarmos a entrada do novo accionista – o Grupo JAP. Não adquirimos apenas a permissão como também temos o direito de entrar em todo tipo de negócios, mas, claramente, em Moçambique somos conhecidos pela área automóvel pelos anos que temos estado a desenvolver este negócio, desde 1966, ano em que o Grupo se internacionalizou e foi para Portugal e para o Brasil. Somos um grupo moçambicano, que passou para outros mercados.
Apresentaram, recentemente, a nova imagem da empresa. O que mudou, de facto, no Grupo Entreposto?
Vou recuar uns três ou quatro anos. O Grupo tinha enormes dificuldades financeiras em Moçambique, com a dívida que tínhamos face ao volume de negócios, éramos completamente insustentáveis e isso fez com que mesmo em Portugal a banca solicitasse os antigos accionistas no sentindo de encontrar uma solução. E essa solução surgiu com o Grupo JAP, em 2020. A reestruturação em Portugal já estava avançada e foi mais rápido e fácil de fazer, até porque a matriz das acções do grupo JAP, que tinha mais presença no Norte de Portugal, condizia com a do Grupo Entreposto que tinha presença mais ao Centro e Sul. Já em Moçambique, por causa da dívida, foi mais complicado. O volume e as diversas formas de dívida que tínhamos fizeram com que fosse um processo longo e moroso, e o Grupo ficou na dúvida se conseguia ou não fazer a reestruturação económica e trazer a dívida para muito próximo de zero e assim começar a pensar o futuro.
www.economiaemercado.co.mz | Junho 2023 66 CEO TALK | ENTREPOSTOS
Texto Pedro Cativelos • Fotografia Mariano Silva
Como é que se resolveu a situação?
O Grupo Entreposto tinha um património muito elevado e foi possível fazer isso com base na negociação com muitos stakeholders. Também conjugámos o interesse da Toyota em estar presente no mercado moçambicano. Concluímos com eles o negócio de passar a importação para a CFAO que é o importador da Toyota em Moçambique (é também o braço da Toyota para todos os países de África). Acordámos com eles que ficassem com a importação e a distribuição em Maputo e, simultaneamente, estabelecemos um contrato em que representamos a marca Toyota em todas as províncias onde estamos. Hoje somos o parceiro da CFAO para desenvolver todo o negócio da Toyota nas províncias, porque, como fruto também dessa reestrutu -
ração, conseguimos que todos os imóveis que temos para a operação permanecessem dentro da esfera do Grupo. Assim conseguimos ter uma presença nacional que assegura a assistência em qualquer província mesmo para clientes que estejam em Maputo. Em Outubro de 2021 começámos a ter todos os processos muito fechados em termos de administração financeira e dissemos “sim” ao futuro do Grupo Entreposto em Moçambique. Foi aí que começámos a reestruturação interna.
E no ano passado, como é que evoluiu a empresa em termos de consolidação no mercado, já na nova era?
Ao longo do ano 2022 continuámos o processo interno de reestruturação, mas já com muita presença no negócio como, por exemplo, com a
BJorge Manuel de Brito do Amaral Brites
Casado, 52 anos, tem pós-graduação em Gestão e Avaliação Imobiliária pelo ISEG – Instituto Superior Economia e Gestão, pós-graduação em Mercados e Activos Financeiros pelo CEMAF – Centro de Investigação de Mercados e Activos Financeiros, com especialização na área de produtos e derivados e Licenciatura em Economia na Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa.
Em Agosto de 2017 assumiu o cargo de administrador do Grupo Entreposto – Companhia de Moçambique com os pelouros da área financeira e imobiliária. A partir de Novembro de 2020, com a entrada do Grupo JAP no capital, assume o processo de reestruturação financeira concluído com sucesso no último trimestre de 2021. Em Dezembro de 2021 foi nomeado CEO do Grupo assumindo todo o processo de reorganização das diversas áreas de negócio e a estratégia de desenvolvimento do Grupo em Moçambique.
Isuzu, uma marca que em Moçambique ainda não tem muitas operações como tem noutros mercados. Portanto, o ano 2022 permitiu-nos fechar a reestruturação e preparar a organização para os novos valores que o Grupo JAP nos veio incutir. Obviamente tivemos de contar também com a solidez financeira que o Grupo tem e uma estratégia clara não só para Moçambique, mas também para África. Ou seja, os nossos níveis de crescimento futuros estão assentes num pilar estratégico que é o desenvolvimento de negócios neste continente. O grupo já estava presente no Uganda, Quénia, Tanzânia e Angola, muito ligado a máquinas industriais e camiões. Tudo isso era uma forma de preparar a organização para agora, em 2023, começarmos a dinamizar as operações.
Em que é que a mudança de imagem, de facto ilustra este novo posicionamento de que fala?
Só a fizemos agora precisamente porque mudar a imagem por si só não chega, precisávamos de ter a estratégia muito bem traçada. O ano 2022 foi
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“Contámos com a solidez financeira que o Grupo JAP tem e com uma estratégia clara não só para Moçambique, mas também para África”
também um ano em que, pela primeira vez, começámos a procura de quadros moçambicanos. Queremos desenvolver actividades dentro da estratégia que o Grupo tem para cada uma das áreas de negócios, mas queremos fazer isso com quadros moçambicanos. Neste momento temos uma equipa com 25 colaboradores dos quais alguns já estavam na organização. Fomos ao mercado para recrutar e vamos levá-los agora para Portugal por seis meses para formação. Devem regressar à sua terra com outras competências.
Em termos de actuação, existem áreas novas e outras que vão ser reforçadas com esta dinâmica operacional?
Não tanto em termos de novas áreas. Gostamos de desenvolver tudo o que tenha rodas, desde os meios agrícolas aos industriais ou até mesmo ao mercado dos camiões, queremos trazer uma nova postura e passar a imagem de que queremos estar próximos dos nossos clientes. Acreditamos que desenvolver negócios nos países onde estamos e em qualquer outro onde pretendemos estar em África não é fácil. Todos os nossos clientes têm as suas dificuldades e se conseguirmos
estar muito perto deles conseguiremos criar uma plataforma para aportar essas dificuldades, e todos sairão a ganhar. Temos, efectivamente, de fazer essa transição e dar esse passo para fora. A mudança de imagem tem muito que ver com isso. Toda a gente conhecia o Entreposto em Moçambique pela cor vermelha e agora, não só alterámos a cor para dar uma noção de reverência, como também a cor azul é sinónimo de transparência, ética e profissionalismo, valores que são pilares básicos da nossa estratégia de desenvolvimento.
Como olha para o mercado automóvel em Moçambique?
O mercado em Moçambique não é novo, mas ainda é muito diminuto pelas características económicas do País. O mercado dos automóveis usados tem um valor muito superior, com a importação de carros com muitos anos do Japão, também por via de crédito. Assim é muito difícil o mercado crescer. Apesar disso, atingiu picos que, acreditamos, com o desenvolvimento que se espera como a exploração do gás em Cabo Delgado, pode induzir a vinda de inúmeras empresas. Is -
so proporcionará, a médio prazo, um crescimento do mercado dos automóveis novos. Nós, no mercado dos novos, queremos desenvolver o negócio da Toyota nas outras províncias e, simultaneamente, queremos ganhar a quota de mercado na Isuzu, que é uma marca que tem muito mais potencial do que nos anos passados, quando ocupava a 5.ª posição. Nós, grupo JAP e Entreposto em Moçambique, temos uma estrutura muito ambiciosa e queremos colocar a Isuzu no top 3 em Moçambique.
O sector agrícola está numa grande dinâmica em Moçambique. Já começam a notar isso na vossa operação?
Ainda não. É um sector no qual o Governo moçambicano está a apostar fortemente e muito bem. Ou seja, mesmo com o potencial que tem ao nível dos recursos minerais, o País tem conseguido trabalhar e transformar o sector que é base [a agricultura]. Não podemos esquecer que o País é muito grande, a sua agricultura é ainda muito familiar, a mecanização desse sector é crítica para o desenvolvimento e ainda é muito sustentada por projectos apoiados pelo Banco Mundial. A preocupação, agora, é captar esses apoios para a mecanização da agricultura. Em 2022 colocámos cerca de 120 tractores a funcionar, mas há uma pequena dificuldade no crescimento porque só podemos avançar à medida que o Estado moçambicano conseguir captar recursos.
Há potencial no nosso mercado para o rent-a-car?
Acredito que sim. O mercado do rent-a-car no País é ainda muito dominado por operadores informais que não trazem nada que empresas, ONG ou organizações internacionais que estejam no País procurem. Não conseguem oferecer qualidade do serviço, viaturas novas e acreditamos que com a Six o rent-a-car vai desenvolver o seu potencial. Trabalhamos com este segmento numa perspectiva mais corporativa e profissional e já estamos a ter algumas experiências boas. O desenvolvimento da Reserva de Maputo, por exemplo, já está a trazer outro tipo de turismo e um pacote direccionado a isto constitui um novo serviço. É nisso que estamos focados a médio prazo. E no curto prazo focamo-nos em soluções de mobilidade para os diversos sectores, mas com muita ênfase no corporativo e noutras províncias fora de Maputo.
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“Queremos desenvolver-nos dentro da estratégia que o Grupo tem para cada uma das áreas de negócios, mas queremos fazer isso com quadros moçambicanos. E fortalecer presença em África”
Sem Crise.
OJUMA É CONDUTOR DE CHAPA.
Faz todos os dias longos percursos e transporta pessoas ao longo de centenas de quilómetros de uma província para outra.
Como todos os chapas que se prezam, tem a sua própria mensagem, de que muito se orgulha, escrita num autocolante no vidro de trás que diz : “sem crise”.
Quando, naquele dia, o Dr. Vilanculos, economista que vive na cidade grande, entrou no chapa para ir visitar a família na terra, calhou ficar no banco da frente. Mesmo ao lado do Juma. E foram todo o caminho até à terra a conversar.
A primeira pergunta que fez foi:
- Juma, como é possível teres colocado um autocolante a dizer “sem crise”? Não sabes que estamos numa grande crise?
Erudito, o Dr. Vilanculos explicou que era economista e sabia quase tudo sobre o que se passa. Falava e falava. Explicava, usando a fórmula A+B e também a equação 1+1=2, porque é que o mundo e o País estavam assim.
Mas Juma, bem-disposto, estava com o rádio alto e ouvia o Doutor com a orelha esquerda. No entanto, o que entrava mesmo era a música pelo ouvido direito. Um beat amapiano do momento.
O Doutor falava de inflação. Mas o Juma só se preocupava com infracção. Não queria multas.
Depois de quase 45 minutos de uma explicação que já tinha muitos quilómetros, o Juma virou-se para o Dr. Vilanculos e disse:
- Ouve cá, Doutor... comigo não há crise. É só o senhor ver com os seus próprios olhos. As coisas estão a andar. O próprio carro está a andar. Se não, até aqui, o Doutor ainda estaria na cidade.
O Dr. Vilanculos bem trajado com o seu fato, ficou sem muitos argumentos contra aqueles factos.
Juma disse que não iria discutir nem contrariar. Nem queria que aquela conversa fosse como aqueles programas que passam a toda a hora na televisão.
Como um debate. Até porque a palavra debate tem a palavra “bate” no meio. E de luta o povo já está cansado e farto.
- O Doutor pode saber muitas coisas. Mas tem de saber que essa coisa de crise, nós do povo não temos tempo de crise. Temos crise de tempo. Porque, edjô, melhor que falar é jobar.
Foi nesse momento que o Dr. Vilanculos tentou tirar as dúvidas e esclarecer o que se estava a passar. Porém, Juma abanava a cabeça. Parecia estar a discordar. Mas era o ritmo da música.
O Doutor tentou explicar as questões macroeconómicas. A crise mundial. A luta das superpotências pelos recursos energéticos no mundo. Mas nada. O mundo do Juma é outro.
Então, o Doutor resolveu tentar mudar o tipo de discurso. Torná-lo mais simples e explicar que a crise aconteceu porque nós estávamos a ser vítimas da disputa entre os grandes do mundo. Disse:
- Sabes, Juma, a nossa sabedoria africana já há muito nos ensinou que, quando os elefantes lutam, quem sofre é o capim. Neste caso, nós, o povo.
Juma baixou o volume do rádio e, por momentos, ficou pensativo.
- Doutor, o senhor não sabe que o capim sempre cresce?
- Como assim? – perguntou o Dr. Vilanculos.
- Doutor, o capim até podemos ser nós, o povo. Mas é a coisa mais forte que existe. Quando há uma queimada, tudo acaba. Até os elefantes fogem. Mas o capim volta a nascer depressa e mais forte, não é verdade? E nem é preciso preocuparmo-nos. Ele cresce. O capim não tem crise.
O Juma continuou a argumentar.
- Doutor, porque chamam de Senhor Doutor a quem foi estudar na universidade mesmo não tendo estudado medicina? Talvez porque não seja médico. Chamam doutores aos economistas? Se nem a tal da crise conseguem curar?
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“É comum na linguagem bem local moçambicana usar a palavra “como” para enfatizar um determinado aspecto. Para aumentar, em vez de ser usada apenas para comparar”
Thiago Fonseca • Sócio e Director de Criação da Agência GOLO PCA Grupo LOCAL de Comunicação SGPS, Lda.
BAZARKETING
Olhe, Doutor, vi num documentário no YouTube que o capim é o ser vivo mais forte do planeta. Cresce em todo o lado. Não só em Moçambique. Lá no deserto, no gelo. Vocês, doutores, andam a pensar muito. Estão com a cabeça na crise e por isso estão em crise na cabeça.
Mas têm de aprender com o capim. Porque volta a crescer. Amanhã é outro dia.
O Doutor, que no início achou que a conversa de Juma era uma “viagem”, estava a aprender muito naquela viagem.
A CRISE COMO MARCA
É comum na linguagem bem local moçambicana usar a palavra “como” para enfatizar um determinado aspecto. Para aumentar, em vez de ser usada apenas para comparar.
Por exemplo, quando se diz “como anima” ou “como custa”. Ou quando se diz, a crise “como marca”, estamos a dizer que a crise nos marca muito.
Neste momento o maior risco que Moçambique tem é deixar que os actuais desafios se tornem uma marca. Algo que continue mesmo depois de a crise acabar. Uma ideia que fique planta-
da na cabeça das pessoas e faça com que muitos tirem o pé do acelerador para o travão. Porque, afinal, é real e já deixou marcas profundas.
Ou, por outras palavras, corremos o risco de, mesmo depois de a crise passar, a ideia da crise continuar.
A crise pode tornar-se uma marca. Porque é construída como qualquer marca. Com muita comunicação. E agora com a social media mais ainda.
É uma grande campanha integrada em todos os meios com razões fortes para acreditar nela e são bem visíveis as consequências reais e emocionais que já provocou.
Crise económica mundial é o que mais se comunicou este ano. A crise pode ser um facto, mas é também uma percepção.
Nem todos os estratos sociais sabem que estamos em crise ou sentem que tenha chegado até eles. Sobretudo fora das cidades. Onde vive a maioria do povo.
Moçambique é um país que já passou por muito. E o moçambicano é irremediavelmente optimista. Dos 30 milhões, quantos entendem a questão da crise?
É na crise que se investe
As empresas locais e globais que estão a investir mais agora, serão essas, as mais astutas, que crescerão nos próximos anos.
Juma contou ao Dr. Vilanculos que o seu irmão tinha comprado um tractor este ano.
Aproveitou que paga em prestações e já está a trabalhar no campo. Saiu da crise da cidade. Está a semear para colher.
-Doutor, se não trabalharmos, essa crise vai dar trabalho.
Finalmente chegaram à aldeia. O Dr. Vilanculos levava um jornal da cidade em que na capa havia um grande headline: “Crise económica”. Levou-o para mostrar à família. No entanto, o seu primo pegou no jornal e não perdeu tempo a ler.
Estava ocupado a preparar o jantar. Caril de cabrito. Em vez de ler, aproveitou o jornal para acender a fogueira naquela noite.
Guardou a capa. E usou-a ao contrário para embrulhar castanha-de-caju assada que o Dr. Vilanculos trouxe para a família na cidade quando regressou.*
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Ilustração de Maisa Chaves
ócio
74 76 77 81 82 78
ESCAPE
Hong Kong
Uma aventura
pelos arranha-céus de Hong Kong
GOURMET
Joli Guest House
O casamento entre a gastronomia e a decoração
ADEGA Vinícolas Conheça as seis tendências da actualidade e futuras
MOCAMBICANOS PELO MUNDO José Alface
g e e
ARTES
“O Livro Desalmado”
uma colectânea de poesia do autor Rito
Nobre
VOLANTE Lamborghini Conheça o modelo Revuelto, o primeiro híbrido da marca
(neg)ócio s.m. do latim negação do ócio
O percurso do engenheiro de software na Adobe nos EUA v
João Tamura nasceu em Lisboa, nos anos 90. É músico, poeta e fotógrafo. Partiu, em Setembro de 2022, numa viagem sem data de regresso ou destino definido. Tem documentado a sua jornada através de crónicas, numa simbiose entre as suas linguagens predilectas - a prosa e a fotografia analógicaque tentam ao máximo transportar o leitor para os longínquos lugares pisados pelo autor.
Hong Kong
OAmor é um Lugar
O meu fascínio pelo Oriente nasceu quando adolescente, com os filmes de Wong Kar-Wai e com as fotografias de Greg Girard (1). A atracção foi instantânea: pareciam-me impossíveis aquelas noites mais luminosas e coloridas que os dias, aquelas urbes-néon de um futuro distante, tão longínquas da “minha” Lisboa, que somente podiam ser fruto da imaginação e da ficção - precisava observá-las com os meus próprios olhos e não através de um ecrãn de cinema ou das fotografias de um livro.
Cheguei ao Japão nos verdes anos da minha vida adulta, para nunca mais conseguir retornar a casa por inteiro: o Oriente ficou com parte de mim e, quando na Europa, sou tomado por um insaciável desejo pelas coisas que só esse longínquo lugar é capaz. Casa deixou de ter cor, luz, aroma, sabor.
Tornou-se cada vez mais árduo valorizar a aparentemente inegável beleza do meu país: o hábito aborreceu estas ruas e estas casas; os anos banalizaram esta costa e este mar azul.
eAqui os prédios não são altos o suficiente, as ruas são demasiado ordenadas, a cidade tediosa, e a noite é demasiado
escura e silenciosa. Pouco tempo depois, cheguei ao lugar que espoletou esta obsessão - o lugar de In The Mood For Love e de The Chunking Express (2), a urbe de todas as urbes: Hong Kong.
Cheguei a Hong Kong através do ultramoderno Aeroporto Internacional de Chep Lap Kok, situado a 35km do centro da cidade. Em tempos idos, os aviões aterravam no Aeroporto de Kai Tak, no distrito de Kowloon, no coração de Hong Kong.
Aquando a sua inauguração, Kowloon era um subúrbio longínquo, de casas térreas e terrenos baldios, mas o vertiginoso crescimento da urbe tornou-se um obstáculo para a expansão e modernização de Kai Tak, rapidamente engolido por altas e numerosas torres residenciais. Esta densidade populacional é parte indissociável e identitária da cidade: moldou-a visual e culturalmente.
Faz parte do seu fascínio: aqui, como em nenhum outro lugar do planeta, sentimo-nos meras formigas entre gigantes; nem os arranha-céus em Manhattan, nem as pirâmides de Gizé nos fizeram tão pequenos e inânimes; aqui caminhamos
no limbo entre o sufoco e o encanto, entre a claustrofobia e o embevecimento. Este é o lugar mais fotogénico e cinematográfico do mundo, afirmo-o sem rodeios, e confirmam-no Wong Kar Wai e Ann Hui, Greg Girard e Michael Wolf, cuja obra tanto se inspira neste lugar (3).
Hong Kong é a inspiração visual para as mais variadas narrativas e ficções: encontramo-la na Gotham, de Batman Begins, ou em New Port City, de Ghost in the Shell; na literatura, esta é o pano de fundo da acção de “O Ilustre Colegial”, de John le Carré, e de “A Supremacia de Bourne”, de Robert Ludlum; e nem os videojogos resistem à tentação de recriá-la virtualmente: é onde se desenrola o famosíssimo Call of Duty: Black Ops, o clássico Sleeping Dogs, e o mais recente exclusivo da PlayStation, Stray. Hong Kong é do futuro do passado: em nenhuma outra cidade encontramos, na mesma rua, edifícios tão futuristas que parecem saídos de uma narrativa de ficção científica, e restaurantes intocados pelo tempo, ainda geridos pelas mesmas famílias que há tantas décadas os inauguraram, onde deliciosas receitas são passadas de geração em geração.
Hong Kong é um fascinante caleidoscópio, é o lugar de todas as coisas e mais algumas, uma cidade que flutua no limiar do tempo e da terra, onde os sonhos chocam com a realidade, e onde o Oriente e o Ocidente colidem e se fundem.
O maior obstáculo enfrentado pela cidade? O espaço, ou melhor, a falta dele. Hong Kong tem 1114 km² - é 84 vezes inferior a Portugal. Quantas pessoas habitam neste diminuto território? Mais de sete milhões.
As viagens de metro são sufocantes, sobretudo durante as horas de ponta, quando cada metro quadrado das carrua-
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Estranho
gens é ocupado por pelo menos quatro passageiros; acotovelamo-nos nos mercados, nos barcos que cruzam a baía, nos autocarros para as praias; as roupas molhadas são estendidas nos parques infantis, quando estes ainda se encontram vazios, à primeira luz da manhã, e lá aguardamos que o sol as seque; os telhados das torres residenciais tornam-se um lugar de convívio: lá jogam-se cartas e mahjong (4), bebem-se cervejas e observa-se a metrópole sobre o céu nocturno.
São vários os estudos e os ensaios fotográficos acerca desta densidade urbana e populacional: Architecture of Density, de Michael Wolf, ou City of Darkness, de Greg Girard, são excelentes obras que aconselho a todos os apreciadores de fotografia e arquitectura.
No entanto, a maior problemática desta sobrelotação populacional chegou aos olhos do mundo com Life in a Coffin, de Brian Cassey, ensaio fotográfico sobre as “casas-caixão” de Hong-Kong.
A cidade tem o metro quadrado mais caro do mundocusta, em média, 24 mil dólares americanos. A gigante procura e a minúscula oferta são favoráveis à inflação e, para muitos, a aquisição de uma habitação é um sonho inalcançável.
Para mitigar esta crise habitacional, o Governo aposta na criação de habitação públicaforam recentemente destinados 500 milhões de dólares para a construção de 33 mil apartamentos públicos.
No entanto, estes números ainda estão longe de conseguir acomodar as necessidades da população: mais de 300 mil pessoas estão em lista de espera para uma habitação pública, pela qual terão de aguardar mais de cinco anos.
Desta crise habitacional nasce o fenómeno: apartamentos ilegalmente subdivididos em pequenas estruturas rectangulares, de 65 centímetros de largura por 170 centímetros de comprimento, como espa-
çosos - mas não tão espaçosos assim - “caixões”. Estes apartamentos partilhados têm cozinha e casa de banho comunitárias, mas é nas minúsculas estruturas que os seus inquilinos dormem, comem e guardam os seus pertences. Quem aqui habita? Aqueles incapazes de comprar ou arrendar habitação própria e que ainda aguardam por uma habitação pública.
O aluguer mensal de uma destas subdivisões ronda os 310 dólares, e estima-se que mais de 200 mil pessoas vivam nestas condições - entre estas, 40 mil crianças.
Para além de sufocantes, estas “casas-caixão” são uma ameaça à saúde mental daqueles que as ocupam: a privacidade é quase inexistente, e o sono e o repouso aqui são difíceis, dado o incessante ruído que noite e dia enche os apartamentos. Há quem aqui permaneça semanas, meses ou até mesmo anos.
As Nações Unidas ergueram-se, recentemente, contra o fenómeno, classificando-o como um insulto à dignidade humana, e reclamando uma habitação digna para todos os cidadãos de Hong Kong.
É 25 de Abril e, pela primeira vez em 30 anos, não percorro a Avenida da Liberdade com um cravo entre os dedos. É Dia da Liberdade e chegam-nos imagens dos nossos amigos no Porto, em Lisboa, em Coimbra.
Chegam-nos as fotografias do desfile, das bandeiras, dos cartazes. Reclama-se melhor acesso à saúde e à educação; melhores salários e um travão à inflação; e reclama-se, sobretudo, o acesso à habitação. Em todo o lado essa palavra, repetida ao expoente da loucura: habitação, habitação, habitação.
Está presente nos cânticos e nos estandartes, está escrita nas paredes da cidade e é lançada via inúmeras gargantas e megafones. Pois em Lisboa, como em Hong Kong, a procura é imensa e a oferta é dimi-
nuta; a especulação fez crescer os valores até níveis irrisórios e insustentáveis. E em Lisboa, como em Hong-Kong, a aquisição - ou até mesmo o arrendamento - de uma habitação é, para muitos, um sonho inalcançável.
Ainda não temos “casas-caixão”, é certo, mas os anúncios de arrendamento que pela Internet encontramos deixam adivinhar que não muito longe estaremos.
É urgente, em ambos os lugares, o acesso imediato a habitação pública digna, seguindo os passos de cidades como Viena ou Singapura, onde mais de 50% da população reside em habitação pública de qualidade. A percentagem em Hong Kong? 30%, um valor ainda muito abaixo do necessário.
Em Portugal? 2%…, sim, 2%. É urgente uma solução. Até lá, seja na cidade onde cresci, seja na cidade pela qual me apaixonei, escutaremos em todo o lado essa palavra repetida ao expoente da loucura, como um desejo e um lamento, como um grito de protesto: habitação, habitação, habitação!
(1) - Wong Kar-Wai é um cineasta de Hong-Kong, mundialmente reconhecido pelas suas narrativas não lineares e peculiar cinematografia de cores ousadas e saturadas; Greg Girard é um fotógrafo canadiano cuja maioria da obra se focou na vertiginosa transformação social e física de Hong Kong e de outras metrópoles asiáticas;
(2) - In The Mood For Love e The Chunking Express são dois dos mais importantes filmes da obra de Wong Kar-Wai;
(3) - Ann Hui On-wah é uma das realizadoras new wave de Hong-Kong mais aclamadas pela crítica. O cinema debruça-se sobre as questões sociais e as problemáticas de Hong Kong. Michael Wolf foi um fotógrafo alemão cuja obra eximiamente retratou a vida quotidiana e a identidade visual da cidade;
(4) - Jogo de tabuleiro extremamente popular em Hong Kong e no resto do Extremo Oriente;
(5) - A Avenida da Liberdade é a mais larga avenida lisboeta e recebe, anualmente, o desfile de 25 de Abril, o Dia da Liberdade.
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Hong Kong é um fascinante caleidoscópio, é o lugar de todas as coisas e mais algumas...
Texto & Fotografia João Tamura
Rua Orlando Mendes, 125, Maputo
quando não conseguimos explicar como é que alguém pode executar alguma actividade com excelência e uma certa naturalidade, justificamos para nós mesmos que “a pessoa terá nascido para isso”.
Será o caso de Joana Oliveira, que terá nascido com o prazer em trabalhar o detalhe, desenhando nos espaços da sua imaginação, e sempre tendo como ponto de partida, e chegada, as regras do bom gosto, ilustradas em sensações. De prazer, conforto e bem-estar. Terá crescido para isso mesmo, e nada é, por isso, deixado ao acaso.
Traçar-lhe as origens é um exercício complexo. Portuguesa e moçambicana, porque chegou a Maputo ainda criança, tendo mais tarde regressado à Europa para estudar em Barcelona, Espanha, cidade com uma cultura própria feita de arte, design e multiculturalidade.
Com mestrados em Gestão de Empresas Turísticas e Marketing e Gestão de Empresas de Luxo, começou a trabalhar no ramo turístico como coordenadora de eventos numa
É Joli, très Jolie
companhia de hotelaria de renome (Meliã).
Ganhou o gosto pela hotelaria. Mais tarde, regressa a Moçambique de férias, acaba por ficar e lançar-se, primeiro como directora de compras de uma empresa, depois como gerente numa pequena guest house onde ficou a trabalhar por seis meses, tempo suficiente para assimilar e perceber o negócio e o mercado no contexto moçambicano.
Arriscou, então, lançar o seu próprio negócio e, de então para cá, não mais parou até porque, no seu caso, não faltam ideias. “Construiu” o seu próprio espaço à imagem do que imaginava. Encontrou uma casa simples, trabalhou na sua reabilitação (que levou cerca de sete meses) e, pouco tempo depois, em Agosto de 2017, acontecia a Joli Guest House, em pleno bairro de Sommerschield, no coração da capital, um espaço que é mais do que
Mesmo para a própria Joana, descrever o lugar não é tarefa fácil até porque, na verdade, a sua personalidade confundese com a sua criação. E está bem assim.
um lugar para repousar de uma viagem. É um lar fora de casa.
Mesmo para a própria Joana, descrever o lugar não é tarefa fácil até porque, na verdade, a sua personalidade confunde-se com a sua criação, o que, aliás, começa logo pelo nome daquele que escolheu ser o seu negócio. “Joli são as minhas iniciais, vem de Joana Oliveira, conjugadas entre si. A Joli é uma guest house boutique em que as pessoas vêm à procura de um local com aquele home feeling, querendo evitar a impessoalidade dos grandes hotéis. Chegam a um lugar onde são tratadas pelo nome, e onde o fazem comigo e com a minha equipa”, diz.
Com dez quartos, o ambiente pode ser familiar, mas não é por isso que nada é deixado ao acaso. E não se confunda a simplicidade com ausência de luxo e requinte. Em cada recanto, em cada objecto de decoração, nasce um contributo para uma certa alma, que o espaço, no seu todo, parece emanar. E consegue-o plenamente. “Sempre atenta ao detalhe mesmo aquele que, para a maioria das pessoas, passaria despercebido, Joana criou,
entretanto, outros negócios, desdobramentos da marca Joli, que acompanham e complementam o negócio da guest house naquela que poderia considerar-se a sua missão: proporcionar bem-estar, conforto e as condições ideais para o nascimento de momentos inesquecíveis ou de apenas boas memórias. Por isso arriscou na área da decoração com a Joli Decor em que almeja, agora, “tornar a empresa altamente profissional e expandir os serviços. Reconheço o desafio de encontrar os parceiros certos, mas é para isso que cá estamos e vamos a isto”, diz a empresária.
Já ao nível do catering personalizado, a Joli Villas tem feito essencialmente trabalhos de fornecimento de um conjunto de experiências gastronómicas, que envolvem a construção de uma ementa personalizada para eventos específicos. Do transporte dos alimentos à existência de uma equipa que faz o acolhimento e atendimento personalizado e especializado, tem-no feito na zona de Santa Maria, a sul de Maputo, mas também em eventos premium, na capital.
Texto Filomena Bande Fotografia Mariano Silva
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JOLI g
O Mundo Muda e a Vinicultura
Acompanha. Conheça
Seis Novas Tendências
o mundo vai mudando, surgem novos conceitos, novas tendências e nada fica alheio a tal mudança. É assim também no mundo da vinicultura. Tudo evolui com o tempo.
Jancis Robinson, uma estudiosa britânica de vinhos e tendências do mundo, falando em Napa Valley – importante região da Califórnia, com o maior número de vinícolas do mundo – num simpósio decorrido em Abril sobre climas e vinhos, abordou o que a indústria global da bebida poderia fazer para mitigar os efeitos negativos das mudanças climáticas. A estudiosa, citada pela Forbes Brasil, elencou seis tendências-chave do vinho que começam a surgir agora e que devem impactar as mudanças climáticas e o gosto do consumidor.
1– Garrafas de vinho mais leves
O que mais contribui para a pegada de carbono na vinicultura é a produção e o transporte de taças e garrafas (50% a 68%) de vinho. Algumas organizações, como a SAQ (Société des Alcools du Quebec), do Canadá, estão a trabalhar para o objectivo de reduzir o peso das garrafas de vidro para 420 gramas, contra as de 700 a 900 gramas que as vinícolas usam actualmente. Algumas vinícolas, que representam ainda menos de 1%, já adoptaram a medida de reduzir o peso das garrafas e isso permite economizar valores de produção.
2 – O uso crescente de recipientes alternativos para o vinho
Robinson afirmou que não é contra as garrafas de vidro que se tende a lutar, porque são a melhor maneira de envelhecer e guardar um bom vinho, mas, como mais de 80% do vinho é consumido poucos dias após a compra, serão adoptados recipientes alternativos para o vinho, por mais vinícolas.
O comentário de Robinson é apoiado pelo crescimento de receita e volume de vinho vendido em latas, caixas e Tetra pak. De acordo com a NielsenIQ (empresa líder no segmento de pesquisa de mercado), as embalagens Tetra cresceram 5,1% em vendas e 3,7% em volume nos EUA, em 2022. 3 – Vinhos mais leves, frescos e ácidos
A britânica afirmou que há cada vez mais consumidores que procuram vinhos frescos e leves, com cores mais claras e naturais, que incluem sauvignon blancs vigorosos e outros vinhos brancos refrescantes, bem como tintos de cores mais claras como o pinot noir, juntamente com rosés e espumantes.
Essa tendência é também apoiada por dados recentes de varredura da NielsenIQ, nos EUA, mostrando que o sauvignon blanc foi a única variedade de vinho com maior volume e valor de vendas em 2022.
4 – Aumentar o interesse do consumidor em variedades de uva únicas e novas regiões vinícolas
A estudiosa diz que muitos consumidores, sobretudo os mais jovens, têm interesse em experimentar castas autócto-
nes que crescem naturalmente há centenas de anos em países como Portugal, Itália, Grécia, Geórgia, entre outros.
Da mesma forma, há um aumento na atracção por novas regiões vinícolas, especificamente denominações menores (sub AVA nos EUA) e vinhedos especiais. Robinson chama-as de “especificidade geográfica”, que alude ao desejo de entender o clima e a cultura em vinhedos especiais em todo o mundo.
5 – Um aumento nas variedades de uvas resistentes a doenças
Por causa das mudanças climáticas, Robinson destaca que mais regiões vinícolas procurarão por variedades de uvas resistentes a doenças para plantar nos seus vinhedos. Tal pode incluir variedades que resistem melhor a secas e inundações, bem como novas uvas híbridas que podem adaptar-se mais facilmente às mudanças climáticas. Relacionado com isso está a maior adopção de porta-enxertos de vinhedos resistentes à seca e a doenças pelas vinícolas no futuro.
6 – O vinho tinto não é mais rei e frutas podem ser adicionadas à bebida
Robinson conclui dizendo que há um reaparecimento do consumo de vinho branco, especialmente na Europa, e agora há escassez de Chardonnay nas regiões vinícolas do Oregon à Nova Zelândia.
A adição de frutas e outros sabores ao vinho também começa a estar na moda, remontando aos velhos tempos dos cocktails de vinho – muitos dos quais foram inventados na Europa. Esta tendência é também apoiada por dados recentes da NielsenIQ mostrando que os cocktails de vinho, especialmente em recipientes prontos para beber (RTD), aumentaram as suas participações nas vendas.
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Por causa das mudanças climáticas, mais regiões vinícolas tenderão a procurar por variedades de uvas resistentes a doenças para plantar nos seus vinhedos, segundo a cientista Jancis Robinson
José Alface
“O Funcionamento do Cérebro Sempre me Cativou”
nasceu na beira, em Moçambique, porém, é em São Francisco, na Califórnia, que José Alface tem vivido parte da sua vida como engenheiro sénior de Software. Mas como o cérebro humano sempre o fascinou, está neste momento a trabalhar na gigante tecnológica Adobe e na linha da frente da tão falada Inteligência Artificial (IA).
Como nestas duas vertentes o futuro chega rápido, não consegue programar, ao certo, o que irá fazer nos próximos tempos. Escolhe viver o momento e pensar que poderá, um dia, ser útil ao País onde nasceu onde, por certo, irá regressar.
Qual foi o seu primeiro contacto com a programação?
Nasci e cresci na Beira, em Moçambique, depois fui para Maputo fazer a Licenciatura, em Oceanografia, na Universidade Eduardo Mondlane. No segundo ano, havia uma cadeira de Modelação e Programação e foi aí que tive o meu primeiro contacto com a programação. Escrevi um programa e foi algo mágico.
De certa forma, ensinei um computador a dar uma resposta a um problema, resposta essa que seria repetida vezes sem conta e sem erros. Escrevi, o computador respondeu e, para mim, foi o momento de transformação e de viragem na minha vida. Ao seguir para o Mestrado teria de ser relacionado com programação.
E foi para a Califórnia fazer o Mestrado ou fez ainda em Moçambique?
Vim para a Califórnia fazer o Mestrado em Ciência de Computação e Engenharia de Software, na Olivet University, e, quando estava quase a terminar, em 2008, havia uma crise nos EUA. Pensei em voltar para Moçambique, mas a partir de 2010/2011 os indicadores económicos já sorriam.
Foi uma sorte tremenda, apanhei o novo crescimento dos mercados e, sem dúvida, aquele era o momento ideal para estar em São Francisco como um engenheiro informático. Comecei logo a trabalhar, tudo aconteceu muito rápido, havia muito trabalho e recebi ofertas de emprego de várias empresas.
E chega à Adobe, também de forma muito rápida?
Em 2016 estava a trabalhar na TubeMogul, Inc., uma empresa média, mas entre as líderes das plataformas de publicidade com vídeo.
A Adobe estava a competir connosco, apesar de neste segmento já levarmos dois anos de avanço.
Depois de algumas conversações, esta gigante tecnológica comprou a empresa. Isto quer dizer que me juntei à Adobe oficialmente em 2017, onde sou engenheiro sénior de Software.
Creio que foi sorte e fruto do meu conhecimento em desenvolvimento de páginas para a Web, Design e outras valências incorporadas na API, que é uma forma de comunicação entre sistemas.
O que faz em concreto na Adobe?
Muito do trabalho está relacionado com Inteligência Artificial. Desenvolvo e mantenho players de vídeo interactivos e estruturas de anúncios para computadores, celulares e tablets.
Trabalho com equipas de parceiros da Adobe para implementar e certificar
novos produtos/soluções e API. Apoio a nossa equipa criativa na concepção e desenvolvimento de novas execuções criativas, ao mesmo tempo que promovo boas práticas de engenharia de Software em toda a equipa.
Estes são os aspectos mais importantes, mas aqui é tudo muito rápido e amanhã posso ter outras funções.
Também tem formação em Inteligência Artificial?
Sim. Por volta de 2018, senti-me fascinado por esta parte da programação. Para mim agora é tudo. Sempre gostei de neurociências, o funcionamento do cérebro sempre me cativou.
E quando comecei a programar percebi que o computador era uma espécie de réplica daquilo que o cérebro faz. Porém, através da programação não iria descobrir o funcionamento do cérebro, mas com a programação de Inteligência Artificial poderia encontrar respostas.
Grande parte das minhas certificações, mais de 20, vêm desta matéria e é o que faço neste momento na Adobe. Já estamos a escrever a história do futuro.
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Quais as maiores diferenças entre Inteligência Artificial e um cérebro humano?
São bastante diferentes no funcionamento, mas ambos podem ser capazes de processar informações e tomar decisões.
O cérebro humano é composto por biliões de neurónios que se comunicam entre si por meio de sinais eléctricos e químicos. Têm a capacidade de processar grande quantidade de informação em simultâneo e realizar tarefas complexas, como linguagem, memória e raciocínio abstracto.
A Inteligência Artificial é uma criação humana que tenta replicar algumas das habilidades cognitivas do cérebro. É composta de algoritmos e modelos matemáticos que permitem que os seus sistemas “aprendam” com dados e tomem decisões.
O cérebro humano tem a capacidade de adaptar-se a situações novas e lidar com incertezas e ambiguidades. A Inteligência Artificial serve para tarefas que envolvem grandes quantidades de dados e cálculos complexos.
Ainda não tem capacidade para replicar, no todo, a complexidade e a flexibilidade do cérebro humano em muitas áreas, como tomar decisões em situações impre-
visíveis ou na compreensão dos contextos sociais. Não tem emoções, não chora e não ri.
Mas se o computador for capaz de responder a todas as questões colocadas é considerado inteligente e, criando uma Inteligência Artificial de nível forte, haverá uma capacidade de raciocínio tomada de decisões semelhantes às humanas e, aí, poderemos finalmente perceber como funciona o cérebro, algo que até hoje não se sabe. Esta é a minha grande paixão: perceber como funciona o nosso cérebro.
Como foi a adaptação de um moçambicano na Califórnia?
Não foi muito complicada, sempre estive envolvido na investigação e no meu trabalho, e não tinha muito tempo para confraternizar. Também gosto do frio, a Beira é sempre quente e há muita humidade. Em São Francisco, temos um clima de Primavera, não neva e também não faz muito calor.
As pessoas locais e outros expatriados ajudaram à minha integração. Neste lugar há nacionalidades de quase todos os países do mundo, é quase impossível qualquer um sentir-se fora do contexto e isto faz com que
O cérebro humano tem capacidade de adaptarse a situações novas e lidar com incertezas e ambiguidades, mas a Inteligência Artificial não
haja uma grande união em termos de afinidades profissionais e também de hobbies.
Pensa voltar a Moçambique?
Sou casado com a Isabel, sul-africana de pais portugueses, que conheci no trabalho de Oceanografia. Temos dois filhos, uma menina com 11 anos e um rapaz com 7. Tínhamos 20 anos quando nos juntámos, crescemos e ganhámos maturidade juntos. A nossa vida começou em Nairóbi, no Quénia, e até hoje, para nós, esse lugar é mágico e histórico.
A questão do voltar a Moçambique não está pensada, mas pouco a pouco gostava de começar a criar projectos no meu País. O futuro ideal seria passar seis meses em cada lado. Estou a projectar criar uma fundação em Moçambique para absorver jovens do secundário, dar-lhes acesso pleno às TIC e ver o que acontece. Tive o meu primeiro computador aos 21 anos, foi a minha mulher que me ofereceu e esse computador transformou a minha vida.
TEXTO Cristina Freire FOTOGRAFIA D.R.
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mpreendedor
E
por volta das 18h00 do dia 18 de maio, ouviam-se sons no Camões (Centro Cultural Português). Sons de violinos, vozes, choros de alegria e alguns choros de saudade.
Naquela noite, deviam acontecer dois partos naquela casa, o que, de alguma forma, se verificou: por um lado, nascia o poeta e escritor Rito Nobre no mundo da literatura e, por outro, lançava-se “O Livro Desalmado”.
A obra é uma colectânea de 28 textos poéticos que aborda questões profundas sobre a existência dos seres e questiona, corajosamente, as certezas e incertezas que permeiam a vida humana e a alma, mostrando que a busca por respostas pode levar a mais dúvidas, mas também a uma maior clareza da mente e do espírito.
Despir-se dos Preconceitos, Limpar a Mente e Escrever
Por outro lado, depois de três anos de trabalho na sociedade, e depois de dar à luz a vários escritores e obras, finalmente a editora Kulera conseguiu expelir o seu primogénito - o primeiro autor e o primeiro livro com os quais trabalhou e se conheceu como editora.
“O Livro Desalmado” devia ter sido publicado no segundo semestre de 2020. Seria a primeira obra individual do autor e, com ele, seria apresentada a Editora Kulera.
Contudo, numa das complexidades da existência que o próprio autor, coincidentemente ou por pré-revelação, abordou de várias formas, a 12 de Abril do mesmo ano, antes que se ma-
terializasse, Rito Nobre faleceu. Mentira, “um poeta nunca morre”! Por um ano, Rito trabalhou no seu “O Livro Desalmado” e, quando partiu, tudo estava já pronto para a sua publicaçãoseria o primeiro livro da Editora Kulera e, por isso, Emílio Cossa, representante da editora, considera que publicar a obra foi um dever em honra do autor e foi uma forma de a editora se lançar, de facto. É um nascer e um início de um novo ciclo, embora já tenha editado outros livros.
Enquanto se chorava de saudade, chorava-se também de alegria, meditava-se sobre a vida, a morte e a relação com o
Um Livro... Desalmado
Supremo, tudo sugerido pelo autor na sua obra.
Rito Nobre nasceu em Maputo, a 1 de Julho de 1989, e passou toda a sua infância correndo entre os becos e ruelas do bairro de Maxaquene “D”. No início da sua adolescência, apaixonou-se pelas artes. Participou em várias antologias publicadas localmente e alguns dos seus textos podem ser vistos nas suas redes sociais.
TEXTO Filomena Bande FOTOGRAFIA D.R
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“O Livro Desalmado” é publicado três anos após a morte do autor
LITERATURA
“O Livro Desalmado” devia ter sido publicado no segundo semestre de 2020, seria a primeira obra individual do autor
Revuelto, o Primeiro Híbrido
A LAMBORGHINI ADERIU, finalmente, à electrificação da sua marca de veículos automóveis com a chegada do Lamborghini Revuelto, o primeiro hiper-desportivo híbrido plug-in da marca, sucessor do Aventador.
Os carros híbridos plug-in são automóveis com alimentação através da rede eléctrica, cuja bateria utilizada para alimentar o motor eléctrico pode ser carregada directamente através de uma tomada.
O Revuelto tem um sistema de transmissão automático de dupla embraiagem e vem equipado com um motor V12 e mais três motores eléctricos, dois dos quais colocados à frente – um em cada roda – e o terceiro na traseira. O motor V12 do Revuelto possui um bloco atmosférico de 6,5 litros com 825 cavalos
Plug-in da Lamborghini
de potência e 725 Nm de binário máximo. O motor vai trabalhar em conjunto com três unidades eléctricas e, juntos, irão debitar um total de 1015 cavalos de potência, tal como anunciado pela marca.
Dos 0 aos 100 km/h, o Revuelto precisa de 2,5 segundos e chega aos 200 km/h em apenas sete segundos. A sua velocidade máxima supera os 350 km por hora. Este é o modelo que tem a menor relação peso/potência em toda a história da Lamborghini, com 1,75 kg para cada cavalo.
A bateria de 3,8 kWh dá ao Lamborghini Revuelto uma autonomia curta no modo 100% eléctrico, com apenas 10 km. O carregamento é feito de forma
bastante simples e rápida – apenas em 30 minutos.
Quando a bateria está totalmente descarregada pode ser recarregada utilizando tanto uma tomada doméstica comum de corrente alternada, como a de uma coluna de carregamento de até 7 kW de potência.
Pode também ser recarregada através da travagem regenerativa das rodas dianteiras ou directamente pelo motor V12 em somente seis minutos.
Este é também o primeiro superdesportivo da Lamborghini equipado com uma estrutura dianteira 100% em fibra de carbono e será mais leve que o automóvel que vem substituir, o Aventador.
vO motor V12 do Revuelto possui um bloco atmosférico de 6,5 litros com 825 cavalos de potência e 725 Nm de binário máximo. O motor vai trabalhar em conjunto com três unidades eléctricas
LAMBORGHINI REVUELTO
Modelo: Revuelto Marca: Lamborghini Motor: V12 Potência: 1.015 cv Velocidade máxima: 350 km/h