CONTEÚDO LOCAL QUAL É O ALCANCE DAS VÁRIAS INICIATIVAS LEVADAS A CABO PELA TOTALENERGIES?
INOVAÇÕES DAQUI COMO O PAÍS RESPONDE AOS DESAFIOS DA DIGITALIZAÇÃO NA PLANIFICAÇÃO GEOESPACIAL?
SHAPERS • MILTON FRIEDMAN
CONHEÇA O PERCURSO E O LEGADO DO DEFENSOR DO LIBERALISMO ECONÓMICO
CEO TALKS • ARRIE RAUTENBACH, ABSA
“QUEREMOS SER UM GATEWAY DE ENTRADA DE INVESTIDORES EM MOÇAMBIQUE”
TRANSIÇÃO
ESTAMOS NO DIGITAL?
A E&M analisa o processo de digitalização em Moçambique a todos os níveis. O que temos, o que nos falta e até onde podemos chegar.
MOÇAMBIQUE
Julho • 2023 • Ano 06 • Nº 62 • 350MZN
6
OBSERVAÇÃO
A imagem do “El Niño”, o fenómeno natural que pode assolar o País nos próximos meses, prejudicando a produção alimentar, e desacelerar o crescimento económico
12
14
OPINIÃO
“Bull vs. Bear Market”, Allan Mate, Trading Desk Banco BiG Moçambique
E SG
Produção do tijolo ecológico a partir da reciclagem do plástico dos mares. Mais um exemplo de interacção entre a sustentabilidade ambiental e económica
18
OPINIÃO
“ESG - Tendências e Desafios na Diversidade Geográfica”, Tiago Arouca Mendes, Managing Partner da MDR Advogados, & Diana Ribeiro Duarte, Sócia da Morais Leitão
20
CONTEÚDO LOCAL
A empresa TotalEnergies adopta uma postura positiva sobre o Conteúdo Local apoiando empresas e capital humano nacional. Mas qual é o alcance dessas iniciativas?
73 ÓCIO
74 Escape Uma aventura pela agitada cidade italiana de Nápoles 76 Gourmet Ao sabor das iguarias do Chef Graça, um ícone da gastronomia zambeziana 77 Adega Conheça o Bowmore ARC-52 Whisky britânico amadurecido por 52 anos 78 Empreendedor, Walter Zand, o percurso de um artista plástico que ganhou um concurso da Swatch 81 Artes “Café des Poètes”, encontro entre a poesia e a diversidade cultural 82 A bordo do Cabin Vision 2035+, o avião do futuro, concebido para ser amigo do ambiente
44
46
OPINIÃO
22 NAÇÃO TRANSFORMAÇÃO DIGITAL
“A Inclusão Financeira Como Motor do Crescimento Económico”, Tânia Oliveira, Directora de Marketing e Relações Corporativas do Absa Bank Moçambique
24 Como estamos? Especialistas e gestores seniores de instituições ligadas às áreas de tecnologias traçam um cenário desfavorável a uma transformação mais célere 34 Opinião “Os Desafios e Oportunidades de Moçambique na Senda da Transformação Digital”, Bruno Dias, Business Consulting Partner, Ernst & Young 36 Entrevista Abdul Bradú, IT Project Manager do MPDC, revela o impacto transformador do investimento de mais de uma década na digitalização do porto de Maputo 40 O contexto africano Só o sector financeiro regista avanços significativos. Os restantes debatem-se com o défice de infra-estrutura, literacia digital e investimentos
OPINIÃO
“A Transição Digital”, Ricardo Velho, Partner & Business Development Manager na InSite
P OWERED BY FNB
“Tipos de Garantias de Crédito – o Penhor”, Stélio Tauzene, Gestor de Contratação de Crédito e Perfeição de Garantias do FNB Moçambique
OPINIÃO
“Culturas Regenerativas – Coração e Regeneração”, Susana Cravo, Consultora & Fundadora da Kutsaca e da Plataforma Reflorestar.org
51 E SPECIAL INOVAÇÕES DAQUI
52 Planificacao Geoespacial
Como é feita a gestão do espaço na era digital e que meios tecnológicos são usados? É o que explica a Agência Nacional de Desenvolvimento Geoespacial
56 App Marrar
Um aplicativo capaz de automatizar actividades humanas por meio do armazenamento, interpretação e processamento de dados
60
64
SHAPERS
A história e o legado do norte-americano Milton Friedman, Nobel da Economia de 1976 e defensor dos mercados liberais
MERCADO E FINANÇAS
Como a ‘desdolarização’ do sistema monetário internacional representa ou não a libertação da “ditadura” norte-americana sobre os BRICS
68
CEO TALKS
Arrie Rautenbach, CEO do Absa Group, revela a intenção de tornar a instituição numa porta preferencial de entrada de investimentos em Moçambique
48 24
Celso Chambisso Editor Executivo da Economia & Mercado
Em Busca de um Rumo
Oministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (MCTES), Daniel Nivagara, referiu, recentemente, que o Governo moçambicano está comprometido com a transformação digital, visando o bem-estar das comunidades. Nessa ocasião, o governante apresentava ao Banco Mundial, instituição que apoia o Executivo no processo, o compromisso em avançar para a transformação e instou as equipas de trabalho a alcançarem consensos em acções a serem realizadas pelo Governo e aquela instituição.
Admitindo que o País tem muito trabalho pela frente neste contexto, o governante vincou a necessidade de, entre outros aspectos, modernizar e gerar serviços digitais nas diversas instituições públicas, incluindo a identificação civil e o registo civil, ciente de que “não há espaço para contornar este desafio, face à transformação social, cultural, económica e digital, que acrescenta valor ao bem-estar dos moçambicanos”.
O ponto de partida, segundo o ministro Nivagara, seria o empoderamento de instituições importantes no processo de transformação, nomeadamente o Instituto Nacional de Tecnologias de Informação e Comunicação (INTIC) e o Instituto Nacional de Governo Electrónico (INAGE).
Este despertar acontece numa altura em que o País está, digamos, desnorteado no que diz respeito a esta matéria, com fragilidades próprias de um país em desenvolvimento, como o défice de infra-estrutura (fraca conectividade), falta de uma estratégia focada e de regulamentação e ausência de uma literacia digital favorável a uma transformação mais célere e consistente, entre vários outros desafios. Os pontos fracos do País não se esgotam apenas ao nível das
grandes instituições e do Governo. Individualmente, grande parte dos moçambicanos, principalmente no meio rural, não estão preparados para responderem aos imperativos desta nova era. Não têm literacia digital.
Ao nível empresarial, o cenário é o mesmo: pouco ou nenhum recurso a ferramentas digitais. A propósito, um estudo publicado há um ano pela PHC Software Moçambique – empresa que se dedica ao desenvolvimento de software de gestão –, com o objectivo de analisar o estado da transformação digital das empresas moçambicanas, concluiu que 58% das PME nacionais ainda não deu início ao processo de transformação digital. Destas, 79,3% sequer têm uma estratégia delineada sobre esta matéria, ainda que já tenham pensado na necessidade de apostar no digital.
Intitulada “Digitalização da Gestão Empresarial em Moçambique”, a pesquisa, que envolveu PME localizadas nas principais capitais provinciais do País, nomeadamente Maputo, Sofala e Nampula, indicou que a percepção do custo elevado da transformação está entre as maiores dificuldades enfrentadas pelas empresas no processo de digitalização das suas operações. Outro entrave à digitalização é, para 77% das empresas inquiridas, a falta de literacia e conhecimento da área. Ou seja, grande parte das PME nacionais tem falta de formação no digital e carece de recursos humanos capacitados.
Nesta edição, e com a ajuda de especialistas e entidades que estão abalizadas nesta matéria, incluindo uma busca ao que acontece lá fora, a E&M procura respostas para os pontos fracos do País no processo de transformação digital aos mais diversos níveis. Mas, sobretudo, procura explorar o que é preciso para encontrar um rumo. O rumo certo.
JULHO 2023 • Nº 62
DIRECTOR EXECUTIVO Pedro Cativelos
EDITOR EXECUTIVO Celso Chambisso
JORNALISTAS Ana Mangana, Filomena Bande, Hermenegildo Langa, Nário Sixpene, Yana de Almeida, Manuel Mandlaze
PAGINAÇÃO José Mundundo
FOTOGRAFIA Mariano Silva
REVISÃO Manuela Rodrigues dos Santos
DEPARTAMENTO COMERCIAL
comercial@media4development.com
CONSELHO CONSULTIVO
Alda Salomão, Andreia Narigão, António Souto; Bernardo Aparício, Denise Branco, Fabrícia de Almeida Henriques, Frederico Silva, Hermano Juvane, Iacumba Ali Aiuba, João Gomes, Rogério Samo Gudo, Salim Cripton Valá, Sérgio Nicolini
ADMINISTRAÇÃO, REDACÇÃO
E PUBLICIDADE Media4Development
Rua Ângelo Azarias Chichava nº 311 A — Sommerschield, Maputo – Moçambique; marketing@media4development.com
IMPRESSÃO E ACABAMENTO
RPO Produção Gráfica
TIRAGEM 4 500 exemplares
EXPLORAÇÃO EDITORIAL E COMERCIAL EM MOÇAMBIQUE
Media4Development
NÚMERO DE REGISTO
01/GABINFO-DEPC/2018
www.economiaemercado.co.mz | Julho 2023 4
E DITORIAL
O Regresso do “El Niño”?
Os serviços meteorológicos avisam que o País se deve preparar para a seca no Centro e Sul, e para chuvas acima do normal no Norte, devido ao fenómeno natural El Niño”, que se caracteriza pela subida acentuada das temperaturas na superfície do oceano, um caso que pode ocorrer num período de entre dois a sete anos.
A verificar-se, seria a segunda vez que Moçambique enfrenta este fenómeno depois de ter sido atingido há seis anos, a que se seguiu outro, denominado La Niña, com condições inversas, provocando chuvas acima
do normal em todo o território nacional. De acordo com os serviços de meteorologia, há 70% de hipóteses de o El Niño se formar nos próximos meses e prevalece alguma dificuldade em saber-se quando é que exactamente tal vai acontecer, uma vez que depende da resposta da atmosfera. “Mas os dados recentes indicam que chegaremos lá”, alertam os serviços meteorológicos.
A concretizar-se, o fenómeno vai piorar a crise de produção alimentar no País, já por si deficitária, agudizando os índices de fome. Será também um factor que obrigará a uma revisão
em alta dos índices de inflação (que se esperam de um dígito este ano) e, provavelmente, à revisão em baixa do crescimento económico, cujas projecções mais optimistas apontam para cerca de 5%.
A variação dos fenómenos naturais aumenta a exposição de Moçambique na rota dos ciclones e outros fenómenos extremos da bacia do Índico, segundo a análise de diversas organizações internacionais e ao histórico que o País regista nos últimos anos.
OBSERVAÇÃO 6
FOTOGRAFIA D.R.
www.economiaemercado.co.mz | Julho 2023
Moçambique, 2023
PIB
Governo revê em alta projecções de crescimento económico para 2023
O Governo moçambicano reviu em alta as projecções de crescimento económico do País para 2023 e 2024.
O porta-voz do Conselho de Ministros, Filimão Suaze, revelou, recentemente, que o Executivo espera que a economia em Moçambique cresça 7% este ano, ou seja, dois pontos percentuais acima dos 5% mencionados no Plano Económico e Social e Orçamento do Estado (PESOE) para 2023.
Segundo referiu Filimão Suaze, “o optimismo tem que ver com a reanimação da economia, com as novas formas de colheita de receita e o funcionamento do cenário fiscal”.
Para 2024, a previsão é de um crescimento de 5,5%, ressalvando que, em 2022, o País atingiu
Extractivas Produção do GNL e Pacote de Estímulo Económico vão impulsionar o crescimento económico
O Presidente da República, Filipe Nyusi, reiterou, recentemente, que as perspectivas de desenvolvimento do País a médio prazo são positivas, esperando-se que a economia acelere em mais de 6% entre 2023 e 2025 devido à contínua recuperação dos serviços e ao aumento da produção do Gás Natural Liquefeito (GNL).
De acordo com Filipe Nyusi, o Governo irá prosseguir com reformas fiscais, incluindo medidas de contenção de despesas, assim como com acções de cobrança de impostos, cujo objectivo maior é o de assegurar a sustentabilidade das contas públicas a médio prazo.
O Presidente moçambicano assinalou que a aprovação, em Agosto do ano passado, do Pacote de Medidas de Aceleração Económica (PAE) constitui um importante passo para a mobilização do sector privado, visando o aumento de investimento e de oportunidades de negócios, acrescentando que a adesão do País à Zona de Comércio Livre Continental Africana (AfCFTA, na sigla em inglês) deve ser uma mais-valia para as empresas nacionais.
Ainda no seu discurso, Filipe Nyusi revelou que, de 2019 a 2022, a indústria transformadora registou, em média, um peso de 7,7% no Produto Interno Bruto (PIB), cujo desempenho foi impulsionado pelos sectores alimentar, mineral, químico e de bebidas.
4,1%. “Essa expectativa é elevada, devido à forma como o mundo se apresenta, principalmente neste momento pós-covid, em que os principais sectores começaram a reanimar-se e Moçambique não tem sido excepção”, concluiu Suaze.
Entretanto, o Governo não esclarece em que medida este nível de crescimento se poderá reflectir no desenvolvimento, num País que, nos últimos anos, se debate tem debatido com a inflação importada, sobretudo imposta pela subida do preço de combustíveis, e com o impacto negativo dos diversos choques externos e internos, sem falar na pressão populacional, que cresce a um ritmo de cerca de 2,5% ao ano.
Fiscalidade Dívida pública interna continua a ser principal fonte do défice fiscal
te por recursos internos. De acordo com o documento, entre Dezembro de 2022 e Maio de 2023, a dívida interna do Estado subiu cerca de 28 mil milhões de meticais, reflectindo, essencialmente, o recurso ao financiamento do Banco Mundial e a emissão de Obrigações do Tesouro para cobrir o défice fiscal.
O Banco de Moçambique publicou o seu boletim periódico intitulado “Conjuntura Económica e Perspectivas de Inflação” relativo ao primeiro trimestre de 2023, no qual mostrou que o défice fiscal antes dos donativos agravou-se em 53%, tendo sido financiado maioritariamen-
Finanças
No curto e médio prazo, este cenário deverá manter-se, dada a limitada arrecadação de receitas fiscais e o baixo nível de desembolso de recursos externos por parte dos parceiros internacionais.
O Banco de Moçambique revela ainda que as reservas internacionais do País cobrem mais de três meses de importações de bens e serviços, excluindo os grandes projectos.
Fundo de garantias mutuárias poderá entrar em funcionamento até ao final deste ano
A vice-ministra da Economia e Finanças, Carla Louveira, revelou durante a 18.ª Conferência Anual do Sector Privado (CASP), que o Governo espera que o Fundo de Garantias Mutuárias possa entrar em funcionamento entre o último trimestre de 2023 e o primeiro trimestre de 2024.
Para o início das actividades do fundo, o Ministério da Economia e Finanças, através dos parceiros, está a alocar 4,4 mil milhões de meticais (70 milhões de dólares) e há uma equipa a ser criada para assegurar toda a gestão interna. A governante explicou ainda que o Executivo espe-
www.economiaemercado.co.mz | Julho 2023 8 RADAR
ra que todo o trabalho a ser feito sobre o fundo seja concluído e possa colmatar o problema de acesso ao financiamento, sobretudo para as Micro, Pequenas e Médias Empresas (MPME).
Ademais, das análises formais que já foram feitas até ao momento, prevê-se um aumento da inclusão financeira de 2230 MPME na primeira fase, de acordo com Carla Louveira.
Mercado Governo quer apostar na indústria do café
Moçambique já é membro da Organização Internacional de Café. O acordo de adesão foi assinado em Londres, pelo ministro da Agricultura e Desenvolvimento Rural, Celso Correia, e pela directora-geral da Organização Internacional de Café.
Esta adesão ao grupo de países que produzem e consomem café abre muitas oportunidades para os produtores nacionais daquele produto. Por isso mesmo, a perspectiva do Governo é
Investimento
desenvolver uma indústria de café em Moçambique que dê benefícios e melhore a vida dos produtores do sector familiar, segundo avançou Celso Correia.
Já a directora-geral da Organização Internacional de Café garantiu total apoio a Moçambique no desenvolvimento da cadeia de valor de café. Moçambique é, assim, o 78.º membro da organização que existe há 50 anos e que representa 93% do total do café produzido no mundo.
Millennium Challenge Corporation aprova programa de 500 milhões de dólares para Moçambique
Banco de Moçambique informou, recentemente, que a Prime Rate do sistema financeiro volta a aumentar neste mês de Julho, estando agora nos 24,1%, alteração que surge dois meses depois de se ter fixado nos 23,5%, quando já havia aumentado nove pontos percentuais face a Março. Se olharmos ao mesmo período do ano passado, a Prime Rate do Sistema financeiro moçambicano estava nos 18,60%.
Os aumentos da prime rate que se têm verificado nos últimos largos meses acabam, por isso mesmo, por estar directamente associados
à subida das taxas de juro de política monetária (taxa MIMO) que tem vindo a ser aplicada pelo Banco de Moçambique no último ano e meio como estratégia por parte do Banco Central de controlo da inflação galopante que piorou com a eclosão da guerra na Ucrânia.
Na prática, a revelação deste indicador traz a possibilidade de um novo aumento do preço do crédito a partir de Julho ou nos próximos tempos, uma vez que esta taxa aplica-se às operações de crédito contratualizadas entre as instituições de crédito e sociedades financeiras.
Energia Moçambique entre os 20 países com maior défice de acesso a energia
O Conselho de Administração do Millennium Challenge Corporation (MCC) aprovou, a 28 de Junho passado, um programa de 500 milhões de dólares para o Compacto de Conectividade e Resiliência Costeira de Moçambique, investimento criado para promover oportunidades económicas e reduzir a pobreza global.
A aprovação segue-se ao memorando assinado com o Governo em Janeiro e “reafirma o compromisso da MCC em enfrentar directamente as restrições ao crescimento
económico através de soluções inovadoras”, anunciou a organização em comunicado. O programa vai incidir no desenvolvimento da província da Zambézia, centro do País, a implementar um compacto mais virado para o clima – uma combinação de infra-estruturas de transporte resilientes, oportunidades de economia verde e azul e reformas políticas e institucionais para permitir um crescimento mais eficaz e a longo prazo. Este é o segundo compacto da MCC com o Governo.
Moçambique está entre os 20 países com o maior défice de acesso à energia no mundo, com cerca de 22 dos 30 milhões de habitantes sem electricidade, indica a Organização das Nações Unidas (ONU) no Relatório do Progresso Energético de 2023. “Moçambique tem 22 milhões de pessoas sem luz”, refere a organização, num resumo, acrescentando que a “falta de acesso à electricidade deve persistir sem investimento em fontes renováveis”.
Moçambique, com cerca de 30 milhões de habitantes, segundo o último censo populacional, faz parte dos países com maior défice de acesso à energia junto de
Angola, com cerca de 18 milhões de pessoas sem luz, de acordo com as Nações Unidas.
A ONU sugere o uso de energias renováveis como forma de superar a crise energética, destacando que o Brasil está entre os países com maior percentagem de uso de fontes renováveis (46%).
O Relatório indica que cerca de 675 milhões de pessoas vivem sem electricidade no mundo, referindo que o “crescimento do endividamento dos países e o aumento dos preços da energia estão a piorar as perspectivas de acesso universal à electricidade”.
www.economiaemercado.co.mz | Julho 2023 9
Banca Prime rate sobe, e crédito pode ficar mais caro já neste mês de Julho
O Estado da “Liberdade Económica” em 2023
O conceito de liberdade económica constitui um quadro vital para avaliar em que medida os indivíduos e as empresas têm liberdade para tomar decisões económicas. Nos países com baixa liberdade económica, os governos exercem coerção e restrições às liberdades, limitando a escolha dos indivíduos e das empresas, o que pode, em última análise, prejudicar o desenvolvimento.
A infografia deste mês utiliza o Índice de Liberdade Económica anual da Heritage Foundation para mostrar o nível de liberdade económica em todos os países do mundo, numa escala de 0-100, analisando factores como os direitos de propriedade, a carga fiscal, a liberdade de trabalho, etc. A classificação classifica as pontuações de 80+ como economias livres, 70-79,9
Suíça e Irlanda estão agora entre as três economias mais livres do mundo.
O Canadá lidera no continente americano.
Esta classificação utiliza quatro grandes categorias com três indicadores-chave cada, tanto qualitativos como quantitativos, para medir a liberdade económica.
Estado de direito: direitos de propriedade, eficácia judicial, integridade do Governo
Dimensão do Governo: carga fiscal, saúde fiscal, despesas públicas.
Eficiência regulamentar: liberdade laboral, liberdade monetária, liberdade empresarial
Mercados abertos: liberdade financeira, liberdade de comércio, liberdade de investimento
Os 12 indicadores são ponderados de forma igual e pontuados de 0 a 100.
A pontuação global é então determinada a partir da média dos 12 indicadores.
como maioritariamente livres, 60-69,9 como moderadamente livres, 50-59,9 como maioritariamente não livres e 0-49,9 como reprimidas.
Esta classificação utiliza quatro grandes categorias com três indicadores-chave cada, tanto qualitativos como quantitativos, para medir a liberdade económica.
Singapura, Suíça e Irlanda lideram a lista dos 184 países analisados. Já Moçambique surge também na lista, bastante mais abaixo, na posição 134 a nível mundial, com 52,5 pontos, ultrapassado por Angola (53), Cabo Verde (65,8) e Portugal (69,5). Dos PALOP, apenas a Guiné Bissau (44,6) está atrás de nós.
Aqui fica uma análise mais pormenorizada da pontuação de cada país:
NÚMEROS EM CONTA
10 www.economiaemercado.co.mz | Julho 2023
Menos Livre Mais Livre Liberdade Económica
O Top 10 mundial mudou bastante este ano face a 2022, mas Singapura mantém a liderança do ranking.
FONTE Heritage.org
Bull vs. Bear Market
Nos mercados financeiros, é comum ouvir-se termos como “bullish” ou “bearish” quando nos queremos referir ao sentimento dos investidores. Estas expressões ajudam a entender o desempenho do mercado e o ciclo em que ele possivelmente se encontra.
As expressões “bull market” e “bear market” derivam da forma característica de ataque destes dois animais quando encontram um oponente no seu habitat natural.
Nos mercados financeiros, estas expressões representam a tendência dos preços dos activos financeiros em diferentes períodos. É importante destacar que entender estas expressões é fundamental para que o investidor possa tomar decisões claras.
O bull market é inspirado na forma como os touros atacam, usando um movimento ascendente para representar uma tendência de aumento nos preços e no valor dos activos, assim como nas expectativas de que esse comportamento continue. Nesse período, os investidores mostram-se optimistas e confiantes em relação às perspectivas de desempenho da actividade económica.
Durante esse período, os indicadores económicos tendem a ser positivos, e os resultados das empresas tendem a ser sólidos. Em mercados mais desenvolvidos, é utilizado como métrica o desempenho do mercado de capitais. Por exemplo, se as acções cotadas apresentarem uma valorização cumulativa superior a 20%, considera-se que o mercado está num período de bull market.
Durante esse período, é comum observar-se uma valorização dos activos, pois há um aumento no apetite pelo risco desses activos, uma vez que os retornos esperados são positivos. O consumo agregado também tende a ser eleva-
do durante esse período, o que cria uma força expansionista para a economia.
Além disso, em períodos de bull market, os investidores direccionam os seus investimentos para activos que apresentam maior correlação com o movimento positivo do mercado, nomeadamente “growth stocks”, imobiliário ou mesmo activos de maior risco como as criptomoedas.
No entanto, é importante que esses investimentos sejam feitos com elevada prudência para evitar a formação de bolhas de activos, pois, em períodos mais bullish, existe maior propensão à especulação nos preços dos activos devido ao excesso de liquidez, fazendo com que os investidores procurem o maior retorno possível nos seus investimentos.
Por outro lado, o bear market é o oposto do bull market e também é inspirado na forma como os ursos atacam, usando um movimento descendente para representar a tendência de queda nos preços e no valor dos activos, assim como nas expectativas de que esse comportamento continue.
Um período de bear market é marcado por perspectivas negativas em relação ao desempenho da actividade económica e pela desconfiança de que ocorram quadros recessivos, levando à queda dos preços dos activos em cadeia, aumento da taxa de desemprego e queda nos resultados das empresas.
Este período tende a ser marcado por incertezas e pessimismo por parte dos investidores, o que os motiva à alienação de investimentos de maior risco e a optar por investimentos mais seguros.
Nos períodos bearish, os investidores adoptam estratégias mais defensivas, focando-se em investir em activos que ofereçam maior protecção ao valor das suas carteiras, como títulos de renda fixa, investimentos de curto prazo no mercado monetário, acções de empre-
www.economiaemercado.co.mz | Julho 2023 12 OPINIÃO
Allan Mate • Trading Desk Banco BiG Moçambique
Os períodos pelos quais o mercado está a atravessar ditam se o investidor deve adoptar uma postura optimista (bullish) ou pessimista (bearish) para garantir que esteja exposto às melhores classes de activos
sas que pagam dividendos e outros activos considerados mais seguros, como o ouro.
Saber prever o possível comportamento dos activos durante estes períodos é um factor-chave, pois permite que os investidores aumentem os seus rendimentos em períodos bullish e protejam o valor dos seus activos na carteira durante períodos bearish.
Os períodos pelos quais o mercado está a atravessar ditam se o investidor deve adoptar uma postura optimista (bullish) ou pessimista (bearish) para garantir que esteja exposto às melhores classes de activos.
O fim de um período de bear market é geralmente considerado o melhor momento para adquirir activos com preços relativamente baixos, caso o investidor tenha perspectivas de que se aproxima um período de bull market, no qual esses activos geralmente
apresentam uma tendência de subida nos preços. A crise causada pela descoberta das dívidas ocultas em Moçambique, o surgimento do conflito militar na província de Cabo Delgado e a pandemia do covid-19 geraram uma tendência bearish em Moçambique que persiste até aos dias de hoje.
Nos últimos anos, o crescimento económico não alcançou os mesmos níveis observados antes da crise de 2016-2017. Após esse evento, entidades como o FMI e o Banco Mundial retiraram o seu apoio ao Orçamento do Estado, e o conflito militar resultou na interrupção dos projectos de exploração de gás natural liquefeito (GNL).
Devido à economia moçambicana ainda estar numa fase embrionária e na sequência de uma série de eventos que abalaram a confiança dos investidores, os movimentos bullish ou bearish em Moçambique estão fortemen-
te ligados aos níveis de investimento e apoio externo. Isso ilustra que o mercado de capitais moçambicano, ao contrário de mercados mais desenvolvidos, não pode ser utilizado como métrica de comparação e avaliação de possíveis ciclos, devido à falta de liquidez e profundidade.
No entanto, é importante mencionar que, actualmente, o País tem conseguido restaurar a confiança dos seus parceiros, com o controlo do conflito em Cabo Delgado e a estabilização dos níveis de inflação com recurso a uma política monetária robusta.
Tal tem motivado as agências de classificação de risco e outras entidades a melhorar a classificação do País e a efectuar previsões mais positivas para o desempenho da economia. Essas conquistas podem estar a sinalizar uma transição de um período bearish para um período bullish.
www.economiaemercado.co.mz | Julho 2023 13
O bull market é inspirado na forma como os touros atacam
Tijolo Ecológico — Construir a Sustentabilidade
A produção desmedida de plásticos é um dos maiores problemas ambientais que o mundo enfrenta nos dias de hoje. Mas, felizmente, este material tem, cada vez mais, um conjunto de utilizações úteis, inovadoras e amigas do meio-ambiente. Em Moçambique, há um projecto que quer, literalmente, construir casas com tijolos de plástico.
Asustentabilidade e a preservação do meio ambiente são, há muito tempo, assunto da agenda global, e em Moçambique correm vários projectos e programas oficiais do Governo, assim como de parceiros privados e de organizações internacionais deste âmbito. Como preocupação do Executivo, a preservação do meio ambiente faz parte da agenda nacional de desenvolvimento e consta do Programa Quinquenal do Governo 2020-2024 como terceira prioridade: “Fortalecer a Gestão Sustentável dos Recursos Naturais e do Ambiente”.
O Ministério da Terra e Ambiente tem, neste momento, cerca de dez programas ambientais em curso em diferentes pontos do País (PROMOVE Biodiversidade, BIOFIN, MozBio II, SunRed II, Probio, MozLand, MozFip, CONNECT, BIOFASC, APPEM), em parceria com diferentes parceiros e organizações internacionais.
Mas a abordagem de fundo neste artigo não é sobre o envolvimento do sector público para com a causa e, sim, do sector privado. E um dos inúmeros exemplos de que o País está a tomar a sério a mudança de paradigma para um mundo ecologicamente mais equilibrado é o projecto de empreendedorismo sustentável denominado Startup Rebrick ou Retijolo, uma inicitiva de colecta, sepa-
ração e transformação de plástico recolhido no mar e nas ruas em tijolos para a construção civil, na cidade de Pemba, capital da província de Cabo Delgado.
A startup foi criada por um grupo de jovens - Yuri Fumo, Suzana Moiane, Andrade Guarda e Gónia - que observaram projectos idênticos a serem implementado noutras regiões e decidiram replicar.
É uma startup nova, desenhada no ano passado e implementada no início deste ano. Além da protecção do meio ambiente, o negócio tem como foco dar oportunidade de trabalho a jovens deslocados do terrorismo em Cabo Delgado e às famílias mais pobres e vulneráveis.
O Rebrick também treina jovens, não apenas os deslocados, mas todos os que tiverem interesse, ensinando-lhes técnicas de transformação que podem ser úteis na geração de renda e nos seus empreendimentos futuros. É uma iniciativa inserida num projecto ainda maior, designado por Yopipila, um Hub de tecnologias verdes erguido em Pemba, o único ao nível nacional.
Como se faz a transformação?
De acordo com os criadores do empreendimento, o processo de produção de tijolos sustentáveis é “bastante simples”. O plástico é retirado do mar e das ruas da cidade e, através de uma máquina apropriada, é previamente separado e depositado em função do tipo, quali-
dade e resistência, para depois ser triturado e derretido. Uma vez triturado, o plástico é inserido numa outra máquina que o aquece e o transforma para o estado líquido. É depois depositado em moldes desenhados pela equipa do Rebrick para secar e assim formar os blocos ou tijolos sustentáveis.
Embora várias experiências pelo mundo comprovem a sua boa qualidade, os blocos sustentáveis da statup Rebrick ainda não foram utilizados na construção. Aguarda-se pelos testes à sua eficácia, conforme explica Yuri Fumo, um dos representantes do projecto.
“Ainda não construímos nada com este material, estamos numa fase de testes para avaliar a sua resistência e só depois de ter certeza da sua qualidade é que o poderemos usar”, explicou. Apesar da tensão militar que se vive em Cabo Delgado, o projecto tem vindo a destacar-se e a ganhar espaço para continuar a ser desenvolvido, em parte porque as suas instalações estão longe da área dos ataques armados. O representante da startup explica que, por outro lado, e precisamente por causa dos con-
www.economiaemercado.co.mz | Julho 2023 14
Texto Filomena Bande • Fotografia D.R.
Embora várias experiências pelo mundo comprovem a sua boa qualidade, os blocos sustentáveis da startup Rebrick ainda não foram utilizados na construção. Aguarda-se pelos testes
E SG | RECICLAGEM
flitos vividos na região, “muitas organizações internacionais que trabalham em projectos de reconstrução de Cabo Delgado e que estão ali sediados manifestam interesse em adquirir os nossos blocos. Assim, temos a possibilidade de vender o nosso projecto como uma das soluções para a reconstrução de casas e outras infra-estruturas”.
Custo de empreender... e necessidade de apoio
Yuri Fumo revela ainda que persistem muitas dificuldades para empreender na área da sustentabilidade em Moçambique, sobretudo por ser um campo que exige investimentos caros em equipamentos num cenário de falta de estímulos para a sua importação. “Tivemos de comprar máquinas que custam cerca de um milhão de meticais e este nem é o custo real das máquinas; elas devem custar em torno de 600 mil meticais, mas tivemos de gastar quase 60% do valor total do nosso investimento apenas com encargos aduaneiros. Para uma startup como a nossa é muito difícil conseguir apoio do Governo. Temos de construir
e buscar soluções com esforço próprio”, observou o co-fundador da Rebrick.
Apesar das dificuldades que enfrenta, a startup tem a ambição de crescer e poder abastecer todo o mercado de Cabo Delgado com o seu produto e, no espaço de algum tempo, expandir-se para todo mercado nacional.
Yuri Fumo reconhece que já há muito a ser feito no País pela sustentabilidade, mas não resiste em fazer sugestões passíveis de adicionar valor a tais iniciativas. “Acredito que deviam existir regulamentos mais rígidos sobre as empresas e fábricas em operação no País. Embora criem empregos, deveriam pagar quotas de poluição. Precisamos ainda que as empresas públicas e privadas apostem nas startups sustentáveis que surgem e estimulem cada vez mais jovens a investirem nessa área, porque ajuda o meio ambiente e o planeta”, enfatizou.
Uma réplica das várias experiências
Nos Estados Unidos da América, país em que se estima que o uso de plástico produza, anualmente, cerca de 42 milhões de toneladas de lixo (apenas 9%
disso é reciclado, em parte porque a infra-estrutura de reciclagem não consegue acompanhar a produção de plástico), surgiu a startup ByFusion, em Los Angeles, com a missão de mudar esta realidade.
A ByFusion utiliza uma combinação de vapor e compressão para moldar todos os tipos de plásticos, mesmo os não recicláveis, em blocos de construção-padrão chamados ByBlocks. Estes podem ser usados para construir qualquer coisa, desde cercas e muros de contenção até terraços públicos e paragens de transporte público. Mas as verdadeiras “estrelas” são as máquinas patenteadas criadas para fazê-los.
Chamadas de Blockers, essas máquinas pesadas são alimentadas com montes de plástico que são espremidos em blocos – sem necessidade de classificação ou limpeza. Após anos de pesquisa e desenvolvimento, a empresa instalou uma unidade de produção completa em Los Angeles, onde processa 450 toneladas de plástico por ano, com mais 12 Blockers em andamento em todo o país. Outro projecto mundialmente conheci-
www.economiaemercado.co.mz | Julho 2023 15
Cerca de oito milhões de toneladas de plástico são deitadas nos oceanos todos os anos. Daí a importância de replicar a ideia do fabrico de blocos ecológicos a partir destes resíduos
do, muito semelhante ao do Rebrick, é o do neozelandês Peter Lewis, que decidiu procurar uma forma de ajudar a contornar a poluição do mar com objectos plásticos.
Infelizmente para o engenheiro, o parco apoio financeiro à ideia na época impediu-o de continuar a pesquisa, logo, impediu também a produção de blocos chamados de RePlast. Entretanto, com a aplicação da tendência ambiental actual, o seu projecto retornou e os seus direitos acabaram sendo comprados pela norte-americana ByFusion. Assim, o RePlast faz parte das suas tecnologias a serem desenvolvidas.
Trata-se de um bloco que possui excelente eficiência térmica e alto isolamento de som, além de ter a capacidade de reduzir a pegada de carbono em 95% em relação ao bloco tradicional e de não
precisar de colas ou adesivos. Devido a estas qualidades, já é utilizado como preenchimento de bases, substituindo, assim, o cimento, e também como uma boa alternativa para construções que visam certificações ambientais.
Outro exemplo é o da empresa indiana Rhino Machines que, em 2020, lançou o bloco de plástico de sílica - um tijolo de construção sustentável feito a partir da reciclagem de resíduos de areia/poeira de fundição (80%) e resíduos plásticos mistos (20%).
O bloco SPB (sigla em inglês) tenta enfrentar o enorme desperdício de poeira e a produção geral de poluição na Índia, o que gera um grave risco ambiental. Os SPB apresentam 2,5 vezes a força dos tijolos de barro vermelho normais, enquanto, para serem consumidos, precisam de cerca de 70% a 80% da poeira
UM REFORÇO DO “SIMPLES” ACTO DE RECICLAR
O poder da reciclagem tem vindo a ser questionado em alguns fóruns. Por exemplo, Dan Vermeer, directorexecutivo do Centro de Energia, Desenvolvimento e Meio Ambiente Global (EDGE) da Fuqua, escola de negócios da Universidade Duke, nos Estados Unidos, e ex-líder da Global Water Initiative da Coca-Cola, tem um estudo feito em parceria com alguns colegas seus, que aponta a necessidade urgente da redução no consumo e produção de plástico, no qual conclui que “reciclar não basta”. A afirmação do pesquisador está assente no facto de que, ao nível global, cerca de 79% dos resíduos plásticos gerados por cada produção acabam em aterros sanitários ou no meio ambiente, e apenas 9% são reciclados. O pesquisador acredita, entretanto, que é possível reverter o cenário da poluição com o plástico e, para tal, como revelou à revista Exame, é necessário “reduzir o que usamos e produzimos. Para isto, é preciso olhar para materiais naturais, biodegradáveis”.
da fundição com 80% menos uso de recursos naturais.
O plástico nos novos negócios
Ao nível mundial, várias empresas investem na reciclagem do plástico para transformá-lo noutros produtos. São empresas de diversas áreas - moda, automóvel e mesmo alimentares, para produção de embalagens -, e de diferentes lugares do mundo, que já aderiram a este negócio que se revela cada vez mais rentável.
Os exemplos são inúmeros. Algumas das grandes empresas que apostam na reciclagem incluem a multinacional Coca-Cola que, em 2020, foi nomeada a poluidora número um de plásticos do mundo pela empresa ambiental Break Free From Plastic. Os seus logótipos e marcas atingiram o número de 13 834 peças de plástico em 51 países. A empresa já levava a cabo acções para diminuir a produção de plástico. Entretanto, em 2021, deu um grande passo ao anunciar uma nova garrafa feita de 100% de material reciclado.
A esta juntam-se várias outras empresas como a Ford (recicla 1,2 mil milhões de garrafas por ano, transformando-as em acessórios para automóveis), a Longchamp e a Prada, que têm colecções feitas com plástico reciclado.
www.economiaemercado.co.mz | Julho 2023 16
Os factores ambientais, sociais e de governação (ESG - Enviromental, Social and Governance) estão actualmente a conhecer integração nos processos de decisão e nas operações das empresas. Os governos, a sociedade civil, os investidores e os stakeholders em geral têm apostado na promoção de comportamentos, práticas e investimentos empresariais sustentáveis e responsáveis que possam conduzir a uma mudança estrutural no paradigma social, económico, ambiental e político.
Todos os dias temos conhecimento de diferentes iniciativas ao nível internacional, ou mesmo conferências, eventos e publicações na região da África Austral, relacionados com a sustentabilidade e a responsabilidade das empresas.
Mais do que nunca, e como resultado destas agendas e expectativas, as empresas e os stakeholders analisam vários indicadores, como a qualidade da governação empresarial, as emissões de gases com efeito de estufa (GHG) e as relações com os trabalhadores, fornecedores, clientes ou comunidades, para medir os seus riscos e impacto ambiental e social - bem como a sua posição relativa entre os seus pares.
As empresas enfrentam uma pressão crescente por parte dos stakeholders para assumirem a responsabilidade pelo seu impacto no ambiente (seja reduzir as emissões e poluição ou proteger a biodiversidade), na sociedade (por exemplo, partilhar os benefícios, retribuir às comunidades, melhorar as condições de trabalho) e na governação (resiliência empresarial para poder criar riqueza a longo prazo, transparência e ética). As três dimensões, em conjunto, fazem avançar o lema da sustentabilidade. A nível internacional, os factores ESG
ESG - Tendências e Desafios na Diversidade Geográfica
estão cada vez mais integrados no sistema financeiro e nos mercados de capitais. Embora em Moçambique ainda não exista legislação que exija a apresentação de relatórios ESG ou obrigações de divulgação, as iniciativas e discussões relacionadas com ESG estão a ganhar força e a seguir o footprint internacional.
No contexto europeu, existem já, há alguns anos, regulamentos que determinam a obrigação de divulgação por intervenientes nos mercados financeiros sobre o tratamento dado aos facto-
como nas empresas de países terceiros que operam na UE.
As agendas ambientais discutidas no âmbito da Conferência das Partes (COP), juntamente com os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável estabelecidos pela ONU, são pilares importantes para o desenvolvimento das políticas de ESG. Este ano, a COP28 realizar-se-á nos Emirados Árabes Unidos, na Dubai Expo City, de 30 de Novembro a 12 de Dezembro, na qual se pretende analisar os progressos alcançados no âmbito do Acordo de Paris, de modo que se renovem os esforços necessários para cumprir os objectivos pretendidos.
res ESG por esses intervenientes. Por outro lado, foi aprovada e transposta para a maioria dos Estados-membros a directiva que prevê a obrigação de certas grandes empresas prepararem e divulgarem relatórios de sustentabilidade.
Com o Conselho e o Parlamento Europeu a impulsionarem esta agenda, encontra-se em curso um processo legislativo europeu sobre a obrigatoriedade de realização de exercícios de auditoria em matéria de direitos humanos, ambiente e governação às cadeias de valor das empresas, com impacto tanto nas empresas sediadas nos Estados-membros da UE
O efeito extra-europeu é, por exemplo, uma consequência da aplicação das regras ESG a toda a cadeia de valor envolvida em cada actividade desenvolvida pelas empresas europeias. As empresas, europeias ou não, serão, em alguns casos - como no exemplo da pioneira Alemanha - obrigadas a efectuar uma análise de due diligence e poderão ser instruídas a pôr termo a relações comerciais (incluindo com empresas fora do espaço europeu) que possam não estar em conformidade ou ser-lhes exigido que atenuem certos efeitos (integrar estratégias, notificar acções), com impacto na gestão dessas empresas (dever de diligência, responsabilidade, governação, etc.).
Estamos a passar de uma era de ausência de sanções para uma era em que o incumprimento pode desencadear sanções graves, incluindo processos judiciais em tribunais contra empresas de base europeia devido a factos ocorridos fora da Europa.
No contexto de Moçambique, é inquestionável que as entidades locais envolvidas em negócios com entidades internacionais sujeitas a regras ESG se depararão com obrigações e políticas ESG
www.economiaemercado.co.mz | Julho 2023 18 OPINIÃO
A adopção de políticas ESG pode contribuir para que as empresas atraiam e retenham investidores que estão cada vez mais à procura de oportunidades em negócios com pegada sustentável
Tiago Arouca Mendes • Managing Partner da MDR Advogados & Diana Ribeiro Duarte • Sócia da Morais Leitão
que terão de ser adaptadas ao contexto. Como sectores que impulsionam os factores ESG, destacam-se, naturalmente, os sectores da energia, transportes e indústria.
Apesar da sua complexidade, a adopção de políticas ESG pode contribuir para que as empresas atraiam e retenham investidores que estão cada vez mais à procura de oportunidades de investir em negócios com pegada sustentável.
A nível regional, acompanhamos iniciativas relacionadas com ESG, como a Just Energy Transition na vizinha África do Sul, que pretende promover o bem-estar e o desenvolvimento das comunidades e a protecção do ambiente e dos ecossistemas que são afectados negativamente pelas indústrias energéticas com emissões elevadas (por exemplo, o carvão).
Moçambique ainda não possui legislação específica sobre ESG tal como está a ser enquadrado internacionalmente. No entanto, dispõe de diplomas legais e normas jurídicas que se enquadram em cada uma das componentes do ESG.
Como é natural, existem normas que visam garantir a gestão ambiental sustentável, a utilização racional dos componentes ambientais, diplomas que promovem a protecção, conservação e
uso sustentável da diversidade biológica, regras de avaliação do impacto ambiental e que promovem auditorias e inspecções ambientais, nomeadamente as que impõem aos investidores o dever de implementação de políticas activas de defesa e protecção do ambiente e da natureza.
Por seu turno, o ambiente jurídico moçambicano prevê também regras que protegem os direitos humanos e os direitos dos trabalhadores relativos à segurança social, à igualdade de género e à igualdade de remuneração por trabalho de igual valor.
Por fim, e como sucede um pouco por todo o mundo, existem normas relativas à prevenção e combate à corrupção, prevenção e combate ao branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo e que promovem a transparência.
Em todo o caso, e pese embora o quadro legal nacional não incorporar ainda medidas tal como as enunciadas acima no contexto da União Europeia, cabe ao sector empresarial adoptar as suas próprias políticas de desenvolvimento de estratégias de sustentabilidade a longo prazo, também de acordo com as normas internacionais, desde que não violem qualquer lei local.
Além disso, é importante equilibrar os objectivos de industrialização e desenvolvimento dos países em desenvolvimento, como Moçambique, com os objectivos globais que estão a ser definidos e conduzidos pelos países e organizações desenvolvidos (como a UE, ONU, OCDE, Reino Unido, EUA, entre outros), especialmente no que diz respeito a questões ambientais e sociais, para garantir que países como o nosso possam beneficiar plenamente da exploração e transformação de todos os seus recursos.
Em conclusão, os factores ESG tornar-se-ão cada vez mais importantes para as empresas que operam em Moçambique e a sua discussão em fóruns empresariais e académicos permite antecipar as tendências de mercado e legislativas e promover uma transição mais equilibrada e preparada.
Embora existam desafios na priorização das métricas ESG, as empresas que as implementarem beneficiarão certamente da conformidade regulamentar internacional, da confiança dos investidores, da licença social para operar e da sustentabilidade a longo prazo, ao mesmo tempo que contribuem para o desenvolvimento ambiental, social, político e económico de Moçambique.
www.economiaemercado.co.mz | Julho 2023 19
Há um franco crescimento, na região, de iniciativas que visam a protecção ambiental e o bem-estar das comunidades
TotalEnergies
Em paralelo com o debate (sem fim à vista) em torno da Estratégia e Lei de Conteúdo Local, a TotalEnergies vai fazendo o seu caminho e lançando vários projectos de apoio às PME nacionais com vista ao fomento do capital humano local e nacional. A E&M aborda o alcance da estratégia e acções da multinacional francesa
S“em um instrumento legal que obrigue as multinacionais a incorporar as empresas nacionais, as Pequenas e Médias Empresas (PME) moçambicanas continuarão a ser excluídas. A exclusão continuará a acontecer porque as multinacionais que operam no País são também pressionadas a incluir as PME dos seus países de origem e, naturalmente, sem este instrumento em Moçambique, a preferência será pelas PME dos seus próprios países”.
Esta citação, atribuída ao representante da Associação Moçambicana das PME, Felisberto Botão, numa pesquisa do Centro de Integridade Pública (CIP), elucida o quanto à desconfiança que está presente em relação à postura das multinacionais. Com o tema “Afinal a Quem Interessa a Ausência de Legislação sobre Conteúdo Local?”, o estudo faz críticas à já muito falada demora na aprovação da Lei e dá a entender que as empresas mineiras saem beneficiadas por isso. Verdade ou não, facto curioso é que a TotalEnergies apresenta uma postura que contradiz esta tese.
O compromisso com o Conteúdo Local
A visão da TotalEnergias a este respeito é expressa pelo gestor de Conteúdo Local desta empresa que opera na Area 1 da Bacia do Rovuma, Leonardo Nhavoto. O responsável explica que faz parte da postura da empresa o compromisso em promover o Conteúdo Local, não só para melhor responder à expectativa de toda a sociedade moçambica-
na em relação aos benefícios da exploração de recursos naturais (no caso o gás), como para contribuir para o desenvolvimento económico e a industrialização do País.
O responsável esclarece, no entanto, que a implementação de planos neste domínio tem de ser de longo prazo e requer a formação de capital humano e muito trabalho para manter a base de sustentação dos projectos e o seu contributo no desenvolvimento.
Para confirmar o compromisso da TotalEnergies com a causa do Conteúdo Local, Leonardo Nhavoto avançou o exemplo da recente parceria firmada entre o Projecto Mozambique LNG, operado pela empresa francesa, com o Grupo Técnico de Conteúdo Local moçambicano e a associação empresarial francesa EVOLEN.
À luz desta união, está previsto um programa de parcerias empresariais que inclui seminários de partilha de informação e experiências, bem como visitas de trabalho a empresas de referência no sector de petróleo e gás.
A ideia central, segundo o responsável, é identificar áreas de potenciais sinergias entre empresas moçambicanas e estrangeiras para benefício mútuo e para maximizar o Conteúdo Local dentro e fora do sector do petróleo e gás.
Nhavoto entende que esta é uma indústria extremamente desafiante e só através de parcerias com empresas que têm experiência e tecnologia adequada se pode criar um ambiente propício para que as empresas moçambicanas e os moçambicanos possam beneficiar das oportunidades e estarem prepara-
das para desafios futuros. O gestor de Conteúdo Local da TotalEnergies também revela que, para optimizar o Conteúdo Local do Projecto Mozambique LNG, é importante criar e fomentar um ambiente propício para colaborações, pelo que o diálogo será crucial para o sucesso da implementação da estratégia da totalEnergies neste âmbito, que passa por ligar as empresas moçambicanas e estrangeiras para que possam beneficiar do investimento, da tecnologia e da experiência no sector do petróleo e gás.
Formação profissional Entretanto, o projecto mencionado é apenas mais uma das várias iniciativas desenvolvidas pela multinacional francesa no âmbito da promoção do Conteúdo Local em Moçambique. Em Janeiro do presente ano, a TotalEnergies anunciou o arranque da formação profissional de 390 jovens da provín-
www.economiaemercado.co.mz | Julho 2023 20 CONTEÚDO LOCAL
Em Janeiro deste ano, a TotalEnergies anunciou o arranque da formação profissional de 390 jovens da província de Cabo Delgado, ao abrigo de um acordo com o IICP
Texto Celso Chambisso • Fotografia Istock Photo
cia de Cabo Delgado, ao abrigo de um memorando de entendimento assinado entre o Instituto Industrial e Comercial de Pemba (IICP) e a TotalEnergies, por um período estimado de 12 meses.
Foram, numa primeira fase, 90 formandos deslocados maioritariamente de Palma e Mocímboa da Praia, no curso de hotelaria e turismo, nas especialidades de recepção, restaurante e bar e ainda gastronomia e artes culinárias.
Outro grupo, constituído pelos restantes 300 jovens, cursa especialidades ligadas ao processamento de petróleo e gás, electricidade industrial e mecânica geral. Estas formações são financiadas pelo projecto Mozambique LNG, no âmbito da sua iniciativa Capacitamoz. “Apesar de continuarmos com as nossas operações suspensas (devido ao terrorismo), estamos comprometidos com o desenvolvimento do País e de Cabo Delgado, em particular. Com a formação dos 390 jovens da-
mos mais um passo importante na materialização deste compromisso. É mais uma etapa na implementação da nossa Estratégia de Conteúdo Local, que está em linha com o Programa Único de Conteúdo Local estabelecido pelo Governo. Com efeito, estes jovens vêm juntar-se a outros 2500 que vão ser formados num período de cinco anos em Cabo Delgado, numa parceria já em curso entre a TotalEnergies e o IFPELAC, no âmbito da nossa iniciativa CapacitaMoz”, informou.
O CapacitaMoz é uma iniciativa liderada pelo projecto Mozambique LNG, operado pela TotalEnergies, que funciona como plataforma para a capacitação de moçambicanos.
No contexto deste projecto, a capacitação é definida como sendo o processo pelo qual indivíduos e organizações obtêm, melhoram e retêm habilitações, conhecimento, competência, experiência, ferramentas, equi-
pamentos e outros recursos necessários para realizar o seu trabalho com competência.
Certificação de empresas
Tida como uma das maiores dificuldades das empresas nacionais para a exploração das oportunidades junto dos grandes projectos, a certificação de qualidade é outra das áreas de actuação da TotalEnergies. Em Outubro de 2022, a multinacional foi galardoada pelas autoridades moçambicanas, nomeadamente o Instituto Nacional de Normalização e Qualidade, pelo seu desempenho e contribuição para a certificação de empresas moçambicanas. É que no anterior mês de Julho, 11 PME de Cabo Delgado haviam recebido o Certificado do Sistema de Gestão da Qualidade ISO 9001, após a conclusão, com êxito, do Programa de Preparação e Obtenção de Certificação das PME, promovido pela TotalEnergies.
www.economiaemercado.co.mz | Julho 2023 21
A Inclusão Financeira Como Motor do Crescimento Económico
Ainclusão financeira desempenha um papel crucial no crescimento e desenvolvimento económico de qualquer país. Em África, em particular, a inclusão financeira desempenha um papel ainda mais significativo, especialmente no contexto de desenvolvimento das crianças.
A falta de acesso a serviços financeiros adequados pode criar barreiras para o desenvolvimento económico sustentável e redução da pobreza. Contudo, a inclusão financeira vai muito além do acesso a produtos e serviços financeiros, ou da chamada bancarização, e é necessário que todas as pessoas e empresas estejam capacitadas para utilizá-los.
A inclusão financeira é um meio através do qual determinada população pode alcançar um maior bem-estar fi-
da. Uma má gestão financeira tem implicações negativas para todos, uma vez que aumenta os conflitos familiares, gera momentos de stress, depressão e, em última instância, promove a criminalidade.
Portanto, a inclusão financeira deve começar com a educação financeira desde a infância. Ensinar às crianças conceitos básicos de poupança, orçamento e investimento é fundamental para capacitá-las a tomar decisões financeiras informadas no futuro. Ao compreender o valor do dinheiro e aprender a geri-lo efectivamente, as crianças adquirem habilitações que podem ajudá-las a superar a pobreza, as desigualdades e a construir um futuro próspero.
Para promover a educação financeira é importante incluí-la no dia-a-dia das crianças. Dessa forma, é pos-
nanceiro, isto é, pode cumprir com as suas obrigações financeiras, porque está mais capacitada para ultrapassar situações de crise económica, problemas familiares, perdas de emprego, problemas de saúde e, assim, adoptar uma postura empreendedora, por exemplo.
Permite ainda, nos países menos desenvolvidos, que as mulheres sejam mais independentes e tenham um papel activo no desenvolvimento da sociedade.
Nos tempos que se vivem, em que a crise económica é sentida por grande parte da população, a Educação Financeira torna-se uma área ainda mais urgente para ajudar as pessoas e sensibilizar as crianças para a importância da gestão do dinheiro na criação de uma vida estável e equilibra-
sível tornar a reflexão sobre finanças um processo natural. Desde explicar conceitos financeiros básicos de forma simples e que permita que elas possam entender, até mostrar exemplos práticos de como ganhar, poupar e gastar dinheiro de forma consciente. Existem diversas formas de inserir a aprendizagem na rotina diária da criança.
Ensinar nas escolas sobre a Educação Financeira poderá ser a base que propicia mecanismos necessários para compreender e ajudar na gestão financeira da família.
Para além do impacto directo nas crianças, estas poderão transmitir o que aprenderam em casa, impactando os hábitos dos pais. Assim, a população, gradualmente, aprende a tornar-se financeiramente mais sustentável.
www.economiaemercado.co.mz | Julho 2023 22 OPINIÃO
Tânia Oliveira • Directora de Marketing e Relações Corporativas do Absa Bank Moçambique
Ensinar nas escolas sobre a Educação Financeira poderá ser a base que propicia mecanismos necessários para compreender e ajudar na gestão financeira da família
NAÇÃO | TRANSFORMAÇÃO DIGITAL
Onde Estamos e Para Onde Vamos?
Nos dias que correm, a digitalização assumiu um papel indispensável na vida das pessoas, dos governos e das organizações em todas as áreas de actividade de todos os meios geográficos. Sendo já um factor de competitividade pela eficiência que proporciona aos processos de produção e prestação de serviços, devemo-nos perguntar: em que pé estamos como País? O que temos de mudar? O que nos reserva o futuro? Para já, há que reconhecer que enfrentamos problemas de vária ordem, desde a falta de infra-estrutura tecnológica à ausência de uma estratégia nacional de transformação digital, acabando na falta de hábitos culturais e de literacia que facilitem a adesão dos moçambicanos a este novo paradigma. É hora de avaliarmos para onde queremos ir e como traçamos o nosso percurso.
Texto Celso Chambisso • Fotografia Mariano Silva & Istock Photo Transformação digital
Tornou-se frequente ouvir-se que a pandemia do covid-19 veio acelerar o processo de digitalização. Pode até ser verdade. Mas até que ponto? Há fragilidades próprias do mercado moçambicano que minaram a oportunidade de maximizar esse salto.
Começando pelo básico — como falar de digitalização quando o que mais se ouve é "não tenho dados", a que se junta a baixa percentagem de smarphones face ao número de subscritores de serviços de comunicações móveis e a realidade que nos mostra que a maior parte dos moçambicanos não tem computador pessoal. Portanto, falar-se em digitalização sem internet, telefones e computadores para todos torna-se, no mínimo... desafiante.
Talvez por tudo isto, seja notório que Moçambique, como um todo, esteja culturalmente distante do que é a digitalização que acelerou, sobremaneira, desde a pandemia. No entanto, há traços de mudança que nos fazem desviar o olhar do panorama geral e perceber que há particulares mudanças em curso. A título de exemplo: há dez anos as pessoas não estavam habituadas ao dinheiro móvel, mas hoje essa realidade mudou radicamente, o que significa que é bem possível alterar velhos paradigmas. Ou seja, é possível digitalizar o País nas suas várias dimensões, mesmo apesar das fragilidades evidentes, detectáveis por qualquer observador atento da realidade nacional.
Como estamos?...
Antes de lá irmos, tentamos perceber de onde partimos. Uma pesquisa global do Business Insider Africa, por exemplo, conclui que Moçambique está entre os dez países africanos com menor índice de qualidade de vida digital, um indicador que avalia a situação dos países em cinco pilares, nomeadamente a "acessibilidade" e "qualidade" da internet, "infra-estrutura" e "segurança electrónica" e "governo electrónico".
O levantamento, realizado em 117 países (correspondente a 90% da população global) e elaborado pela empresa de segurança cibernética Surfshark, sediada na Holanda, concluiu que, "embora certas partes do mundo tenham adoptado a digitalização como padrão, outras ainda estão a ter problemas para incorporar a tecnologia na sua vida diária". Este é o caso de Moçambique.
Mas a digitalização é um tema tão amplo que não se limita apenas ao dia-a-dia das pessoas. Ao impor-se em empresas de todos os ramos, nas organiza-
ções, nos serviços públicos e privados de todo o tipo, acaba por se transformar num mundo sobre o qual é preciso dedicar mais atenção para não comprometer a busca pelo desenvolvimento. No País, é o Instituto Nacional das Comunicações de Moçambique (INCM) que mais perto está desta temática. À E&M explicam como, neste momento, a cobertura dos serviços de telecomunicações é de cerca de 75%, beneficiando mais de 50% da população, da qual apenas 23% tem acesso à internet. Apesar disso, reconhecem a necessidade não
só de se expandir o acesso a estes serviços, como também de se investir mais na melhoria da qualidade dos mesmos. A entidade refere ainda que existem diversos serviços do Governo digitalizados e relembra a expansão digital do sector financeiro (e-banking, banca móvel, etc.), revelando já existir registo de mais de 200 milhões de transacções mensais nos serviços de pagamentos digitais.
Estatísticas importantes, sim, mas resta saber em que patamar nos colocam os dados no INCM.
www.economiaemercado.co.mz | Julho 2023 26
NAÇÃO | TRANSFORMAÇÃO DIGITAL
Uma pesquisa da Business Insider Africa concluiu que Moçambique está entre os dez países africanos com menor índice de qualidade de vida digital
OITO GRANDES DESAFIOS DA TRANSFORMAÇÃO DIGITAL
A digitalização vai exigir a correcção de muitos aspectos e a vários níveis. Parte dos desafios da transformação digital estão em peso em Moçambique, outros não. Mas todos devem merecer atenção redobrada para ajudar a acelerar o processo.
REGULAÇÃO
Moçambique ainda não tem uma estratégia sólida que oriente todos os sectores e actores, decisores e envolvidos no processo. Os vários reguladores dos diferentes sectores vão adoptando medidas sectoriais que tornam a transformação pouco consistente e morosa.
INFRA-ESTRUTURA
Dados actuais indicam que em Mocambique 50% da população tem acesso aos serviços de telecomunicações e a internet beneficia apenas 23% da população. A conectividade ainda impõe grandes assimetrias regionais que dificultam a transformação digital.
LITERACIA
O País não tem ferramentas de educação orientadas para a instrução de pessoas para a digitalização. Vai-se assistindo a uma evolução lenta, imposta pelas mudanças tecnológicas ao nível, por exemplo, do mobile banking através do uso do USSD.
SEGURANÇA
Uma das principais preocupações no processo de transformação é a preservação de dados, tanto internos quanto de clientes. A perda de arquivos, o vazamento de informações e o ataque de hackers são algumas das principais ameaças nesse processo.
ARMAZENAMENTO DE DADOS Com a profusão de informações, um dos principais desafios da transformação digital é como armazenar e utilizar esses dados. É fundamental que as organizações tenham capacidade de armazenar e sistematizar todas as informações.
CULTURA DAS ORGANIZAÇÕES
A transformação digital depende muito da cultura das organizações, que deve ser colaborativa. Por isso, outro desafio é entender a cultura da organização e adaptá-la às mudanças, investindo, por exemplo, na capacitação dos colaboradores.
DIFICULDADES TÉCNICAS
O sector das tecnologias de informação não é o único que deve levar à transformação digital, mas deve ter uma actuação estratégica. Para isso é importante que esteja fortalecido e elimine as dificuldades técnicas através da capacitação de profissionais.
RESISTÊNCIA A MUDANÇAS
O medo de não se adaptar aos novos processos, principalmente para aqueles que não têm familiaridade com ferramentas digitais, é um dos principais obstáculos. Engajar os colaboradores, deixando claro que o trabalho humano é parte fundamental do processo.
... Onde estamos?
A E&M ouviu o engenheiro Ricardo Velho, com especialização em Segurança de Informação, e que exerce o cargo de business development manager na InSite – empresa moçambicana que actua em unidades de serviços que incluem a segurança cibernética, gestão de qualidade e sustentabilidade, gestão da energia, ambiente, saúde e segurança no trabalho, entre outras. Olhando para os desafios da digitalização, faz menção a três aspectos: "O primeiro são as infra-estruturas, ou seja, a transição da digitalização pressupõe que haja conectividade, mas sabe-se que o acesso à internet em Moçambique é caro e não cobre todas as regiões, o que faz com que a transição seja feita a vários ritmos, sendo a capital, Maputo, e outras capitais provinciais as que têm melhores condições de acesso relativa-
mente a outras regiões, principalmente as mais remotas. Além disso, a transição digital traz-nos a dependência de processos que têm limitações, como é o caso do formato online (e em cloud), que é o que se está a adoptar cada vez mais, principalmente no comércio", assinala.
O segundo aspecto, prossegue, passa pela cibersegurança. "Se esta já era uma grande preocupação, mesmo antes de se falar tanto da transição digital, agora que se está a avançar a um ritmo muito rápido, a preocupação impõe-se de forma ainda mais vincada”, complementa.
O terceiro desafio, finaliza, tem que ver com a regulamentação. “Torna-se cada vez mais urgente a criação de uma legislação actualizada”, defende. E o desafio é que enquanto a elaboração e aprovação de uma lei é burocrática e morosa, a transição digital acontece muito rapidamente. É exemplo disso
o facto de a União Europeia estar, agora, a desenhar regras para limitar o uso da Inteligência Artificial (IA) e do ChatGTP, por exemplo.
Falta estratégia global de transição Não há, em Mocambique, um regulador único responsável pela transição digital no País, uma consequência (ou uma razão) para a inexistência de uma estratégia nacional, balizada no tempo e nos objectivos, para aquilo que é a transição digital. E que é um processo que já está plenamente em curso, praticamente em todos os sectores de actividade, da área finaceira às telecomunicações passando pela logística e transportes, agricultura e pelo próprio Estado, em áreas como as Finanças e a Segurança Social (aqui com bastante êxito). Na Saúde, por exemplo, há projectos nesse sentido, também no País. Mas o que une todos estes pontos?
www.economiaemercado.co.mz | Julho 2023 27
1 2 3 4 5 6 7 8
NAÇÃO | TRANSFORMAÇÃO DIGITAL
Ou seja: o que é que Moçambique pretende nos próximos anos, em todas estas áreas? Quais são as metas? E os investimentos? Quem é que regula os equipamentos usados? Quais são, a vários níveis, as protecções de privacidade aos dados dos utilizadores? Com quem são partilhados? Estão ou não encriptados? Quem é que avalia se os sistemas digitais estão a ser devidamente implementados em cada sector de actividade? Todas estas questões, e algumas outras, admitimos, são legítimas nesta fase. “Todos os sectores têm uma entidade reguladora e esta deveria olhar para o aspecto da transição digital e não apenas para o aspecto operacional”, defende Ricardo Velho. "Acredito que os reguladores deveriam articular-se entre si num modelo de interacção que favoreça um alinhamento estratégico. Por exemplo, o Instituto Nacional das Comunicações de Moçambique (INCM) tem um papel importante, mas há outros reguladores, como o do sector da energia (ARENE - Autoridade Reguladora de Energia), o Banco Central (entidade reguladora do sector financeiro), o Instituto Nacional de Tecnologias de Informação e Comunicação, (INTIC – regulador das TIC) e o Instituto de Supervisão de Seguros de Moçambique (ISSM). Como interagem entre si? É preciso que haja comunicação e cooperação e não uma competição entre cada uma destas entidades”, sublinha.
Da 'infra' à macro-estrutura digital
A E&M ouviu também o agora ex-PCA da Vodacom, Nuno Quelhas, actual CEO da Whatana Investments que prefere focar-se nas questões estruturais e na falta de regulação inculcada numa estratégia 'maior' enquanto principal obstáculo à transformação digital. “O País precisa, primeiro, de ter uma estratégia para poder criar, a partir daí, uma infra-estrutura tecnológica, e aqui falo de torres, fibra óptica, satélites, cloud, etc. E é aqui que aquilo que é o digital vai assentar, sobre toda esta estrutura.
Mas tem de haver um master plan de tudo isto, o que passa criar por políticas claras e deixar, depois, o sector privado actuar sobre esse plano traçado, nas linhas gerais, pelo Executivo”, defende. O que hoje acontece é que há uma digitalização a várias velocidades de sector para sector e, mesmo dentro de cada um, há divergências nas abordagens seguidas. Isso acontece com os bancos e as seguradoras, nas comunicações, no grande consumo e em todas as outras áreas porque não há um instrumento que oriente a transformação di-
gital do mercado no seu todo". No entanto, avança alguns bons exemplos na área do fast consumer goods, de empresas como a própria Vodacom que lançou o Bazara (a sua loja virtual), e casos como os da Coca-Cola ou a Cervejas de Moçambique, que estão a criar plataformas digitais de e-commerce para que os seus clientes espalhados pelo País possam fazer pedidos directamente através de um aplicativo digital. Mas apesar dos bons exemplos individuais que existem no mercado, quando se tem uma transformação tecnológica e digital que não é coordena-
da estruturalmente, como acontece em Moçambique, uma das coisas que se geram, e as empresas sentem-no, é o elevado custo da eficiência: "ou seja, acaba por se gastar até três vezes mais do que se gastaria se muitas das acções fossem coordenadas entre operadores de sectores similares", assinala.
E não faltam exemplos disso dentro do próprio sector das telecomunicações, onde há localidades em que as torres das três companhias de telefonia móvel estão separadas por curtas distâncias, com custos de até 200 mil dólares para cada operador. Considerando
www.economiaemercado.co.mz | Julho 2023 28
"O País precisa, primeiro, de ter uma estratégia para poder criar, a partir daí, uma infra-estrutura tecnológica", Nuno Quelhas, PCA da Vodacom
que cada torre carrega até oito antenas, apenas uma bastaria para todos os operadores. “Temo que, se não existir esta estratégia clara de transformação digital, ao invés de permitir que todos os moçambicanos tenham acesso aos benefícios da digitalização e que esta sirva verdadeiramente o desenvolvimento, a todos os níveis, do nosso País, possamos assistir ao aumentar do fosso entre os que têm e os que não têm. Ou seja, os mais fortes vão ficar com tudo”, lamenta Nuno Quelhas.
Para mudar esta realidade, diz, “é preciso começar a levar este tema a um debate mais a sério até resultar em algo de concreto ao nível do Governo, e que, de facto, una todas as componentes, ponha matrizes, timings e accountability”, sugere o antigo PCA da Vodacom. "O que há é empresários da banca, seguros, grande consumo, logística, telecomunicaçoes e parceiros externos co-
mo o Banco Mundial, uma das instituições que apoiam a digitalização, dispostos, todos, a avançar com a transformação em todas estas áreas, mas é preciso, reitero, uma política e/ou estratégia bem delineada para que esses fundos de ajuda sejam aplicados adequadamente neste desígnio nacional", sustenta.
Solução para breve?
A Estratégia Integrada de Transição Digital pode ser elaborada até Dezembro do corrente ano, se depender do que já foi anunciado pelo INCM. Para o efeito, a instituição propõe a constituição de uma equipa multissectorial da transformação digital, que se dedique à elaboração da estratégia e reforço das medidas de segurança cibernética por via da reformulação da estratégia para uma abordagem multissectorial, implantação de infra-estrutura digital (expansão da internet de banda larga em 90%
Quaidade de Vida Digital — Moçambique entre os piores africanos
Estudo revela que Moçambique está entre os dez países de África com a mais baixa qualidade de vida digital, o que reforça a ideia de que há muito por fazer para responder aos desafios da transição
(Índice de 0 a 1. Quanto mais próximo de 1, melhor a avaliação)
... Em África os melhores são...
... E no mundo...
www.economiaemercado.co.mz | Julho 2023 29
0,413 0,411 0,405 0,384 0,383 0,347 0,343 0,333 0,322 0,314 0,12 0,112 0,09 0,063 0,056 0,051 0,05 0,043 0,035 0,033 África do Sul Maurícias Marrocos Tunísia Quénia Egipto Nigéria Gana Argélia Senegal Dinamarca Israel Sri Lanka Finlândia Lituânia Japão China Alemanha França Coreia do Sul FONTE Surfshark 0,153 0,2 0,203 0,209 0,243 0,248 0,253 0,256 0,26 0,274 RD. Congo Etiópia Moçambique Camarões Angola Zimbabué Tanzânia Botsuana Zâmbia Namíbia
de cobertura até 2025), digitalização dos serviços públicos e interoperabilidade dos serviços digitalizados.
Não há muitos detalhes à volta deste processo, mas o INCM adianta que, entre as demais decisões deliberadas no XL Conselho Coordenador do MTC, realizado em Dezembro do ano passado, destacam-se a celeridade no processo de expansão do acesso aos serviços de telecomunicações para acelerar o processo de digitalização; elaboração da estratégia para a transformação digital para assegurar a inclusão de todos os sectores da economia no processo; melhoria da coordenação das acções de expansão da rede de telecomunicações para evitar a duplicação de investimentos da implantação; e manutenção e gestão de infra-estruturas de telecomunicações.
Desde que a decisão foi anunciada, passaram-se sete meses, e pouco mais se sabe sobre o processo. Entretanto, a velocidade do mundo digital acelerou ainda mais, e não há ninguém que não seja confrontado com notícias sobre os avanços da Inteligência Artificial diariamente, para não falar em toda a montanha de informação sobre esse novo mundo digital que parece que nos bate à porta.
Deixamo-lo entrar?
Esta é a questão. Lançando o olhar sobre os desafios das organizações quando em face do desafio de digitalizar a sociedade moçambicana, a consultora Deloitte, que presta consultoria para a transformação digital de empresas de todo o mundo, aponta a coordenação como o missing link, fundamental para a evolução. "Embora muitas organizações possuam
uma estratégia digital, a grande maioria não criou uma linguagem comum para as estratégias entre as funções, tornando-se desafiador transformar e abordar digitalmente as oportunidades e riscos. Muitas vezes os altos executivos das organizações não falam uns com os outros ao tomar decisões de enfoque tecnológico ou, e se o fazem, passam dificuldade para se comunicar de forma efectiva."
Assim, a Deloitte faz advocacia ao que chama de "linguagem comum", como ponto de partida para o sucesso da transformação digital, o que vai possibilitar romper barreiras comportamentais e estruturais e evitar, por exemplo, investimentos redundantes, riscos emergentes e mudança de processos em escala. Melhorar a comunicação, planeando além de uma única tecnologia e trabalhando em conjunto para alcançar um maior valor estratégico dos negócios através de um melhor alinhamento e execução da sua estratégia. É este caminho que as organizações em Moçambique devem trilhar”, sugere a consultora no seu estudo "Uma nova linguagem para a transformação digital" a que a E&M teve acesso.
www.economiaemercado.co.mz | Julho 2023 30
O INCM defende, entre outros aspectos, a celeridade no processo de expansão do acesso aos serviços de telecomunicações para acelerar a digitalização
EM QUE ASSENTA A (FUTURA) ESTRATÉGIA DE DIGITALIZAÇÃO?
O INCM já tem ideia sobre como atacar a digitalização do ponto de vista estratégico, com acções claras de curto, médio e longo prazo. Defende que, a curto prazo, deverse-á: mapear as infra-estruturas e serviços de telecomunicações; garantir a conclusão de avaliação sobre a necessidade de lançamento de um Programa Espacial Nacional; expandir a cobertura dos serviços de banda larga através do Projecto “Energia Sustentável e Acesso à Banda Larga nas Zonas Rurais”; e promover a implementação do Projecto de Cabo Submarino 2 em África.
A médio e longo prazo pretendese implementar o endereçamento postal e respectiva digitalização nas principais cidades, a revisão do regulamento sobre a partilha de infra-estrutura de telecomunicações para acomodar os outros tipos de infra-estruturas e promover o lançamento de um Satélite Nacional como parte do Programa Espacial.
Sector financeiro lidera mudança
Se o digital é o Futuro, ele já é um presente bem amadurecido no sector financeiro de há muito a esta parte, especialmente na área da banca. Com naturais diferenças entre as várias entidades, a verdade é que a sua natureza e canais utilizados fizeram com que o sector, enquanto um todo, se aproximasse dos cidadãos, permitindo, assim, facilitar as suas vidas.
Aqui, e olhando aos principais bancos do mercado, BCI, Millenium bim, Standard Bank, Absa, FNB e Moza têm promovido iniciativas que se enquadram na estratégia nacional de inclusão financeira da qual a digitalização é um factor indissociável. E aqui, para sumarizar, sobressaem a inteligação dos bancos com as várias carteiras móveis, os aplicativos, os novos cartões (agora na fase contactless) e máquinas que foram sendo lançados, as campanhas de literacia financeira e digital, novos websites mais dinâmicos e user friendly e balcões em que a tecnologia está presente. Também do lado menos visível para os clientes, a digitalização está em marcha na banca, como comprova a ainda recente entrada em funcionamento da nova rede in-
terbancária, a SIMO, e como ela se deu. Apesar de distante dos prazos estipulados inicialmente, aconteceu de forma relativamente 'suave', e sem os problemas que se chegaram a temer.
De acordo com director do Digital & e-Commerce do Standard Bank, Elísio Mabasso, a transformação digital ao nível institucional pode ser dividida em três fases: a primeira consiste na preparação da modernização da infra-estrutura do banco para permitir que esteja pronto para incorporar qualquer tecnologia emergente com potencial para criar valor para os clientes; a segunda engloba a identificação e implementação de sistemas e processos com o potencial de acelerar a conversão dos serviços bancários tradicionais para soluções digitais. A última assenta na criação e oferta de soluções digitais em escala e personalizadas à medida das necessidades do cliente. Nós, como banco, temos apostado em instrumentos que incluem pagamentos online (POS virtual) Inter-
net Banking, no financiamento digital e abertura de contas online – que oferece às pessoas uma forma conveniente para iniciar o processo de abertura de conta bancária sem ter de se deslocar a uma agência", assinala.
Mas, apesar de avançado em relação a outros sectores da economia, a digitalização da banca está ainda sujeita a desafios e às restrições de acesso à energia eléctrica, acesso limitado à internet, número reduzido de smartdevices e fraca literacia digital.
Apesar de tudo, para Ricardo Velho, da InSite, já se nota uma grande preocupação das empresas moçambicanas digitalizarem os seus processos, embora o entrave continue a ser o custo. "Por exemplo, a digitalização não implica apenas deixar de utilizar o papel e adoptar alternativas online, mas contempla uma série de outros aspectos, sem contar que é um processo que deve ser planeado e acompanhado, o que acarreta ainda mais custos".
IMPRECISÕES NO CONTEXTO DA DIGITALIZAÇÃO
A primeira questão que salta à vista quando se aborda este tema é a frase “estamos sem sistema”, com que muitas vezes as pessoas são confrontadas ao solicitarem serviços nas diversas instituições do Estado. Ou seja, a evolução para o digital, em alguns casos, cria ineficiências piores do que a dos processos tradicionais.
A E&M sabe também que, em plena era digital, os termos de referência dos concursos públicos do Centro de Desenvolvimento de Sistemas de Informação de Finanças (CEDSIF) – instituição responsável por digitalizar os servicos do Estado – são enviados em formato físico e em mais do que uma cópia em papel impresso. O INTIC usa também papel nos concursos de certificação digital. E a pergunta é: onde está a parte digital destas instituições que têm responsabilidades na transição digital?
Todas estas questões, de acordo com Ricardo Velho, corrigem-se com literacia, sensibilização das pessoas e um acompanhamento contínuo dos processos de transição. “A digitalização tem que ver com três aspectos: pessoas, processos e tecnologia. Muitas vezes as empresas preocupam-se com a tecnologia e com os processos e esquecem-se das pessoas e, sem isso, nada feito", deixa escapar. "A tecnologia, por mais evoluída que seja, é para ser usada no lazer, no dia-a-dia e no trabalho, por pessoas que, em muitos casos, servem, elas próprias, outras pessoas. Por isso, estes aspectos devem estar interligados”, defende.
Ou seja, é preciso ter um modo de ir formando a sociedade no sentido de explicar o potencial da digitalização, no bom sentido, em termos práticos, em como pode impactar e melhorar a nossa vida, trabalho e relações interpessoais, nos ganhos que nos traz, mas também no sentido de prevenir os riscos que acarreta e as medidas a implementar de forma sistemática para que todas estas novas ferramentas, do 5G à IoT, passando, claro, pelos ganhos e aplicações da Inteligência Artificial, representem, de facto, um ganho para cada moçambicano e um multiplicador económico para o País, da agricultura à indústria, passando pela banca, seguros e logística.
www.economiaemercado.co.mz | Julho 2023 32
“A digitalização tem que ver com três aspectos: pessoas, processos e tecnologia. Muitas vezes as empresas preocupam-se só com a tecnologia"
Os Desafios e Oportunidades de Moçambique na Senda da Transformação Digital
Estamos diariamente a experienciar uma acelerada transformação de natureza digital com a emergência de vários novos paradigmas que são já uma realidade nas nossas actividades quotidianas. Os exemplos são muitos, quer a nível individual, quer a nível empresarial, pelo que me irei cingir a apenas alguns deles que servirão de contextualização ao leitor.
A nível individual, todos nós temos a noção que temos vindo a “digitalizar” os nossos hábitos de forma constante. Imagino que quase a totalidade dos leitores tenham uma conta de e-mail pessoal offshore como o Gmail, ou uma conta no NetFlix para ver uma série em família na sexta-feira à noite, ou no iCloud para guardar as fotografias que o armazenamento do telemóvel já não permite. Se observarmos as novas gerações, o digital é nativo e a educação digital é natural. Os adolescentes actuais são uma geração digital e interagem com o mundo utilizando simultaneamente vários dispositivos e aplicações.
Ao nível do mundo empresarial, comecemos pela computação em nuvem, que é talvez um dos novos paradigmas mais disruptivos, já que permite a entrega de serviços computacionais – incluindo servidores, armazenamento de dados, bases de dados, software e aplicações – sobre a Internet (a dita “nuvem”).
Neste modelo pagamos apenas pelos serviços que utilizamos, o que permite reduzir custos operacionais, gerir a infra-estrutura de forma eficiente e escalar à medida do crescimento ou de algum outro imperativo do negócio.
Este paradigma em Moçambique tem vários desafios, nomeadamente a nível do acesso às infra-estruturas na nuvem de forma permanente por dificuldades de latência e de largura de banda, mas também a nível regulatório
já que se terá de definir o quadro legal de base à semelhança do que aconteceu noutros países. Outro importante paradigma emergente prende-se com o desenvolvimento e implementação de soluções digitais que contribuem para o aumento de eficiência operacional e do desempenho das organizações.
Estas soluções podem passar por permitir a monitoria remota de operações, introduzir aplicações mobile e de recolha de dados em tempo real para tomada de decisão e pela automatização de processos utilizando soluções de robótica, entre outras.
Muitas destas soluções embebem cada vez mais algoritmos de Inteligência Artificial e são já elementos disruptivos de transformação em diversos sectores. Quando o leitor ligar para um call center nos próximos tempos, é muito provável que quem interaja consigo seja um aplicação bot e não um humano… e garanto-lhe que não vai conseguir diferenciar a experiência.
Moçambique tem aqui o grande desafio de capacitação e formação dos quadros nestes novos paradimas, quer a nível das empresas, quer actuando a nível dos currículos universitários e de formação profissional.
A composição da força de trabalho, a coordenação entre departamentos, a capacidade de mudar de maneira oportuna, a falta de trabalhadores com as capacidades certas e o desafio de formar trabalhadores para o uso de novas tecnologias são barreiras amplamente reconhecidas à adopção de processos digitais.
Para superar os desafios impostos por estes novos paradigmas, as empresas precisam de ter lideranças flexíveis, dinâmicas e inovadoras. Os líderes precisam não só de ter uma visão de futuro, como também de partilhar essa mesma visão com as suas equipas, transmitindo o optimismo sobre o futuro e sobre o caminho a ser seguido.
www.economiaemercado.co.mz | Julho 2023 34 OPINIÃO
Bruno Dias • Business Consulting Partner, EY
Para superar os desafios impostos por estes novos paradigmas, as empresas precisam de ter lideranças flexíveis, dinâmicas e inovadoras. Os líderes precisam não só de ter uma visão de futuro, como também de partilhar essa mesma visão
De salientar que entidades multilaterais como, por exemplo, o Banco Mundial, através do “Digital Governance and Economy Project“, lançaram iniciativas estruturantes que visam melhoram as capacidades de ciberseguranca, de infra-estrutura e conectividade digital em Moçambique, e que servirão certamente para catalisar esta agenda digital no País.
É importante as empresas, tantos as grandes como as PME, olharem para a transformação digital como uma oportunidade e pensarem em como a embeber na sua estratégia, repensando os seus modelos operacionais, aplicacionais e de recursos humanos
A adopção destas tecnologias pode ser equacionada em vagas progressivas, acompanhando a evolução da regulação e a mitigação do risco associado. Mas é bom que estejamos todos conscientes que é um fenómeno irrevo-
gável e que quanto mais cedo o endereçarmos melhor. A nível da EY, temos estado muito atentos e contribuído activamente nos últimos anos para a dinamização da agenda digital em Moçambique. Um do projectos de que tenho particular orgulho foi a criação de um centro de excelência tecnológico para servir, desde Moçambique, clientes em várias geografias.
Este centro capacita jovens moçambicanos nestes novos paradigmas e integra-os em equipas que desenvolvem soluções digitais de automação inteligente, inteligência artificial, cibersegurança e analítica de dados.
É um orgulho poder ver estes jovens a exportar talento e a conseguirem trabalhar de igual para igual com colegas de outras nacionalidades, para clientes sofisticados e que abraçam no seu DNA todos estes conceitos de transformação digital. O esforço terá de ser conjunto
do Governo de Moçambique, de multilaterais, do tecido privado e de investidores institucionais para tornar viáveis os projectos de infra-estruturas existentes e aumentar a velocidade de implementação de programas de transformação digital.
Por vezes basta cada um de nós mover o ponteiro dentro das suas capacidades e lembrar-se da máxima apresentada pelo Presidente Obama … “Yes, we can”. Se a atitude dos vários agentes envolvidos for esta, e se conseguirem endereçar os desafios aqui enumerados, que passam pela capacitação dos quadros nestes novos paradigmas, pela implementação de uma regulação bem estruturada e pela existência de infra-estrutura TIC de suporte, a transformação digital pode tornar-se um aliado poderoso para atingir um desenvolvimento sustentável do País e, quem sabe, tornar Moçambique um Hub Digital da Região.
www.economiaemercado.co.mz | Julho 2023 35
A nível individual, todas as pessoas estão a digitalizar os seus hábitos constantemente
“A Digitalização Tornou-nos Mais Competitivos Entre os Portos da Região”
A MPDC - Maputo Port and Development Company será dos poucos (mas bons exemplos) de digitalização no País, e com resultados bem visíveis, ainda para mais numa operaçao de larga escala. Impulsionada pelo dinamismo de um mercado em franco desenvolvimento na região da SADC, as autoridades portuárias investem há mais de uma década na digitalização das suas operações. Revelamos como
Muitos camiões perfilados à entrada do porto, muitos navios por descarregar, processos manuais, morosos e ineficientes, o hinterland à espera de se abastecer… muito dinheiro perdido. Eis a imagem que, por muitos anos, foi associada aos portos moçambicanos, particularmente o de Maputo, e que desfavoreceu a sua competitividade perante os concorrentes internos (portos da Beira e de Nacala) e os de fora, nomeadamente da África do Sul, Tanzânia, Quénia, Namíbia e Angola. Mas nos últimos anos a realidade foi-se alterando, graças ao início dos investimentos na digitalização. Muitas mudanças foram feitas e a vários níveis. Mas muito ainda há por fazer, afinal, os concorrentes também não param no tempo. Conheça o percurso do porto de Maputo, um (bom) exemplo do que se deve fazer na área da logística, na voz do IT manager da MPDC, Abdul Badrú.
O porto de Maputo tem feito um percurso intenso na esfera da digitalização, com a maioria dos processos já automatizados. Gostava que começasse mesmo por aqui, a explicar os serviços que sofreram transformações no quadro da digitalização.
A Sociedade de Desenvolvimento do Porto de Maputo (MPDC) começou, em 2013, um extenso programa de digitalização e automação de processos. Até essa data, praticamente todas as operações portuárias estavam dependentes do papel e, consequentemente, do erro humano e perda de eficiência. Des-
de então, foram inúmeros os serviços que sofreram uma enorme transformação digital, desde as operações de manuseamento até às várias componentes administrativas, numa viagem rumo a um porto do futuro.
Quais são, em concreto, os serviços que mudaram e que impacto trouxeram à performance do porto em termos de ganhos de eficiência?
Alterámos todo o processo de gestão da carga, tanto na recepção como no embarque no navio foi automatizado, permitindo criar um fluxo digital entre a mina (origem da carga) e o navio (etapa final do embarque dos minérios, que são a carga mais manuseada no porto, com mais de 70% do total manuseado). Esta componente contempla a digitalização de quatro aspectos fundamentais da actividade portuária, nomeadamente o processo de solicitação de espaço de armazenamento de carga, incluindo as respectivas aprovações e notificações, permitindo que exista, hoje, uma gestão automatizada do stock dos clientes no porto e relatórios automatizados para os clientes, o que elevou o seu nível de confiança; a notificação da chegada de camiões e vagões passou a ser feita de forma antecipada no sistema, permitindo a previsibilidade e uma melhor planificação de recursos; a digitalização das entradas de camiões permite o controlo, em tempo real, dos TAT (Turn Around Time); e a automação da conferência de carga e descarga de camiões e de vagões, que passou a ser electrónica. Estes processos estão interligados também à criação de básculas automatiza-
das e controladas remotamente numa sala de controlo localizada no edifício das operações, através de câmaras de visualização e reconhecimento de matrículas, sensores e softwares.
Os mecanismos de controlo da actividade portuária são uma importante componente para a fiabilidade e podem ser decisivos na competitividade do porto. Como era o controlo antes da viragem para a digitalização? Quais eram as fragilidades e o que efectivamente mudou nesta nova era? A solicitação de entrada de camiões e visitantes no porto é agora feita via uma plataforma web, que inclui autorizações e controlo de entradas e saídas. Trata-se de um processo complexo, que contempla uma sequência de pontos. O primeiro – o da notificação electrónica de chegada de navios e respectiva aprovação pela autoridade portuária e aceitação pelos terminais-destino – deve ter em conta as características do navio, a submissão electrónica de documentos, a confirmação da sua chegada ao porto, o line-up e a solicitação de pré-planeamento de navios. O segundo ponto é o controlo de crédito, que contempla
36 www.economiaemercado.co.mz | Julho 2023 NAÇÃO | TRANSFORMAÇÃO DIGITAL
Texto Celso Chambisso • Fotografia Mariano Silva & Porto de Maputo
a planificação de navios, recursos, estiva e respectivo controlo e sequências de carregamento. O terceiro diz respeito ao processo de gestão de estiva (nomeação automática do provedor de estiva, gestão dos estivadores por turno, submissão electrónica das listas nominais, controlo de assiduidade de forma electrónica e o respectivo pagamento simplificado). O quarto ponto tem que ver com o registo electrónico de dados operacionais (activação de sequências de carregamento, conferência electrónica de embarque, registo de paragens, etc. O quinto está relacionado com a facturação atempada dos serviços marítimos, manuseamento, entre outros serviços.
Outra grande mudança no contexto da digitalização do porto é descrita como sendo para a “facilitação de processos no corredor de Maputo”, acele-
radas especificamente pelo covid-19. Em que consistiu?
Em 2021, face aos desafios criados pela pandemia e às ineficiências causadas pelo processamento manual de camiões no processo de travessia da fronteira de Ressano Garcia, e num processo liderado pelo Ministério dos Transportes e Comunicações, a MPDC juntou-se à Janela Única Electrónica (Mcnet), à Alfândegas de Moçambique e a um banco para intermediar o processo de pagamento do TIP (Taxa de Importação Temporária de veículos). Foi feita assim a integração com a Janela Única para emissão de declarações de importação temporária de veículos de forma antecipada, reduzindo o tempo de espera na fronteira. A integração e partilha de dados com a fronteira permitiram também a previsibilidade de tráfego. Outros avanços alcançados estão re-
lacionados com a automação de processos de negócio (compras, limites de autoridades e controlo de orçamento, capex e processos de pagamentos, e a respectiva integração com os bancos), e Recursos Humanos (gestão de férias e de performance).
Desde o início do processo a esta parte, quanto em investimento foi despendido na transformação digital do porto de Maputo?
Desde 2010, a MPDC investiu mais de 12,5 milhões de dólares. Foi feito um enorme investimento no upgrade na infra-estrutura de IT que suporta todas as soluções digitais e de segurança. Investimos também fortemente na formação e capacitação da equipa que desenha as soluções.
E que impacto esta transformação trouxe ou está a trazer ao nível da eficiência e competitividade do porto?
A transformação trouxe impactos positivos, nomeadamente o aumento da confiança por parte dos clientes, melhoria na produtividade e eficiência operacionais e monitoramento em tempo real das actividades das operações (cargas, TAT, etc.), facturação atempada e controlo de crédito, transparência e integridade de dados, redução do tempo de espera de camiões na fronteira, melhor gestão de orçamento e controlo de custos.
Falou da aposta numa equipa interna de TI e que é responsável por desenhar sistemas de integração com os dos clientes. Trata-se de técnicos nacionais? Gostaria que se referisse à viabilidade de ter uma equipa própria para lidar com estas questões dentro do porto.
Toda a equipa é jovem e constituída exclusivamente por técnicos moçambicanos. Todos foram seleccionados em função da demanda de serviços e à medida que desenhávamos um plano-director para a área de IT. Houve alguns que começaram em programas de estágio e foram posteriormente integrados na equipa. A nossa equipa de TI tem hoje um total de 18 pessoas. A criação de todas as soluções com uma equipa própria traz inúmeras vantagens para a MPDC: o ownership das soluções digitais, reduzindo os custos operacionais de licenciamento; a capacidade de reagir atempadamente às dinâmicas do negócio e adaptar as soluções digitais a novas exigências num mercado que está em constante transformação; o controlo total da equipa; melhor comunicação; e, obviamente, um melhor entendimento
37 www.economiaemercado.co.mz | Julho 2023
“Desde 2010, a MPDC investiu mais de 12,5 milhões de dólares na digitalização. Foi feito um enorme investimento no upgrade da infra-estrutura de IT”
dos valores da empresa e respectivos processos.
Em Outubro do ano passado, o Governo incentivou a realização imediata de um estudo de avaliação do Corredor de Desenvolvimento de Maputo, para clarificar os desafios e as capacidades do corredor, bem como os caminhos a seguir para uma melhor exploração do potencial instalado nos ramos da indústria, comércio, agricultura, entre outros. Em que pé está a realização deste estudo, e que conclusões preliminares se podem adiantar, agora, sobre a capacidade deste corredor?
Este estudo está a ser liderado pelo Ministério dos Transportes e Comunicações em parceria com o AFDB. O concurso está para ser lançado em breve. Entretanto, do lado da MPDC, estão a decorrer alguns estudos, já na sua recta final, no sentido de avaliar o interface de capacidades entre o porto, a estrada, a linha férrea e a fronteira, bem como os níveis de eficiência operacional portuária e as oportunidades de aumento da sua capacidade.
Como estamos hoje de ponto de vista da competitividade em relação a outros portos da costa do Índico e em que medida a digitalização do porto
de Maputo ajudou ou é capaz de melhorar a sua posição na região?
A digitalização dos processos tornou-nos mais competitivos em relação aos outros portos da região. Tendo em conta que a grande maioria dos nossos clientes vem das regiões do hinterland e da África do Sul, a digitalização tornou-se a grande mais-valia na utilização do corredor e do porto de Maputo. O nível de confiança por parte dos clientes aumentou, resultante da transparência que os nossos processos digitais trazem, sendo que eles conseguem acompanhar a sua carga desde o momento que sai da mina até ao momento que é embarcada. E, obviamente, aumentou a eficiência em muitos dos processo de manuseamento de carga. Isso reflecte-se também no aumento significativo da procura dos serviços. Processos como a intermediação do TIP ajudaram a aumentar o número de rotações por camião num período mensal e, consequentemente, o aumento do volume.
O que falta fazer em relação à digitalização dos serviços no porto de Maputo e o que se pode esperar nos próximos dez anos?
Ainda há muito por fazer no que diz respeito à digitalização. Vamos continuar a fazer benchmarking com os outros portos a nível mundial para aprender e transferir experiências no âmbito da digitalização, no sentido de nos tornarmos ainda mais competitivos em relação à região e ao mundo. Queremos ser um porto de escolha. Quando iniciámos esta jornada, em 2013, fazíamos de forma ad hoc para atender aos desafios do momento sem termos um horizonte a longo prazo, e assim fomos construindo soluções. A demanda foi aumentando e, em 2020, decidimos mudar de abordagem e fizemos primeiro um mapeamento dos processos do porto para a identificação de necessidades de digitalização, o que culminou com um plano director de IT alinhado com a estratégia da empresa para os próximos anos.
38 www.economiaemercado.co.mz | Julho 2023
“Toda a equipa é jovem e constituída exclusivamente por técnicos moçambicanos. Todos foram seleccionados em função da demanda de serviços e à medida do plano-director para a área de IT”
Banca Lidera Digitalização em África
O continente está a mover-se a duas velocidades. Com a falta de infra-estruturas, de pessoal qualificado e de dinheiro para investir na transição digital, o sector financeiro vai-se destacando no processo, graças à rápida evolução das fintech e das soluções mobile banking. O alinhamento será difícil...
OAfrican Banker, em colaboração com o desenvolvedor de tecnologia bancária Backbase, lançou, recentemente, a última edição do Relatório de Transformação do Banco Digital Africano.
Este documento abrangente de 30 páginas investiga os últimos avanços no cenário bancário digital africano, monitorando minuciosamente a taxa de progresso, as principais áreas de foco para os bancos e as estratégias utilizadas para estabelecer aplicativos móveis e funcionalidades de internet banking.
Taxas de penetração bancária em ascensão, mas com desafios
O acesso bancário aumentou em 2022, com 48% da população que passou a aceder aos serviços bancários, em comparação com 45% em 2017. Este crescimento pode ser atribuído à popularidade do dinheiro móvel e do banco digital. Aproximadamente 50% da população do continente permanece sem banco, indicando um potencial significativo para um maior crescimento do sector.
A McKinsey – empresa global de consultoria de gestão comprometida em ajudar as organizações a alcançarem um crescimento sustentável e inclusivo – prevê uma taxa de crescimento anual de 10% no mercado africano de serviços financeiros, gerando 230 mil milhões de dólares em receitas anuais até 2025. O numerário ainda domina as transacções financeiras em África, representando
cerca de 90% – enquanto os canais electrónicos ou digitais representam apenas 5% a 7%. Em comparação, a Ásia e a América Latina têm uma taxa de adopção de banco digital mais alta, em torno de 50%.
No entanto, está a surgir uma nova geração de clientes urbanos de classe média, que preferem realizar transacções online. Os mais jovens estão mais inclinados a adoptar a tecnologia digital do que os seus pais e avós, sugerindo que o recurso aos serviços bancários digitais continuará a crescer. A limitada infra-estrutura para pagamentos com cartão e o baixo uso de redes de pontos de venda também contribuem para a preferência pelo banco digital.
Concorre ainda para este cenário o facto de a acessibilidade da banca digital não depender apenas da disponibilidade de plataformas digitais, mas da posse de um telemóvel. Os telemóveis dominam o acesso online em África, representando aproximadamente 75% de todo o tráfego online. Consequentemente, as plataformas digitais dos bancos são projectadas principalmente com o uso móvel.
Os principais obstáculos ao acesso a serviços digitais incluem os altos preços de compra de aparelhos celulares e tarifas de dados. De acordo com a World Wide Web Foundation, os custos de internet móvel representaram 5,8% da renda média no continente em 2020, tornando-a na região mais cara do mundo para acesso digital. Os custos médios de 1 GB de dados e smartphones diminuíram
significativamente entre 2018 e 2021. Isso indica um potencial de aumento no número de pessoas que podem aceder ao mobile banking.
Mercados fragmentados Países como o Quénia e o Gana têm sido líderes na adopção de pagamentos digitais, com as transacções de carteira móvel no Quénia a responderem por 87% do seu PIB em 2021. O país alcançou um dos níveis mais altos de penetração das fintech globalmente, aumentando o acesso aos serviços bancários de 26% da população em 2006 para 83% em 2021.
Do outro lado, estão países como a África do Sul, onde 84% da população tinha acesso aos serviços bancários tradicionais em 2021. Aqui, bancos digitais como Bank Zero, Discovery Bank e Tyme Bank enfrentam o desafio de demonstrar as vantagens dos seus serviços sobre agências bancárias físicas e caixas electrónicos, em vez de se concentrarem exclusivamente em indivíduos não bancarizados.
Apesar desta fragmentação, a digitalização dos serviços bancários tem um potencial significativo em todas as economias africanas. Na Somália, por exemplo, 70% dos adultos usam regular-
40 www.economiaemercado.co.mz | Julho 2023 NAÇÃO | TRANSIÇÃO DIGITAL
Texto Celso Chambisso • Fotografia D.R
A digitalização dos serviços bancários tem um potencial significativo em todas as economias africanas... as economias com governos mais estáveis fizeram mais progressos no dinheiro móvel
mente serviços de dinheiro móvel. Essa popularidade é impulsionada, em parte, pela prevalência de notas falsas. Geralmente, as economias com governos mais estáveis fizeram mais progressos no desenvolvimento de dinheiro móvel e serviços bancários digitais em comparação com nações mais frágeis, como os Estados francófonos do Sahel.
Os bancos poderiam investir mais na transformação digital
A maioria dos bancos africanos reconhece a importância da tecnologia digital, com apenas 4% a considerá-la sem importância ou menor relevância. No entanto, embora 51% a vejam como o factor mais importante, muitos bancos ainda precisam de construir as suas estratégias gerais em torno da tecnologia digital.
Apenas 28% dos entrevistados numa pesquisa relataram que o seu banco gasta mais de três milhões de dólares anualmente com a transformação digital e inovação. Além disso, a proporção de bancos que alocam menos de 300 mil dólares por ano aumentou de 21% em 2021 para 27% na pesquisa actual.
Entre aqueles que entendem o significado da digitalização, o foco está principalmente no desenvolvimento da tecno-
logia móvel. Mais bancos oferecem aplicativos bancários móveis do que serviços bancários pela Internet, reflectindo o domínio da tecnologia móvel não apenas no banco digital, mas também no acesso digital em toda a África.
Em termos de prioridades, 41,3% dos entrevistados querem construir um aplicativo móvel de pagamento digital, enquanto 34,8% estão focados numa plataforma de internet banking para 20232024. Isso não é surpreendente, considerando que os telefones celulares representam cerca de 75% de todo o tráfego online em África.
Inteligência artificial no horizonte
A segurança cibernética foi considerada uma tendência crucial por 74% dos bancos pesquisados no ano passado, pontuação que cai para 61% na pesquisa de 2023 – superada pela Inteligência Artificial (IA).
Muitos acreditam que a IA será a tendência tecnológica mais importante deste ano. A pesquisa da McKinsey destacou um banco europeu que aumentou a sua produtividade em 25% através da digitalização e adopção de IA, incluindo agentes cognitivos, assistentes digitais, treinamento orientado a análises avançadas e automação de processos robóticos.
O lado predominante. O das carências
Reconhecendo a necessidade de urgência da migração digital, a União Africana elaborou o Projecto de Estratégia de Transformação Digital Para África (2020-2030), com base nas decisões do Conselho Executivo da organização relacionadas com as TIC.
A Estratégia deve assentar nas iniciativas e quadros existentes, como a Iniciativa Política e Regulamentar para a África Digital (PRIDA), o Programa para o Desenvolvimento de Infra-estruturas em África (PIDA), a Zona de Comércio Livre Continental Africana (ZCLCA), as Instituições Financeiras da União Africana (AUFI), o Mercado Único Africano dos Transportes Aéreos (SAATM) e a Livre Circulação de Pessoas (FMP) para apoiar o desenvolvimento de um Mercado Único Digital para África (DSM), no âmbito das prioridades de integração da União Africana.
A primeira constatação do Projecto é que quase 300 milhões de africanos vivem a mais de 50 kms de uma ligação de banda larga, pelo que a falta de disponibilidade generalizada de Internet de alta velocidade continua a ser um obstáculo significativo para que África tire pleno partido de todo o poten-
www.economiaemercado.co.mz | Julho 2023 41
cial da transformação digital. Os dispositivos móveis continuam a ser a principal forma pela qual as pessoas acedem à Internet, e as conexões específicas à mesma aos lares e escritórios são praticamente inexistentes, excepto em algumas capitais.
A dependência da banda larga móvel em vez da fixa significa que a fixação de preços ilimitados ou o uso ilimitado de dados não são muito comuns em África. No entanto, a revolução dos telemóveis abriu a porta ao investimento do sector privado nas telecomunicações e, agora, os novos modelos e serviços empresariais alargaram significativamente os serviços de comunicações sustentáveis.
Não há competências digitais nem pesquisa
Embora o continente seja responsável por 13,4% da população mundial, produz apenas 1,1% do conhecimento científico. África tem sido lenta a adaptar-se e a desenvolver os seus sectores
científicos e tecnológicos e a comercializar as suas inovações, apesar dos múltiplos acordos e da decisão dos chefes de Governo e de Estado de aumentar o investimento em Investigação e Desenvolvimento (I&D) para, pelo menos, 1% do PIB e da adopção da Estratégia de Ciência, Tecnologia e Inovação para África 2024 (STISA). Apenas 1% do investimento mundial em I&D é gasto em África, sendo que o continente detém um minúsculo 0,1% das patentes mundiais.
Ainda de acordo com a Estratégia de Transformação Digital Para África (2020-2030), é necessário considerar o potencial humano formado localmente que os países africanos lutam para manter e utilizar a nível nacional. Além disso, uma explosão demográfica da população jovem resultará em 375 milhões de jovens a entrar no mercado de trabalho até 2030.
É fundamental garantir a disponibilidade generalizada de competências digitais que permitam aos cidadãos e às
ÁFRICA TEM A MAIOR CONECTIVIDADE MÓVEL
É aqui onde se explora o potencial de transformação do continente, devido à falta de Internet de banda larga
empresas aproveitar as oportunidades e prevenir os riscos da economia digital.
O que fazer?
Uma visão geral da União Africana conclui que, para que o continente concretize a tão esperada transformação digital e seja globalmente competitivo, é necessário cumprir várias condições prévias. A principal é o investimento e o cultivo de pessoas altamente qualificadas, como produtores, consumidores e inovadores de tecnologias digitais. O investimento nas capacidades digitais dos cidadãos, apoiadas por capacidades tecnológicas e humanas, constitui a estratégia mais sólida para o futuro.
Da mesma forma, como participantes activos no ecossistema digital, os cidadãos devem possuir capacidades digitais para abraçar e usar o avanço digital na vida diária.
Com uma estratégia de desenvolvimento de capacidades humanas e institucionais adequada e coordenada, os jovens, que constituem 60% da população total, podem ser remodelados, aproveitados, empoderados e transformados numa força de trabalho digitalmente adaptável, qualificada e inovadora que não só compreende, adopta e move-se com as tendências globais, mas também traça os seus próprios caminhos digitais para o crescimento e desenvolvimento inclusivos.
www.economiaemercado.co.mz | Julho 2023 42
Os dispositivos móveis continuam a ser a principal forma pela qual as pessoas acedem à Internet, e as conexões específicas à mesma aos lares e escritórios são praticamente inexistentes
(Em %) 2018 2019 2020 2018 2019 2020 2018 2019 2020 8,8 7,1 5,8 3 2,7 2,7 2 1,9 1,7 África América Ásia
FONTE World Wide Web Foundation
Ricardo Velho • Partner & Business Development Manager na InSite
ATransição Digital
Atransição digital está em curso em todos os aspectos das nossas vidas. Afecta-nos dos pontos de vista profissional, pessoal, cultural e social. Somos parte integrante e, muitas vezes, os agentes catalisadores deste processo de transformação.
Em poucas palavras, este processo consiste na adopção de tecnologias digitais no nosso dia-a-dia, na cultura e nas operações das organizações. Envolve a substituição de processos e sistemas analógicos por soluções digitais, visando melhorar a eficiência, a produtividade, a inovação e a experiência do beneficiário.
Da transição digital faz parte um conjunto de tecnologias e práticas, como a realidade aumentada, a Inteligência Artificial, a virtualização, a Internet das Coisas (IoT), a computação em nuvem, a automação de processos, o armazenamento e análise de dados, entre outras. Estas tecnologias digitais têm o potencial de transformar a forma como as empresas operam ou interagem com os seus clientes e criam valor.
Neste processo de transformação, somos encantados pelas vantagens. Pelo potencial de oportunidades e de obtenção de resultados inovadores que representa. Pela possibilidade de sermos mais eficientes. Pelas novas experiências a que somos expostos e/ou que proporcionamos. A transição digital, de facto, representa tudo isso… e muito mais.
A adopção de novas ou diferentes tecnologias na nossa vida influencia a forma como trabalhamos, como nos relacionamos com as nossas partes interessadas e como as decisões são tomadas.
Neste contexto, a nível das Organizações, a mesma deve acontecer como parte de um processo de gestão de mudança, de uma estratégia que esteja alinhada com a estratégia e objectivos de negócio.
Devem ser considerados, de forma estruturada, todos os aspectos que afectam a transformação digital.
As pessoas, as organizações e os países devem compreender bem o processo da transição digital. Devem entender o impacto das suas vantagens e dos riscos. Devem manter-se informadas para que compreendam e assumam o controlo da sua transição.
Um dos aspectos intimamente relacionados com a transformação digital são os dados que produzimos como resultado da nossa actividade. Cada vez e mais rapidamente, produzimos uma grande quantidade de dados.
Esses dados serão transformados em informação, que deverá apoiar os processos de tomada de decisão. A informação produzida terá um valor inestimável, sendo fácil concluirmos que este é um dos resultados da transformação digital: contribuição para a criação de valor através do conhecimento organizacional.
Esta transição está em curso! De forma voluntária e planeada ou por força das circunstâncias, com os seus riscos identificados ou não.
Sucede que, quando a transição acontece de forma não planeada, ou incorrecta/insuficientemente planeada, não avaliamos os riscos do processo em que estamos envolvidos.
Logo, não devemos apenas concentrar-nos nas vantagens da transição digital. Existem riscos que podemos correr, com potencial impacto negativo e significativo, caso não adoptemos as medidas e acções correctas no momento certo.
A muita e valiosa informação que produzimos deve ser protegida. Nesta transição, as pessoas, organizações e países ficarão associados e dependentes de processos que se encontram expostos, e eventualmente vulneráveis, à violação de dados, a ciberataques, às alterações climáticas, entre outras ameaças, que poderão deixar os sistemas indisponíveis. Referi atrás que associada à tran-
www.economiaemercado.co.mz | Julho 2023 44 OPINIÃO
Não nos devemos apenas concentrar nas vantagens da transição digital. Existem riscos que podemos correr, com potencial impacto negativo e significativo, caso não adoptemos as medidas e acções correctas no momento certo
sição digital, encontra-se a criação de um grande volume de informação. Esta, em parte, será crítica, confidencial, estratégica e privada. Portanto, deve ser protegida e assegurada a sua privacidade, a sua confidencialidade, a sua disponibilidade e a sua integridade.
É importante investir em medidas de segurança adequadas. Apostar em redundâncias, assegurar cópias de segurança dos dados e da informação, investir em sistemas de recuperação, formar adequadamente os colaboradores, de forma que contribuam para a alta disponibilidade dos sistemas. A implementação de boas práticas de segurança da informação e cibersegurança tornam-se, cada vez mais, obrigatórias.
Outro aspecto que deve ser acautelado relaciona-se com as novas profissões associadas à transformação digital. O processo de transição requer muito conhecimento especializado em várias áreas que, até à data, poucas pessoas detinham. Os programas curriculares e as formações disponíveis devem
ser adaptados às novas necessidades, produzindo potenciais profissionais que respondam à elevada e crescente solicitação do mercado. Por outro lado, é importante garantir programas de capacitação e reciclagem profissional para que as pessoas se adaptem às mudanças e se mantenham relevantes no mercado de trabalho.
Embora estejamos todos na mesma corrida, infelizmente não possuímos todos os mesmos meios. Para muitas nações, o acesso à educação, a uma sociedade segura, a uma alimentação saudável e a água potável, assim como a erradicação da pobreza, são, ainda, um desafio. Neste contexto, a ausência de uma estratégia sólida de transição digital pode contribuir para que se saliente a desigualdade digital.
Determinadas pessoas ou sectores de actividade poderão ficar à margem deste processo e, consequentemente, em desvantagem. Portanto, é importante garantir que todos tenham acesso e oportunidade de se beneficiarem da
transformação digital. Isso pode envolver açcões para reduzir a exclusão digital, como programas de inclusão e acesso a tecnologia em comunidades menos favorecidas. É fundamental garantir que a transformação digital seja inclusiva, fomentando oportunidades de acesso à tecnologia e a programas de alfabetização e inclusão digital, para garantir que todos possam beneficiar deste processo.
Adicionalmente, e não menos importante, devemos ter atenção à utilização e implementação não regulada da Inteligência Artificial. A nossa evolução remeteu para segundo plano a necessidade do trabalho muscular, tendo as pessoas sido, ao longo do tempo, em larga escala, substituídas por máquinas que fazem o trabalho pesado e mecanizado.
Vários estudos, com os quais concordo, defendem que o próximo desafio é evitar ou limitar que as máquinas e os sistemas substituam a nossa capacidade de pensar e tomar decisões, tornando-nos cada vez menos necessários.
www.economiaemercado.co.mz | Julho 2023 45
A transição digital já está a mudar a forma de ser e de estar de indivíduos e organizações
Tipos de Garantias de Crédito – o Penhor
As garantias de crédito desempenham um papel preponderante no acesso ao crédito. No processo de análise dos pedidos de crédito, estas constituem um dos requisitos fundamentais para a concessão de financiamento pelas instituições de crédito em Moçambique.
Trata-se de um instrumento legal que se destina a conferir alguma segurança aos credores (quem empresta), agilizando a respectiva recuperação em condições previamente acordadas, caso se verifique incumprimento no pagamento das prestações.
Quando isto sucede, o credor passa a ter direito sobre o bem, com excepções dos privilégios creditórios a favor do Estado e/ou dos trabalhadores do devedor.
A garantia de crédito define-se, portanto, como um mecanismo legal, destinada a proteger certos tipos de financiamento concedidos pelo credor. Estas garantias dividem-se em garantias pessoais e garantias reais.
As garantias pessoais envolvem o comprometimento de uma terceira pessoa que se vincula ao contrato, sendo chamada a cumprir a obrigação constituída em caso de incumprimento do titular da dívida.
As garantias reais referem-se ao património do devedor ou terceiro – bens móveis, imóveis e semoventes – afectos ao financiamento.
Entre os diferentes tipos de garantias de crédito, destaco uma das mais utilizadas - o penhor.
O penhor enquadra-se dentro deste tipo de garantias (reais) e é definido como um mecanismo que confere ao credor o direito de se fazer pagar com preferência sobre os demais credores, pelas coisas, créditos ou direitos não sujeitos a hipoteca pertencente ao devedor ou terceiro:
• venda de bens móveis (ex: valor da venda de um bem dado em penhor);
• créditos a receber (ex: créditos comerciais);
• direitos não susceptíveis de hipoteca (ex: participações sociais - quotas e acções).
O penhor é constituído seguindo a forma contratual entre o titular dos bens e o credor, sendo habitualmente declarado o prazo de vigência do bem empenhado, assim como a descrição do mesmo.
A legislação actual, que regula as matérias de constituição de garantias mobiliárias, vem suprir um vazio legal que existia até agora relativamente à regulação do penhor e outros tipos de garantias mobiliárias.
Actualmente, a constituição de penhor de créditos encontra-se devidamente regulamentada e registada junto da Central de Registo de Garantias Mobiliárias, conforme dispõe a mais recente Lei n.° 19/2018 de 28 de Dezembro e o respectivo regulamento (aprovado pelo Decreto n.° 7/2020, de 10 de Março.
De salientar que não existe qualquer impedimento para a constituição do penhor sobre um bem para garantia de diferentes créditos. Contudo, é necessário notificar o facto ao devedor principal, prevalecendo sempre o primeiro penhor constituído.
Em suma, tanto os particulares como as empresas têm o penhor como uma das opções de garantia à sua disposição, podendo disponibilizá-la às instituições de crédito (vulgarmente conhecidas por bancos) para aprovar os seus financiamentos.
Por fim, caberá ao banco aceitar ou não as garantias propostas pelos clientes, dentro dos critérios e padrões de análise de risco de crédito em vigor.
www.economiaemercado.co.mz | Julho 2023 46 P OWERED BY
O penhor é constituído seguindo a forma contratual entre o titular dos bens e o credor, sendo habitualmente declarado o prazo de vigência do bem empenhado, assim como a descrição do mesmo
Stélio Tauzene • Gestor de Contratação de Crédito e Perfeição de Garantias do FNB Moçambique
Uma coisa é certa: Se as crianças aprenderem, desde cedo na escola, a semelhança e simbiose entre os diferentes corpos e sistemas, mas também a importância de cada corpo e órgão cumprir a sua função, em pertença e cooperação, há esperança!
Culturas Regenerativas –Coração e Regeneração
Assim no Coração, Como na Terra. “As in the Heart, so in the Earth”, é um livro de Pierre Rabhi que nos deixou um relato da forte ligação entre o solo e a alma e de como esta relação pode ser restaurada.
De origem algerina, Pierre Rabhi foi um francês pioneiro da agricultura orgânica e o inventor do conceito “Oásis em todos os Lugares”. Transmitiu, até partir em 2021, a sua experiência em países africanos áridos, em França e na Europa, procurando restaurar a autonomia alimentar das pessoas. Foi um reconhecido especialista em segurança alimentar, participou na elaboração da Convenção das Nações Unidas para a luta contra a desertificação, e foi consultor de várias organizações, incluindo no Banco Mundial.
Este autor estabeleceu uma relação entre a desertificação crescente do Norte de África e os corações e almas “mortos” dos habitantes do mundo ocidental. Recorreu a parábolas da tradição oral africana para dar um testemunho vivo do que se perdeu com a ascensão da tecnologia moderna e alertou para os riscos da eliminação do que traz autonomia às pessoas (que vão muito além de colheitas ou sementes e que têm que ver com liberdade e sabedoria).
Rabhi já dizia que precisamos de repensar a nossa relação com a Terra. E que isso depende de toda uma cadeia que vai do cultivo de alimentos à educação das crianças.
Quase ninguém conhece Pierre Rabhi. No entanto, se eu falar em Joe Dispenza, Bruce Lipton ou noutros nomes sonantes da Indústria do Desenvolvimento Pessoal, é natural que mais pessoas conheçam, ou pelo menos se recordem, de algumas ideias-chave relacionadas com a inteligência do coração, que podem vir da neurociência, da epigenética ou de outra área, mas todas elas com um foco: as pessoas. Ajudar ou melhorar a vida das pessoas. Normalmente as de classe média ou alta. Porque a classe baixa não tem acesso
nem dinheiro para recorrer aos prestigiados serviços a que esta indústria do individualismo humano se dirige.
E a pergunta que trago é: como podemos relacionar a sabedoria do (e sobre o) Coração com a Terra?
Como podemos descentralizar esta sabedoria potente – do Coração – da narrativa humana, individualista e inspirada na Jornada do Herói e trazê-la para o mundo Mais que Humano, sistémico e inspirado numa filosofia Ubuntu ou InterSer?
Como podemos inspirar as nossas crianças a aprender com o Coração? A sincronizar o pulsar Humano-Mais que Humano? A nutrir relações de pertença e cooperação, em vez de conquista/dominação e competição?
Não preciso estender-me sobre a importância do coração enquanto motor potente que pulsa vida. Mas gostava de salientar alguns aspectos que servem de base à nossa reflexão:
- O coração começa a bater muito antes do cérebro se formar, e o seu batimento pode manter-se mesmo sem o cérebro funcionar;
- O coração tem inteligência própria, altamente intuitiva e paradoxalmente selvagem e sofisticada;
- Há uma constante comunicação de duas vias entre cérebro e coração e, ao contrário da crença de que o “cérebro comanda tudo”, o coração envia mais informação ao cérebro do que o inverso (é muito mais potente o electromagnetismo enviado pelo coração do que as ondas cerebrais enviadas pelo cérebro);
- A variabilidade da frequência cardíaca é um marcador cientificamente validado para aferir o equilíbrio entre o sistema nervoso simpático e o parassimpático (os dois ramos antagónicos do sistema nervoso central);
- O sistema nervoso autónomo é maestro na homeostasia humana e tem um efeito preponderante no funcionamento e regeneração dos órgãos;
www.economiaemercado.co.mz | Julho 2023 48 OPINIÃO
Susana Cravo • Consultora & Fundadora da Kutsaca e da Plataforma Reflorestar.org
- O coração ajuda assim a sincronizar vários sistemas do nosso corpo, permitindo um funcionamento saudável. Tem um papel crucial na recolha, renovação e distribuição de “vida pulsante”;
- O coração também busca sincronizar-se com outros corações, e isso pode ser agradável, regenerador ou mesmo vital. Basta pensar, por exemplo, na técnica-canguru entre mãe e filho, num casal apaixonado ou na simbiose entre animal doméstico e dono. Mesmo os batimentos cardíacos tendem a sincronizar-se quando em conexão;
- O coração é o “sensor” da alma e está por isso conectado a um Todo Maior, que ultrapassa a cognição adequada a estas linhas que escrevo. Mas claramente há uma sincronicidade (ou dessincronia) entre o coração humano e o coração planetário. E era disto também que Pierre Rabhi nos falava em “As in the Heart, so in the Earth”. Há vários estudos que abordam a inteligência do Coração e a importância do alinhamento coerente com o sistema físico, mental e emocional. O Heartmath tem uma linguagem acessível para quem se interesse pelo tema, sendo este, contudo, focado no ser humano e na narrativa individualista ocidental, que aqui se pretende descentralizar.
Voltamos à nossa pergunta: Como podemos relacionar a sabedoria do (e sobre o) Coração com a Terra?
O sistema nervoso autónomo da Terra está claramente desequilibrado. Num paralelismo com o Corpo Humano, pode dizer-se que o sistema nervoso simpático, que assegura a sobrevivência em situações de stress agudo, está em constante activação, deixando a Terra em estado de alerta e stress permanente.
O sistema nervoso parassimpático, cuja função principal é a conservação de energia, a reparação de tecidos e a digestão e absorção de nutrientes, não consegue nutrir e regenerar de forma adequada.
A variabilidade da frequência cardíaca da Terra deve indicar uma espécie de arritmia, tendo em conta que o stress tem uma acção promotora do sistema nervoso simpático, e que isto afecta indirectamente a VFC.
As alterações climáticas, os solos cansados e estéreis, os oceanos acidificados e o ar contaminado são sinais de um coração cansado, de um sistema nervoso autónomo desequilibrado. O coração é da Terra. O cérebro é Humano. Desrespeita a lei natural da vida e o fluxo de comunicação. A dessincronia é inevitável. Se Corações Humano e Planetário se conectarem, a sincronia (re)emerge.
Dizem que as pessoas com maior variabilidade de frequência cardíaca (e saú-
de cardiovascular) são alguns atletas e alguns monges/pessoas com vários anos de prática de estados meditativos.
Acredito que estes estudos sejam feitos sobretudo por ocidentais e que não tenham tido em conta que há outros seres humanos, e mais que humanos, espalhados por esse mundo fora, com uma VFC também elevada e que podem ajudar a travar o desequilíbrio crescente.
Uma coisa é certa: se as crianças aprenderem, desde cedo na escola, a semelhança e simbiose entre os diferentes corpos e sistemas, mas também a importância de cada corpo e órgão cumprir a sua função, em pertença e cooperação, há esperança!
Voltando ao paralelismo do corpo humano, imaginem como seria se, um dia, o rim acordasse e quisesse, a partir de agora, ser coração. Se um dia vários orgãos acordassem e todos quisessem ser coração, cérebro ou mãos? Se ninguém quisesse um “papel secundário” de ser apenas cotovelo ou dedo mindinho.
Na vida real, e enquanto Corpo-Comunidade, foi isto que aconteceu: esquecemo-nos do nosso papel no Corpo Maior, e da importância de cada órgão desempenhar a sua função, em pertença e cooperação. Precisamos de resgatar essa sincronicidade e homeostase e a inteligência do Coração pode ajudar-nos neste caminho.
www.economiaemercado.co.mz | Julho 2023 49
“O coração é o ‘sensor’ da alma e está, por isso, conectado a um Todo Maior”
especial inovações daqui
50 PLANEAMENTO GEOESPACIAL
Todas as actividades que se desenvolvem sobre a terra, no espaço ou no mar devem (ou deveriam) ser planeadas. Foi para isso que foi criada a Agência Nacional de Desenvolvimento Geoespacial. Quais os seus objectivos, que tipo de tecnologia é utilizada e quais são as metas para o futuro?
As notícias da inovação em Moçambique, África e no Mundo. 54 56 MARRAR PANORAMA
Uma ferramenta criada para ajudar as empresas a pouparem custos através da automação de processos.
POWERED BY
Plano Geoespacial. O Começo de Tudo ou o Fim que Buscamos?
Para todo o objectivo que se persegue, há (ou deveria haver) um plano de suporte. Esta é a vocação da Agência Nacional de Desenvolvimento Geoespacial. A instituição já contribuiu com pesquisas para a banca e a prevenção de desastres naturais, entre outros. Mas carece de mais meios, sobretudo tecnológicos, para alcançar os seus ambiciosos objectivos
AAgência Nacional de Desenvolvimento Geoespacial (ADE) é um instituto público criado em 2020, que tem a responsabilidade da promoção das iniciativas de desenvolvimento espacial, desenvolvimento de ferramentas de análise socioeconómica e realização de estudos importantes para a formulação de políticas que influenciam o processo de planificação geoespacial. Mas... o que é isso? Sérgio Niquisse, especialista em inteligência geoespacial ao nível da ADE, vai explicar mais abaixo.
Ainda assim, podemos adiantar que a importância de uma agência geoespacial para um país é incontornável. Produz informação que permite monitorar
acções do Governo têm sido implementadas de maneira não integrada. Ou seja, vários sectores têm os seus planos específicos e cada instituição ou Ministério está preocupado em implementar o seu programa e apresentar resultados. Mas, entretanto, as suas acções dependem de outros sectores que estão fora dessas instituições, daí a necessidade de haver uma planificação integrada, que só faz sentido quando relacionada com um espaço físico – o território. Por exemplo, se quiser construir uma indústria, há que questionar, primeiro, onde fazê-lo. Então, a ADE nasce para providenciar ferramentas que permitam identificar locais óptimos para o desenvolvimento de uma determinada actividade ou criação de um empreendimento. Assim sen-
tudo o que existe, seja na terra, no espaço ou no mar. Por exemplo, ajuda a monitorar navios que circulam clandestinamente na costa moçambicana e a circulação de aviões no espaço aéreo. Mas isto ainda não está a acontecer na medida das necessidades do País. Precisamos, entre outros requisitos, de tecnologia e inovação.
Um dos grandes propósitos da ADE é o de promover boas práticas de planificação do território nacional. Gostaria que falasse sobre os limites de actuação da Agência e dos seus objectivos específicos.
Esta questão remete-nos, primeiro, à razão por que esta instituição foi criada. Notou-se, no decorrer do tempo, que muitas
do, a ADE prima pela promoção do pensamento espacial, ou seja, tudo o que pensamos está relacionado com o espaço físicoa localização. Por exemplo, para abrir uma indústria de extracção de areias pesadas é preciso ter acesso à energia eléctrica. Se não for tomado em consideração o plano geoespacial, corre-se o risco de ter investimento duplicado: instalar o projecto e depois criar condições para que haja energia. Mas se houver a integração dos planos dos vários sectores, facilmente se pode perceber as zonas a priorizar para a instalação deste projecto.
Pelo grau de complexidade das actividades da ADE, imagino que disponha de uma larga equipa de técnicos profissio-
www.economiaemercado.co.mz | Julho 2023 52
TEXTO Celso Chambisso • FOTOGRAFIA Mariano Silva
A ADE nasce para providenciar ferramentas que permitam identificar locais óptimos para o desenvolvimento de uma determinada actividade
PLANEAMENTO GEOESPACIAL
www.economiaemercado.co.mz | Julho 2023 53 POWERED BY
nais que fazem a coordenação interinstitucional. Pode citar algumas especificidades sobre a forma como é feita a identificação dos espaços para implementar diferentes projectos?
Infelizmente temos uma equipa de apenas 18 profissionais, incluindo as equipas técnicas e a estrutura administrativa. Mesmo que fossemos 100 profissionais não seria possível atender a todas as necessidades existentes. Então, estrategicamente, primamos pela internalização do conhecimento nas diferentes instituições que apoiamos. Temos uma componente de capacitação das instituições no sentido de que estas tenham conhecimento para, por si mesmas, darem continuidade ao que começámos juntos, usando as ferramentas que permitem a criação de soluções geoespaciais internamente. Por exemplo, fizemos um exercício similar com o Banco de Moçambique, no sentido de conhecer as áreas em que a banca poderia expandir-se no âmbito da estratégia de inclusão financeira. E porque temos de relacionar as nossas a actividades ao espaço físico, o trabalho consistiu em identificar onde é que estão localizados, actualmente, os bancos e onde estão as pessoas que precisam dos seus serviços. Assim, construímos ferramentas para a colecta de dados geoespaciais e mapeámos os bancos e todos os meios que fornecem serviços financeiros. Para tal, tivemos de capacitar um grupo indicado pelo Banco de Moçambique que fez a colecta desses dados. Neste momento, estamos no processo de informar quais são as populações bem servidas, as não bem servidas e os locais óptimos para abrir novos serviços bancários. Isso é possível também utilizando a tecnologia geoespacial que a ADE utiliza.
Além da banca, quais os outros sectores em que os serviços geoespaciais são mais importantes e onde são mais solicitados?
Estando localizado numa região propensa a desastres naturais, o sistema de informação geográfica é um instrumento poderoso para prevenir, mitigar e reduzir os impactos desses eventos. Permite-nos saber quais as áreas que serão afectadas, identificar a população em áreas de risco e emitir alertas. Neste contexto, estamos a realizar trabalhos em conjunto com o Instituto Nacional de Gestão e Redução do Risco de Desastres (INGD). Mais recentemente, construímos uma ferramenta que consistiu na espacialização do plano de contingência que o INGD apresentou para nove bacias hidrográficas ao nível nacional, no sentido de que esta instituição conheça os níveis de risco nessas bacias e saiba quais as infra-estruturas e
população que seriam afectadas em caso de ocorrência de cheias. Facilita aos técnicos do INGD a identificação da população a ser evacuada e dos locais seguros para as albergar. Além disso, no mais recente ciclone ocorrido na Zambézia, a ADE providenciou dados utilizados no processo de tomada de decisões pós-desastre, nomeadamente os locais e o número de pessoas afectadas, permitindo uma fácil alocação dos apoios.
Uma das questões de peso, internacionalmente, é o recurso à inovação tec-
nológica para desenvolver a planificação geoespacial. Temos a informação de que a ADE não está alheia a este contexto. Em que consistem as tecnologias envolvidas, como funcionam e em que pé estamos?
O conhecimento geoespacial existe antes das tecnologias e o trabalho de análises espaciais era feito manualmente. Mas é importante frisar a relevância da evolução tecnológica na indústria geoespacial, porque cada passo que a tecnologia dá impacta directamente nesta área. Antes, o mapeamento era no pa-
www.economiaemercado.co.mz | Julho 2023 54
PLANEAMENTO GEOESPACIAL
“Temos muitas necessidades ainda. Não estamos no nível que gostaríamos, mas estamos a usar uma tecnologia válida pelo mundo, nomeadamente as soluções enterprise”
pel e agora é feito no computador. O aparecimento da Internet trouxe a possibilidade de trabalhar remotamente facilitando que técnicos da área, mesmo estando em países diferentes, trabalhem nos mesmos projectos. Recentemente, a Inteligência Artificial (IA) agregou mais um salto. Agora é possível produzir informação espacial muito mais detalhada e específica do que antes. Ou seja, já podemos usar imagens de satélite para analisarmos padrões similares de diversas variáveis. Por exemplo, para mapear a pobreza, podemos tirar algumas amostras que mostram um padrão típico de famílias de baixa ou de alta renda. Com dados de satélite consegue-se mapear muita informação, incluindo as infra-estruturas, como escolas, rede de estradas, etc. O trabalho manual que era feito em vários meses e até anos é agora, com a IA, executado em semanas e com resultados impressionantes.
Mas a ADE dispõe desses meios inovadores?
Temos muitas necessidades ainda. Não estamos no nível que gostaríamos, mas estamos a usar uma tecnologia válida pelo mundo, nomeadamente as soluções enterprise que são uma tecnologia de ponta no que diz respeito à produção de mapas de análise espacial. Mas quando falamos de análise de grande quantidade de dados, precisamos de expandir a capacidade de armazenamento para permitir a utilização da IA. Até já temos servidores big data no País, mas ainda não são capazes de atender a todas as nossas necessidades. Estamos cientes sobre onde queremos chegar, a tecnologia que gostaríamos de utilizar e o contributo que queremos dar ao desenvolvimento, uma vez que a inteligência geoespacial é aplicada a todos os sectores. Queremos chegar ao ponto em que seremos incontornáveis, isto é, que todos os sectores uti-
lizem os nossos dados para a tomada de decisões. Os esforços que estão a ser feitos pela ADE são para encontrar parceiros de apoio no sentido de potenciar ainda mais o que está a ser feito, aumentando a capacidade técnica em equipamentos e know how.
E por falar em know how, como é que a ADE está? Como e onde são formados os técnicos, e em que especialidade?
Actualmente são formados em sistemas de informação geográfica pela Universidade Católica de Moçambique e pela Universidade Eduardo Mondlane. Provavelmente haverá outras instituições que formam nestas áreas, mas estas duas foram as pioneiras. Entretanto, não é fácil sustentar um curso neste segmento, porque requer investimentos muito caros em termos de equipamento. Além disso, a manutenção é muito difícil porque a tecnologia não pára de evoluir e há necessidade de manter actualizados todos os grupos que se formaram nesta área.
Em África e no mundo, quais são os melhores exemplos de países evoluídos na indústria geo-espacial em termos de equipamentos, competências e, obviamente, contributo na organização das instituições e no desenvolvimento?
No mundo é a Agência Espacial dos Estados Unidos. É fantástica. Tem satélites próprios e uma equipa vasta. Neste momento fazemos apenas uma parte daquilo que eles fazem, mas creio que as próximas gerações de moçambicanos vão lutar para lá chegarmos. Ao nível de África, temos a África do Sul que, até na sua legislação, o Parlamento não pode tomar decisões sem utilizar informação geoespacial. Quando o Governo faz o relatório das suas realizações utiliza como suporte a informação fornecida pela agência geoespacial para se credibilizar. Sonho que o nosso Parlamento chegue a este nível.
Quer então dizer que temos lacunas por sanar ao nível da legislação...
Até um passado recente não tínhamos uma agência como esta. Houve necessidade de criar legislação apenas para acompanhar este processo. A ADE trabalhou na criação de vários pacotes legislativos, e foi criada a política de dados abertos que ainda tem de ser publicada. Mas o mais crucial é que, recentemente, o Parlamento aprovou uma autorização para que o Governo crie a infra-estrutura de dados geoespaciais de Moçambique. Através deste instrumento, vamos poder regular a produção de informação geoespacial.
www.economiaemercado.co.mz | Julho 2023 55 POWERED BY
MARRAR
Poupar Dinheiro e Tempo a “Marrar”? Eis a Solução...
“Marrar” significa estudar, numa linguagem informal muito popular entre jovens estudantes. Mas é também o nome herdado por uma empresa que contribui para responder a um dos maiores (senão o maior) desafio do empresariado: a busca da eficiência. Será que a necessidade de “estudar muito” para racionalizar recursos tem um fim à vista?
Formado em engenharia informática pela Universidade Eduardo Mondlane, Manuel João de Azevedo teve a ideia de criar a sua empresa em 2016, quando frequentava o último ano de faculdade, juntamente com três colegas seus. Inicialmente, a ideia era apenas abrir um site académico com o mesmo nome que a empresa ostenta (Marrar) –que significa estudar em linguagem informal e popular.
Mas com o passar do tempo, o grupo foi sendo desafiado pelo mercado a resolver problemas mais complexos das empresas. E ao que tudo indica valeu a pe-
na! Porquê? Se calhar é importante começar por reconhecer que um dos grandes requisitos para a competitividade das empresas é a racionalização de custos, que pode obedecer a vários critérios, sendo um dos mais importantes a minimização dos gastos com o pessoal. Pelo mundo, essa meta tem sido alcançada através da automação e robotização de processos de produção.
É o que faz a Marrar – uma das poucas empresas nacionais que fornece serviços a este nível no mercado nacional – através do que se chama de Robotic Process Automation (RPA), uma aplicação capaz de automatizar actividades humanas por
meio de armazenamento, interpretação e processamento de dados. “Somos especializados na automatização e digitalização de processos - transformamos processos manuais para digitais nas empresas, mas também fazemos a automatização por meio da robótica”, explicou à E&M Manuel João de Azevedo, co-fundador da Marrar.
Falando sobre o RPA, o responsável detalhou que este tipo de serviços permite que as empresas possam automatizar algumas actividades que são feitas pelos colaboradores de forma rotineira, o que significa que é possível ter um robot que executa tarefas que seriam realizadas
www.economiaemercado.co.mz | Julho 2023 56 EDTECH
TEXTO Nário Sixpene • FOTOGRAFIA Mariano Silva
BEMPRESA
Marrar SERVIÇOS
Robotic Process Automation e Glugla Empresas COLABORADORES FIXOS
30 SECTOR
Manuel João de Azevedo ANO DE FUNDAÇÃO
2016
por um humano e assim reduzir os custos operacionais. Outra vantagem é que o serviço feito pelo robot tem uma precisão igual ou superior à executada pelo homem.
Mas a Marrar, procurando ser uma empresa versátil, não se sentiu realizada apenas com a criação da RPA. Procurou outras soluções que ajudassem a racionalizar custos e tempo a favor das empresas e, em 2020, fundou a Glugla Empresas, que é essencialmente uma plataforma na qual as empresas se inscrevem e podem escolher o conteúdo de que pretenderem fazer uso, nomeadamente os concursos públicos ou privados, pedi-
dos de cotações de produtos e/ou serviços, ou ainda escolher a opção de promover os seus próprios produtos e serviços. “Sendo uma empresa criada para servir as empresas, o público que acede às nossas plataformas é fundamentalmente constituído por empresários e funcionários de empresas”, apontou Manuel João Azevedo.
No seu portefólio, a Marrar conta com alguns clientes de peso no mercado. Na banca, já prestou serviços para o Absa e para o Access BanK, teve também clientes do sector extractivo como a SASOL, e outros que trabalham no ramo da advocacia. E quanto ao segredo para se im-
por no mercado? “Procuramos concorrer a concursos que são do interesse da nossa empresa, mas também temos a sorte de sermos chamados por outras pessoas por recomendação... O nosso trabalho é o nosso próprio portefólio. O trabalho fala por nós”, afirmou com orgulho o empresário. Entende, entretanto, que o mercado moçambicano é muito fértil para a área das tecnologias, o que significa que ainda há muito espaço para pesquisa e desenvolvimento de novas soluções de TI. A Marrar conta com cerca de 30 trabalhadores fixos, sem contar com outros dez que estão a fazer trabalho temporário.
www.economiaemercado.co.mz | Julho 2023 57 POWERED BY
AgriTechs
Projecto inovador
agro-ambiental leva estudantes moçambicanos à 2.ª posição de uma competição tecnológica mundial nos EUA
Numa competição que contou com a participação de 51 equipas de estudantes de instituições superiores de vários países do mundo, o grupo moçambicano, constituído por estudantes da Universidade Eduardo Mondlane (UEM), conseguiu destacar-se e ocupar a 2.ª posição, arrecadando 20 mil dólares para testar o seu projecto.
O grupo da UEM, representado por Vasco Cossa, Carla Mavila e Odávia, todos da Faculdade de Ciências, e ainda Abel Junga, da Faculdade de Engenharia, e Erasmo Sique, do curso de Agronomia, apresentou, uma ideia designada “Green Poultry Farm”, que aborda o problema da poluição ambiental resultante de resíduos de aves na produção avícola intensiva, com um sistema inovador de digestão anaeróbica, que consiste na conversão do esterco de aves em biogás e biofertilizantes.
O projecto mostrou como reduzir o impacto ambiental da avicultura intensiva, diminuir o uso de energia eléctrica da rede na produção avícola e as formas de maximizar o rendimento das culturas por meio dos biofertilizantes, com a finalidade de contribuir para a economia circular.
O concurso, que teve lugar nos EUA, é uma competição anual que lança soluções revolucionárias para o futuro, inspirando estudantes de todo o mundo numa disputa de 65 mil dólares em dinheiro.
Conectividade
Moçambique terá central de dados estatísticos para registos e notariado
O Governo está a desenvolver uma plataforma de armazenamento e gestão de dados estatísticos dos registos e notariado como forma de melhorar os serviços prestados aos cidadãos, entidades públicas e privadas.
O sistema informático de armazenamento central propõe-se aprimorar os métodos de trabalho, permitir a elevação dos níveis de gestão de dados dos registos civil, predial, automóvel, de enti-
Telecomunicações
dades legais, dos partidos políticos, confissões religiosas e serviços de notariado. Espera-se ainda que o sistema de informação estatística apoie o Governo no processo de tomada de decisão sobre o sector da Justiça, Assuntos Constitucionais e Religiosos, ajudando a encontrar a melhor informação e meios adequados de partilha de dados para auxiliar na tomada de decisões no País, bem como para actualizar a comunidade no geral.
Lançada a primeira linha de fibra óptica terrestre que liga Quénia e África do Sul
A Liquid Dataport, uma empresa da Cassava Technologies, grupo tecnológico pan-africano, anunciou o lançamento da primeira fibra terrestre que liga Mombaça (a segunda maior cidade do Quénia) à cidade sul-africana de Joanesburgo.
Esta nova rota, incluindo uma ligação de fibra inovadora e única através da República Democrática do Congo (RDC) entre Goma e Kananga, proporciona a vários países sem litoral redundância extra, resiliência, conectividade a numerosos centros de dados e recursos de nuvem e, mais significativamente, uma opção alternativa no caso de uma falha
Healthtechs
do cabo submarino entre o Quénia e a África do Sul.
Esta rota não só trará um maior acesso à conectividade de alta velocidade, como também melhorará a qualidade de vida das populações e permitirá que as empresas criem e mantenham milhões de empregos.
Oferece também às empresas e aos operadores grossistas conectividade directa aos centros de dados de Joanesburgo e Nairóbi.
A procura exponencial pela conectividade resulta directamente da crescente adopção de tecnologias digitais pelas empresas em todo o continente.
Empresas unem-se para revolucionar sistema de saúde em África através de drones
A parceria centra-se no estabelecimento de um sistema de entrega transaccional que transporta amostras de sangue, produtos farmacêuticos e vacinas, melhorando o acesso à análise das amostras e permitindo um tratamento mais rápido para as comunidades rurais. A solução fornecida facilitará o rastreio e a comunicação dos resultados directamente aos doentes.
As empresas alemãs Siemens Healthineers, focadas na produção de dispositivos médicos, e a Wingcopter, fabricante de drones, assinaram um memorando para transportar materiais de diagnóstico laboratorial e outros suprimentos médicos em toda a África.
Os drones de entrega são construídos por elementos essenciais que lhes permitem percorrer 75 quilómetros e suportar diferentes temperaturas sem serem afectados. Além disso, esta solução não só abordará questões de saúde, como também ajudará a reduzir as emissões de carbono, a travar os acidentes rodoviários e a contribuir para a capacidade das operações com drones.
www.economiaemercado.co.mz | Julho 2023 58
PANORAMA
Milton Friedman e o Pensamento Liberal da Economia
Quem foi Milton Friedman? Ícone da Escola de Chicago, é uma das principais referências do Liberalismo do século XX em reacção à prevalência de políticas económicas intervencionistas. Que legado deixa para uma melhor orientação das políticas económicas actuais?
Esta secção inaugura uma nova era da E&M, em que passaremos a apresentar, em cada edição, uma figura emblemática da área da Economia, e esmiuçar um pouco do seu contributo para a ciência e para o comportamento das sociedades e dos mercados.
Nesta edição, o destaque vai para Milton Friedman. Quem foi? Vencedor do Prémio Nobel de Economia de 1976, foi um importante economista e estatístico norte-americano. Professor da Universidade de Chicago, destacou-se pelas suas teorias em defesa do livre mercado.
PhD pela Universidade de Columbia, iniciou a carreira trabalhando na Agência Nacional de Pesquisa Económica (NBER), local onde se dedicou aos estudos sobre a distribuição de renda nos EUA.
Friedman passou a ser mais conhecido a partir de 1957, quando elaborou a Teoria da Função de Consumo, de acordo com a qual, as decisões individuais sobre consumo e poupança se amparam mais em mudanças permanentes na renda do que em qualquer incremento momentâneo na riqueza.
Por outras palavras, Friedman desaconselha que as pessoas mudem o padrão de consumo em resultado de ganhos temporários de recursos financeiros, a que chama de renda transitória (dinheiro oferecido, ganho em concursos ocasionais, etc). E defende que as
mudanças na renda permanente, como o aumento nos lucros, salário, etc., são os que justificam a alteração no padrão de consumo.
As contribuições de Friedman para a economia actual
Durante a sua vida académica, Milton Friedman refutou o Keynesianismo, modelo macroeconómico que defendia os gastos do Estado (política fiscal) como contraponto às limitações do modelo de livre mercado, chegando, assim, ao monetarismo, modelo cujo foco é a política monetária e os seus efeitos sobre os níveis de preços no curto e longo prazo. Como premissa básica, assenta no pressuposto do crescimento, sem sobressaltos, da oferta de moeda.
As suas ideias influenciaram a segunda metade do século XX, trazendo de volta os conceitos clássicos de Adam Smith e a sua defesa na capacidade própria dos mercados em alcançar a eficiência e o equilíbrio económico. Isto é, o pressuposto de que os Estados não precisam de interferir para induzir o comportamento dos mercados, visto que estes são movidos por uma “mão invisível”, através do equilíbrio automático estabelecido pela lei da procura e da oferta.
Entre as qualidades da economia de mercado ressaltou a seguinte, no seu artigo “Why Government Is the Problem?”, de 1993: “a grande virtude do livre mercado é que não se preocupa com a et-
www.economiaemercado.co.mz | Julho 2023 60 SHAPERS
No livro “Capitalismo e Liberdade”, Milton Friedman propôs-se apresentar as vantagens do respeito às boas práticas do capitalismo como promotor da liberdade e da prosperidade
Texto Celso Chambisso • Fotografia D.R
BBIOGRAFIA DE FRIEDMAN
Originário de uma família muito pobre, os pais emigraram da Rússia: Milton Friedman nasceu no bairro de Brooklyn, em Nova Iorque, a 31 de Julho de 1912. Depois de completar a educação básica com menos de 16 anos de idade, mesmo tendo perdido o pai, conseguiu manter-se na universidade graças a uma pequena bolsa e grandes sacrifícios financeiros.
No auge da Grande Depressão (1932), Friedman concluiu os seus estudos em Rutgers, tendo-se destacado nas disciplinas de Matemática e Economia Morreu a 16 de Novembro de 2006.
nia das pessoas, nem com a sua religião, e sim com a possibilidade de poderem criar algo que as pessoas querem comprar. Esse é o sistema mais eficiente que já descobrimos, que permite que pessoas que se odeiam negoceiem para se ajudarem umas às outras”.
No livro “Capitalismo e Liberdade”, Milton Friedman propôs-se a apresentar as vantagens do respeito às boas práticas do capitalismo como promotor da liberdade e da prosperidade, superando todas as alternativas apresentadas pelo Socialismo. Contudo, ao contrário de muitos outros autores liberais do século XX, ele tinha uma postura bastante pragmática.
Não se limitava a sustentar princípios teóricos, mas contrastava-os com realidades sociais e históricas, a seu ver, em constante mutação. A sua abordagem cuidadosa e contextual dos diversos problemas que analisou derivava da sua convicção de que, apesar de o Liberalismo sustentar princípios, estes precisam de dialogar com realidades complexas e em transformação, que poderão obrigar a aplicações diferentes desses mesmos princípios.
O pensamento de Milton Friedman
Em virtude do seu trabalho sobre o papel do dinheiro na inflação, Friedman recebeu o Prémio Nobel de Economia em 1976. A sua obra influenciou diversos políticos. Na década de 1980, Friedman participou no Comité de Política Económica de Ronald Reagan, então Presidente dos Estados Unidos, e actuou como consultor da primeira-ministra do Reino Unido, Margaret Thatcher. Contribuiu também com o programa de privatizações instaurado no Chile durante a ditadura de Augusto Pinochet.
Friedman é autor de uma das frases mais reproduzidas nos debates económicos: “não há almoços grátis”. Na prática, o autor do livro Free to Choose (Livre para Escolher) quis dizer que é impossível um Governo conceder benefícios à população sem cobrar algo em troca. Os privilégios são distribuídos a grupos específicos, mas quem paga a conta, via impostos, é a maioria dos trabalhadores. Para o economista, os indivíduos sabem como gastar o seu dinheiro melhor que qualquer político.
Na sua trajectória, cedo desenvolveu a ideia de que a solução para os problemas de uma sociedade é dada por um sistema de competitividade e liberdade absoluta. E isto orienta grande parte das políticas económicas de vários países até hoje.
www.economiaemercado.co.mz | Julho 2023 61
A Cibersegurança Nos Países Emergentes: Riscos, Desafios e Soluções
No mundo interligado de hoje, falar da importância da cibersegurança nunca é demais. À medida que os países emergentes adoptam os avanços tecnológicos, devem também estar cientes dos riscos associados às ameaças cibernéticas.
Como veremos, há riscos reais enfrentados por esse conjunto alargado de nações, pelo que importa enfatizar a necessidade de medidas robustas de segurança cibernética. Da mesma forma, convirá olhar para a forma como as organizações dos países, sejam instituições públicas ou privadas, podem aproveitar as soluções robustas do mercado e os desenvolvimentos em matéria de Inteligência Artificial (IA), para melhor protegerem as suas infra-estruturas críticas e os seus dados confidenciais contra os ataques cibernéticos.
No que diz respeito aos riscos reais, os países emergentes e as suas organizações são, com frequência, alvos atraentes para os cibercriminosos. Esta é uma realidade que advém de factores como práticas de cibersegurança menos maduras, recursos limitados e investimento reduzido. A isto junta-se a crescente digitalização que acarreta, por si só, um enorme ninho de conforto para cibercriminosos.
É possível tipificar uma boa parte dos riscos comuns enfrentados nestas economias. Vejamos:
• Violações de dados – Os cibercriminosos têm como alvo dados valiosos detidos por agências públicas e privadas, como instituições financeiras e entidades estatais de recolha de dados, registos e conservatórias, por exemplo. As violações podem resultar em informações pessoais comprometidas e utilizadas para outros crimes (raptos e assaltos), perdas financeiras e erosão da confiança pública nos serviços de cada instituição. O resultado é invariavelmente a
origem de perdas avultadas e, muitas vezes, até a falência de negócios, outrora, maduros.
• Ataques à infra-estrutura – Infra-estruturas essenciais, incluindo redes eléctricas, sistemas de bens públicos e redes de comunicações, podem ser visadas, causando perturbações, perdas económicas e potenciais danos para a segurança pública.
• Phishing e engenharia social – Agentes mal-intencionados exploram com frequência as vulnerabilidades humanas, enganando indivíduos para que revelem informações confidenciais ou obtenham acesso não autorizado a redes, dados e contas bancárias. Os ataques de phishing através de e-mails, mensagens de texto ou chamadas telefónicas são predominantes.
• Ransomware – Nenhum país (e nenhuma organização) está imune a ataques de ransomware, em que os cibercriminosos encriptam dados críticos e exigem um resgate para a libertação da chave de encriptação. Tais ataques podem prejudicar as operações de entidades financeiras privadas e públicas, entidades governamentais ou até serviços públicos.
• Ameaças internas – Actores internos com acessos privilegiados a dados críticos podem representar um risco muito significativo. Pessoas com intenções maliciosas ou aqueles que involuntariamente são vítimas de engenharia social podem causar danos significativos à segurança e estabilidade de uma instituição ou até de um país.
Perante este contexto, e os desafios que ele nos coloca, que soluções podemos encontrar? No quadro dos actuais avanços no domínio da Inteligência Artificial, esta pode desempenhar um papel vital no reforço das capacidades de cibersegurança. Enquanto especialistas no desenvolvimen-
www.economiaemercado.co.mz | Julho 2023 62 P OWERED BY ASSECO PST
Hugo Silva • Deputy Director da área de IT Infrastructure & Security na Asseco PST
No quadro dos actuais avanços no domínio da Inteligência
Artificial, esta pode desempenhar um papel vital no reforço das capacidades de cibersegurança
to de software e serviços para o sector financeiro, a Asseco PST preconiza e oferece um conjunto de soluções que aproveitam a IA para proteger activos críticos e fortalecer as defesas. Uma dessas soluções é o Safeguarded Copy, da IBM, que emprega técnicas avançadas de criptografia e protecção de dados para proteger informações confidenciais.
Atentemos então nas suas principais características:
• Encriptação de dados: O Safeguarded Copy utiliza algoritmos de encriptação robustos para proteger os dados em repouso e em trânsito. Isso garante que, mesmo que os dados sejam comprometidos, eles permaneçam ininteligíveis para pessoas não autorizadas.
• Controlo de acesso: A solução da IBM, representada pela Asseco PST, incorpora mecanismos fortes de controlo de acesso, incluindo autenticação com multifactores e acesso baseado na função do utilizador final. Objectivos? Impedir que indivíduos não autorizados entrem em sistemas e acedam a dados críticos.
• Inteligência de ameaças: O Safeguarded Copy integra feeds de inteligência de ameaças para identificar e responder proactivamente a ameaças cibernéticas emergentes. Ou seja, utiliza análises orientadas por IA para detectar padrões, anomalias e vulnerabilidades potenciais, permitindo a mitigação oportuna e a segurança contínua.
• Resposta a incidentes: No caso de um incidente de cibersegurança, o Safeguarded Copy fornece recursos automatizados de resposta a incidentes, permitindo contenção, análise e remediação rápidas da ameaça. Isso ajuda a minimizar o impacto de um ataque e facilita uma recuperação mais rápida e com maior período de disponibilidade. Em paralelo, a segurança da infra-estrutura deve estar protegida com o IBM QRadar Suite, uma plataforma abrangente de segurança cibernética que oferece recursos avançados de detecção e resposta a ameaças. Ela combina monitorização em tempo real, análise de logs e análise comportamental para identificar ameaças potenciais e permitir medidas de defesa proactivas. Vejamos alguns aspectos em particular:
• Monitorização de logs e eventos: O QRadar Suite recolhe e analisa logs e eventos de diversas fontes, como dispositivos de rede, aplicações e servidores, fornecendo uma visão holística do cenário de segurança. Ele detecta actividades suspeitas, permitindo a detecção precoce de ameaças.
• Análise comportamental: Ao aplicar algoritmos de machine learning, o QRadar Suite estabelece padrões de comportamento básicos do utilizador e do sistema. Ele identifica anomalias, como tentativas de acesso incomuns ou actividades privilegiadas do utilizador, ajudando as organizações a detectar potenciais ameaças internas.
• Integração inteligente de ameaças: A plataforma QRadar Security Intelligence serve como um centro de controlo que integra dados de inteligência de segurança em tempo real para incluir mais de 400 fontes diferentes. Com o Security Intelligence, as empresas podem alertar automaticamente as equipas de segurança sobre aplicações sem correcções implementadas ou desactualizadas, que correm o risco de serem atacadas por acções maliciosas, utilizando layers de aplicações com brechas de segurança conhecidas publicamente. Essa integração permite que o QRadar Offence Manager determine se o tráfego mal-intencionado observado para uma aplicação pode potencialmente levar a um ataque e, em seguida, reporta isso como um incidente de alto risco para o administrador de segurança.
Em conclusão, com o ritmo de ameaças cibernéticas em crescimento exponencial, a aposta na cibersegurança é hoje mais importante do que nunca. Ajudar as organizações a adoptar abordagens proactivas para problemas de segurança, gerindo cada situação de maneira adequada, é essencial para fazer crescer os países, as suas empresas e os respectivos negócios.
Mais ainda quando estão em causa as organizações do sector financeiro em que a confiança é um dos pilares sobre os quais assenta a sua transformação digital.
www.economiaemercado.co.mz | Julho 2023 63
Há riscos reais enfrentados por um conjunto alargado de nações. São necessárias medidas robustas de segurança cibernética
Como os BRICS Querem Destronar o Dólar
A ‘desdolarização’ do sistema monetário internacional poderia representar a libertação da “ditadura” do domínio monetário norteamericano, defende a aliança dos BRICS. Mas isso não é assim tão simples. Explicamos porquê
Odebate sobre a desdolarização ressurge mais ou menos a cada dois anos.
Ultimamente, tem sido o grupo dos BRICS – Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul – a apelar à criação de uma nova moeda de reserva. Ao pôr em causa o domínio do dólar, que, de qualquer forma, está a desaparecer, esta nova moeda oferece aos mercados emergentes a esperança de se verem menos vulneráveis face às decisões políticas tomadas pelos Estados Unidos da América.
Numa altura em que o mundo está à beira de uma nova crise económica e a Rússia é alvo de sanções financeiras, o apelo à desdolarização parece ser mais popular do que nunca. No início de Abril, Alexander Babakov, vice-presidente da Duma [Parlamento russo], anunciou a criação de uma nova moeda, que será discutida na cimeira dos BRICS, em Durban, África do Sul [no mês de Agosto].
A implementação desta moeda insere-se na vontade de este grupo de países reformar o sistema financeiro mundial, que critica por conferir privilégios exorbitantes aos Estados Unidos da América. Resta saber se os BRICS, que não conseguiram afirmar-se enquanto alternativa que prometeram ser, são a aliança certa para destronar o dólar. Jim O’Neill, o economista que cunhou o acrónimo BRIC em 2001, escreveu recentemente que este bloco deveria expandir-se e desafiar o domínio do dólar. Os BRICS – que ago-
ra incluem a África do Sul, uma evolução que Jim O’Neill não previu – ponderam incluir a Arábia Saudita e o Irão. “A dimensão da economia norte-americana pode estar a diminuir em relação a outras que estão a crescer, nomeadamente a chinesa e a indiana, mas o dólar mantém-se dominante em muitos domínios das finanças”, explica.
“É quase como um relógio: sempre que a Reserva Federal norte-americana [o banco central] embarca num período de aperto monetário ou de afrouxamento, as consequências para o valor do dólar são consideráveis, os efeitos são devastadores para cada dólar de dívida em dólares que outros países têm, e isto desestabiliza a política monetária destes, muito mais do que as decisões nacionais”, acrescenta. Quando O’Neill concebeu esta aliança, que combinava o poder do Brasil, da Rússia, da Índia e da China, estas economias emergentes estavam destinadas a grandes feitos.
Ele previu que todas, excepto o Brasil, cresceriam mais depressa do que a média dos G7 [países ricos] nos dez anos após 2001. Na sua opinião, o crescimento dos BRIC, e da China em particular, produziria um efeito importante na política monetária e fiscal mundial.
Publicado dois anos após a criação do euro, o texto de Jim O’Neill sugeria que chegara o momento de se reforçar politicamente esta divisa como moeda [de reserva], tal como o iene japonês, que, além do dólar, são os mais transacciona-
dos. A força da moeda norte-americana deveria então constituir um desafio importante para os países emergentes. O domínio do dólar, nos últimos 80 anos, remonta aos Acordos de Bretton Woods [resultado da conferência com o mesmo nome, realizada em Julho de 1944], que permitiu a 44 países criar um sistema internacional de taxas de câmbio.
Neste sistema, que entrou em vigor em 1958 e terminou no início dos anos 70 [em Agosto de 1971, Richard Nixon pôs fim à convertibilidade do dólar em ouro, para fazer face aos colossais défices orçamentais dos Estados Unidos da América], o dólar era a única moeda convertível em ouro, estando as demais divisas indexadas ao seu valor. O dólar tinha sido eleito para ser figura central do sistema, porque o Reino Unido fora tão afectado durante a II Guerra Mundial que a libra esterlina estava fora da equação.
Após o colapso de Bretton Woods, o sistema monetário mundial transformou-se gradualmente, mas o dólar continuou a ser a moeda internacional dominante por defeito. Como já não está indexado ao ouro, o apoio de que beneficia baseia-se, em grande medida, na confiança do poder económico dos Estados Unidos da América.
Mundo a mudar, devagar
Há quem critique o domínio do dólar por este tornar o sistema monetário interna-
www.economiaemercado.co.mz | Julho 2023 64 M&F WORLD OUTLOOK
Texto Sarah Smit, Mail & Guardian • Fotografia D.R.
Numa altura em que o mundo está à beira de uma nova crise, o apelo à desdolarização parece ser mais popular do que nunca. O que é menos claro é se os BRICS são a melhor forma de o fazer
cional fundamentalmente instável e injusto, levando a taxas de câmbio voláteis, desequilíbrios macroeconómicos e crises financeiras frequentes.
No final da década de 1990, o aumento das taxas de juro nos Estados Unidos fez subir o dólar e levou ao colapso das moedas nacionais, bem como ao aumento das dívidas em dólares em países como o México, a Tailândia, a Indonésia, a Coreia do Sul, a Rússia e a Argentina, o que desencadeou corridas às divisas e colapsos financeiros.
A criação de um novo sistema financeiro estava no centro do projecto dos BRICS. Na sua primeira cimeira, em Ecaterimburgo, na Rússia, em 2009, os líderes comprometeram-se a reformar as instituições financeiras internacionais, para que estas reflectissem melhor a evolução da economia mundial. A África do Sul aderiu à aliança, um ano mais tarde. Também em 2009, o Presidente russo Dmitry Medvedev expressou a sua ambição de criar uma moeda de reserva mundial.
Entretanto, embora o dólar tenha mantido o domínio, a sua quota nas reservas internacionais diminuiu, segundo estudos recentes. De acordo com um relatório do Fundo Monetário Internacional (FMI), publicado no ano passado, o sistema de reservas internacionais tem-se caracterizado por uma erosão gradual do dólar, ao longo dos últi-
mos 20 anos. Este declínio tem lugar em duas direcções: “Um quarto para o renminbi chinês [yuan] e três quartos para as moedas de países mais pequenos, que desempenham um papel mais limitado como moedas de reserva”, afirma-se no relatório.
Os esforços da China para internacionalizar a sua moeda contribuíram para esta tendência. No final do mês passado, a China e o Brasil concordaram em abandonar o dólar e em favorecer as moedas de cada um nas suas transacções comerciais. E, desde as sanções a Moscovo, que o yuan substituiu o dólar como a moeda mais transaccionada na Rússia.
“O mundo está a mudar”, afirma Sanisha Packirisamy, economista do [fundo de investimento] Momentum Investments. “A contribuição dos Estados Unidos da América para o PIB mundial está a diminuir, e a quota dos mercados emergentes, sobretudo da China, na economia mundial está a aumentar”, explica. No entanto, é provável que demore algum tempo até que outra moeda ultrapasse o dólar, uma vez que este continua a dominar o mercado cambial, acrescenta.
Em 2000, a introdução do euro desencadeou semelhante debate sobre a possibilidade de este vir a substituir o dólar, salienta. O exemplo do euro demonstrou que é difícil formar uma união monetária, porque os países envolvidos têm di-
nâmicas diferentes em termos de emprego, inflação e fiscalidade. “No que diz respeito aos países dos BRICS, estes têm antecedentes diferentes, perspectivas de crescimento muito variadas, taxas de inflação muito desiguais, dinâmicas de mercado laboral muito diferentes e as reformas estão a decorrer a ritmos também eles muito diferentes”, esclarece Sanisha Packirisamy.
É perfeitamente possível conseguir-se uma alternativa ao dólar, defende o investigador de economia política Patrick Bond. O que é menos claro é se os BRICS – e uma eventual aliança BRICS Plus, que incluiria a Arábia Saudita – são a melhor forma de o fazer.
Em 2014, os líderes dos BRICS assinaram um memorando em que se estabelecia um Fundo de Reserva de Emergência, ao qual os membros poderiam recorrer em caso de dificuldades financeiras. Esta alternativa ao FMI ainda não está operacional.
Patrick Bond salienta que os BRICS também não conseguiram criar uma alternativa às três principais agências de notação financeira. Também não apresentaram uma alternativa às duas instituições de Bretton Woods – o FMI e o Banco Mundial. Em vez disso, defendem uma estratégia de “assimilação financeira subimperialista” através do seu Novo Banco de Desenvolvimento. “Falam à esquerda e andam à direita”, conclui.
www.economiaemercado.co.mz | Julho 2023 65
“Queremos Ser um Gateway de Entrada de Investidores em Moçambique”
O Grupo Absa escolheu, em Junho, Moçambique para a sua Conferência Anual dos presidentes dos Conselhos de Administração, reunindo os decisores máximos do Grupo e a liderança de todas as subsidiárias presentes no continente africano
Arrie Rautenbach, CEO do Absa Group, esteve em Moçambique em Junho passado e reuniu-se com o Presidente da República, Filipe Nyusi, com o ministro da Economia e Finanças, Max Tonela e com o Governador do Banco de Moçambique, Rogério Zandamela. No balanço da visita, falou, em exclusivo, à revista E&M.
A primeira questão que gostaria de lhe pôr prende-se com a sua opinião sobre o processo de transição do antigo Barclays Bank para o actual Absa Moçambique. Hoje, parece totalmente consolidada, quer ao nível dos novos valores do banco no mercado interbancário moçambicano, quer ao nível operacional. É assim?
O rebranding do banco, de Barclays Bank para Absa Bank, foi fundamental para refrescar as nossas ideias e adaptarmo-nos à evolução das necessidades dos nossos clientes. Embora a mudança de marca signifique uma transformação, os nossos ideais e valores fundamentais mantiveram-se firmes. O nosso sucesso e ambição giram em torno do nosso compromisso inabalável com o cliente no centro de tudo.
A decisão de fazer a transição para o Absa Bank coincidiu com a crescente procura de mais do que apenas serviços financeiros por parte dos clientes. Reconhecemos esta mudança e abraçámo-la de coração. A boa execução desta transição por parte da nossa direcção e das equipas no País é um testemunho das suas capacidades. É um caso de estudo de referência de transições de marca sem falhas. A sua dedicação e experiência garantiram que o processo de mudança de marca não perturbasse as nossas operações e que pudéssemos continuar a servir os nossos clientes
com excelência. Além disso, a nossa abordagem inovadora ao trabalho e a agilidade da nossa equipa permitiram-nos responder eficazmente aos desafios colocados a nível global e local, pelo que somos considerados pelas partes interessadas como uma referência na adequação da resposta, transformando os desafios em oportunidades. Perante dificuldades sem precedentes no mundo, fomos capazes de nos adaptar rapidamente e de prestar aos nossos clientes o apoio de que necessitavam. Estamos orgulhosos do esforço consolidado das nossas equipas, tanto no País como com o apoio do Grupo.
Gostaria que referisse três factores que mudaram no sistema financeiro no pós-pandemia. E no Grupo Absa.
A pandemia teve um impacto significativo e de grande alcance na economia global e no sistema financeiro, incluindo a forma como as pessoas trabalham, as preferências dos clientes e a criação de resiliência, entre outras coisas. O covid mudou o cenário de trabalho e, no Absa, continuamos a apoiar o trabalho híbrido como o novo normal. Este modelo continuará a fazer parte do nosso projecto, uma vez que reconhecemos que os espaços que definem os empregadores do amanhã têm de ser flexíveis, preparados para o futuro e adequados à sua finalidade, mantendo uma abordagem centrada nas pessoas. A pandemia também influenciou as mudanças nos comportamentos e preferências dos clientes. Durante os períodos de confinamento, muitos adoptaram comportamentos digitais e esperam agora a facilidade de acesso e a personalização que se tornaram a norma noutras plataformas. O número de clientes digitalmente activos do Absa quase duplicou desde a pandemia de covid-19, atingindo três milhões no
ano passado. Este aumento pode ser atribuído não só ao investimento contínuo na melhoria dos nossos produtos e plataformas digitais, mas também à influência da pandemia na promoção das preferências digitais. Embora o covid-19 tenha tido consequências trágicas em todo o mundo e um impacto negativo substancial no desempenho do sector financeiro na sequência imediata da pandemia, o enorme “teste de stress” que representou, acabou por reforçar a resiliência. Num mundo cada vez mais volátil, é útil que os bancos criem “músculo” para a crise. Os bancos, como o Absa, que têm uma base sólida, aprendem com eventos de stress como o covid-19 e, antes disso, com a crise financeira mundial, e aumentam a sua resiliência.
Existe hoje um contexto macroeconómico exigente e desafios que são transversais a vários mercados onde o Absa opera: inflação galopante e elevadas dívidas externas, por exemplo. Quais são, na sua opinião, os principais desafios a médio prazo para as economias da África Oriental?
O crescimento económico real nos países da África Subsaariana onde o Absa tem as suas maiores operações deverá ser, em média, de cerca de 2,5% em 2023. Esta é a taxa de crescimento mais baixa desde 2016. No entanto, grande parte desta situação reflecte o fraco desempenho da África do Sul. Excluindo este país, espera-se
www.economiaemercado.co.mz | Julho 2023 68 CEO TALKS | ARRIE RAUTENBACH, ABSA GROUP
Texto Pedro Cativelos • Fotografia D.R.
que o crescimento económico real seja, em média, de cerca de 4,3 %, sendo Moçambique uma das histórias económicas de maior sucesso na região. A inflação foi um desafio fundamental na maioria dos países no ano passado, uma vez que os preços dos produtos alimentares e da energia colocaram as famílias sob uma pressão financeira significativa. Os aumentos das taxas de juro, desencadeados tanto por uma inflação mais elevada como por taxas de câmbio mais fracas, agravaram ainda mais os desafios. É encorajador o facto de a inflação estar a descer e a nossa sensação é de que, na maioria dos países, as taxas de juro estão no seu pico ou perto dele. Infelizmente, vários países têm níveis de dívida desconfortavelmente elevados, pressionando os governos a reduzirem significativamente a despesa ou a arriscarem-se a cair numa crise de dívida. A dolorosa experiência de Moçambique com o incumprimento da dívida ainda é recente, e tanto a Zâmbia como o Gana estão actualmente a passar por exercícios difíceis semelhantes, em que é necessário fazer compromissos doloro-
sos. Esperamos que os mercados da África Oriental liderem o crescimento regional em 2023, graças ao desenvolvimento de infra-estruturas, em grande parte no sector da energia, e a uma melhoria das perspectivas para o sector agrícola. A nossa equipa de macroeconomia prevê actualmente um crescimento do PIB de 4,6% no Quénia, 5% em Moçambique e 5,8% na Tanzânia para 2023.
Depois de alguns dias passados em Moçambique, em que se reuniu com algumas das principais figuras do País, qual é a visão do grupo para a economia moçambicana, a nível global, e particularmente ao nível dos megaprojectos de gás, dos quais o Absa Group é um dos parceiros financeiros?
As perspectivas de crescimento a médio prazo em Moçambique melhoraram após o início da produção de GNL no quarto trimestre de 2022. Esperamos que impulsione o crescimento em 2023 e nos anos seguintes, à medida que a produção aumenta. A equipa de economistas do Absa prevê que o crescimento económico do
BArrie foi nomeado Group Chief Executive Officer (CEO) e Director Executivo do Absa Group e do Absa Bank em Março de 2022. Com mais de 25 anos de experiência no sector bancário, desempenhou anteriormente as funções de Chief Risk Officer do Grupo, assumindo simultaneamente a liderança executiva do Programa de Separação do Grupo e do Gabinete de Estratégia do Grupo. As suas funções anteriores incluíram uma série de cargos de liderança, tais como o de Director da Banca de Retalho na África do Sul, Director Executivo do Absa Card e Director da Carteira de Distribuição do Absa. É membro do conselho de administração da Associação Bancária da África do Sul (BASA) e do board da Ford Financial Services (Pty) Limited e da Woolworths Financial Services (Pty) Limited. Foi também director da Absa Financial Services Limited.
País suba para 5% este ano e depois acelere ainda mais para 6% e mais a partir de 2024. É claro que existem riscos para esta perspectiva, nomeadamente no que se refere à situação de segurança no Norte, mas a orientação macroeconómica geral é muito positiva e esperamos que Moçambique seja uma das economias de crescimento mais rápido do continente nos próximos anos.
Qual será, na sua opinião, o principal desafio da operação em Moçambique nos próximos anos?
Moçambique, tal como o resto da região, está actualmente a sofrer uma volatilidade macroeconómica significativa, principalmente devido a pressões globais, tais como incertezas geopolíticas e um ambiente de comércio internacional fragmentado. O principal desafio que prevemos será o de prestar o apoio adequado que a sociedade e o País em geral necessitarão para se adaptarem e ajustarem a todas as mudanças e necessidades decorrentes dos megaprojectos transformacionais em preparação. Estamos confiantes de que a nossa longa experiência no País, bem como a nossa capacidade comprovada de navegar em tempos turbulentos, nos posicione para permanecermos relevantes na contínua jornada estrutural de Moçambique. Ao longo dos anos, realizámos investimentos estratégicos nas nossas
www.economiaemercado.co.mz | Julho 2023 69
“Excluindo a África do Sul, espera-se que o crescimento económico real seja, em média, de cerca de 4,3 %, e Moçambique lidera a esse nível”
principais plataformas e ofertas de serviços financeiros, que nos posicionaram bem para respondermos eficazmente à evolução do panorama. Enquanto banco, estamos equipados para ser o gateway de entrada em Moçambique para muitos dos nossos clientes que ainda não operam no País, trazendo investimento, criando empregos e ajudando no processo de construção da Nação que se iniciará com os megaprojectos e que se expandirá inter-geracionalmente. Além disso, estamos convencidos de que os nossos colaboradores estão no centro da garantia do bom funcionamento da nossa actividade. O nosso papel é converter desafios em oportunidades: fazemo-lo em todos os países e acreditamos que a década actual é a década moçambicana.
A ESG e o enfoque consistente em projectos com uma pegada ambiental positiva, projectos de energia renovável, fundos de resiliência climática como os que investiram recentemente no Quénia, são tendências que se podem
observar no sistema financeiro internacional. Como vêem este fenómeno?
Para nós, a ESG tem que ver com a forma como desenvolvemos as nossas sociedades, economias, empresas e o ambiente de uma forma sustentável. Trata-se também da forma como mantemos sociedades robustas e economias fortes, com empresas bem-sucedidas, num ambiente próspero. No contexto da nossa ambição estratégica de ser uma força activa para o bem, identificámos três áreas específicas de ESG onde investiremos: clima, inclusão financeira, diversidade e inclusão. Procuramos contribuir significativamente para a luta contra as alterações climáticas, tornando-nos um actor importante nas transacções financeiras sustentáveis e estabelecendo objectivos ambicio-
sos de emissões líquidas nulas de carbono. Ao mesmo tempo, reconhecemos os importantes desafios sociais que se colocam no nosso contexto. Estamos também a promover activamente a inclusão financeira de grupos carenciados, procurando tornar a criação de riqueza intergeracional acessível a todos, em particular às mulheres e aos jovens. A nossa ambição é ser um farol de diversidade e inclusão em todo o continente.
Como é que a tecnologia (blockchain, IA, etc.) pode ser decisiva na inclusão financeira, especialmente num continente onde isso ainda é um grande desafio?
Estamos a investir em oportunidades digitais que irão promover serviços disponíveis para comunidades
www.economiaemercado.co.mz | Julho 2023 70
“Ao alavancar o poder da IA ou da blockchain Moçambique pode superar os desafios existentes, e alcançar a plena inclusão financeira”
mais amplas de formas mais eficientes e económicas. Estas incluem, entre outras, o aumento da agilidade, eficiência e optimização de custos através da computação em nuvem e Inteligência Artificial (IA) e oportunidades crescentes de produtos e serviços digitais através do uso de tecnologia móvel e parcerias fintech. Moçambique tem o potencial de alavancar a integração da IA no sector agrícola para obter benefícios transformadores. A integração da tecnologia de IA na agricultura é muito promissora para Moçambique, promovendo práticas eficientes de gestão de culturas, que são cruciais para maximizar a produtividade e melhorar os meios de subsistência dos agricultores. A IA pode ajudar a mitigar o impacto das catástrofes naturais, fornecendo informações atempadas e precisas, melhorando a previsibilidade da produção e permitindo a tomada de medidas proactivas. Além disso, pode desempenhar um papel significativo no sector da saúde, nomeadamente no diagnóstico das necessidades médicas da população. Com acesso limitado às instalações de cuidados de saúde, as ferramentas de diagnóstico
alimentadas por IA podem ajudar na detecção precoce e no tratamento de doenças, especialmente em áreas remotas onde os recursos de cuidados de saúde são escassos. Isto pode ter um impacto profundo no bem-estar geral da população. Em última análise, a convergência de tecnologia, infra-estruturas e soluções financeiras inovadoras têm o potencial de transformar o panorama financeiro em Moçambique e em todo o continente. Ao alavancar o poder da IA, blockchain e outras tecnologias, Moçambique pode superar os desafios existentes, transformando-os em oportunidades e alcançar uma verdadeira inclusão financeira para os seus cidadãos.
A IA pode ajudar-nos a fornecer produtos de seguros adaptados a dados demográficos específicos, garantindo que os nossos clientes estejam protegidos contra tensões financeiras relacionadas com circunstâncias imprevistas. Isto contribui para os nossos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
A África do Sul é um país que tem uma importância sistémica na região, com
uma série de questões delicadas por resolver, desde a revolta social latente até à questão da falta de energia. Como analisa o momento actual da economia sul-africana?
A economia sul-africana teve um desempenho melhor do que muitos esperavam no primeiro trimestre do ano e o país evitou uma recessão técnica, demonstrando resiliência. As taxas de juro mais elevadas irão provavelmente pesar sobre o rendimento disponível dos consumidores e os cortes de energia em curso continuarão a ser um entrave à actividade económica este ano. A nossa previsão actual de crescimento do PIB para a África do Sul é de 0,5% em 2023. É importante notar que, nos últimos dez anos, aquele país registou um crescimento económico médio de apenas 1%, o que não é suficiente para fazer face aos elevados níveis de desemprego e aos desafios socioeconómicos mais gerais. A escassez de energia eléctrica na África do Sul continua a ser um factor determinante para as suas perspectivas económicas imediatas e a médio prazo. Felizmente, as reformas no sector da electricidade estão a incentivar uma enorme resposta do sector privado. Além disso, um estudo publicado em Junho revela que estão a ser desenvolvidos 66 Gigawatts de projectos de energias renováveis. O estudo “2023 South African Renewable Energy Grid Survey” indica que cerca de 18 GW se encontram numa fase avançada de desenvolvimento. Sendo o maior financiador de projectos de energias renováveis no país, o Absa desempenha um papel activo no apoio à expansão da produção de energia. Um outro factor que pode influenciar o desempenho macroeconómico é a dinâmica geopolítica, uma vez que a África do Sul decide como se posicionar no contexto de parceiros globais que têm agendas ou pontos de vista opostos em relação ao conflito Rússia-Ucrânia. Para 2024, acompanharemos de perto as eleições gerais e continuaremos a apoiar os esforços nacionais necessários para retirar a África do Sul da lista cinzenta do Grupo de Acção Financeira Internacional (GAFI).
Olhando para o futuro, qual é a sua visão em relação aos grandes investidores estrangeiros em África, como a China, a Europa e os EUA?
Embora não tenhamos feito qualquer anúncio formal relativamente à expansão da nossa presença, enquanto empresa diversificada procuramos alargar o nosso alcance aos mercados que interessam aos nossos clientes globais. Estamos constantemente a analisar oportunidades para criar e reforçar relações com clientes em mercados-chave, aumentando a nossa presença em África, na Europa e nos EUA.
www.economiaemercado.co.mz | Julho 2023 71
ócio
74 76 77 81 82 78
ESCAPE
Nápoles
Quando a agitação e o ruído fazem a diferença pela posiva
GOURMET
Chef Graça Um ícone da gastronomia da Zambézia e de Moçambique
ADEGA
Bowmore
ARC-52
Whisky britânico amadurecido por 52 anos
EMPREENDER Walter Zand
ARTES Café des Poètes
O encontro entre a poesia e a diversidades cultural
g e e
VOLANTE Cabin Vision 2035+ O avião do futuro, concebido para ser amigo do ambiente
(neg)ócio s.m. do latim negação do ócio
O percurso de um artista plástico que ganhou um concurso da Swatch v
João Tamura
nasceu em Lisboa, nos anos 90. É músico, poeta e fotógrafo. Partiu, em Setembro de 2022, numa viagem sem data de regresso ou destino definido. Tem documentado a sua jornada através de crónicas, numa simbiose entre as suas linguagens predilectas - a prosa e a fotografia analógicaque tentam ao máximo transportar o leitor para os longínquos lugares pisados pelo autor.
Síndrome de Neptuno
Nápoles é Azul
Após semanas nos Balcãs, entre a Sérvia e a Bulgária, é com instinto quase vampiresco que cobrimos o rosto assim que saímos do avião. Os dias cinzentos do Leste Europeu fizeram-nos desaprender este sol e esta luz. Havia estado várias vezes em Itália, mas nunca no sul. A Itália que conhecia, de Piemonte e da Lombardia, é uma Itália de céus cinzentos e de dias frios.
Esta Itália é distinta, de céu azul e imenso, sem nuvens que o interrompam, e a Itália que conhecia, polida, organizada, regimentada, é distinta desta: Nápoles é um país dentro de um país, um mundo dentro de um mundo. Nápoles é da ammuina, dizem-me. Da ammuina? Sim, é uma palavra só de Nápoles.
eTal como “saudade”, é de difícil tradução, mas de fácil compreensão. Ammuina significa, na tradução que me é possível, “um caos feliz”, e é difícil encontrar palavra que melhor descreva Nápoles, pois enquanto desbravamos a cidade sobre a scooter, sentimo-lo: ammuina é a sinfonia de buzinas em nosso redor, os cânticos a Maradona na curva sul do estádio nomeado em sua honra, as ruas e os
estabelecimentos profusamente decorados; são as constantes e gritantes sirenes, as serenatas desafinadas, às três da manhã, por homens bêbedos e apaixonados, que tentam o perdão da sua amada, e são os risos, os gritos, as canções e as estórias que têm lugar em redor da mesa onde nos sentamos para jantar a melhor pizza das nossas vidas.
Nápoles não é do silêncio nem da ordem, mas sim do caos e do entusiasmo - e é das mãos enrugadas pelo mar, da pele bronzeada pelo sol, dos olhos azuis como este céu, daqueles que a habitam. Nápoles são as ruas apertadas, de aroma a tomate e a manjericão, e a roupa branca estendida sobre as nossas cabeças.
Aqui as scooters conduzem-se sem capacete - e com, não raras vezes, três ou mais passageiros - como no Sudeste Asiático, onde tanto tempo passámos. Talvez seja essa a razão para sentirmos, de imediato, tamanha afinidade por este lugar: por Nápoles escrever as suas próprias regras, por Nápoles ser dona de si mesma. Primeiro és napolitano, somente depois italiano, dizem-me, e não tenho como contestá-lo.
Como o Céu
Nápoles é azul como o clube da cidade.
Itália é tão complexa como bela: ambas em demasia, portanto. A unificação do país só chegou a meio do século XIX e, apesar do inabalável espírito de italianità, comum a todo o território, muitos dos elementos de uma Itália dividida e desigual ainda hoje são sentidos.
A capital, Roma, divide o país: acima, o rico e industrializado Norte; abaixo, o impróspero e caótico Sul. A dicotomia do poder norte/sul estende-se aos campos de futebol: dos 119 campeonatos nacionais disputados, 108 foram ganhos por representantes do Norte, e somente dois ficaram no Sulambos em Nápoles. Ao contrário do que acontece noutros lugares - Portugal, cof, cof - toda a cidade de Nápoles apoia o seu clube e o seu clube somente.
Os napolitanos nunca sucumbiram à tentação de apoiar um dos mais vitoriosos clubes nortenhos - para estes, símbolos da opulência e das desigualdades do país. Sobre jogar em Nápoles, Maradona afirmou: “it was North against South, the racists against the poor”. A frase, apesar de simplista, transmite a ideia de “nós vs eles” profundamente presente na psique napolitana. Cada vez que a sua equipa enfrenta um dos gigantes do Norte, é David contra Golias, e é claro: os napolitanos têm imenso orgulho em cada vitória do seu David.
O clube ocupa um lugar fundamental na vida dos napolitanos - até aqueles que não apreciam futebol, tomam-no com um símbolo da cidade e da região e torcem pelo seu sucesso. O jogador napolitano não é somente responsável por, a cada fim-de-semana, vestir a camisola azul-celeste, chutar uma bola e correr 90 minutos - é responsável pela representação de milhões de napolitanos e tem, nos seus pés, o destino das suas
www.economiaemercado.co.mz | Julho 2023
alegrias e tristezas. Dessa enorme responsabilidade pode nascer igual recompensa. Quando este amor é mútuo e o jogador corresponde à expectativa dos seus adeptos, este ascende ao estatuto de ídolo: Maradona é o maior e mais famoso exemplo desta devoção quase religiosa, mas outros, como Careca, Cavani e Hamsik, são igualmente alvos deste credo, com o seu rosto e imagem representados junto a Madonna e Jesus Cristo, nos variadíssimos altares que descobrimos ao longo da cidade - muito comuns nas esquinas do Quartieri Spagnoli, nos becos do Rione Sanità e nos mais típicos e populares cafés e restaurantes. Sim, os napolitanos são extremamente apegados à estatuária, ao esotérico e ao simbolismo.
Pouco antes de chegar a Nápoles, conversei com o meu amigo Domenico, italiano de Turim: “prepara-te, se o Napoli vencer amanhã, a festa será rija!”. Isto, pois caso o Napoli consiga bater a Udinese, conquistará o seu terceiro campeonato nacional, terminando uma conturbada seca de 33 anos, que viu o clube cair na falência, descer duas divisões e finalmente reerguer-se até aos píncaros do futebol europeu.
Pensei: estive várias vezes entre as centenas de milhares de pessoas que festejaram as conquistas do Benfica no Marquês de Pombal, fotografei a festa do Sporting campeão nacional após um jejum de 19 anos e vi o Barcelona ser campeão em ruas catalãs sob o comando de Pep Guardiola… quão mais feroz poderá ser esta festa?
A verdade é que nenhuma dessas anteriores comemorações me preparou para o que vi: se me houvessem confessado que o Vesúvio estava em erupção, teria acreditado; foram lançados tantos fogos-de-artifício e acesos tantos potes de fumo que a noite deixou de ser escura; foram erguidas tantas
vozes, tocados tantos tambores e cantadas tantas canções, que a noite deixou de ser silenciosa; tão veloz e tão agitada foi a noite que poucos napolitanos dormiram e descansaram mais que umas míseras horas.
A manhã pós-celebração revelou um lugar semelhante a um pós-guerra, mas nunca havia sentido uma cidade tão alegre, tão emotiva e tão orgulhosa - como se todo e qualquer habitante de Nápoles tivesse ganhado a lotaria.
A caminho do trabalho, muitos trocaram os seus fatos completos pela camisola do clube - hoje é um dia especial, o patrão compreenderá, dizem; e, apesar do calor, são vários os cachecóis azuis e brancos que rodeiam os pescoços dos napolitanos.
Finalmente, mais dois ídolos nasceram: Osimhen e Kvaratskhelia, principais obreiros do título, e os seus rostos repetem-se desde as colinas de Posillipo à larga marginal que contorna o mar.
Nápoles é azul como o mar.
Síndrome de Neptuno: ouvi-o aqui pela primeira vez, a profunda dependência, singular ou colectiva, face ao mar ou ao oceano. É natural que essa dependência aqui exista e que seja colectiva: o mar é, desde há tempos imemoriais, o coração pulsante da região. A cidade foi fundada no século VIII a.C. pelos gregos de Rodes, que aqui estabeleceram uma colónia marítima, próspera pela sua privilegiada posição no Mediterrâneo. Nápoles nasceu da água e pela água foi alimentada: o mar foi, durante séculos, a fonte de sustento para a população local, dedicada à pesca e ao comércio.
Hoje, este mar azul atrai o turismo internacional: cada vez maiores e mais numerosos barcos de cruzeiro atracam no porto, e são cada vez mais comuns os voos diretos de Riyad, Nova Iorque, Abu Dhabi ou Du-
bai. No entanto, a maioria destes turistas pouco se demoram na cidade, e têm como destino um dos muitos lugares cartão-postal da Baía de Nápoles ou da Costa Amalfitana: Capri, Sorrento, Ischia, Positano.
Nós, pelo contrário, demoramo-nos aqui. Demoramo-nos ao ponto de sabermos de cor os menus das pizzarias de Mergellina e das trattorias de Martedei; demoramo-nos até conhecermos as apertadas ruas do Quartieri Spagnoli como as palmas das nossas mãos, e as do Centro Storico também.
Em Nápoles reza a lenda: choras quando chegas e choras quando partes; pois há quem sofra à chegada, desagradado pelo constante caos e ebulição, mas que, dias mais tarde, irremediavelmente se apaixona pela cidade e não deseja mais partir. Não chorei à chegada, pois a minha paixão foi imediata, mas partirei com este Síndrome de Neptuno, não pelo mar, nem pelo céu, mas sim pelo azul de Nápoles, e partirei com a certeza que aqui terei de voltar o quanto antes.
www.economiaemercado.co.mz | Julho 2023
A cidade foi fundada no século VIII a.C. pelos gregos de Rodes, que aqui estabeleceram uma colónia
Texto & Fotografia João Tamura
carlos graça ou, simplesmente, chef graça é um ícone de referência quando se fala da gastronomia moçambicana, tendo representado a culinária do País em quase todos os continentes, trazendo algumas medalhas de concursos internacionais.
Nascido na Zambézia, no Centro de Moçambique, região conhecida como “a terra do coco”, teve contacto com a culinária desde cedo. Nasce de mãe cozinheira profissional, a quem atribui a “culpa” por todo o sucesso que hoje tem e dela herdou o gosto pela cozinha e a inspiração para as receitas.
Da mãe teve ainda as orientações para os seus primeiros passos no mundo da culinária. Chef Graça considera que “é graças à minha mãe que eu sou o que sou hoje. A minha mãe deu-me directrizes sobre comida tradicional moçambicana nos meus primeiros trabalhos, aquando da minha participação no meu primeiro concurso de gastronomia em Macau (China), a minha mãe ligou-me a dar dicas e orientações como ‘não tapes a panela quando co-
Chef Graça, Cruzar o Mundo Representando
zinhares o teu caranguejo com coco para que o caril não fique coalhado e com mau aspecto’. Por isso é que digo que tudo isso lhe devo”, conta, com um forte brilho nos olhos.
A mãe não foi a única inspiração do Chef Graça, que via também a sua avó a cozinhar quando ia de férias a Quelimane e ainda se recorda das raras técnicas que ela usava na confecção das suas comidas. Contou ainda com o apoio do pai que impulsionou o seu potencial pagando formações.
Da Zambézia e da inspiração nos pratos da mãe, Chef Graça tornou-se hoje no melhor chefe de cozinha em Moçambique, com uma particularidade muito importante: o amor pela gastronomia moçambicana. Ele não só cozinha como também, através da sua arte (porque a culinária também é arte), ajuda a divulgar a cultura e a gastronomia tradicionais moçambicanas pelo mundo fora. Chef Graça orgulha-se da receptividade que as comidas moçambicanas
recebem a nível internacional e sabe o seu grande potencial, embora reconheça que existe a fragilidade de “os nossos pratos não possuírem muitas cores, algo que é bastante importante na área gastronómica. Não é apenas o paladar que importa - e nisso os nossos pratos tradicionais estão muito bem.
Mas contam também a apresentação e as cores destes”, diz, com certa preocupação, e acrescenta que para isso “é preciso mais criatividade da parte dos cozinheiros nacionais. Já servi, por exemplo, numa exposição gastronómica, matapa dentro de um pimento vermelho. Ficou muito bonito, com muita cor e sem alterar o sabor”.
Chef Graça é já uma marca moçambicana bastante internacionalizada. No seu trajecto profissional já serviu figuras bastante importantes. Além de já ter cozinhado para o Presidente da República, fê-lo também para outras personalidades internacionais, como Nelson Mandela, grandes astros da música brasileira, como Roberto Carlos, e grandes figuras do cinema internacional, como Chan Kong-sang, o famoso Jackie Chan das artes marciais. Com a grande experiência que tem, crê que a gastronomia tradicional do País
possui um grande potencial e é bastante aceite além-fronteiras, mas reconhece também a fragilidade da formação nesta área em ntermos nacionais: “a formação em culinária em Moçambique é muito má, não existe nenhuma escola especializada na área, no máximo encontram-se escolas de hotelaria e turismo, e mesmo essas ainda são escassas.
É preciso que se aposte nesta área seriamente, alguns dos nossos chefs de cozinha não sabem os conceitos e práticas básicas da culinária internacional. A cozinha tem uma linguagem global em todo o mundo, mas em Moçambique ainda se conhece muito pouco dessa linguagem”. Chef Graça tem o sonho de abrir um centro de formação profissional em culinária no País, que possa formar profissionais altamente qualificados para reduzir o défice que existe e promover ainda mais a culinária tradicional moçambicana
www.economiaemercado.co.mz | Julho 2023 76
Texto Filomena Bande Fotografia Mariano Silva
Moçambique Pelo Paladar
Um ícone da gastronomia da Zambézia e de Moçambique
Chef Graça é já uma marca bastante internacionalizada. No seu trajecto profissional já serviu figuras bastante importantes
g
CHEF GRAÇA
A
Aston
fibra
Um Whisky de 52 Anos
Com… a Aston Martin! da Bowmore
carros e bebidas alcoólicas nunca se casaram. Ou melhor, nunca antes se tinham dado por bons parceiros. Basta lembrar um dos alertas mais populares do mundo: “se conduzir não beba e vice-versa”. Mas o casamento entre o álcool e o volante não é tão desaconselhável assim. Ora vejamos:
Num acordo com a Bowmore, a destilaria mais antiga da ilha escocesa de Islay, a gigante automóvel Aston Martin lançou uma garrafa de whisky com o nome de “Bowmore ARC-52: The Mokume Edition”, uma colaboração única e exclusiva entre estas duas icónicas marcas britânicas.
Com um amadurecimento de 52 anos, o Bowmore ARC-52 esteve metade do tempo num barril American Oak Hogshead e a outra metade em European Oak Butt.
A engenharia de ponta, o design requintado da Aston Martin, a atenção inabalável aos detalhes e o artesanato da Bowmore deram origem à garrafa que conta com um decantador e com uma tampa na mesma fibra de carbono, utilizada no Aston Martin Valkyrie e no AMR23, o monolugar da equipa de Fórmula 1. Para tal, foi realizada uma técnica japonesa de metalurgia denominada Mokume-Gane, que produz um laminado de metal misto com padrões de camadas distintos.
O elemento de fibra de carbono do decantador foi criado através de um processo único que reflecte a textura do mokume e imita uma estética natural muito semelhante ao grão da madeira ou às camadas de rocha natural.
Pode dizer-se que o acabamento obtido imita as rochas negras da baía de Loch Indaal, onde se situa a destilaria Bowmore, e também o interior do barril carbonizado onde este whisky especial de 52 anos foi envelhecido.
“Um Bowmore tão requintado e complexo como este de 52 anos é uma prova das habilidades da nossa equipa de destilaria e do seu compromisso em optimizar o tempo gasto no barril para criar um espírito tão incrível”, disse James Neil, embaixador canadiano da marca Bowmore. Durante a apresentação da adega, James Neil acrescentou que ,“com o ARC-52, a complexidade deste single malt é inquestionável e, para alcançar o equilíbrio perfeito, não só define a sua forma física, mas une lindamente cada gota deste impressionante whisky”.
Ja o master blender de Bowmore, Ron Welsh, observou que “trabalhar com a Aston Martin continua a ser extremamente gratificante e fascinante para mim. Continua a inspirar-nos e a mostrar-nos uma forma dife-
rente de trabalhar, com absoluta precisão, e permitiu-nos criar o que, na minha opinião, é o melhor Bowmore com mais de 50 anos que já provei.”
No nariz, o scotch whisky é cremoso e frutado com notas de baunilha e creme de leite, além de pêssego, pêra, laranja, tangerina e algumas notas herbais de menta fresca e eucalipto. O paladar é doce, frutado e cítrico, com sabores de uva verde e pêssego, tangerina, raspas de limão, mas também notas de nozes de amêndoas e avelãs, folhas de tabaco com um carácter levemente turfoso e amanteigado. O final é herbal e medicinal com frutas exóticas, praliné e notas de caramelo.
Metade Bowmore, metade Aston Martin, a garrafa explora “os ideais de equilíbrio”, de acordo com um comunicado de imprensa, “capturando a estabilidade perfeita combinada com a intensidade definitiva”. Desde a chave magnética, sob medida, meticulosamente projectada, que libera o tampo de alumínio, até ao vidro soprado à mão individualmente, este é o design numa escala diferente.
Com graduação alcoólica de 42,3%, são apenas 100 garrafas de Bowmore ARC-52 disponíveis nos principais mercados globais, incluindo o Reino Unido, Alemanha, Holanda, EUA, China, Singapura, Global Travel Retail e Canadá.
www.economiaemercado.co.mz | Julho 2023 77
engenharia de ponta, o design requintado da
Martin, a atenção inabalável aos detalhes e o artesanato da Bowmore deram origem à garrafa que conta com um decantador e com uma tampa na mesma
Walter Zandamela
“Maningue Hope” ou a Vitória
da Arte Moçambicana num Concurso da Swatch
walter zandamela, ou zand, seu nome artístico, tornou-se mais conhecido pela tela com esse nome que virou relógio da Swatch, na qual junta a técnica de desenho livre e arte digital preenchida pelas cores quentes da paisagem moçambicana.
Nascido em Maputo em 1978, Zand cresceu no bairro do Xipamanine entre os becos do Chamanculo D. É artista plástico, designer, ilustrador, músico e docente das cadeiras de Materiais e Processo de Produção para Design e Oficinas Multidisciplinares na Faculdade de Artes do Instituto Superior de Artes e Cultura (ISArC).
E se logo desde a infância mostrou inclinação para o mundo artístico, não tem dificuldade em admitir que a formação “foi fundamental” para a sua continuidade no meio. Até porque o início da caminhada artística de Walter não foi necessariamente livre de obstáculos e do preconceito de “algumas pessoas que ainda olham as artes plásticas como não sendo um trabalho ‘sério’”, recorda.
Assim, logo no começo do seu percurso pelo mundo das artes, teve de enfrentar o obstáculo da descrença dos outros e só não desistiu porque “as pessoas tinham mesmo de aceitar, de uma vez para sempre, que eu nasci artista, fui aprimorando mais as técnicas, pesquisei e fui-me envolvendo com outras artes, da música à dança, do teatro às letras. Isso foi fundamental para eu perceber a correlação e sustentabilidade entre as artes”.
Se, como diz o ditado popular, “quem persiste alcança”, Walter Zand foi conquistando o seu lugar como artista a nível nacional onde tem trabalhado como ilustrador de livros, mas o grande salto aconteceu a nível internacional, quando um dos seus trabalhos venceu o concurso internacional lançado pela marca de relógios suíça Swatch.
“É um marco trabalhar com uma marca internacional tão grande, ainda para mais poder fazê-lo retratando a história de um povo resiliente como é o nosso. Cheguei à Swatch por via de um concurso aberto a participantes de todo o mundo. Tive de responder aos critérios do concurso enviando a imagem da minha pintura que escolhi com um amigo. A obra era bastante representativa, abor-
dava a esperança do povo moçambicano que, perante muitas adversidades, nunca desiste.
Este trabalho fortificou muito mais a minha projecção no que diz respeito à divulgação do meu nome e da nossa cultura pelo mundo”.
Zand pretende, acima de tudo, com o seu trabalho, mostrar esperança e vencer o preconceito que se tem sobre o mundo das artes: “com este trabalho pude provar a mim mesmo que podia alcançar gran-
des coisas e mostrei às pessoas que mostravam desconfiança em relação à minha e a todas as artes que é possível viver desta área como de qualquer outra”.
Actualmente, está focado em ampliar o seu trabalho, fazer exposições e, de futuro, realizar o sonho de criar o espaço “Zand Arts Gallery” em Maputo.
TEXTO Filomena Bande FOTOGRAFIA Paulo de Almeida
www.economiaemercado.co.mz | Julho 2023 78
Empreendedor
“É um marco trabalhar com uma marca internacional tão grande, ainda para mais poder fazê-lo retratando a história de um povo resiliente como é o nosso. Cheguei à Swatch por via de um concurso aberto a participantes de todo o mundo...”
www.economiaemercado.co.mz | Julho 2023 79
“Café des Poètes” é um evento trimestral organizado pelo Centro Cultural FrancoMoçambicano
era uma tarde calma e agradável . Sentados no jardim do Centro Cultural Franco-Moçambicano, na cidade de Maputo, tomávamos boas doses do ar fresco e agradável que soprava, por um lado, do vizinho jardim Tunduru, lugar que tem toda uma riqueza de árvores e plantas e, por outro, do próprio jardim da casa que, além da frescura do ar, nos proporcionava um agradável som das folhas dos eucaliptos, à sombra dos quais nos abrigávamos, quando sacudidas pelo vento.
Mas o som das folhas dos eucaliptos era só um detalhe em comparação com a atracção principal do dia: vários
Café des Poètes. O Encontro Entre a Poesia e a Diversidade Cultural
poetas passeavam pelo pequeno palco ali montado e, como que possuídos pela inspiração, recitavam poesias de diversas autorias, submetendo todos quando as ouviam a uma profunda introspecção sobre a beleza e as vicissitudes da vida e do mundo.
Decorria, assim, a segunda edição do “Café des Poètes” 2023, um evento que reúne poetas talentosos e apaixonados por poesia, dando-lhes a oportunidade de compartilhar os seus poemas em português e/ou francês. Nesta edição, o evento aconteceu sob o tema “Somos nós verdadeiramente indepen -
dentes?” Em diferentes vozes, entre o “eu sou” e o “ je suis”, os poetas expressavam as suas inspirações, desreviam os seus sentimentos envolvendo o público aos mesmos, falavam poesias de amor, de saudade, de dor, sentimentos simples, outros complexos e quase indescritíveis. Na busca de expressar o seu “eu” exploravam a diversidade de línguas e culturas, enquanto reflectiam sobre a verdadeira independência que reside em cada um de nós.
“Será que somos verdadeiramente independentes? Não dependemos nós das nossas emoções, das pessoas que nos rodeiam e de outros factores? Será que a ideia de uma independência plena não passa de uma utopia?”, reflectia Obedes Lobadias,
o principal poeta convidado do dia. O director do Centro Cultural Franco-Moçambicano, Vincent Frontczyk, diz que a ideia do programa Café des Poètes, para além de juntar poetas, visa também “fazer uma ligação entre as actividades culturais e as actividades da mediateca para promover a leitura e a poesia porque sabemos que há muitos amantes dessas actividades em Maputo”.
O Café des Poètes é um evento organizado pelo Centro Cultural Franco-Moçambicano, que acontece uma vez em cada três meses, tendo sido esta a segunda edição do presente ano.
TEXTO Filomena Bande FOTOGRAFIA Mariano Silva
www.economiaemercado.co.mz | Julho 2023 81
“Será que somos independentes?
LITERATURA
Não dependemos nós das nossas emoções, das pessoas que nos rodeiam e de outros factores...?
É um avião do futuro e está ser concebido para ser amigo do ambiente
Viajar Contemplando as Estrelas?
A AIRBUS, fabricante europeia de aviões e uma das melhores do mundo, anunciou um projecto de avião sustentável com tecto transparente e janelas maiores, permitindo que os passageiros vejam constelações de estrelas enquanto viajam ou o nascer do sol quando o dia amanhece.
O projecto foi recentemente apresentado na feira Aircraft Interiors Expo (AIX), na Alemanha, com o nome de Cabin Vision 2035+.
Para além do design inovador e a visão que promete proporcionar aos passageiros, a aeronave, com previsão de chegada em 2025, promete reduzir o impacto ambiental em 20%.
Para reduzir a pegada de carbono, a empresa vai investir em processos e ferramentas digitais,
A Promessa da Airbus Com o Seu
como a tecnologia de impressão 3D, estruturas biónicas e uma filosofia de design circular, inovações que permitirão um avião mais leve.
Outra meta é reduzir o desperdício de produtos da cabine durante a produção e o descarte em aterros no final do uso, incentivando a reciclagem.
Uma das medidas já pensadas neste ponto é que os passageiros peçam refeições com antecedência, o que contribuirá também para evitar sobras de comida.
O projecto faz parte do plano mais abrangente da Airbus no quadro da iniciativa carbono zero até 2050. Um dos passos para atingir esse objectivo será inte-
Novo Avião Sustentável
grar as novas cabines nos aviões movidos a hidrogénio, também previstos para 2035.
O projecto está dividido em etapas. Até 2025, o objectivo é fornecer transparência sobre o impacto ambiental das peças e operações e oferecer opções com emissão reduzida de gás carbónico.
A última etapa, a partir de 2035, é integrar a geração de cabines em aeronaves movidas a hidrogénio, em que os materiais das cabines passam a ser totalmente reciclados, com uma política de zero aterros e incineração de materiais que não sejam os exigidos por regulamentação.
CABIN VISION 2035+
vO projecto faz parte do plano mais abrangente da Airbus no quadro da iniciativa carbono zero até 2050. Um dos passos para atingir esse objectivo será integrar as novas cabines nos aviões movidos a hidrogénio