MOÇAMBIQUE
ESG TALKS CONFERÊNCIA REVELA O PRESENTE E O FUTURO DOS INVESTIMENTOS NA SUSTENTABILIDADE CONTEÚDO LOCAL COMO O INSTITUTO AGRÁRIO DE BILIBIZA AJUDA A AUMENTAR O EMPREGO EM CABO DELGADO INOVAÇÕES DAQUI QUE TECNOLOGIAS UTILIZAR PARA RESGATAR UM ENSINO ‘DEVASTADO’ PELA COVID-19? CEO TALKS • SAMIR SALÉ, GLOBELEQ OS AMBICIOSOS PROJECTOS DE EXPANSÃO DE ENERGIA E OS REQUISITOS DE ACESSO UNIVERSAL
MOÇAMBIQUE 2024
NA ROTA DO CRESCIMENTO?
À beira de um novo ano, Moçambique está mais uma vez entre um velho optimismo e novos receios. As previsões do FMI são positivas. Mas há vozes que recomendam cautela
Novembro • 2023 • Ano 06 • Nº 66 • 350MZN
EDITORIAL
Celso Chambisso Editor Executivo da Economia & Mercado
Falar em Crescimento sem Medir o Desenvolvimento
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s reuniões anuais do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional (FMI), realizadas em Outubro na cidade marroquina de Marraquexe, inspiraram-nos a projectar o olhar para o rumo que a economia moçambicana deve tomar nos próximos anos. Em linhas gerais, as previsões publicadas no World Economic Outlook sobre o desempenho macroeconómico apontam para uma combinação de factores favoráveis à retoma dos níveis de crescimento anteriores às crises que se foram sucedendo a partir de 2016 (saída dos doadores com a descoberta das chamadas “dívidas não declaradas”, ocorrência de ciclones, covid-19, inflação global, entre outros obstáculos). A previsão é de um crescimento na ordem de 7% para este ano e de 5% para 2024. Lá mais para frente, em 2028, tudo aponta para uma taxa de crescimento a dois dígitos, como pouquíssimos países no mundo, em 12,1%. Enquanto em Marraquexe as instituições multilaterais se ocupavam a olhar para o mundo, cá por dentro, o Executivo fazia o mesmo exercício. De acordo com a Proposta do Plano Económico e Social para 2024, a economia vai crescer 5,5% em 2024. A notícia do crescimento é, sem dúvidas, animadora. Mas há outras novidades importantes que fazem falta em estudos desta natureza: como é que o crescimento se vai traduzir no desenvolvimento? Poucas análises falam sobre a pressão populacional que é mais alta que a capacidade de prover bens e serviços necessários aos novos habitantes. É uma questão que faz jus a uma premissa da ciência económica contemporânea, que exige que se repense o crescimento económico e o próprio sentido colectivo do consumo em permanente expansão sem propiciar
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um verdadeiro bem-estar às sociedades. Vamos crescer, sim, mas ninguém sabe em que medida tal crescimento vai reduzir os índices de vulnerabilidade e de pobreza. O mais recente Inquérito do Orçamento Familiar (IOF 2019-2020), do Instituto Nacional de Estatística (INE), mostra que, após seis anos de crescimento significativo na despesa familiar (e aumento da desigualdade) até ao inquérito de 201415, os moçambicanos foram duramente atingidos nos últimos anos. A queda de 2015 a 2020 é tão grande que aniquilou todos os ganhos dos seis anos anteriores. O gasto médio, por mês, por pessoa foi de 27,60 dólares em 2019-20, inferior aos 28,80 do IOF de 2008-09. O inquérito mostra que 75% dos moçambicanos gasta menos de 1 dólar por dia e que mais de 90% está abaixo da linha de pobreza internacional, ou seja, ganham menos que 1,90 dólares por dia. Os índices de Desenvolvimento Humano também confirmam um elevado índice de pobreza, colocando Moçambique no 185.º lugar no ranking que engloba 191 países, na classificação do último relatório, publicado no ano passado. As projecções que nos são apresentadas sobre a evolução da economia moçambicana, no fundo, não estão dissociadas do objectivo de alcançar o desenvolvimento humano, mas os relatórios apresentados parecem não ter foco nestas questões que, no final do dia, são determinantes para consolidar a consecução do maior objectivo dos mercados: a estabilidade e o bem-estar das sociedades. Se for verdade que o crescimento do PIB ajuda a melhorar a qualidade de vida, então esperemos que as projecções do World Economic Outlook, publicado em Outubro pelo FMI, nos levem até lá.
NOVEMBRO 2023 • Nº 66 DIRECTOR EXECUTIVO Pedro Cativelos EDITOR EXECUTIVO Celso Chambisso JORNALISTAS Ana Mangana, Filomena Bande, Hermenegildo Langa, João Tamura, Nário Sixpene PAGINAÇÃO José Mundundo FOTOGRAFIA Mariano Silva REVISÃO Manuela Rodrigues dos Santos DEPARTAMENTO COMERCIAL comercial@media4development.com CONSELHO CONSULTIVO Alda Salomão, Andreia Narigão, António Souto; Bernardo Aparício, Denise Branco, Fabrícia de Almeida Henriques, Frederico Silva, Hermano Juvane, Iacumba Ali Aiuba, João Gomes, Rogério Samo Gudo, Salim Cripton Valá, Sérgio Nicolini ADMINISTRAÇÃO, REDACÇÃO E PUBLICIDADE Media4Development Rua Ângelo Azarias Chichava nº 311 A — Sommerschield, Maputo – Moçambique; marketing@media4development.com IMPRESSÃO E ACABAMENTO RPO Produção Gráfica TIRAGEM 4 500 exemplares EXPLORAÇÃO EDITORIAL E COMERCIAL EM MOÇAMBIQUE Media4Development NÚMERO DE REGISTO 01/GABINFO-DEPC/2018
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6 OBSERVAÇÃO
Especialistas em energias renováveis juntam-se, em Maputo, a 22 e 23 de Novembro, na 3.ª Conferência Empresarial do sector
12 OPINIÃO
“A Nova Lei do Trabalho”, Tiago Arouca Mendes, Managing Partner & Ana Berta Mazuze, Associada Principal, MDR Advogados
14 ESG TALKS
73 ÓCIO
76 Escape Uma aventura pelos encantos de Marrocos 78 Gourmet Ao sabor de uma ementa do Chef Jaime, com receitas divulgadas em línguas locais 79 Adega “Chã Branco”, o vinho cabo-verdiano que mereceu distinção com medalha de ouro 81 Artes “Memórias em Tempos de Amnésia”, uma sugestão literária de Álvaro Vasconcelos 82 Ao volante do Kia EV4, o concept-car eléctrico que chega com promessa de inovação e sustentabilidade
Especialistas mostraram o caminho a seguir para chegar à sustentabilidade ambiental, social e de governança
16 OPINIÃO
“O Desafio do CBAM e a Oportunidade da Tecnologia CCS Descarbonizar a Indústria Para Manter a Competitividade”, Júlio Ferreira Carneiro, Universidade de Évora, Anísio Pinto Manuel, MIREME e Gilberto Mahumane, UEM
18 ESG TALKS STANDARD BANK
Fanile Shongwe, director-executivo da Banca de Investimento do Standard Bank, destaca o papel de financiamentos sustentáveis
20 OPINIÃO
“A Casa que a Modernidade Construiu”, Susana Cravo, Consultora & Fundadora da Kutsaca e da Plataforma Reflorestar.org
22 CONTEÚDO LOCAL
O impacto do investimento do Instituto Agrário de Bilibiza na promoção do emprego em Cabo Delgado
24 OPINIÃO
“Responsabilidade Social nas Organizações: Qual é a Sua Importância?”, Tânia Oliveira, directora de Marketing e Relações Corporativas do Absa Bank Moçambique
26 NAÇÃO
PERSPECTIVAS DA ECONOMIA 28 Crescimento Há fundamento para as projecções optimistas do FMI? Qual será o crescimento do PIB em 2023 e 2024? Economistas e sector privado comentam 34 Economia Verde BAD defende que o Governo deve apostar na atracção de investimento sustentável em projectos de capital natural 36 Opinião “É Possível Que Ocorram Quedas das Taxas de Juro a Nível Global?”, Allan Mate, Global Markets Trader, Banco BIG Moçambique 38 Plano para 2024 FMO revela imprecisões que vão dificultar o alcance das metas de crescimento previstas 42 Opinião “Anotações Sobre a Nova Lei de Trabalho”, Vicente Sitoe, Executive Director | Partner da SDO 44 Economia global A nível global, o FMI projecta o crescimento mais baixo das últimas décadas, determinado pela fraca recuperação pós-pandemia e pelas guerras
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48 SHAPERS
O contributo da Nobel de Economia 2023 Claudia Goldin através de uma pesquisa sobre a discriminação da mulher no mercado de trabalho
50 POWERED BY RSM
“Direitos e deveres emergentes do contrato de trabalho”, Ágata Chiconela, Head of Legal, RSM Moçambique
52 POWERED BY GLOBAL GATEWAY
Moçambique e União Europeia reforçam cooperação económica na primeira edição do fórum de investimento nos dias 22 e 23 de Novembro em Maputo
54 MERCADO E FINANÇAS
Grupo Cegid expande investimentos e aposta na facilitação da digitalização das Pequenas e Médias Empresas (PME)
58 OPINIÃO
“A Armadilha da Comoditização” (Parte 1), Joao Gomes@BlueBizConsultoria.co.mz
60 CEO TALKS
Samir Salé, Country Director, fala dos ambiciosos projectos de expansão de energia pelo País, dos requisitos para o alcance do acesso universal até 2030 e da eficiência energética
65 ESPECIAL INOVAÇÕES DAQUI
66 EDTECHS Banco Mundial e UNICEF mostram como a inovação ajuda os países a restaurar a estabilidade pré-pandemia e a instalar sistemas de educação de alta qualidade 70 First Education Jovem moçambicano cria plataforma que permite acesso a bolsas de estudo em universidades estrangeiras
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OBSERVAÇÃO
Maputo, 24 de Novembro de 2023
Energias Renováveis no Horizonte No dia 24 de Novembro, Maputo vai acolher a 3.ª Conferência Empresarial – Renováveis em Moçambique 2023 (RenMoz 2023), desta vez no seguimento do Mozambique-UE Global Gateway Investment Forum (dias 22 e 23 de Novembro). A RenMoz 2023 contará com os principais intervenientes do sector, que partilharão as novidades mais relevantes sobre o desenvolvimento das renováveis no País. Será o ponto de encontro de todos os especialistas
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e partes interessadas em energias renováveis em Moçambique, tanto nacionais como internacionais, reforçando-se enquanto evento de referência do sector, organizado por quem acompanha e conhece todos os seus detalhes. Neste encontro, os participantes vão ficar a conhecer o mercado moçambicano, as tendências, os actores e as oportunidades de investimento. Durante as sessões dedicadas à temática Clima & Energia,
será possível compreender o contexto em que as renováveis se inserem e identificar as necessidades dos vários sectores que podem ser atendidas com estas fontes de energia. Espera-se que, após o fórum, a RenMoz possibilite a todos os interessados no sector das energias renováveis, ir mais a fundo neste mercado, informando-se sobre detalhes técnicos fundamentais. FOTOGRAFIA D.R.
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RADAR
Fiscalidade
Governo vai tributar operações e rastrear transacções de carteiras móveis
Responsabilidade Social
CTA e OIT colaboram para a promoção do trabalho digno A Confederação das Associações Económicas (CTA) e a equipa da Organização Internacional do Trabalho (OIT), liderada pelo seu director para a Zâmbia, Maláui e Moçambique, Willington Chibebe, passaram em revista as acções de colaboração entre as duas organizações, no âmbito do diálogo social tripartido. Segundo um comunicado da CTA, o director da OIT garantiu a continuidade do apoio ao sector privado moçambicano, tendo demonstrado abertura para financiar acções que visem promover o emprego digno nas empresas privadas, com destaque para o projecto “Moz Trabalha II”. Por sua vez, a CTA apresentou à equipa da OIT o projecto “Índice de Fazer Negócios”, uma iniciativa que visa reforçar o entendimento em áreas relativas à prestação de serviços oferecidos pelo sector público e sector privado, até ao público em geral, tornando este processo de reformas mais participativo e descentralizado. Na ocasião, a CTA convidou a OIT a ser parceira da iniciativa e a propor ao Governo medidas para possíveis melhorias. No geral, as partes concordaram em realizar encontros trimestrais de planificação e acompanhamento conjunto de projectos, incluindo a capacitação institucional da CTA, apoio à transição do sector informal para o formal no contexto de criação de empregos dignos e criação de empregos verdes (reciclagem e reutilização de lixo e créditos de carbono), com ênfase na criação de competências para jovens.
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A vice-ministra da Economia e Finanças, Carla Fernandes Louveira, informou que a Autoridade Tributária (AT) vai começar a tributar as operações das Carteira Móveis em Moçambique e fazer rastreio das transacções internas e externas a partir do próximo ano. A medida visa garantir a operacionalidade e incremento da captação de receitas para o Estado. Para o efeito, está prevista a realização de ensaios sobre o controlo e tributação das transacções on-line no sector do Turismo, ou seja, tributação do comércio electrónico, a partir de Novembro, numa fase-piloto. “Esperamos que a partir de 2024 a AT dê
início efectivo à tributação da economia digital, estando previsto, já para o mês de Novembro, a realização de uma fase-piloto sobre o controlo e tributação das transacções on-line no sector do Turismo”, disse. Esta medida está enquadrada no Pacote de Medidas de Aceleração Económica (PAE), aprovado em Agosto de 2022, combinada com outras reformas, com destaque para o alargamento da base tributária, aprimoramento da eficiência e da equidade da tributação, combate à evasão e à fraude fiscal e reforço da administração tributária, em particular a revisão da pauta aduaneira e do imposto sobre consumos específicos.
Extractivas
Nova promessa de retoma do projecto de gás da Área 1
O Governo moçambicano e as agências internacionais que estão a financiar as operações de gás natural liquefeito (GNL) na província de Cabo Delgado reuniram-se em Maputo para actualizar as condições de financiamento com vista à retoma dos projectos. As agências em questão são o Banco de Exportação-Importação dos Estados Unidos (US Exim), o Banco Japonês para a Cooperação Internacional (JBIC), o Banco Africano de Desenvolvimento (BAD), o NEXI da Itália, o KEXIM da Coreia, o Atradius da Holanda, o Thai Exim da Tailândia e o SACE da Itália. “As agências de crédito são essenciais neste processo porque garantem a retoma das actividades dentro do prazo”, disse o ministro da Eco-
nomia e Finanças, Max Tonela, reiterando que o projecto é um marco na história de Moçambique e de África, pois vai contribuir para a segurança energética num momento em que o mundo enfrenta uma crise sem precedentes. Já sobre o estado actual das operações, referiu o que já se sabia, demonstrando optimismo em que o anúncio efectuado no final de Setembro por Patrick Pouyanné, CEO da TotalEnergies, de retoma do projecto até final do ano, venha mesmo a concretizar-se. “A TotalEnergies está a envidar esforços diligentes para reiniciar o projecto antes do fim do ano, o que implica o desembolso de saques de financiamento do projecto”, afirmou o governante. www.economiaemercado.co.mz | Novembro 2023
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NÚMEROS EM CONTA
O Que Comemos Está a Dar Cabo do Mundo? A alimentação e a agricultura têm um impacto significativo no nosso planeta, particularmente em termos de emissões de carbono, captação de água e utilização do solo. Para visualizar a forma como os diferentes produtos alimentares contribuem para este impacto ambiental, o gráfico classifica os alimentos com base nas emissões de gases com efeito
estufa (GEE) e no consumo de água. Com base nas medições de dióxido de carbono equivalente (CO2e), a carne de vaca surge em primeiro lugar, como o alimento com maior pegada de carbono, emitindo uns espantosos 99 quilogramas de CO2e por quilo do produto final de carne. Não se espante ao ver camarão, café e até chocolate nesta lista...
Carne de vaca Chocolate negro Borrego e cabrito Vacas leiteiras Café Camarão
Produto Animal Produto vegetal
Queijo Peixe Porco Frango Ovos Arroz Amendoim Cana de açúcar Tofu Leite Aveia Tomate Vinho
45% da oferta mundial de carne de bovino provém de animais que também produzem leite. Este facto divide as emissões entre a carne de bovino e os produtos lácteos, reduzindo a sua contribuição individual para as emissões.
Milho Centeio Frutos vermelhos Banana Batata
A maior parte das emissões do chocolate preto provém da alteração do uso do solo, que altera o equilíbrio das emissões de gases com efeito estufa e reduz a capacidade da Terra para absorver CO2
Frutos secos Maçã Laranja
O Top 5 dos alimentos que exigem mais consumo de água Queijo
Frutos secos
Peixe de aquacultura
Camarãode aquacultura
Carne de vaca FONTE Nemecek, Poorem, Our World in Data.
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OPINIÃO
Tiago Arouca Mendes • Managing Partner & Ana Berta Mazuze • Associada Principal, MDR Advogados
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om o objectivo de ajustar a realidade laboral à dinâmica do desenvolvimento socioeconómico que Moçambique regista e para garantir maior protecção dos direitos dos empregadores e dos trabalhadores, foi aprovada a Lei n.º 13/2023, de 25 de Agosto (Lei do Trabalho), que revoga a Lei n.º 23/2007, de 1 de Agosto, a “antiga” Lei do Trabalho. A legislação que estava em vigor desde 2007 mostrava-se desajustada da realidade actual, num País que tem vindo a registar várias transformações socioeconómicas, nomeadamente com a crescente descoberta de vários recursos naturais que têm atraído o investimento estrangeiro. Com a pandemia de covid-19, que teve consequências nefastas no País e no mundo e com consequências directas na área laboral, as empresas tiveram de se reinventar para garantir a continuidade das actividades laborais em segurança. A nova lei consagra, por isso, novos regimes de trabalho que vão ao encontro das mudanças que se registaram nos últimos anos. São várias as alterações relevantes que foram introduzidas pela Lei do Trabalho, como, por exemplo, a introdução de novas modalidades como o teletrabalho, que à semelhança de outros regimes, nomeadamente, avença, empreitada, intermitente, livre, sazonal e agenciamento privado, será regulado por legislação especial. À semelhança da antiga legislação, a nova sujeita alguns tipos de contratos de trabalho à forma escrita, designadamente, comissão de serviço, domicílio, regime de empreitada, temporário, utilização, intermitente e teletrabalho. Está previsto o regime de pluriemprego, que concede ao trabalhador o poder de celebrar contratos de trabalho com vários empregadores. Ao abrigo na nova Lei do Trabalho, é reforçada a protecção da maternidade e da paternidade. A trabalhadora passa a beneficiar, além das férias normais, de
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A Nova Lei do Trabalho uma licença de maternidade correspondente a um período de 90 dias consecutivos, que podem iniciar-se 20 dias antes da data prevista para o parto. O trabalhador passa a ter direito a uma licença de paternidade correspondente a um período de sete dias contados a partir do dia seguinte ao do nascimento da criança. O regime de contratação de trabalhadores estrangeiros não sofreu alterações significativas, tendo sido mantidos os princípios já previstos na antiga Lei do Trabalho. No entanto, pode destacar-se a criação de uma nova categoria de empresa, as microempresas, passando a classificação a ser feita nos seguintes moldes:
A Lei do Trabalho apresenta melhorias a vários níveis, tendo procurado alterar a regulamentação de alguns regimes que se mostravam desajustados da realidade social • Micro-empregador – o que emprega até dez trabalhadores; • Pequeno empregador – o que emprega 11 a 30 trabalhadores; • Médio empregador – o que emprega 30 a 100 trabalhadores; • Grande empregador – o que emprega mais de 100 trabalhadores. O micro-empregador terá a possibilidade de contratar até 15% de trabalhadores estrangeiros, mantendo-se as quotas previstas na antiga Lei do Trabalho para os pequenos, médios e grandes empregadores. Outro aspecto importante que foi objecto de alteração foi o regime das indemnizações a pagar aos trabalhadores em caso de rescisão de contrato de tra-
balho por justa causa por parte do empregador. O regime previsto na antiga Lei do Trabalho foi objecto de contestação por parte de organizações sindicais, porque se mostrava desfavorável aos trabalhadores, quando comparado com o regime que antecedeu a antiga lei. Com base nisso, a Lei do Trabalho apresenta um pequeno ajuste, passando a ter 15 dias de salário os trabalhadores cujo salário-base, incluindo o bónus de antiguidade, corresponda a um valor entre sete e 18 dezoito salários mínimos; e a cinco dias de salário os trabalhadores cujo salário-base, incluindo o bónus de antiguidade, corresponda a mais de 18 salários mínimos. No que concerne ao poder disciplinar que o empregador detém sobre o trabalhador, é vedado ao empregador, ao abrigo da Lei do Trabalho, o uso abusivo deste poder, com efeitos sancionatórios ao pagamento de indemnizações aos trabalhadores. São alargadas as sanções especiais pelo não cumprimento das normas estabelecidas na nova lei. Como se pode depreender, a Lei do Trabalho apresenta melhorias a vários níveis, tendo procurado alterar a regulamentação de alguns regimes que se mostravam desajustados à realidade social. No entanto, haverá claramente uma necessidade de se produzir legislação complementar, tal como a regulamentação do teletrabalho (referida acima), para que se possam alcançar os objectivos que nortearam a aprovação desta nova lei. É de notar que a Lei n.º 13/2023, de 25 de Agosto, apresenta uma vacatio legis de 180 dias, pelo que só entrará em vigor no dia 21 de Fevereiro de 2024. Até lá, continuará em vigor a antiga Lei do Trabalho. Após a entrada em vigor da nova legislação, as entidades empregadoras e os seus trabalhadores deverão ter em atenção as normas transitórias de modo que assegurem o cumprimento das suas disposições. www.economiaemercado.co.mz | Novembro 2023
ESGTALKS
O Futuro ‘Verde’ já Começou! Que caminho trilhar para chegar à sustentabilidade nos seus três domínios - Ambiental, Social e de Governança (ESG)? A primeira edição da Conferência ESG Talks juntou, em Maputo, diversas entidades em busca da resposta. Das valiosas contribuições apresentadas, fica uma certeza: o mundo está mudar e nos próximos anos nada será como hoje Texto Celso Chambisso • Fotografia Mariano Silva
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aputo acolheu, a 1 de Novembro, a primeira de várias conferências ESG Talks que se projectam, uma iniciativa que promete trazer a debate temas relevantes da actualidade nacional e global. O conceito foi criado pela Media4Development, entidade que detém a revista Economia & Mercado e os portais Diário Económico e 360º Mozambique. São parceiros da iniciativa a Insite Mocambique, a Stravillia Sustainability Hub e a agência de comunicação EMS (Enhanced Media Systems). Esta primeira edição contou com o patrocínio do Standard Bank Moçambique e da consultora Ernst & Young. Sob o tema “Financiamento, Impacto e Boas Práticas para um Futuro Verde em Moçambique”, o encontro serviu também como fórum para esclarecer e promover o trabalho das empresas, organizações e figuras moçambicanas que se destacam na implementação de práticas sustentáveis. A relevância do ESG no contexto global e nacional Logo na abertura do evento, em jeito de enquadramento, a directora de Banca Corporativa e de Investimentos do Standard Bank, Catherine Poran, fez menção à mudança de paradigma trazida pela noção de ESG no mundo empresarial, em que as empresas se esforçam, cada vez mais, em medir o seu sucesso através do seu impacto nas pessoas, nos funcionários, nos clientes, no ambiente e na sociedade em geral. “As empresas que participam em ESG estão a ganhar uma vantagem competitiva. As métricas ESG também são, hoje
em dia, importantes para consumidores, funcionários, credores e reguladores. Líderes de empresas que se esforçam para melhorar as condições de trabalho, promover a diversidade, retribuir à comunidade e tomar posição sobre as questões socioeconómicas, desempenham um papel importante no fortalecimento da empresa ou marca”, explicou. Deu o exemplo de uma pesquisa realizada em 2021 pela Accenture com consumidores de 22 países, concluindo que metade realinhou prioridades de compras por causa de critérios ESG. Ou seja, são consumidores dispostos a pagar mais por marcas que estejam alinhadas com a sustentabilidade. E os moçambicanos devem estar entre os mais preocupados com o planeta, porque “as implicações das alterações climáticas são terríveis” no País. Uma responsabilidade colectiva Francisco Neves, managing partner da Stravillia Sustainability HUB, explicou o caminho que levou a sustentabilidade a tornar-se numa preocupação global das sociedades actuais. “Environment, Social and Government são três critérios da sustentabilidade que o antigo secretário-geral das Nações Unidas, Koffi Annan, pediu aos principais líderes da ONU e às organizações mundiais. Pediu que os integrassem nos seus processos de tomada da decisão”, referiu. Ao longo das últimas décadas, de acordo com Francisco Neves, tem-se assistido de forma progressiva a um conjunto de grandes desafios de âmbito social, ambiental e de informação “que nos comprometem a todos e nos colocam grandes questões”, como no caso das al-
Os moçambicanos devem estar entre os mais preocupados com o planeta e os princípios de sustentabilidade, porque “as implicações das alterações climáticas são terríveis” para o País
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terações climáticas. “As organizações e todos nós individualmente devemos tentar dar uma resposta”, observou. Mas como investir em ESG e gerar impacto? O economista sénior do Banco Africano de Desenvolvimento (BAD) em Moçambique, Rómulo Corrêa, destacou que os países em desenvolvimento, incluindo Moçambique, têm enfrentado desafios cada vez maiores, tanto em relação ao clima como aos conflitos, às necessidades pós-pandémicas, etc. E essas necessidades vêm num momento particularmente difícil: as receitas fiscais são limitadas e existe um alto nível de dívida pública, o que dificulta a tarefa destes países ao procurarem financiamentos que consigam suportar. É por esta razão que, apesar do aumento significativo de instrumentos de finanças sustentáveis em 2021, a maior parte surgiu nas economias mais avançadas. Assim, segundo o representante do BAD, é importante começar a pensar em oportunidades que já são uma realidade nos países desenvolvidos e em certas partes de África, entre as quais o chamado ISD – um indicador sintético que agrega uma série de informações para avaliar a sustentabilidade do desenvolvimento social. “Os leilões de ISD têm a possibilidade de atrair financiamento e têm a particularidade de assegurar a inclusão, por convergirem com a agenda dos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas”, explicou. Mas essas oportunidades trazem desafios. É que ao nível das empresas, por exemplo, tem de haver capacidade de reportar informações extremamente complexas e com normas que ainda não são uniformes. “Num ambiente em que diversos países ou empresas estão a competir por recursos escassos de investidores, Moçambique tende a ficar para trás se não tiver regulamentações”, avisou. ESG já não é voluntária..., mas obrigatória Vicente Bento, partner & general manager da Insite, defende que as soluções para alcançar a sustentabilidade “paswww.economiaemercado.co.mz | Novembro 2023
sam pela implementação de normas”, muitas das quais estão a transitar de um regime voluntário para outro obrigatório. E é por este motivo que, actualmente, segundo o responsável, todo o universo que gira à volta do ESG passou a envolver entidades que desenvolvem normas, agências de rating, reguladores, fornecedores de relatórios e empresas de consultoria. “Há muitas empresas interessadas neste tema e que contribuem para a implementação destes critérios nas organizações”, como a própria Insite. “As organizações que já têm uma norma de gestão de qualidade implementada”, seja ao nível da gestão ambiental ou segurança no trabalho, “já conseguem cumprir com alguns dos critérios ESG”, exemplificou Vicente Bento. Sugere, no entanto, que é preciso olhar não só para questões de obrigatoriedade (impostas por regulamentos ou pela condição de acesso a financiamento bancário), mas ver também o lado do valor que isso acrescenta às empresas. Coube a Lola Lopes, especialista regional sénior para projectos climáticos da CarbonSink – South Pole (uma empresa de consultoria ambiental), explicar “como funciona o mercado dos créditos de carbono”. Há que recordar que Moçambique se tornou num dos mercawww.economiaemercado.co.mz | Novembro 2023
dos mais destacados do mundo em 2022, quando foi o primeiro país a receber ganhos em créditos de carbono. “Os créditos de carbono são gerados através da implementação de projectos que visam a mitigação climática. O sector privado tem a possibilidade de desenvolver projectos voltados para o mercado voluntário, que geram créditos de carbono, vendidos no mercado internacional. A compra desses créditos de carbono é feita por empresas que pretendem fazer a compensação”, explicou Lola Lopes. Já a especialista sénior para projectos climáticos da CarbonSink – South Pole, Aldina Sindique, apresentou, como exemplo a seguir, a produção de fogareiros melhorados, que consomem menos carvão e, consequentemente, reduzem a pressão sobre os recursos florestais. Sendo um utensílio ainda usado de forma intensiva e diária no meio rural para cozinhar, reduzir o consumo de carvão tem também impacto sobre o bem-estar das famílias, porque reduz significativamente a emissão de fumo e proporciona uma redução de despesas na aquisição de carvão. Bons exemplos, lá fora e cá dentro Xana Maunze, uma jovem moçambicana que teve a oportunidade de se for-
mar e visitar vários destinos, sobretudo na Europa, conheceu projectos orientados por critérios ESG. Esta aventura começou em 2019, quando o ciclone Idai lhe despertou a paixão pela sustentabilidade, movida pela necessidade de contribuir para a mitigação dos efeitos nefastos das mudanças climáticas. Actualmente a desempenhar a função de coordenadora de mercado da Greenbiz Group a nível europeu, Xana Maunze falou sobre a mudança de legislação ligada ao ESG na União Europeia e como pode ter impacto nas empresas moçambicanas. É preciso prestar atenção aos diversos instrumentos em uso na Europa e que podem ser explorados no País, disse. Entretanto, aqui mesmo, em Moçambique, há bons exemplos no campo da sustentabilidade e que foram sustentados pelos oradores Mayra Pereira (fundadora da Gaia Consulting), Nuno Calha (director executivo da Ernst & Young), Diogo Cunha (fundador da Moz Good Trade), Taciana Peão Lopes (chairman da Mozup Enterprise Development Center) e Mateus Tembe (administrador de operações do projecto ProAzul). Todos demonstraram que o futuro verde, de facto, já começou!
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OPINIÃO
O Desafio do CBAM e a Oportunidade da Tecnologia CCS - Descarbonizar a Indústria Para Manter a Competitividade
N Júlio Ferreira Carneiro • Universidade de Évora, Departamento de Geociências, Instituto de Ciências da Terra, Portugal
Anísio Pinto Manuel • Ministério dos Recurso Minerais e Energia, Direcção de Energia
Gilberto Mahumane • Universidade Eduardo Mondlane, Faculdade de Ciências
o dia 1 de Outubro, entrou em vigor na União Europeia (UE) o Mecanismo de Ajustamento Carbónico Fronteiriço (ou CBAM, do inglês Carbon Border Adjustment Mechanism), trazendo consigo a ameaça de impactos severos na economia de Moçambique. O CBAM é um dos elementos essenciais da UE para atingir a neutralidade carbónica. Propõe-se responder ao risco de “fuga” de emissões de dióxido de carbono (CO2) que ocorreria se as empresas europeias transferissem a sua produção para países com políticas climáticas menos rigorosas ou optassem por importações com maior intensidade carbónica. O CBAM abrange as exportações para a UE de cimento, ferro e aço, fertilizantes, hidrogénio, electricidade e alumínio. É a inclusão do alumínio nesta lista que deve fazer soar os alarmes nos centros de decisão de Moçambique, pois o sector representa 73,7% das exportações do País para a UE. Não surpreende, pois, que o CBAM possa implicar uma diminuição entre 1,5% e 2,5% do PIB de Moçambique, como apontam alguns estudos. O Banco Mundial, no seu Índice de Exposição ao mecanismo, é bem claro: no sector do alumínio, Moçambique é o país do mundo mais afectado. Até ao final de 2025, durante a fase de transição para a plena implementação, o CBAM obriga apenas à comunicação da intensidade carbónica dos produtos que entrem na UE. Após 2026 os importadores começam a pagar licenças ao preço do Mercado Europeu
de Carbono. O custo destas licenças atingiu em Fevereiro de 2023 o valor recorde de €100,34 por tonelada de CO2. Moçambique faria bem em aproveitar o período de transição para implementar estratégias que minimizem o impacto do CBAM e, simultaneamente, permitam à indústria moçambicana usufruir dos financiamentos internacionais disponíveis para a descarbonização, mais justa e global, com um eventual ganho de mercado na área dos produtos e serviços verdes. A mitigação do impacto do CBAM passa pela descarbonização do sector de fundição de alumínio, em primeiro lugar, mas a longo prazo também do sector cimenteiro, se este tiver a ambição de exportar para a UE (ou para os mercados que se perfilam para adoptar o mesmo modelo do CBAM, como os EUA, Japão, UK e Canadá). Se for demonstrado que o alumínio e o cimento produzidos em Moçambique são produtos neutros em termos carbónicos, não serão pagas licenças do CBAM. Felizmente, Moçambique tem condições ideais para implementar uma estratégia de descarbonização daquelas indústrias, baseada na captura e armazenamento geológico de CO2, tecnologia usualmente designada por CCS (do inglês CO2 capture and storage). A tecnologia CCS consiste em capturar o CO2 nos gases de exaustão industrial, e transportá-lo, através de gasodutos ou navios, até locais onde possa ser injectado em rochas sedimentares, normalmente a mais de 1 km de profundidade. No essencial é “colocar o carbono novamente nas rochas”. A tecnologia CCS está consolidada e a nível mundial existem cerca de 30 projectos activos que evitam a emissão para a atmosfe-
É a inclusão do alumínio nesta lista que deve fazer soar os alarmes nos centros de decisão de Moçambique, pois o sector representa 73,7% das exportações do País para a UE.
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A captura e armazenamento de CO2 é uma das soluções para as quais Moçambique apresenta condições excepcionais. ra de quase 40 milhões de toneladas de CO2 por ano. Estudos coordenados pela Universidade de Évora, Portugal, em 2015, demonstraram que Moçambique reúne condições excepcionais para esse efeito na Bacia do Rovuma, na Bacia de Moçambique ou mesmo nos carvões de Tete. Moçambique deve olhar para esta tecnologia não só como uma oportunidade para descarbonizar a indústria e evitar os impactos do CBAM, mas também para captar investimentos dos países limítrofes que sentem a mesma necessidade de descarbonizar, mas não têm a capacidade de armazenamento geológico que Moçambique apresenta. A tecnologia CCS implica, porém, custos e tempos de implementação consideráveis. Urge aproveitar o período de transição da CBAM para efectuar os estudos socioeconómicos que demonstrem a viabilidade da tecnologia CCS no contexto industrial moçambicano, e identifiquem as oportunidades de financiamento existentes nos mecanismos internacionais de combate às www.economiaemercado.co.mz | Novembro 2023
alterações climáticas. Algumas dessas oportunidades de financiamento podem decorrer do próprio CBAM, para o qual a UE estima proveitos anuais na ordem dos 1,5 biliões de euros já em 2028. Em Julho de 2022, o Parlamento Europeu indicou que parte das receitas do CBAM deveriam ser disponibilizadas aos países menos desenvolvidos para investimentos nas suas políticas de descarbonização. Infelizmente, o regulamento publicado não confirma essa alocação de fundos. Os representantes de Moçambique nos fóruns internacionais sobre combate às alterações climáticas, a começar já pela COP28 no Dubai, devem fazer sentir a sua opinião junto da Comissão Europeia, sob pena de o CBAM se configurar como um mecanismo de protecção das políticas e indústrias europeias, mas uma fonte de injustiça para países menos desenvolvidos. Mas ainda que essas perspectivas de utilização dos proveitos do CBAM não se venham a confirmar, existem mecanismos de financiamento a que Mo-
çambique pode recorrer para descarbonizar a sua indústria. É o caso do Fundo Verde do Clima e do Fundo Global para o Meio Ambiente, ambos instrumentos da UNFCCC, que até agora pouco têm sido requisitados. Numa época de tão agudas alterações nos sectores industriais e de energia, e face à necessidade de combater as alterações climáticas, a que Moçambique é tão vulnerável, os países que pretenderem manter os seus níveis de exportação para a UE, ou mesmo aumentar a sua competitividade nos sectores abrangidos pelo CBAM, devem procurar as soluções tecnológicas e de financiamento que melhor sirvam os interesses da sua economia. A captura e armazenamento geológico de CO2 é uma dessas soluções, para as quais Moçambique apresenta condições excepcionais, mas que exige que as entidades governamentais e empresariais definam estratégias, sob pena de não aproveitarem os financiamentos internacionais para a sua avaliação e implementação.
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ESGTALKS | STANDARD BANK
Finanças Sustentáveis: os sete pilares no centro das atenções do Standard Bank Fanile Shongwe, director-executivo da Banca de Investimento do Standard Bank na África do Sul, revelou na primeira conferência ESG Talks quais as áreas prioritárias para o banco, aquelas que ajudam a impulsionar a agenda ESG e a criar uma plataforma para que África participe na transformação global Texto Celso Chambisso • Fotografia Mariano Silva
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anile Shongwe, director-executivo da Banca de Investimento do Standard Bank, na África do Sul, chama a atenção para os sete pilares em que a instituição aposta para investir nos três domínios da sustentabilidade - Ambiental, Social e de Governança (ESG). O banco reforça no financiamento de projectos que abracem a inclusão financeira, o crescimento e criação de empresas, as infra-estruturas, o desenvolvimento africano, a mitigação dos efeitos das alterações climáticas, a educação e a saúde. “Estas são as áreas prioritárias para o banco, as áreas que ajudam a impulsionar a sua agenda ESG e a criar uma plataforma para que África tenha uma visão global. Assim, o financiamento sustentável apoia, basicamente, a concretização de todos os sete pilares”, destacou Fanile Shongwe, terceiro orador a intervir na primeira conferência ESG Talks, realizada a 1 de Novembro, em Maputo. O director-executivo lida diariamente com a discussão acerca de critérios de sustentabilidade e conhece a escala global. Perante os participantes, apresentou número elucidativos. Até à data, o financiamento global orientado por critérios ESG ultrapassou os seis biliões de dólares, ou seja, duas vezes o Produto Interno Bruto (PIB) da Índia ou do Reino Unido. Mesmo ao nível de dossiês mais específicos, as estimativas mundiais partilhadas pelo banqueiro são avassaladoras. Por exemplo, no que respeita à meta da neutralidade carbónica, os dados sugerem que custará entre três a cinco biliões de dólares por ano até 2050. Estes números equivalem ao PIB do Reino Unido investido anualmente durante 30 anos e representam um crescimento bastante significativo ao lon-
go do tempo. Neste contexto global complexo, financiamento sustentável “é mobilizar capital para gerar impacto em projectos que se pretendem apoiar. Ou seja, angaria-se financiamento que se utiliza para investir em iniciativas ou empresas que estão a tentar contribuir para a jornada ESG”, destacou. Maior debate, maior escrutínio No cronograma evolutivo do mundo ESG, Shongwe destacou alguns mecanismos, como as obrigações verdes, que registaram um crescimento bastante significativo desde 2013. Além disso, os empréstimos ligados à sustentabilidade também cresceram, especialmente em 2021. Tal deve-se ao facto de haver flexibilidade nos empréstimos ligados à sustentabilidade, em comparação com as acções de capital de risco. Mas, chegando a 2022, esses empréstimos diminuíram e a razão para isso é que há uma maior desconfiança, que gera escrutínio, em torno do greenwashing, ou seja, a criação de uma falsa imagem de sustentabilidade por parte de uma entidade. Assim, “os reguladores estão a prestar mais atenção ao assunto e a questão de as empresas estabelecerem objectivos ambiciosos está a entrar no debate”, esclareceu. O Standard Bank, enquanto empresa, assumiu o compromisso de mobilizar cerca de 250 mil milhões de rands entre 2022 e 2026 (equivalente a cerca de 850 mil milhões de meticais ou 13,5 mil milhões de dólares) para apoiar projectos sustentáveis ou relacionados com ESG. O banco quer estar no topo da tabela das entidades mais empenhadas na área.
“Angaria-se financiamento que se utiliza para investir em iniciativas ou empresas que estão a tentar contribuir para a jornada ESG”
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Desempenho vs receitas As principais soluções do financiamento sustentável, de acordo com Fanile Shongwe, dividem-se em dois grupos: as que são baseadas no desempenho e outras assentes na utilização de receitas. Os instrumentos baseados no desempenho podem ser utilizados para fins empresariais gerais. Pode ser uma solução utilizada para empréstimos e no espaço do mercado de capitais – mas, “dependendo da bolsa de valores em causa, pode ser necessária uma verificação independente na fase inicial. Por isso, este tipo de instrumentos ou soluções requer sempre uma verificação independente para mitigar qualquer ‘greenwashing’”, referiu. As principais soluções do financiamento sustentável, de acordo com Fanile Shongwe, dividem-se em dois grupos: as que são baseadas no desempenho e outras assentes na utilização de receitas. Os instrumentos baseados no desempenho podem ser utilizados para fins empresariais gerais. Pode ser uma solução utilizada para empréstimos e no espaço do mercado de capitais – mas, “dependendo da bolsa de valores em causa, pode ser necessária uma verificação independente, na fase inicial. Por isso, este tipo de instrumentos ou soluções requer sempre uma verificação independente para mitigar qualquer ‘greenwashing’”, referiu. Outra solução ou instrumento é designada por utilização das receitas. Aqui, por exemplo, quando se angariam fundos para desenvolver um projecto solar, a utilização das receitas está consignada. Por isso, não há flexibilidade como nos instrumentos ligados ao desempenho e os relatórios são bastante rigorosos. No instrumento da utilização das receitas, tradicionalmente, os objectivos são acordados e o benefício da fixação de preços é ajustado antecipadamente. No entanto, existe um mecanismo de protecção incorporado, uma vez que, anualmente, é apresentado um relatório para informar se os objectivos estão a ser cumpridos e quanto do empréstimo está a ser destinado a esse projecto solar. Se se verificar que existe um défice ou que os objectivos estão em risco, pode ajustar-se a taxa de juro para, basicamente, recuperar o benefício que lhe terá sido dado por não cumprir os objectivos antecipadamente. Tradicionalmente, este é o quadro para a concessão de financiamentos sustentáveis em vigor no Standard Bank e que está disponível em toda a região, não se limitando à África do Sul. As transacções que o banco realiza são classificadas em sustentáveis, ecológicas, sociais e de transição. Como exemplo de uma transacção de transição, o banco financiou uma mina de carvão para colocar painéis solares. Este tipo de operações é considerado ‘castanha’ e é difícil classificá-lo como ‘verde’ porque, embora esteja a instalar painéis solares no telhado, é uma mina de carvão - mas o banco ajudou esse cliente a descarbonizar a sua actividade. www.economiaemercado.co.mz | Novembro 2023
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OPINIÃO
Susana Cravo • Consultora & Fundadora da Kutsaca e da Plataforma Reflorestar.org
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echem os olhos. Imaginem uma colheita de milho, descascado. O que imaginaram parece-se com esta fotografia?” A pergunta é de Vanessa Andreotti, professora universitária e investigadora que integra o colectivo transnacional e interdisciplinar GTDF, e uma referência para mim na área da Educação para a Cidadania Global, a que, aliás, já fiz alusão nos meus primeiros artigos. Após a sua pergunta de partida, quase todos os públicos ficam surpresos ao ver uma foto de milho colorido, registada no Peru, pois todos imaginaram o milho amarelo. Esta professora usa a ideia do milho amarelo como analogia para a nossa (in)capacidade de imaginar milho de cores diferentes. É também uma metáfora, da qual parte frequentemente para abordar a forma como o conhecimento é disseminado e produzido no ensino, contando uma história única de progresso, desenvolvimento e de evolução da humanidade. Nesta história única, toda(o)s, de forma sistémica, vemos os “países desenvolvidos” associados a inteligência, benevolência, merecimento, honestidade, limpeza, liderança, e os “países subdesenvolvidos” associados a ignorância, violência, destruição, lixo, doenças e servidão. Já abordei, ao de leve, a minha perspectiva sobre o estado da educação, como um dos sistemas mais coloniais por onde passei, quer como estudante, quer como trabalhadora. Contudo, como estou a compilar e estruturar a aprendizagem experiencial da minha última década de vida, decidi fazer uma breve incursão pela oferta de ensino pós-graduado em Portugal, mesmo após o aviso de amigos próximos, sobre os riscos da aprovação de teses contra-narrativa, em ambientes tradicionais. Passei pelos Estudos Africanos (desenvolvidos sobretudo por não-africanos), por imensa coisa na área da inteli-
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A Casa que a Modernidade Construiu gência e benevolência (Cooperação para o Desenvolvimento) e desisti quando encontrei um mestrado em “História do Império Português”. Focada no milho colorido, já escolhi, em consciência, uma outra forma para dar vida a tudo o que me corre na alma, nas veias e nas vísceras que, embora vá ter a minha assinatura, será um legado colectivo. Voltando à história única e à forma como se produz conhecimento, Vanessa Andreotti considera que os nossos actuais problemas globais não estão relacionados com a falta de conhecimento, mas, sim, com um hábito de ser ine-
Vanessa Andreotti considera que os nossos actuais problemas globais não estão relacionados com a falta de conhecimento, mas, sim, com um hábito de ser inerentemente violento rentemente violento, da modernidade colonial. Quatro negações estruturam este hábito de ser: (e vale a pena relembrá-los, apesar de já os ter aqui trazido, pela sua pertinência, quer neste artigo, quer perante tudo o que vivemos) 1 – A negação da violência sistémica e a cumplicidade no dano (o facto de que as nossas comodidades, garantias e prazeres são subsidiadas pela expropriação e exploração noutro(s) lugar(es); 2 – A negação dos limites do planeta (o facto de o planeta não poder sustentar o crescimento e o consumo exponencial);
3 – A negação do enredamento (a nossa insistência em vermo-nos como separados uns dos outros e da terra (e sempre da equipa dos bons) em vez de enredados num metabolismo vivo mais amplo que é bio-inteligente; e 4 – A negação da profundidade e magnitude dos problemas que enfrentamos: as tendências: a) Para procurar esperança em soluções simplistas que nos façam sentir e parecer bem; b) Para nos afastarmos do trabalho difícil e doloroso (por exemplo, para nos concentrarmos num “futuro melhor” como forma de escapar a uma realidade que é percebida como insuportável. (“Gesturing Toward Decolonial Futures”, Vanessa Andreotti): Outro aspecto fundamental que esta Professora traz é o da mudança profunda que ocorreu na educação nos últimos 30 anos. Desde 1993, com a abertura da World Wide Web, surgiram múltiplas plataformas, redes sociais e, agora, já na presença da inteligência artificial, a grande missão da educação deixa de ser a de “servir uma refeição” (conteúdos criteriosamente escolhidos) e embora exista um papel importante na curadoria da informação que se disponibiliza, a missão principal é a de ajudar a processar a informação, a digerir o imenso, diverso, difuso (erróneo) e complexo manancial de informação que nos chega. Daí que a autora nos sugira que deixámos de servir a refeição, e passámos para uma educação probiótica. Desde sempre, as histórias e as metáforas acompanham-me em todos os processos de formação e facilitação de grupos. Não podemos adentrar aqui na riqueza que cada uma destas tem, mas podemos deixar dois aspectos relevantes: - O primeiro é a sua capacidade de agarrar (e/ou não afugentar) as www.economiaemercado.co.mz | Novembro 2023
A forma como o conhecimento é disseminado conta na forma como se concebe o mundo pessoas, porque não é sobre elas, é sobre o milho, a coisa, os outros. - O segundo é exactamente porque nos vemos retratados na história do milho, da coisa, dos outros. Além da evidente capacidade de síntese, compreensão e integração (digestão). A casa da modernidade que construímos, é mais uma metáfora utilizada por esta autora, que me parece de crucial relevância ilustrar com a imagem original da mesma fonte (“Gesturing Towards Decolonial” Futures, Vanessa Andreotti), apesar de não estar legendada em português.
Esta história tem quatro partes, devendo ser observadas da esquerda para a direita: A primeira parte diz respeito a uma casa que excede os limites do planeta. Esta casa tem a sua fundação baseada na separação entre humanos e planeta, acredita que os humanos são superiores a todos os outros seres vivos e é a parwww.economiaemercado.co.mz | Novembro 2023
tir destas crenças que se geram hierarquias entre espécies e culturas. As paredes desta casa são o “estado-nação” que protege o capital e a propriedade e a “razão universal” que, ao contar uma história única, mata as outras. O telhado é o capital global, que hoje assenta no que a autora designa por “capitalismo especulativo algorítmico”, tornando-se autónomo e anónimo, fazendo-nos perder o rasto da responsabilidade. A segunda parte fala dos custos ocultos desta casa. Dentro da casa temos crescimento insustentável e consumo excessivo, que depende da expropriação de recursos, baseada em violên-
cia (que já abordei diversas vezes noutros artigos) e a eliminação de resíduos derivados deste consumo excessivo. A terceira parte fala-nos dos “pisos” desta casa. Temos o “norte do norte” – pessoas com elevado rendimento há muito tempo. Depois temos o “norte do sul” a meio da casa – pessoas que querem chegar ao “norte do norte” atra-
vés da mobilidade social. Em seguida temos, na base da casa, o “sul do norte” – pessoas que não têm acesso a mobilidade social, mas querem a segurança desta casa. E por fim temos o “sul do sul” – pessoas que vivem fora desta casa, mas recebem “o esgoto” e morrem ciclicamente na luta por uma forma diferente de existir. Esta terceira parte também nos convida a reflectir sobre a falsa promessa de classe média universal, de que não só estamos cada vez mais distantes, mas que também, caso fosse possível e de acordo com os standards que se vive no norte, precisaríamos de quatro planetas. Na última parte da história temos a mudança climática, instabilidade económica, cancelamento de direitos, precariedade e populismo, a pressionar o telhado, crises económicas, sociais, políticas, ecológicas e de saúde dentro da casa, e o planeta minado de conflitos violentos e migrações em massa. E as perguntas são: Arranjamos esta casa? Expandimos a casa? Construímos outra casa? Vivemos sem casa? Procuramos outros planetas? Para esta professora, há três tipos de respostas que podem ser dadas: - A reforma leve – que prevê pequenos arranjos na casa, fechar as portas e seguir em frente, com o mesmo tipo de liderança, em prol de mais modernidade. As mesmas perguntas, as mesmas respostas. - A reforma radical – queremos manter a casa, mas abri-la a mais pessoas, queremos outro tipo de liderança e fazer arranjos maiores. As mesmas perguntas, diferentes respostas. - Para além da reforma – A casa e a modernidade não são uma opção, dada a violência que estas requerem e os limites do planeta. Aqui queremos perguntas diferentes e respostas diferentes. Não se apresse em escolher a sua resposta. Permaneça, respire e deixe que as opções a(o) habitem. Provavelmente há diferentes vozes dentro de nós, que querem diferentes coisas. Identificar o que quer cada uma das nossas vozes internas já é um grande passo. E termino com esta pergunta: porque é que ainda é difícil encontrar “Educação em profundidade” (Vanessa Andreotti) nestes temas, em português, na tão diversa oferta académica?
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CONTEÚDO LOCAL | INSTITUTO AGRÁRIO DE BILIBIZA
Mais Produção, sim. Mas, Primeiro, Haja Formação! Em 1981, o Governo moçambicano criou o Instituto Agrário de Bilibiza, em Cabo Delgado, para aumentar e melhorar a produção. A este desafio juntou-se agora outro: fornecer conteúdo local aos projectos comprometidos a comprar no País. A formação é cada vez mais necessária e a E&M conheceu a lista de casos de sucesso de empregabilidade. Texto Nário Sixpene • Fotografia Mariano Silva & IABIL
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á muito que é reconhecido o grande potencial agrícola dos 35 milhões de hectares de terra arável de Moçambique. Mas é também conhecido o elevado nível de ociosidade desse potencial. Só cinco milhões de hectares - ou seja, uma sétima parte do total - estão ao serviço da produção, o que justifica a alta dependência da importação de produtos básicos. Este contexto vinca a necessidade de existir uma entidade formadora como o Instituto Agrário de Bilibiza (IABIL). Nos últimos anos, houve investimentos que vieram conferir maior capacidade de resposta à instituição. De acordo com o gestor do projecto, Fernando Silva, depois da vandalização decorrente de ataques terroristas, que levaram à paralisação em Janeiro de 2020, e graças à reabilitação e relocalização concluída no ano seguinte, a antiga escola reergueu-se, apresentando-se como uma instituição moderna de ensino técnico-profissional, gerida pela Rede Aga Khan para o Desenvolvimento (AKDN). Fernando Silva, gestor do IABIL, apresenta-o como um projecto devidamente apetrechado, com meios adequados e formadores capacitados. Está à altura do processo de ensino-aprendizagem de nível médio técnico-profissional, seguindo as exigências da ANEP, Autoridade Nacional de Educação Profissional. Nu-
ma província em que estão concentradas as atenções do Governo e do sector privado, por causa dos projectos de gás, os cursos do IABIL focam-se na agro-pecuária, florestas e fauna bravia com nove especializações. São precisos profissionais que criem o “produto local” - no caso, produtos agrícolas - para fornecer os grandes projectos. “Julgo que estes cursos estão ajustados às exigências dos megaprojectos que estão em curso em Cabo Delgado e não só”, considera o gestor do IABIL. Fernando Silva abre as portas e destaca a melhoria da capacidade de gerar emprego como resultado do investimento no instituto agrário. Os números mostram como são necessários profissionais capazes: a produção média de milho dos produtores comunitários oscila entre 450 e 500 quilos por hectare, contra 5000 a 10 000 quilos produzidos noutros países. Este percurso ambicioso no sector agrário do País começa com o fortalecimento e modernização da capacidade técnico-científica da instituição, que contempla vários princípios. Um desses pilares é a sustentabilidade no funcionamento dos processos de ensino-aprendizagem, com rigor e qualidade, a par da extensão comunitária, com impacto na vida dos pequenos produtores locais, mantendo o equilíbrio na exploração dos recursos naturais com ética e transparência.
Além da aposta no rigor e qualidade da formação, estão a ser estabelecidas parcerias com empresas para a realização de estágios
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Ligação com o mercado de emprego Está em curso uma série de acções para garantir a empregabilidade, refere Fernando Silva. Além da aposta no rigor e qualidade da formação, estão a ser estabelecidas parcerias com empresas para a realização de estágios. Há também formação em planos de negócio para o financiamento dos projectos dos graduados, promovida em parceria com a GAPI, instituição de financiamento para o desenvolvimento. Decorrem igualmente acções de incubação de micro cooperativas de produção em diversos ramos. A iniciativa conta com o apoio do projecto +Emprego (desenvolvido pela União Europeia e gerido pelo Instituto Camões), que tem contribuído para o reforço da capacidade institucional, por forma que aprimore a formação técnico-profissional e o financiamento dos projectos de rendimento de jovens vulneráveis com vista à sua inserção na sociedade. A E&M teve acesso aos resultados desta intervenção na actividade dos beneficiários. Venla Chavia, ex-delegado www.economiaemercado.co.mz | Novembro 2023
METAS E OBJECTIVOS Entre os objectivos do IABIL, Fernando Silva, gestor do projecto destaca: • contribuir para o incremento da produtividade, produção agropecuária, florestal e conservação da biodiversidade em Cabo Delgado; • assegurar maior disponibilidade de técnicos médios agropecuários e florestais competentes e empreendedores na exploração equilibrada dos recursos naturais e preservação do meio ambiente; • melhorar as práticas de ensino-aprendizagem e promover o desenvolvimento de competências e carreira dos formandos.
provincial da Casa do Agricultor, tornou-se delegado do Proma, distribuidor de insumos agrícolas. Azarias Lemos conseguiu transformar-se no gestor dos viveiros florestais da empresa Green Resources do Niassa. Amir Amour, graduado financiado pelo projecto IABIL em produção de frangos, em Macomia, venceu o prémio Empreendedor Jovem de Cabo Delgado de 2019. Amir recebeu os aviários dos Serviços Distritais de Actividade Económica (SDAE), com pintos e ração completa e hoje é oficial do programa Sustenta, do Governo moçambicano. A génese do projecto de Bilibiza Foi com a atenção voltada para a importância da formação que o Governo moçambicano decidiu criar a Escola Básica Agrária de Bilibiza, a 16 de Fevereiro de 1981, para formar técnicos especializados no sector. A instituição de ensino possui uma parceria de longa data com a Fundação Aga Khan, que surgiu da solicitação expressa pelo Governo de Mowww.economiaemercado.co.mz | Novembro 2023
çambique no sentido de contribuir para o incremento da produtividade e produção agrária em Cabo Delgado. Em 2011, a instituição foi convertida em Instituto Agrário de Bilibiza, com a introdução do regime de ensino baseado em padrões de competências (conferindo qualificações CV3, CV4 e com especialização na qualificação CV5). Cada qualificação profissional contempla três grupos de módulos: genéricos, vocacionais e opcionais com um total de 120 créditos e 1200 horas. A conclusão a 100% da qualificação profissional - CV3 - dá acesso às seguintes - CV4 e, posteriormente, à CV5 -, que, além de aptidões profissionais, conferem também competências académicas, com equivalências para ingresso no ensino superior. Em 2014, com a extinção do nível básico, foram introduzidos os cursos de floresta e de fauna bravia para responder à procura pelo Parque Nacional das Quirimbas, parte da paisagem natural onde se insere a instituição. Neste ano lectivo,
estão matriculados no IABIL 327 estudantes, dos quais cerca de um terço são raparigas. Em 2023, serão graduados 157 estudantes, 127 em agricultura e 27 em silvicultura e maneio florestal. Os ataques e a reabilitação Em Janeiro de 2020, grupos armados que têm atormentado Cabo Delgado desde 2017, destruíram o instituto na sua localização original, em Bilibiza. Instalado desde a fundação no distrito costeiro de Quissanga, ali foram formados milhares de profissionais de serviços públicos e do sector privado. O instituto tem sido também o local para apresentar técnicas melhoradas e dar outras orientações às comunidades locais. Dada a importância da instituição, o ataque de 2020 levou à mobilização de parceiros para a restauração. Assim, em 2021, e com apoio da USAID, cooperação norte-americana, o campus foi reerguido, agora no distrito de Chiúre, também em Cabo Delgado. Ali prossegue o trabalho, de olhos postos no futuro.
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OPINIÃO
Tânia Oliveira • Directora de Marketing e Relações Corporativas do Absa Bank Moçambique
Responsabilidade Social nas Organizações: Qual é a Sua Importância?
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Uma organização socialmente responsável tem um compromisso para com a comunidade ao nível da preservação ambiental, bem como ao nível do bem-estar das pessoas e do vigor do espaço económico onde actua
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aposta das organizações na responsabilidade social é, nos nossos dias, uma tendência cada vez mais real. Além do lucro, importa adoptar orientações, tomar decisões e seguir linhas de acção que sejam compatíveis com os fins e valores da nossa sociedade e que vão ao encontro das preocupações dos consumidores. Os consumidores são cada vez mais exigentes e já não se limitam apenas a adquirir bens e serviços. A informação está disponível e as pessoas, antes de uma decisão de compra, querem saber que impacto têm as organizações nas comunidades onde operam e no meio ambiente, optando por aquelas que apoiem causas e projectos socialmente responsáveis e que se posicionem enquanto organizações que geram emprego e riqueza. Uma organização socialmente responsável tem um compromisso para com a comunidade ao nível da preservação ambiental, bem como ao nível do bem-estar das pessoas e do vigor do espaço económico onde actua. As organizações que tornam pública a sua preocupação com a comunidade conseguem conquistar elevados níveis de confiança junto dos consumidores, aumentando assim a reputação e a credibilidade das suas marcas. Partilho, por isso, cinco boas razões para uma organização implementar uma política de responsabilidade social: 1. Criação de um sentimento de pertença à organização: uma estratégia de responsabilidade social motiva e mantém os colaboradores comprometidos, principalmente quando se promovem iniciativas de voluntariado. Consequentemente, aumenta a produtividade e a satisfação no trabalho, além de atrair talentos.
2. Reforço das relações com fornecedores e parceiros: a responsabilidade social fortalece laços, gerando impacto positivo na sociedade e promovendo a construção de um ambiente de cooperativismo nos negócios. 3. Elevação da reputação da organização: entidades socialmente activas melhoram a sua reputação e credibilidade, ao mostrar que estão empenhadas em criar impacto positivo, que se preocupam e querem ajudar. 4. Aumento da vantagem competitiva: organizações comprometidas com a responsabilidade social destacam-se da concorrência e ganham a confiança dos consumidores, mantendo uma reputação sólida. Em paralelo, os consumidores valorizam organizações socialmente responsáveis, mostrando-se mais predispostos a comprar os seus produtos e serviços. 5. Contribuição para um mundo melhor: organizações socialmente responsáveis desempenham um papel activo na mudança positiva do mundo, promovendo sustentabilidade ambiental, satisfazendo as necessidades da população ao redor e estimulando a dinâmica da economia local. Em suma, a importância da responsabilidade social para as organizações, reside, sem dúvida, no seu impacto positivo. As organizações que actuam de forma socialmente consciente conquistam melhores resultados a longo prazo, porque, se o impacto na sociedade é positivo, será também positivo para a organização em questão. www.economiaemercado.co.mz | Novembro 2023
NAÇÃO | MOÇAMBIQUE 2024
Projecções do FMI
O Que Esperar da Economia Moçambicana em 2024? As previsões publicadas nas reuniões anuais do Banco Mundial e FMI, realizadas em Marraquexe, Marrocos, são optimistas para Moçambique. O Produto Interno Bruto vai registar níveis de crescimento que há muito não víamos, a inflação vai cair, assim como os rácios da dívida pública. É este o pretexto que nos move a fazer um balanço de 2023, mas, acima de tudo, a projectar o ano prestes a começar. Há razão para tanto optimismo? Texto Celso Chambisso • Fotografia Istock Photo
NAÇÃO | MOÇAMBIQUE 2024
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oçambique está entre os países africanos com as previsões mais optimistas do Fundo Monetário Internacional (FMI) no relatório sobre as Perspectivas Económicas Mundiais (World Economic Outlook, WEO, um documento aguardado sempre com expectativa). O relatório que tenta adivinhar como será a economia mundial em 2024 foi divulgado no último mês, em Marraquexe, onde decorreram os encontros anuais do FMI e do Banco Mundial. Muitos relatórios de diferentes entidades, acordos e debates emergiram destas reuniões (deles damos conta nesta edição da E&M), tudo ainda pontuado por dúvidas sobre o crescimento económico e o seu ímpeto, mas não tanto assim no caso de Moçambique: o FMI prevê um crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de 7% para este ano e de 5% para 2024. Aliás, na previsão de crescimento que faz para 2028 (sim, daqui a cinco anos!), só há dois países do mundo a crescerem a dois dígitos ao ano: a Guiana, nas Caraíbas, com 13,5%, e Moçambique, com 12,1%. É certo que daqui até 2028 tudo pode mudar, mas as previsões reflectem o sentimento do FMI. O Fundo coloca Moçambique a crescer este ano e no próximo acima das médias do mundo e da região e reviu os rácios da dívida pública, colocando-a em patamares mais sustentáveis, inferiores a 100% do PIB.
Como se justifica que a economia vá crescer “tanto”? Moçambique recebeu, na última semana de Outubro, o corpo técnico do FMI chefiado por Pablo Lopez Murphy, cuja agenda era avaliar o curso da economia e realizar a terceira revisão do programa de assistência ao Governo no quadro do Programa de Crédito Alargado (ECF, sigla inglesa). Nesta ocasião, a E&M ouviu Murphy e, ao falar sobre os fundamentos que levam o FMI a projectar um crescimento do PIB acima da média da África Subsaariana, este ano, o responsável argumentou: “até ao momento estamos satisfeitos com o que vemos na evolução da economia moçambicana. Em particular, pensamos que 2022 foi um ano difícil. As finanças públicas foram colocadas sob pressão devido a alguns excessos de despesa que não foram previstos. O que estamos a observar, este ano, é que a posição fiscal do Governo está de volta ao bom caminho. Ao mesmo tem-
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A justificar as altas taxas de crescimento económico está a convicção do FMI no avanço dos projectos de gás e no restabelecimento da segurança em Cabo Delgado po, vemos que a economia é resiliente. em termos de crescimento do PIB. Vemos que nos dois primeiros trimestres do ano a economia cresceu a bom ritmo e a inflação diminuiu muito rapidamente. Há um ano, a inflação era de 12%, mas em Setembro foi de 3,9%. Esta é uma redução notável”. Também a justificar as altas taxas de crescimento económico, está a convicção do FMI no avanço dos projectos de gás e no restabelecimento da segurança em Cabo Delgado, depois da insta-
bilidade imposta por ataques extremistas. “Tomámos também nota dos desenvolvimentos no sector mineiro, em particular a plataforma flutuante de GNL do projecto Coral Sul. Está em plena capacidade operacional, o que constitui um grande impulso para a economia. Vemos, igualmente, a situação de segurança no Norte a melhorar e a ficar mais estável. Esperamos que isto abra oportunidades para os grandes projectos de investimento que há tanto tempo foram plawww.economiaemercado.co.mz | Novembro 2023
neados em Moçambique, para se materializarem e se estenderem ao resto da economia”, referiu. Na mesma linha, o economista-chefe do Standard Bank, Fáusio Mussá, entende que “a economia apresenta alguma resiliência e o crescimento do PIB tende a acelerar, sobretudo considerando o impacto do projecto Coral Sul". Sem ser específico em relação aos números, Fáusio Mussá considera que o investimento esperado nos recursos naturais pode acelerar o crescimento para níveis acima de 5% nos próximos anos.
Queda da inflação vai relaxar as taxas de juro? O ritmo de aumento do Índice de Preços ao Consumidor (IPC), cujo cabaz define a taxa de inflação em Moçambique, deverá desacelerar em 2024, anunciam as perspectivas agora publiwww.economiaemercado.co.mz | Novembro 2023
cadas pelo FMI. Mas o Fundo prevê que o País feche 2023 com uma inflação de 7,4% e que em 2024 esse valor seja de 6,5%. A instituição entende que a descida da inflação, a que já se assiste, faz com que Moçambique esteja entre os países para os quais é recomendado um relaxamento na política monetária. A medida é uma das quatro prioridades de política propostas aos governos africanos: “interromper a restritividade da política monetária onde a inflação está a diminuir, reduzir as vulnerabilidades da dívida e, simultaneamente, criar espaço para despesas de desenvolvimento, permitir a depreciação da taxa de câmbio sempre que necessário e investir no futuro", nomeadamente na educação, e garantindo uma gestão eficiente dos recursos naturais. Mas não há consenso quanto à criação de espaço para reduzir as taxas de
juro, apesar de os números da inflação serem mais favoráveis. O economista-chefe do Standard Bank está entre os que consideram animadora a redução da inflação, que se situou em 4,6% em Setembro, “o que é considerado encorajador, pois trata-se de uma descida significativa, depois de ter atingido 13% em Agosto de 2022”. Mas Fáusio Mussá observou que os riscos permanecem elevados, sobretudo considerando o possível impacto da tensão no Médio Oriente no preço dos combustíveis. Neste contexto, prevê que a política monetária se mantenha apertada. Estrela Charles, economista e investigadora do Centro de Integridade Pública (CIP), organização que integra o Fórum de Monitoria do Orçamento (FMO), disse à E&M que este órgão da sociedade civil questionou o Banco de Moçambique sobre a razão para manter
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NAÇÃO | PAE
as taxas de juro elevadas, num cenário de inflação controlada, com tendência para baixar. A resposta reside em gastos expressivos do Governo – nomeadamente com remunerações na função pública. São despesas que acabam por “sacrificar o sector privado” ao travar um alívio das taxas centrais, referiu a economista. O próprio FMI reconhece que continua a haver “condições financeiras muito restritivas” com “taxas de juro muito elevadas”, o que dificulta a realização de investimentos. Ainda assim, elogia o resultado da política monetária ao nível do controlo da inflação. “Penso que, com o declínio que temos visto na inflação, o Banco de Moçambique tem tido sucesso no seu controlo”, sublinhou.
Obstáculos no horizonte O sector privado, representado pela Confederação das Associações Econó-
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Do lado da CTA, as altas taxas de juro encabeçam um rol de dificuldades que inclui um desempenho instável por parte das empresas, contrariando o optimismo apresentado pelo FMI micas (CTA), é uma das entidades mais atentas ao ambiente macroeconómico. Agostinho Vuma, presidente da agremiação, considera que há obstáculos a ter em conta e recomenda cautelas. As altas taxas de juro encabeçam um rol de dificuldades que inclui um desempenho instável por parte das empresas, contrariando o optimismo apresentado pelo FMI. Olhando para a evolução, ao longo de 2023, do índice de desempenho das empresas (processado pela CTA), o indicador fixou-se em 28% no primeiro trimestre, ligeira-
mente abaixo dos 29% do trimestre homólogo de 2022. “Fizemos a avaliação do segundo trimestre e vimos que houve uma estagnação de novo nos 28%. Está, agora, em avaliação o terceiro trimestre e a previsão aponta para uma tendência estacionária do desempenho das empresas nacionais”, lamentou o presidente da CTA. O primeiro motivo para esta estagnação, de acordo com Agostinho Vuma, é que o ano arrancou com uma comercialização agrícola comprometida, por causa de inundações e prowww.economiaemercado.co.mz | Novembro 2023
O HORIZONTE NA ÓPTICA DE UM ECONOMISTA O economista e académico Elcídio Bachita aceitou o repto da E&M e comentou as previsões do FMI.
• Crescimento do PIB As previsões optimistas do FMI relativamente ao desempenho da economia de Moçambique ao longo de 2024, na ordem de 5%, justificam-se pelos desenvolvimentos recentes da economia moçambicana, galvanizada pela indústria de petróleo e gás (particularmente pela produção e exportação de gás natural liquefeito) a partir da Bacia do Rovuma, na província de Cabo Delgado. Por um lado, é um impulso encabeçado pela ENI (com a plataforma Coral Sul), em que Moçambique já encaixou um valor acima dos 100 milhões de dólares norte-americanos. Por outro lado, a pretensão da Total em retomar o seu projecto de exploração ''onshore'', em Palma, abre boas perspectivas para a economia, visto que este será mais benéfico para os moçambicanos sob o ponto de vista da criação de oportunidades de emprego, bem como de investimento em infra-estruturas. • Inflação A desaceleração da inflação em 2024 para cerca de 7% é uma previsão optimista que vai depender de vários factores, entre eles, as calamidades naturais que ciclicamente têm afectado o País, a situação geopo-
blemas nas vias de acesso. Um segundo aspecto é a degradação da Estrada Nacional 1, espinha dorsal do País. Um problema que, associado aos custos do combustível, tem conduzido a despesas logísticas mais elevadas para as empresas. O terceiro aspecto é o atraso nos pagamentos do Estado a fornecedores. “Todos sabemos que o Estado tem acumulado ciclicamente as nossas facturas, o que afecta a liquidez e a tesouraria das empresas”, referiu Vuma, apelando ao cumprimento da lei: “não é regulamentar lançar um concurso sem cabimento orçamental”. As causas da estagnação representam as questões que o empresariado quer ver resolvidas, “para que, de facto, a economia alcance um voo sustentado num ambiente de negócios favorável à criação de novas oportunidades de emprego”. www.economiaemercado.co.mz | Novembro 2023
Revisão do Fundo reduz peso da dívida pública O rácio da dívida pública moçambicana sobre o PIB melhorou entre os dois últimos relatórios sobre as Perspectivas Económicas Regionais referente à África Subsaariana. No relatório de Abril, o FMI colocava a dívida pública a 102,8% do PIB em 2023 e a 103,1% no próximo ano. Agora, os rácios foram revistos e baixaram para 89,7% e 92,4%, respectivamente. Mais do que fundamentar esta queda dos rácios de dívida face ao PIB, o FMI, na voz de Pablo Lopez Murphy, deu ênfase ao facto de que, comparando com os países da África Austral, o nível da dívida pública em percentagem do PIB de Moçambique é bastante elevado, sendo, por isso, uma vulnerabilidade a ter em conta. “Porquê? Porque uma fracção significativa das receitas do Governo tem de ser aplicada ao serviço da dívida. Portanto, o nosso conselho para Moçambi-
lítica no Médio Oriente e a guerra russo-ucraniana, que influenciam significativamente o preço do petróleo no mercado internacional. Caso se registe uma deflação, o Banco de Moçambique terá de relaxar as taxas de juro, de modo que abra espaço para que os bancos comerciais baixem o preço do dinheiro, no sentido de tornar o crédito mais acessível para o sector produtivo e para o público. • Rácio da dívida pública face ao PIB A redução que se espera vai depender do desempenho da economia ao longo do próximo ano, ou seja, do volume total de bens e serviços a serem produzidos na economia face aos lucros da exportação das commodities e de outros sectores cruciais, bem como a capacidade da tributação para incrementar as receitas que irão sustentar o Orçamento do Estado. Isso não quer dizer que Moçambique tenha ganhado margem para se endividar, mas haverá algum alívio sobre as finanças públicas, permitindo que o Estado dê particular atenção ao investimento na economia. Por agora, o Governo gasta mais pagando dívidas do que investindo em saúde e na educação, só para citar alguns exemplos.
que é sempre tentar reduzir as vulnerabilidades associadas ao nível muito elevado do rácio da dívida pública em relação ao PIB”, explicou. E qual é a melhor forma de o fazer? O representante do FMI fala de duas soluções: a primeira é estimular o crescimento económico. Recorreu à matemática para esclarecer. “Se estamos a falar da relação dívida/PIB, então fazer crescer o PIB aumenta o denominador e essa relação (rácio) vai cair. Ou seja, quanto maior o crescimento, menor será o rácio da dívida em relação ao PIB. E a experiência histórica da maioria dos países que reduziram as suas vulnerabilidades à dívida através do crescimento da economia tem desempenhado um papel muito importante”. O segundo elemento importante passa por ter políticas fiscais prudentes, isto é, ter défices baixos, o que se consegue com o alargamento da base tributá-
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ria. As perspectivas da dívida moçambicana começaram a melhorar no início de Outubro, quando o banco UBS anunciou ter chegado a acordo com o Governo de Moçambique para pôr fim ao litígio sobre as chamadas “dívidas ocultas” da ordem de 2,7 mil milhões de dólares, contraídas junto dos bancos Credit Suisse (entretanto comprado pelo UBS) e VTB, entre 2013 e 2014. No entanto, os detalhes do acordo não foram relevados, sob justificação de poderem influenciar outros processos em curso, e ficou por clarificar que valor das dívidas foi abatido – sendo que uma fatia de cerca de 700 milhões de dólares das “dívidas ocultas” foi convertida em dívida soberana que o Estado moçambicano está a honrar juntos dos portadores dos ‘eurobonds’, entretanto reestruturada para um valor total da ordem dos 900 milhões. A realidade de Moçambique é similar à da África Subsaariana onde, segundo o FMI, a dívida pública aumentou significativamente na última década. Os planos orçamentais e de investimento público adoptados pelos países para satisfazer
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Os fluxos de investimento privado continuam a ser um recurso crítico e subutilizado e existe uma margem considerável para a região acelerar o investimento em reformas climáticas as necessidades de desenvolvimento, responder a derrapagens orçamentais e enfrentar uma série de choques (incluindo a pandemia do covid-19, os fenómenos relacionados com o clima e as catástrofes naturais, bem como os elevados preços internacionais dos bens alimentares, dos combustíveis e dos fertilizantes, na sequência da invasão da Ucrânia pela Rússia) conduziram a um aumento da dívida.
África: o dilema de financiar o desenvolvimento numa era de austeridade De acordo com o FMI, a África Subsaariana só agora está a emergir de uma série de choques mundiais sem prece-
dentes e continua a braços com uma forte contracção do financiamento. No lado positivo, a inflação mundial está a recuar e as condições financeiras internacionais estão a tornar-se menos restritivas. Mas o desafio de financiamento subjacente poderá prolongar-se – a crise expôs os riscos de depender dos mercados de capitais privados voláteis para financiar o desenvolvimento, à medida que outras fontes tradicionais, como a Ajuda Pública ao Desenvolvimento (APD) e os empréstimos bilaterais, diminuem. É provável que o financiamento do desenvolvimento se torne cada vez mais escasso e dispendioso, fazendo com que seja ainda mais difícil para os paíwww.economiaemercado.co.mz | Novembro 2023
Crescimento do PIB É uma projecção ambiciosa que, a cumprir-se, marcaria a retoma do rápido crescimento e a consolidação da economia Crescimento do PIB em %
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2023 2024
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Inflação em queda? Analistas duvidam que esta previsão do FMI se cumpra dados os riscos internos e globais prevalecentes Inflação media anual em %
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Melhorias no rácio da Dívida Pública face ao PIB Apesar de o peso ter descido para níveis abaixo de 100% do PIB, o País ainda não tem margens para voltar a endividar-se Em %
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92,4 FONTE Regional Economic Outlook, FMI
ses manterem os actuais níveis de despesa per capita em áreas prioritárias como a saúde, a educação e as infra-estruturas, quanto mais aumentarem as despesas necessárias para cumprirem os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Mas a região está em condições de contrariar esta projecção. Os fluxos de investimento privado continuam a ser um recurso crítico e subutilizado, e existe uma margem considerável para a região acelerar o investimento em reformas climáticas, enquanto avalia cuidadosamente o papel de incentivos públicos adicionais. Em última análise e mais importante, avança o FMI, a mobilização de recursos internos é a chave para o desenvolvimento sustentável. O aumento das receitas públicas é claramente crucial. Mas a expansão da reserva de poupança privada é também essencial e, para o efeito, a promoção do desenvolvimento do mercado financeiro e da inclusão financeira deve constituir também uma prioridade. www.economiaemercado.co.mz | Novembro 2019
NAÇÃO | MOÇAMBIQUE 2024
Clima e Natureza: Trunfos de Moçambique num Mundo em Mudança Há uma área urgente para o País: mobilização de financiamento do sector privado para enfrentar as mudanças climáticas e apostar na “economia verde”. Moçambique deve criar um quadro legal que permita medir os recursos naturais (para se traduzirem em garantias ao investimento) e protegê-los, efectivamente Texto Redacção • Fotografia D.R
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cenário para os próximos tempos está traçado. Então, quais os caminhos que se perspectivam para Moçambique, considerando especificamente o seu perfil de fragilidade face às alterações climáticas? Uma nova época de ciclones está à porta (a partir de Dezembro) e já se sabe que haverá tempestades a assolar o País. Não há como o evitar: Moçambique está no final do percurso natural das depressões atmosféricas que circulam na bacia do oceano Índico. O Banco Africano de Desenvolvimento (BAD) lançou um guião de 46 páginas – Country Focus Report 2023 –, indicando como receita a mobilização de financiamento do sector privado para enfrentar as mudanças climáticas e apostar na “economia verde”. O BAD indica que o Governo moçambicano deve dar prioridade “à gestão sustentável e à conservação do capital natural para contribuir para o financiamento climático e o crescimento verde”. O guião sugere meia dúzia de recomendações para se obterem benefícios económicos e sociais para as gerações actuais e futuras. Por onde começar? O BAD recomenda a promoção de parcerias público-privadas para o investimento sustentável. “Fomentar a colaboração entre os sectores público e privado para atrair investimentos sustentáveis no capital natural”. Diz o Banco que a meta pode ser alcançada através de incentivos, num menu já conhecido de outros progra-
mas, mas com adaptações: “isenções fiscais, subsídios e procedimentos administrativos simplificados, que possam atrair investimento privado para projectos ecológicos, infra-estruturas resilientes às alterações climáticas e iniciativas de conservação”. Os termos de referência mudam e passam a ser recheados com a palavra “resiliência” e indicadores capazes de medir a sustentabilidade das acções. “O Governo moçambicano deve continuar a construir para criar um ambiente de negócios propício que incentive o investimento do sector privado em projectos de capital natural”. O relatório faz referência específica a instituições financeiras de desenvolvimento nacional, como o Fundo Nacional de Desenvolvimento Sustentável (FNDS) e o Banco Nacional de Investimento (BNI). “Permitir que tenham acesso a financiamento internacional verde e sustentável também pode atrair mais recursos internacionais para Moçambique”. Outra recomendação parece muito específica, mas faz sentido no plano da análise internacional: implementação de metodologias robustas de avaliação de ecossistemas. Moçambique deve adoptar “metodologias normalizadas” – isto é, em linha com os padrões internacionais – de avaliação de ecossistemas, para registar com precisão a contribuição económica do capital natural. Ou seja, não pode haver dúvidas sobre se uma floresta de madeira rara vale dez ou cem unidades de crédito num mercado
São sugeridos programas de formação para decisores políticos, campanhas de sensibilização para as comunidades locais e a criação de plataformas para partilhar as melhores práticas e lições
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de carbono, por exemplo. “Isto dará aos decisores políticos e aos investidores dados fiáveis para tomarem decisões informadas sobre o financiamento climático e iniciativas de crescimento verde”. No fundo, trata-se de uma forma de garantia sobre o desembolso financeiro real. E nessas recomendações surge um trabalho de base legal e legislativa. O BAD defende um reforço dos quadros legais para conservar os recursos ambientais. “Tal inclui a adopção e aplicação de legislação que salvaguarde a biodiversidade, regulamente as práticas de utilização dos solos e promova a gestão sustentável dos recursos”. Nada que não esteja já previsto e com iniciativas em andamento. O Banco vai ao detalhe de indicar a necessidade de um quadro nacional de financiamento verde, que incorpore “considerações ambientais e sociais na decisão financeira”. Um novo quadro para as finanças em Moçambique pode incluir medidas como obrigações verdes, swaps de obrigações climáticas, regulamentos bancários verdes e avaliações de risco ambiental “para assegurar que as instituições financeiras apoiam activamente investimentos que contribuam para a preservação do capital natural e para os objectivos de desenvolvimento sustentável (ODS)”. Restaurar e educar E se a protecção contra as alterações climáticas estiver na própria natureza e não apenas em construir infra-estruturas resilientes? Às vezes, é melhor restaurar o que já existiu. É o que se chama de “desenvolvimento de soluções baseadas na natureza para a adaptação e atenuação das alterações climáticas”. Na prática, canaliza-se o investimento para “soluções baseadas na natureza, que abordem simultaneamente a adaptação às alterações climáticas e a atenuação www.economiaemercado.co.mz | Novembro 2023
dos seus efeitos, promovendo, ao mesmo tempo, o crescimento económico”. Isto pode incluir a restauração de ecossistemas degradados (como mangais ou culturas alimentares), a implementação de práticas agrícolas sustentáveis e a promoção de projectos de energias renováveis que alavanquem os recursos naturais de Moçambique. Mas o BAD deixa um recado importante neste guião de meia dúzia de medidas: nada se faz sem escola, sem formação, inclusivamente para os políticos. Um dos pontos do guião consiste precisamente em “reforçar a capacitação e a partilha de conhecimentos, desenvolvendo a educação das partes interessadas sobre o valor do capital natural e o seu potencial para o financiamento climático e o crescimento verde”. São sugeridos programas de formação para decisores políticos, campanhas de sensibilização para as comunidades locais e a criação de plataformas para partilhar as melhores práticas e lições. Todo o continente está ligado Nesta, como noutras matérias, vale a pena sublinhar o chavão – sempre oportuno – “estamos juntos”. Promover a cooperação intracontinental e um entendiwww.economiaemercado.co.mz | Novembro 2023
mento comum partilhado de como o potencial de capital natural de África pode ser desbloqueado é outra das recomendações. Como? “Utilizando uma variedade de políticas aplicadas em todo o continente africano, incluindo a promoção daquelas que estão relacionadas com os mercados financeiros”. Estes devem procurar activamente reforçar os seus regulamentos ambientais e vigiar a sua aplicação. Nesta linha de entendimento comum, no terreno, o documento do BAD defende que “Moçambique precisa de reforçar os seus regulamentos ambientais” e isso inclui “leis mais rígidas sobre desmatamento, comércio ilegal de vida selvagem e sobrepesca, entre outros. O Governo deve também investir no reforço das capacidades e na formação dos agentes responsáveis pela aplicação da lei a diferentes níveis operacionais, desde os guardas-florestais aos agentes policiais e às autoridades aduaneiras e fiscais, no sentido de reforçar a sua capacidade de aplicar eficazmente estes regulamentos”. Conjugar recursos minerais e florestas O Governo deve “continuar a melhorar a sua regulamentação das operações
mineiras, cobrar receitas de forma eficaz e assegurar mecanismos de controlo sólidos”. Num quadro internacional de transição energética e viragem, é preciso garantir “uma gestão óptima dos recursos minerais, maximizando as suas potenciais contribuições para a economia”, defende o relatório. Isto deve ser feito ao mesmo tempo que se tira partido das lições sobre como melhorar a gestão sustentável das florestas. “O sector florestal tem sido o maior contribuinte em termos de rendas para o Governo na última década e é importante continuar a aproveitar o que se aprendeu, para maximizar o potencial desta actividade para o crescimento sustentável e melhoria dos meios de subsistência”, particularmente nas zonas rurais. Sem surpresa, o documento apela ao combate da exploração madeireira ilegal e sugere a promoção activa da reflorestação e empenho na “gestão florestal responsável” para salvaguardar os valiosos recursos espalhados pelo país. Mitigar a degradação ambiental e promover a sustentabilidade económica e ecológica a longo prazo é um objectivo que, mais do que nunca, deve estar presente na acção diária de todos os decisores em Moçambique.
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OPINIÃO
Allan Mate • Global Markets Trader, Banco BIG Moçambique
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á se passaram mais de 19 meses desde que os maiores blocos económicos iniciaram o actual ciclo restritivo de política monetária. Deve-se enfatizar como este ciclo teve uma natureza rápida e de larga escala, algo que, por si, já é um marco histórico na Economia Global. No entanto, nota-se de forma generalizada que os efeitos esperados em termos de redução da actividade económica a nível global não se estão a fazer sentir. Até podem ser sentidos de forma momentânea, mas de forma generalizada, o principal objectivo em termos de métricas económicas ainda não foi alcançado – a redução da inflação. Isto levanta a seguinte questão: será possível uma queda das taxas de juro, a curto prazo, a nível global? Em Junho e Julho de 2022, a Reserva Federal dos Estados Unidos (FED) e o Banco Central Europeu (ECB) iniciaram este ciclo, respectivamente. Este ciclo teve o seu início num cenário em que a inflação, tanto nos EUA como no bloco Europeu, tinha atingido níveis muito acima da meta (2%) determinada pelas referidas instituições das duas regiões. Durante o período mencionado, observou-se um aumento significativo no rendimento dos cidadãos nas duas regiões, devido a pressões de políticas e com o intuito de manter o poder de compra dos cidadãos. Isto, aliado a outras razões que referirei mais adiante, gerou uma pressão inflacionária sem precedentes. Entre as outras razões que contribuíram para a pressão inflacionária, está a elevada procura que surgiu na abertura pós-pandemia de várias economias globais, pois não havia oferta suficiente para suprir essas necessidades. Adicionalmente, verificámos o eclodir de uma guerra entre a Rússia e a Ucrânia, guerra esta que teve um impacto significativo nas diferentes cadeias de valor de energia e produtos alimentares, e criou muita incerteza a nível glo-
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É Possível Que Ocorram Quedas das Taxas de Juro a Nível Global? bal. Incerteza esta que acabou por se reflectir nos preços que já vinham sofrendo uma tendência inflacionária. Esta guerra veio também mergulhar o bloco Europeu numa crise de energia sem precedentes, com um shift muito grande entre os fornecedores de energia aos principais países europeus, com particular evidência da Alemanha, que importava praticamente toda a sua energia da Rússia. Actualmente, o conflito entre a Palestina e Israel apresenta-se como mais um potencial choque que poderá ter impac-
Moçambique foi a primeira economia a entrar num período restritivo, com a sua primeira subida de taxas em Janeiro de 2021, e um dos motivos foi o facto de ser um país extremamente vulnerável aos choques externos to na economia global, pois um potencial escalar do conflito para os países vizinhos pode criar disrupções no equilíbrio do mercado de petróleo. Desde o início deste ciclo restritivo que um dos grandes debates era a probabilidade de abrandamento com um “soft landing” vs. “hard landing,” onde, num deles, os efeitos esperados da recessão são mais bruscos em comparação com o outro. Com o tempo, tem-se notado que a economia global tem estado a sentir um “soft landing”, uma vez que tem havido apenas uma redução na actividade económica a acompanhar o abrandamento da taxa de inflação. Indicadores como a
taxa de desemprego, o acelerar dos incumprimentos ou a evolução dos preços dos activos de risco ainda não sofreram os impactos do abrandamento, mas podem estar vulneráveis, no curto prazo. Todos estes factores acima mencionados, e com maior ênfase no facto de que a economia global ainda está a crescer, são factores que geram alguma dúvida em relação a uma possível queda de taxas a nível global, pelo menos a curto prazo. Além disso, os líderes dos bancos centrais dos maiores blocos económicos continuam a dar indicação de possíveis subidas ou manutenção das actuais taxas por períodos indeterminados, alinhando as expectativas dos investidores à informação económica que vá sendo publicada nos próximos tempos. Moçambique foi a primeira economia a entrar num período restritivo, com a sua primeira subida de taxas em Janeiro de 2021, e, conforme mencionado pelo Governador do Banco de Moçambique, um dos motivos pelos quais o País foi o pioneiro a implementar esta medida deve-se ao facto de ser um país extremamente vulnerável aos choques externos, uma vez que é uma pequena economia e maioritariamente importador de todos os produtos que consome. Além disso, a economia moçambicana ainda não conseguiu criar reservas monetárias suficientes que possam auxiliar a amortecer os impactos desses choques. Actualmente, o Banco de Moçambique tem estado a lidar com o problema da liquidez excessiva no sistema bancário, com os impactos da implementação da Tabela Salarial Única (TSU) e dos aumentos significativos da despesa pública, criando um cenário onde quaisquer alterações na actual política monetária devem ser feitas de forma prudente, garantindo o cumprimento do seu mandato primordial, que é controlar a inflação e garantir estabilidade cambial, algo em que, nos últimos tempos, tem tido sucesso. www.economiaemercado.co.mz | Novembro 2023
NAÇÃO | MOÇAMBIQUE 2024
Há (Des)Articulação Entre o Planificado e a Realidade? Não foi apenas o FMI que, em Outubro, perspectivou o próximo ano da economia moçambicana. O Governo também o fez com a proposta de Plano Económico e Social e Orçamento do Estado (PESOE) para 2024. Organizações da sociedade civil lançam vários alertas sobre o documento. O que podemos esperar? Texto Celso Chambisso • Fotografia D.R
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a hora de lançar um olhar sobre os planos do Governo para todas as áreas que movem o País, a E&M foi buscar a proposta do Plano Económico e Social e Orçamento do Estado (PESOE) para 2024, a debater pela Assembleia da República. Mas para uma visão crítica do documento, ouviu o Fórum de Monitoria do Orçamento (FMO), uma plataforma das organizações da sociedade civil, focada na gestão das finanças públicas e que todos os anos analisa o PESOE. Numa entrevista com a economista Estrela Charles, investigadora do Centro de Integridade Pública (uma das entidades que integram o FMO) e especialista em análise orçamental, a E&M ficou a saber que, no dia 26 de Outubro, este órgão reuniu com o Ministério da Economia e Finanças para clarificação de pontos essenciais do documento. A proposta do PESOE 2024 marca o fim da implementação do Programa Quinquenal do Governo 2020-2024 e tem como metas principais o alcance de receita do Estado de 383 537,5 milhões de meticais, correspondente a 25% do PIB; despesa do Estado na ordem de 542 695,6 milhões de meticais, equivalente a 35,3% do PIB; défice orçamental na casa dos 159 488,5 milhões de meticais, correspondente a 10,4% de PIB; e saldo primário de 39 283,2 milhões de meticais, equivalente a 2,6% do PIB. Mas o FMO,
que garante ter estudado minuciosamente o documento, alerta que estas metas, como vários outros programas que constam do documento, podem não estar ao alcance. Porquê? Crescimento económico O FMO entende que a previsão de crescimento em 5,5% está muito dependente do desempenho da indústria extractiva (que o PESOE prevê que cresça 18,6%) que, por sua vez, é alimentada pela expectativa em torno do arranque e desenvolvimento dos projectos de gás. “Ao longo dos últimos anos, temos questionado se, de facto, somos capazes de chegar a este nível de crescimento, porque, no terreno, acaba por ficar provado que não se verifica o optimismo projectado no PESOE”, explicou a economista. Para Estrela Charles, “é provável que o crescimento do PIB venha a estar aquém das projecções”, porque “não está assegurado que aqueles projectos avancem”. Seria realista “uma previsão que não considerasse os indicadores incertos, o que levaria a uma projecção de crescimento abaixo da que temos”. Salários O FMO aponta para um aumento das despesas com salários em cerca de 14 mil milhões de meticais para 191,7 mil milhões no PESOE. Mas, ao mesmo tempo, há restrições na contratação de novos funcionários, com uma redução
“É provável que o crescimento do PIB venha a estar aquém das projecções”, porque “não está assegurado que os projectos de gás natural liquefeito vão avançar”, Estrela Charles”
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de 12 491 em 2023 para 4892 no próximo ano (cerca de 70%), o que dificulta a compreensão do aumento das despesas em salários na proporção apresentada. “Perguntámos ao Governo porque é que o ‘bolo’ das remunerações está a aumentar, quando está previsto que se contratem menos funcionários. E este prometeu fornecer documentos com os detalhes sobre os sectores que terão aumento de salários e as respectivas proporções”, explicou a pesquisadora. Além disso, e apesar de o PESOE prever que o peso dos salários em relação ao PIB sofra uma ligeira redução (de 1 ponto percentual face ao projectado para 2023, para 13% do PIB), tal não ficará a dever-se à redução global dos salários. “Pelo contrário, estes vão expandir-se. O que acontece é que está previsto um crescimento do PIB que cria esta análise ‘confortável’”, argumentou. O FMO entende, igualmente, que no PESOE não está explícito o que se vai gastar com as novas contratações na área da Defesa e Segurança. Reconhece, no entanto, que não é necessário divulgar detalhes sobre o efectivo a ser contratado, mas defende ser importante que, pelo menos, seja público quanto www.economiaemercado.co.mz | Novembro 2023
Retoma do crescimento No próximo ano, espera-se que a economia comece a descolar. O gás continua a assumir um papel crucial neste salto (Crescimento do PIB em %)
4,4
2022 Prev. 2023 Proj. 2024
7 5,5
Crescimento sustentado pelas indústrias extractivas Aqui, levanta-se a velha preocupação com a necessidade de diversificar a economia. Espera-se que as indústrias extractivas cresçam o suficiente para justificar o desempenho global. Mas e se tal não acontecer? Previsões de crescimento em 2024 (por sectores)
Indústria extractiva 18,6% Agricultura 5,7% Transportes 5,5% Informação e comunicações 5,5% Comércio 4,1%
vai ser gasto com tais contratações, em nome da transparência. Dívida interna O Governo pretende aumentar o limite da dívida interna em 2024 com o argumento de estabilizar a tesouraria. Mas o FMO tem dúvidas, porque 2024 é ano de eleições gerais. Além disso, está previsto que o pagamento de juros de dívida interna cresça 38% em relação a este ano (um salto de 29,9 mil milhões de meticais para 41,4 mil milhões). “Esperamos que o Parlamento faça um debate assertivo, de modo que limite a dívida interna”, defende Estrela Charles, por entender que, caso tal não aconteça, existe o risco de o Executivo contrair novas dívidas para pagar as antigas – refinanciamento da dívida –, o que acarreta custos ainda mais altos em juros. Sector empresarial do Estado No que respeita ao Sector Empresarial do Estado (ou SOE, sigla inglesa pela qual é conhecido na gíria e que significa State Owned Enterprises), o Governo perspectiva “prosseguir com o processo de reestruturação das empresas nas verwww.economiaemercado.co.mz | Novembro 2023
tentes operacional, financeira e de recursos humanos, com vista à respectiva viabilização e rentabilização” e “finalizar o processo de liquidação de quatro empresas: Correios de Moçambique, EMEM, Sociedade Malonda e Ematum”. Para o FMO, falta esclarecer e quantificar, em termos de despesas, o tipo de reformas a serem realizadas nas empresas a liquidar e noutras, como a Linhas Aéreas de Moçambique (LAM), Petromoc e Tmcel. “Quanto vão custar estas reformas? O PESOE não revela”, criticou Estrela Charles.
Construção
Mercado global com boas perspectivas Analistas de mercado citados pela OIC indicam que o mercado global de grãos de café cresce a um ritmo constante. Espera-se que ganhe impulso nos próximos anos devido ao aumento do consumo em várias partes do mundo, conduzido pela população mais jovem. Além disso, o uso do café na produção de uma ampla gama de produtos de higiene pessoal, produtos de panificação e chocolates, entre outros, abre boas perspectivas para o mercado global. A procura por café na América do Norte deverá permanecer elevada nos pró-
Despesas continuam a crescer
3,7% Educação 3,7% Alojamento e restauração 3,6% Electricidade e gás 3,5% Sector financeiro 3,5% Saúde 3% Pescas 2,7%
A consolidação da reforma salarial está entre as mais importantes acções que o Executivo vai priorizar. Despesas do Estado (mil milhões mt) % do PIB
2022 Prev. 2023 Prev. 2024
427,7 36,2 472,1 35,8 542,6 35,3 FONTE PESOE 2024
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NAÇÃO | ENERGIA
“Porque é que o ‘bolo’ das remunerações está a aumentar, quando está previsto que se contratem menos funcionários?”, Estrela Charles ximos anos, tendo em conta que o crescente consumo entre a população trabalhadora, a par da instalação de máquinas de café em escritórios, aeroportos, estações ferroviárias e outros locais, contribua para um cenário positivo. Uma questão de transparência O FMO também levantou a velha preocupação com a falta de transparência. Entende que o PESOE 2024 é um documento muito resumido e não apresenta detalhes em relação a muitos aspectos. Além disso, está desajustado em relação a outros instrumentos orientadores de política económica e social que deveriam ser complementares. Estrela Charles destaca como exemplo o desencontro entre o PESOE e o Cenário Fiscal de Médio Prazo - um instrumento de planificação e orçamentação trienal, através do qual são apresentadas as opções estratégicas do Programa Quinquenal do Governo – apresentado em meados do presente ano. É que, de acordo com a economista, o Cenário Fiscal de Médio Prazo devia ser a base para a elaboração do PESOE, mas estes documentos apresentam in-
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formações “totalmente divergentes”. Refere, por exemplo, que, no primeiro documento, a previsão da despesa do Estado estava fixada em 27% do PIB, mas o segundo apresenta 37%. “Ficamos sem saber qual é a base para a elaboração do PESOE”, sublinhou. Dúvidas sobre a descentralização O Governo prevê alocar mais recursos para os órgãos de governação descentralizada, que agora contam com 12 novas autarquias. Mas o FMO entende que há contradições que carecem de esclarecimento. Por exemplo, há províncias que vão receber menos recursos do que em 2023. “Questionámos o MEF sobre o facto de algumas províncias com elevados índices de pobreza poderem receber menos recursos que outras, menos pobres. E porque é que outras alguma sofrem cortes” em relação a este ano. Em resposta, o MEF admitiu que ainda não é possível ver com precisão cada montante a ser transferido, explicou a pesquisadora. As mesmas lacunas são apontadas a vários programas assumidos pelo Governo, “Eu Sou Capaz”, “Meu Kit, Meu Emprego”, “Reconstrução de Cabo Del-
gado”, entre outros, sem detalhes sobre como serão executados, o que cada um vai custar. Não existem mapas em anexo para uma análise a fundo, descreve. Quais são as prioridades? O PESOE dá a indicação de que o Governo vai dar continuidade ao projecto “Um distrito, um tribunal”, onde serão aplicados cerca de quatro mil milhões de meticais. Em contrapartida, há menos investimentos na Educação e Saúde. “Assim, questionamos: qual é a prioridade do Governo neste momento? Porquê dar prioridade à construção de infra-estruturas da justiça e reduzir o foco na construção de novas escolas e hospitais?” Para a proposta do PESOE 2024 está previsto o montante de 429 870,5 milhões de meticais para os Recursos Internos, equivalente a 28,0% do PIB. Do montante total, 383 537,5 milhões de meticais correspondem a Receita do Estado e os restantes 46 333 milhões de meticais a crédito interno, o que representa mais 0,2 pontos percentuais do PIB face ao esperado para 2023. Em termos nominais, o aumento previsto de 7,4% para a receita do Estado em comparação com o ano passado é suportado, essencialmente, pela contribuição das receitas fiscais, cuja previsão é de 310 488,2 milhões de meticais, valor correspondente a 20,2% do PIB. Deste montante, 4268 milhões de meticais são provenientes das receitas do projecto de gás natural Coral Sul, na Bacia do Rovuma. www.economiaemercado.co.mz | Novembro 2023
OPINIÃO
Vicente Sitoe • Director Executivo da SDO Moçambique
Anotações Sobre a Nova Lei de Trabalho
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Já ouvimos várias vezes testemunhos de recepcionistas ou secretárias que, ao regressar da licença por maternidade, encontram os seus postos ocupados em definitivo
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o dia 21 de Fevereiro de 2024 vai entrar em vigor a tão esperada nova Lei de Trabalho, a Lei n.º 13/2023 de 25 de Agosto. Este novo instrumento de regulamentação das relações laborais tem em particular atenção novos sectores e suas especificidades, antes não reguladas com clareza, tais como o teletrabalho, o trabalho em regime de alternância e a intermediação entre a procura e a oferta de emprego. Em paralelo, com as inovações acima indicadas, introduzidas na Lei pela primeira vez, o novo instrumento traz uma série de novidades, tais como o regime sobre a suspensão do contrato por motivos de força maior e caso fortuito, a introdução de quota de trabalhadores estrangeiros nas microempresas e a autorização de contratação destes em regime de cedência de mão-de-obra. Porém, a novidade mais celebrada de todas é o aumento do período da licença por maternidade e paternidade para noventa dias e sete dias, respectivamente. Sem levantar qualquer tipo de presunção sobre a continuidade ou não da prática de acumular as férias normais à licença por maternidade, aumentando, desta forma, o período de ausência no local de trabalho para perto de cento e vinte dias, e sem colocar em causa a importância que os cuidados maternos têm na vida do recém-nascido para além dos actuais sessenta dias, gostaríamos de nos debruçar sobre como este período longo de indisponibilidade poderá impactar negativamente nos índices de empregabilidade das mulheres, podendo colocar em causa todos os esforços que se têm vindo a efectuar na defesa da igualdade de género - e chamar a atenção de todos os responsáveis pela gestão de pessoas para esse risco. Para as médias e grandes empresas, esta novidade é bem celebrada, pois encontrará aplicação fácil. Primeiro,
porque estas empresas possuem um colectivo que permite implementar planos de sucessão com maior naturalidade, minimizando o impacto das ausências por licença por maternidade no negócio. Segundo, porque algumas destas empresas já oferecem benefícios de dias adicionais aos que a actual configuração legal permite. Portanto, para estas, esta medida é bem-vinda. Nas micro e pequenas empresas, porém, o cenário mostra-se menos optimista. O receio de gerir noventa dias (ou mais) de ausência de uma colaboradora poderá desincentivar as chefias de as contratar, em primeiro lugar, o que, a acontecer, contribuirá para o aumento do desemprego feminino ou para relegar as mulheres, cada vez mais, para o emprego informal. Adicionalmente, pode-se prever o aumento do estigma com que muitas mulheres são tratadas no local de trabalho pelas suas chefias, depois de anunciar a gravidez. Se, actualmente, já são vários os relatos que recebemos de colaboradoras estigmatizadas ou injustiçadas pelas suas chefias por qualquer facto ligado à gestação e à maternidade, com esta nova medida prevê-se o agravar da situação. Por exemplo, já ouvimos várias vezes testemunhos de recepcionistas ou secretárias que, ao regressar da licença por maternidade, encontram os seus postos ocupados em definitivo e são obrigadas a ficar noutras funções, de menor qualificação. E esse acto, muitas vezes, é uma estratégia das chefias para forçá-las a demitir-se – o que acaba, muitas vezes, por acontecer. E este risco de redução do índice de empregabilidade feminina não surge por questões financeiras. É mesmo pela questão do longo período de ausência. As questões financeiras estão devidamente acauteladas ao nível da Segurança Social, apesar da urgente necessidade de revisão pontual dos números 2 e 1 dos artigos 27 e 28, respectivamente, do Decreto n.º 51/2017 de www.economiaemercado.co.mz | Novembro 2023
Geralmente as mulheres são estigmatizadas por parte dos seus chefes, ao anunciarem a gravidez 9 de Outubro, que aprova o Regulamento de Segurança Social Obrigatória e revoga o Decreto n.º 53/2007, de 3 de Dezembro, para acomodar os agora aprovados noventa dias da licença por maternidade. Portanto, os noventa dias hoje celebrados poderão afigurar-se como um presente envenenado nas micro e pequenas empresas, se não forem acompanhados por outras medidas legais que visem proteger o emprego da mulher. Uma dessas medidas seria a introdução de quotas mínimas de género por meio de um decreto específico, ou legislar complementarmente no sentido de as empresas serem obrigadas a manter a mesma categoria profissional e funções aquando do regresso das mulheres ao trabalho após a licença por maternidade. Para avaliar este receio, lançámos um pequeno inquérito dirigido apenas às micro e pequenas empresas. O inquérito foi respondido por quarenta e três empresários/empreendedores, dos quais vinte e seis eram muwww.economiaemercado.co.mz | Novembro 2023
lheres. Os inquiridos assumem diferentes cargos nas suas empresas: fundadores, directores gerais ou directores executivos. E todos empregam formalmente outras pessoas. Questionados sobre se achavam o novo período de licença por maternidade longo, 60% responderam que estavam satisfeitos e achavam o período bom, 30% consideraram o período demasiado longo e 10% disseram estar indiferentes ao período. Foi colocado aos inquiridos um cenário em que as suas micro ou pequenas empresas tivessem, no mínimo, uma colaboradora. Depois perguntou-se quão preparados estavam para ficar 90 dias sem ela, ao que a grande maioria, perto de 80%, respondeu que não estava preparada para ficar tanto tempo sem a colaboradora. E, como pergunta de follow up, procurámos saber o que fariam para minimizar o impacto da ausência da colaboradora durante 90 dias? Ao que 70% responderam que recorreriam a uma contratação temporária. Outros 20% referiram que delegariam as fun-
ções desta a um outro colaborador e os restantes 10% disseram que ainda precisavam de tempo para pensar no assunto. Questionados sobre se eles próprios continuarão a contratar mulheres, 60% deu uma resposta afirmativa e 40% mostraram-se com dúvidas. E, por fim, colocámos a seguinte pergunta: considera que o número de mulheres empregadas formalmente pelas micro e pequenas empresas iguais à sua vai aumentar ou diminuir com esta nova medida? Ao que 70% responderam que vai baixar e 30% perspectivaram que o número se manterá. Com os dados desta breve pesquisa e os resultados resumidos para efeitos deste artigo, fica claro que os micro e pequenos empregadores poderão ter uma reacção adversa à nova duração da licença por maternidade, podendo isso jogar contra as próprias mulheres. E é de todos nós o dever de evitar que este cenário se concretize e deite abaixo todos os esforços que temos vindo a empreender na promoção do emprego formal para as mulheres.
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NAÇÃO | MUNDO 2024
Economia Mundial Arrefece e Vai Continuar a Meio Gás Fica agora mais evidente o impacto da guerra entre a Rússia e a Ucrânia, sobretudo nos países vulneráveis, maioritariamente da África Subsaariana. Mas o efeito é global. Em todo o mundo, perspectivamse momentos de pouca animação nos mercados até surgir novo vigor. Há muitos factores associados que vão manter a actividade económica ‘adormecida’. Saiba quais Texto Celso Chambisso • Fotografia Istock Photo & D.R
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ale a pena começar por olhar para o mundo a partir de um importante alerta que é emitido no World Economic Outlook (WEO) do Fundo Monetário Internacional (FMI) sobre uma iminente fragmentação dos mercados, com potencial para trazer vulnerabilidade e riscos de instabilidade. Tudo se agravou com a invasão da Ucrânia pela Rússia, em Fevereiro do ano passado, espoletando a fragmentação de importantes mercados de matérias-primas. O FMI entende que as tensões geopolíticas mais recentes podem piorar a situação. Assim, estima que as novas perturbações no comércio de commodities como petróleo, gás, trigo, entre outras, poderão afectar os seus preços, a actividade económica e a transição energética, cuja meta é a descarbonização dos mercados até 2050. E apresenta quatro notas sobre o que se pode esperar nos próximos tempos. Primeiro, as matérias-primas de base são particularmente vulneráveis à fragmentação devido à produção concentrada, ao consumo difícil de substituir e ao seu papel crítico para as tecnologias. Segundo, uma maior fragmentação pode causar grandes oscilações nos preços das matérias-primas e mais volatilidade. Terceiro, as perturbações no comércio dessas matérias-primas têm potencial de impactos altamente desiguais entre os países, embora as perdas globais pareçam moderadas. Os países de baixo rendimento suportariam uma parte desproporcional do custo económico devido à sua elevada dependência das importações agrícolas. Em quarto lugar, os mercados minerais fragmentados podem tornar a tran-
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sição energética mais dispendiosa, reduzindo o investimento em energias renováveis e em veículos eléctricos em um terço até 2030. Todas estas questões só se evitam através de acordos internacionais, sugere o FMI. “Um acordo ‘verde’ poderia garantir o fluxo internacional de minerais críticos. Acordos semelhantes para produtos alimentares essenciais poderiam estabilizar os mercados agrícolas. Tais acordos salvaguardariam os objectivos globais de evitar as alterações climáticas e a insegurança alimentar”, conclui. Abrandamento da economia global: os determinantes A economia mundial deverá crescer, mas não tanto como o FMI tinha antes projectado. A recuperação global, depois da pandemia da covid-19 e da invasão da Ucrânia pela Rússia, continua lenta e desigual. Assim, o crescimento económico mundial deverá desacelerar de 3,5% em 2022 para 3% em 2023 e 2,9% em 2024, abaixo da média histórica entre os anos 2000 e 2019, de 3,8%. No WEO de outubro, a previsão feita pelo FMI para 2024 até caiu 0,1 ponto percentual face aos cálculos de Julho. As previsões para o crescimento global a médio prazo são as mais baixas das últimas décadas, e “as perspectivas de os países alcançarem padrões de vida mais elevados são fracas”, sublinha o FMI. Por um lado, ainda de acordo com a instituição, a actividade económica continua aquém da trajectória pré-pandémica, particularmente nos mercados emergentes e nas economias em desenvolvimento, e, por outro, há divergências cada vez maiores entre as regiões. “Várias forças estão a travar a recuperação. Algumas reflectem as consequências a longo prazo da pandemia da covid-19,
da guerra na Ucrânia e da crescente fragmentação geoeconómica”, observa o FMI. Outras “são de natureza mais cíclica, incluindo os efeitos do aperto da política monetária necessário para reduzir a inflação, a retirada do apoio orçamental num contexto de dívida elevada e as ocorrências climáticas extremas”. Assim, apesar da probabilidade de uma “aterragem” (económica) brusca ter diminuído, o equilíbrio entre riscos para o crescimento global continua inclinado para o lado negativo. Os choques climáticos cada vez mais frequentes e as fricções geopolíticas acesas em vários pontos do globo (lembrando, agora, a guerra que eclodiu recentemente entre Israel e o Hamas) pendem para o lado das incertezas. Ao mesmo tempo, verificam-se alterações mais consideráveis nas trajectórias de crescimento subjacentes das principais economias (que têm peso importante no desempenho da economia global), com projecções mais fortes para os Estados Unidos e revisões em baixa para a China e Zona Euro. O FMI explica que as economias avançadas são responsáveis pelo declínio do crescimento médio anual entre 2022 e 2023, com uma actividade de serviços www.economiaemercado.co.mz | Novembro 2023
Perspectiva global em números Economias mais pobres tenderão a apresentar melhor desempenho do que as desenvolvidas, não obstante o facto de serem mais vulneráveis a riscos e choques globais (Crescimento do PIB em %)
Economia global 3,5
2022 Prev. 2023 Proj. 2024
3 2,9
Economias desenvolvidas 2,6
2022 Prev. 2023 Proj. 2024
1,5 1,4
Economias em desenvolvimento 4,1 4 4
2022 Prev. 2023 Proj. 2024
África Subsaariana 2022 Prev. 2023 Proj. 2024
4 3,3 4 FONTE World Economic Outlook do FMI
“As previsões para o crescimento global a médio prazo são as mais baixas das últimas décadas, e “as perspectivas de os países alcançarem padrões de vida mais elevados são fracas”, FMI
mais forte, mas uma indústria transformadora mais fraca, entre outros factores. Resumindo: a economia cresce, mas a um ritmo mais lento. Assim, espera-se que, em média, estas economias tenham um crescimento globalmente estável em 2024 e que uma recuperação digna do nome aconteça em 2025. Em relação aos mercados emergentes e economias em desenvolvimento, prevê-se, em média, que registem um crescimento mais visível ao longo do período iniciado em 2022 e até 2024, com uma recuperação ligeira em 2025. Choques globais “fustigam” África Subsaariana Nas previsões para a África Subsaariana, região de que Moçambique faz parte, o FMI reviu o crescimento em baixa, no www.economiaemercado.co.mz | Novembro 2023
relatório divulgado em Outubro, a par das reuniões anuais realizadas em Marraquexe, Marrocos. O conjunto das economias da sub-região deverá desacelerar. O ponto de partida foi uma expansão de 4% em 2022, recuando para 3,3% este ano, esperando-se que recupere, depois, em 2024, para 4%. As razões destes percurso de ‘sobe e desce’, ainda pouco claro, residem “na guerra da Rússia com a Ucrânia, que desencadeou um choque inflacionista”, provocando mais insegurança alimentar grave, abrandamento da procura internacional por matérias-primas (de cuja exportação depende boa parte dos países da África Subsaariana), maiores custos de financiamento e novas pressões cambiais”, refere o FMI no relatório sobre as Perspectivas Económicas Regionais referente à
sub-região. O título deste documento é elucidativo, porque lança uma pergunta: “Há luz no horizonte?”. Segundo o FMI, é fácil de fazer as contas para melhor perceber a travagem: em Abril, previa-se um crescimento de 3,6% este ano e de 4,2% em 2024. Na actualização de Julho, as previsões recuaram um pouco para 3,5% e 3,9%, respectivamente. Agora, os números fixam-se em 3,3% e 4%. “Embora o ambiente mundial continue difícil, registaram-se algumas melhorias nos últimos seis meses”, graças à resiliência do consumo interno, ao abrandamento da inflação mundial, à diminuição dos custos de financiamento e dos preços de alimentos. Há também uma “estabilização” das finanças públicas e existem “reformas essenciais” a ser implementadas nalguns países “em matéria de subsídios”, como é o caso da Nigéria e de Angola, os dois maiores produtores de petróleo na região. Além disso, “a inflação atingiu o máximo de quase 10% em Março, descendo para os 7% em Junho”, e o rácio da dívida pública sobre o PIB estabilizou-se em cerca de 60%, interrompendo uma trajectória ascendente de dez anos”, nota o Fundo.
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NAÇÃO | ENERGIA
Nas previsões para a África Subsaariana, região de que Moçambique faz parte, o FMI reviu o crescimento em baixa, no relatório divulgado em Outubro
Política monetária e crédito mais apertados O susto bancário de Março de 2023 permaneceu contido e limitado aos bancos regionais problemáticos nos Estados Unidos e ao Credit Suisse – um banco suíço de importância sistémica ao nível mundial –, devido à rápida reacção das autoridades de ambos os países. No entanto, os rápidos aumentos das taxas de juro nas principais economias avançadas ao longo dos últimos 18 meses (até Outubro), uma resposta vista como necessária face ao disparar da inflação, resultaram numa orientação restritiva da política monetária que deverá perdurar até 2025. E os sinais são de que uma política monetária mais restritiva começou a influenciar o sistema financeiro. Inquéritos sobre empréstimos nos Estados Unidos e na Europa sugerem que os bancos já limitaram consideravelmente o acesso ao crédito durante o ano passado, esperando-se que continuem a
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fazê-lo, pelo menos, nos próximos meses. Há também sinais de que condições de crédito mais restritivas estão a afectar cada vez mais a actividade real. Nas economias avançadas, a procura de crédito e de investimento contraiu no primeiro semestre do ano, reflectindo uma oferta mais doseada, à medida que muitas empresas começaram a travar o seu crescimento, em resposta a taxas de juro mais elevadas e ao excesso de capacidade de produção. O FMI vê como provável que taxas de juro mais elevadas coloquem os bancos sob pressão crescente nas principais economias, tanto directa (através de custos de financiamento mais elevados), como indirectamente (à medida que a qualidade do crédito se deteriora). A instituição esclarece ainda que os mercados imobiliários já têm reagido, com os preços da habitação a abrandar e as taxas de falência a aumentar em algumas economias (aumentando 20% nos
Estados Unidos durante o último ano). Os mercados de dívida também começaram a reflectir uma política monetária mais restritiva, enquanto os spreads da dívida pública isenta de risco permaneceram mais ou menos constantes. Isto sugere que, embora as condições de crédito tenham sido significativamente mais restritivas, não há indicação imediata de uma crise de crédito. O que esperar da Ásia? O que esperar dos parceiros moçambicanos além-Índico? O crescimento económico na Ásia emergente e em desenvolvimento deverá aumentar de 4,5% em 2022 para 5,2% este ano, recuando depois para 4,8% em 2024. Ou seja, as taxas de crescimento têm com revisões em baixa de 0,1 e 0,2 pontos percentuais, respectivamente, face às projecções de Julho. Esta actualização reflecte uma previsão mais baixa para a China, que cai 0,2 pontos percentuais em 2023 (para 5%) e 0,3 pontos percentuais em 2024 (para 4,2%), principalmente devido à crise no mercado imobiliário naquele país. Em contraste, prevê-se que o crescimento da Índia permaneça forte, com uma taxa de 6,3% em 2023 e 2024, fruto de uma revisão em alta de 0,2 pontos percentuais, reflectindo um consumo mais forte do que o esperado. www.economiaemercado.co.mz | Novembro 2023
SHAPERS | CLAUDIA GOLDIN
Porque a Economia “Discrimina” as Mulheres? O Prémio Nobel de Economia 2023 vai para Claudia Goldin, economista norte-americana e professora da Universidade Harvard, pelos seus estudos sobre a essência da “injustiça” que as mulheres sofrem no mercado de trabalho. Um tema tão antigo quanto universal acaba de encontrar novas ferramentas para compreender o papel da mulher na sociedade Texto Celso Chambisso • Fotografia D.R
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uem tiver lido os pressupostos que levaram à premiação de Claudia Goldin para o Nobel de Economia de 2023, ter-se-á, seguramente, lembrado da realidade que muitas vezes é reportada cá no País. Se calhar vale a pena começar mesmo por aqui. Existem, em Moçambique, vários estudos e artigos de reflexão que procuram demonstrar a elevada desvantagem da mulher em relação ao homem no mercado de trabalho. O mais recente foi publicado em Maio deste ano e leva como título “Mulher trabalhadora em Moçambique: marginalizada, mal remunerada e sem protecção legal efectiva”. Da autoria das pesquisadoras Estrela Charles e Zanele Chilundo, do Centro de Integridade Pública (CIP), o estudo revela que mais da metade da população moçambicana é composta por mulheres e, deste grupo, 85,4% encontra-se disponível para o mercado de trabalho. Entretanto, apesar da sua elevada representatividade, a situação da mulher trabalhadora em Moçambique é, no geral, precária: mais de 90% está no sector informal, agrícola e comercial, com um alto grau de precariedade. Na sua maioria, os empregos são temporários, têm um baixo nível de protecção social e le-
gal e os seus rendimentos são baixos e instáveis. Quanto às desigualdades salariais, o estudo do CIP estima que, no mundo, a diferença entre homens e mulheres é de 22,9%. Por outras palavras, as mulheres ganham 77,1% daquilo que os homens ganham. Em Moçambique, a disparidade salarial agregada é de aproximadamente 28,3%. Isto significa que, em média, um homem ganha 28% a mais do que as mulheres, considerando o mesmo nível de educação, produtividade e tempo de trabalho. O que diz Claudia Goldin? De acordo com a análise da economista, o papel da mulher no mercado de trabalho e o salário que ela recebe não dependem apenas de mudanças económicas e sociais gerais. Também são determinados pelas suas decisões específicas sobre, por exemplo, o grau de instrução que recebem. As meninas geralmente tomam decisões sobre o seu futuro trabalho com base na situação das suas mães, e cada geração aprende com os sucessos e fracassos da geração anterior. O processo de avaliar as possibilidades à medida que os tempos mudam ajuda a explicar porque a mudança nas lacunas de género no mercado de trabalho tem sido tão lenta. Uma das descobertas de Goldin é que os filhos são um dos principais factores
A pesquisa recorreu a mais de 200 anos de dados nos EUA sobre a participação feminina no mercado de trabalho. Essa participação não foi ascendente, mas numa curva em forma de “U”
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que influenciam a desigualdade salarial entre homens e mulheres em países de rendimento elevado. Num artigo de 2010, Goldin e os co-autores Marianne Bertrand e Lawrence Katz demonstraram que as diferenças de salário iniciais são pequenas entre homens e mulheres, mas, assim que chega o primeiro filho, os rendimentos caem para as mulheres e não aumentam na mesma proporção que os dos homens, mesmo que tenham a mesma formação e profissão. A explicação para isso envolve, entre outros factores, empregadores que esperam que o trabalhador esteja sempre disponível e também a tendência de as mulheres assumirem maior responsabilidade no cuidado dos filhos, impactando os seus rendimentos. O contributo Claudia Goldin A importância disso é que “compreender o papel das mulheres no merwww.economiaemercado.co.mz | Novembro 2023
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BIOGRAFIA DE CLAUDIA GOLDIN Claudia Goldin tem 77 anos, nasceu em Nova York e é PhD pela Universidade de Chicago. É co-directora do Grupo de Estudos sobre Gêneros na Economia do National Bureau of Economic Research (NBER). Em 2019 foi distinguida pelas suas contribuições inovadoras para a análise histórica do papel da mulher na economia e pela análise das razões da disparidade de género, tanto por razões educativas como familiares, como o nascimento do primeiro filho. Em 1990, publicou “Understanding the Género Gap – Uma História Económica das Mulheres Americanas”, uma obra de referência sobre este assunto.
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cado de trabalho é importante para a sociedade. Graças à pesquisa pioneira de Claudia Goldin, agora sabemos muito mais sobre os factores subjacentes e que barreiras podem precisar de ser abordadas no futuro”, explicou Jakob Svensson, presidente do Comité do Prémio em Ciências Económicas. Goldin não oferece soluções, mas a sua pesquisa permite que os formuladores de políticas abordem o problema desde a raiz, disse Randi Hjalmarsson, membro do comité do prémio Nobel. “Se finalmente entendermos o problema e o chamarmos pelo nome correcto, poderemos traçar um caminho melhor para o futuro”, disse Hjalmarsson, que acrescentou que as descobertas de Goldin têm “enormes implicações sociais”. O suporte metodológico A pesquisa recorreu a mais de 200 anos de dados nos Estados Unidos sobre a participação feminina no mercado de traba-
lho. Diferente do que a pesquisadora imaginava, essa participação não ocorreu de uma maneira ascendente, mas numa curva em forma de “U”. A cientista teve de fazer um trabalho de detective para encontrar os dados necessários para a sua pesquisa. As estatísticas sistemáticas do mercado de trabalho não foram registadas em alguns períodos e, quando existiam, faltavam informações sobre as mulheres. Isso forçou-a vasculhar os arquivos e encontrar novas fontes de dados e maneiras criativas de usá-los. Claudia Goldin torna-se na terceira mulher a receber o Nobel de Economia depois de Elinor Ostrom, em 2009, e Esther Duflo em 2019, e vai receber 11 milhões de coroas suecas, o equivalente a cerca de 1 milhão de dólares ou 63,5 milhões de meticais.
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Ágata Chiconela • Head of Legal, RSM Moçambique
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Direitos e Deveres Emergentes do Contrato de Trabalho
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o Consultório Empresarial Powered by RSM de Novembro, respondemos a algumas questões sobre os direitos e deveres de trabalhadores e empregadores e sobre o equilíbrio que deve existir entre ambas, para que as organizações e as suas equipas construam um caminho harmonioso e tendente ao crescimento. Quais os direitos do trabalhador emergentes do contrato de trabalho? O trabalhador tem direito a igualdade de direitos no trabalho, independentemente da sua origem étnica, língua, raça, sexo, estado civil, idade, nos limites fixados por lei, condição social, ideias religiosas ou políticas e filiação ou não num sindicato, bem como, são reconhecidos direitos que não podem ser objecto de qualquer transacção, renúncia ou limitação sendo-lhe ainda reconhecidos os direitos a:
A intenção ou não de cometer a infracção, bem como a mesma é praticada, tem grande relevância no momento de decidir qual a sanção disciplinar a aplicar ao trabalhador
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a) Ter assegurado um posto de trabalho em função das suas capacidades, preparação técnico-profissional, necessidades do local de trabalho e possibilidades de desenvolvimento económico nacional; b) Ter assegurada a estabilidade do posto de trabalho desempenhando as suas funções, nos termos do contrato de trabalho, do instrumento de regulamentação colectiva de trabalho e da legislação em vigor; c) Ser tratado com correcção e respeito, sendo punidos por lei os actos que atentem contra a sua honra, bom nome, imagem pública, vida privada e dignidade; d) Ser remunerado em função da quantidade e qualidade do trabalho que presta; e) Poder concorrer para o acesso a categorias superiores, em função da sua qualificação, experiência, resultados obtidos no trabalho, avaliações e necessidades do local de trabalho; f) Ter assegurado o descanso diário,
semanal e férias anuais remuneradas; g) Beneficiar de medidas apropriadas de protecção, segurança e higiene no trabalho aptas a assegurar a sua integridade física, moral e mental; II) Beneficiar de assistência médica e medicamentosa e de indemnização em caso de acidente de trabalho ou doença profissional; i) Dirigir-se à Inspecção do Trabalho ou aos órgãos da jurisdição laboral, sempre que se vir prejudicado nos seus direitos; j) Associar-se livremente em organizações profissionais ou sindicatos, conforme o previsto na Constituição; k) Beneficiar das condições adequadas de assistência em caso de incapacidade e na velhice, de acordo com a lei. E quais os seus deveres? a) Comparecer ao serviço com pontualidade e assiduidade; b) Prestar o trabalho com zelo e diligência; c) Respeitar e tratar com correcção e lealdade o empregador, os superiores hierárquicos, os colegas de trabalho e demais pessoas que estejam ou entrem em contacto com a empresa; d) Obedecer a ordens legais, a instruções do empregador, dos seus representantes ou dos superiores hierárquicos do trabalhador e cumprir as demais obrigações decorrentes do contrato de trabalho, excepto as ilegais ou as que sejam contrárias aos seus direitos e garantias; e) Utilizar correctamente e conservar em boas condições os bens e equipamentos de trabalho que lhe forem confiados pelo empregador; f) Guardar sigilo profissional, não divulgando, em caso algum, informações referentes à sua organização, métodos de produção ou negócios da empresa ou estabelecimento; g) Não utilizar para fins pessoais ou alheios ao serviço, sem a devida auwww.economiaemercado.co.mz | Novembro 2023
Se os deveres dos trabalhadores não forem cumpridos, como pode a empresa actuar? Nestes casos, dá-se origem a uma Infracção Disciplinar, ou seja, todo o comportamento culposo do trabalhador que viole os seus deveres profissionais contratualizados. Ou seja, o trabalhador pode ser punido “por fazer o que é proibido” ou “por deixar de fazer o que é devido”. Mas a intenção conta? Sim. A intenção ou não no cometimento da infracção, bem como a forma como a mesma é praticada, tem grande relevância no momento de decidir qual a sanção disciplinar a aplicar ao trabalhador. Concluindo, o fundamento do Poder Disciplinar no que diz respeito à aplicação de sanções disciplinares assenta na necessidade de manter a ordem e disciplina no seio da empresa.
Quais os direitos e deveres do empregado e do empregador à luz da Lei do trabalho? torização do empregador ou seu representante, os locais, equipamentos, bens, serviços e meios de trabalho da empresa; h) Ser leal ao empregador, designadamente não negociando por conta própria ou alheia, em concorrência com ele, bem como colaborando para a melhoria do sistema de segurança, higiene e saúde no trabalho; i) Proteger os bens do local de trabalho e os resultantes da produção contra qualquer danificação, destruição ou perda. Mas o empregador também tem deveres. Quais são? a) Respeitar os direitos e garantias do trabalhador cumprindo, integralmente, todas as obrigações decorrentes do contrato de trabalho e das normas que o regem; b) Garantir a observância das normas de higiene e segurança no trabalho, bem como investigar as causas dos acidentes de trabalho e doenças profissionais, adoptando medidas adequadas à sua prevenção; c) Respeitar e tratar com correcção e urbanidade o trabalhador; d) Proporcionar ao trabalhador boas condições físicas e morais no local de trabalho; www.economiaemercado.co.mz | Novembro 2023
e) Pagar ao trabalhador uma remuneração justa em função da quantidade e qualidade do trabalho prestado; f ) Atribuir ao trabalhador uma categoria profissional correspondente às funções ou actividades que desempenha; g) Manter a categoria profissional atribuída ao trabalhador não a baixando, excepto nos casos expressamente previstos na lei ou nos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho; h) Manter inalterado o local e o horário de trabalho do trabalhador, salvo nos casos previstos na lei, no contrato individual de trabalho ou nos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho; i) Permitir ao trabalhador o exercício de actividade sindical não o prejudicando pelo exercício de cargos sindicais; j) Não obrigar o trabalhador a adquirir bens ou a utilizar serviços fornecidos pelo empregador ou por pessoa por ele indicada; k) Não explorar, com fins lucrativos, refeitórios, cantinas, creches ou quaisquer outros estabelecimentos relacionados com o trabalho, fornecimento de bens ou prestação de serviços aos trabalhadores.
E quais as sanções que podem ser impostas? Em termos legais, o empregador pode aplicar as sanções disciplinares abaixo indicadas, porém não é lícito aplicar quaisquer outras sanções disciplinares, nem agravar as previstas na lei, bem como no instrumento de regulamentação colectiva, regulamento interno ou contrato de trabalho. a) Admoestação verbal; b) Repreensão registada; c) Suspensão do trabalho com perda de remuneração, até ao limite de dez dias por cada infracção e de trinta dias, em cada ano civil (deve ser fundamentada e a decisão pode ser impugnada no prazo de seis meses); d) Multa até vinte dias de salários (deve ser fundamentada e a decisão pode ser impugnada no prazo de seis meses); e) Despromoção para a categoria profissional imediatamente inferior; por um período não superior a um ano (deve ser fundamentada e a decisão pode ser impugnada no prazo de seis meses); f ) Despedimento (deve ser fundamentada e a decisão pode ser impugnada no prazo de seis meses). No próximo artigo vamos falar sobre as diferentes fases do processo disciplinar. Até lá, se pretender esclarecer dúvidas ou aprofundar algumas questões, escreva-nos: rsmmocambique@rsmmz.com
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NEGÓCIOS | GLOBAL GATEWAY
Um Impulso à Diversificação do Comércio Entre Moçambique e UE Os dias 22 e 23 de Novembro serão decisivos na abertura de uma nova página da cooperação entre Moçambique e a União Europeia, quando for realizada, em Maputo, a primeira edição do fórum de investimento entre as partes. Será um encontro de alto nível, com foco numa maior atracção de investimentos para o País. O que está em agenda? Texto Celso Chambisso • Fotografia Mariano Silva
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oçambique e a União Europeia (UE) levam uma história antiga de cooperação, mas que ficará ainda mais fortalecida dentro de alguns dias (22 e 23 de Novembro), com a realização do Fórum de Investimento Moçambique-UE sob o tema “Criar Oportunidades de Negócio”. Já a merecer a atenção e destaque por parte das delegações das duas partes, entre governantes e representantes de empresas, o evento pretende explorar formas de atrair investimentos de qualidade no âmbito do Global Gateway, bem como impulsionar e diversificar o comércio entre Moçambique e a UE. As partes interessadas do sector público e privado irão analisar as inúmeras oportunidades de investimento que Moçambique tem para oferecer em diversas áreas, nomeadamente na energia, mineração, agricultura, reservas de vida selvagem, silvicultura e pesca, e do seu acesso ao mar territorial, que oferece vantagens importantes nas áreas de transporte e logística. O fórum também terá como foco a adição de valor aos produtos “Made in Moçambique” e a industrialização.
A cooperação e o comércio Há razões para, a esta altura, Moçambique a UE acreditarem que a cooperação constitui uma grande oportunidade de crescimento mútuo. Os números o confirmam-no. “As relações económicas entre a UE e Moçambique estão a atravessar um momento frutuoso se considerarmos que, em 2022, as trocas comerciais aumentaram em cerca de 50% para um valor global de 3,7 mil milhões de euros. Em Moçambique, a UE é o segundo maior parceiro comercial depois da África do Sul e é o primeiro destino das exportações moçambicanas”, afirmou Antonino Maggiore, embaixador da UE em Moçambique. De facto, Moçambique oferece um vasto leque de oportunidades para o investimento europeu devido aos seus inúmeros recursos naturais, abundância de terra arável e diversidade de fontes energéticas renováveis. O interesse europeu vai muito além disto: uma extensa linha costeira, a sua enorme biodiversidade, passando pela posição geográfica estratégica, que coloca o País como um potencial centro logístico da região, e com um tremendo potencial de crescimento na área de infra-estruturas. Por isso, o ministro da Indústria e Comércio, Silvino Moreno, confirma: “as relações de cooperação entre Moçambique
“Em Moçambique, a UE é o segundo maior parceiro comercial depois da África do Sul e é o primeiro destino das exportações moçambicanas”, Antonino Maggiore
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e UE, além de históricas e tradicionais, englobam parcerias de nível bilateral, regional e multilateral. A UE tem apoiado Moçambique nos domínios do comércio e investimento, cooperação para o desenvolvimento e ajuda humanitária, paz e segurança”. A cooperação entre Moçambique e a UE começou só a quatro décadas com parcerias ao nível bilateral, regional e global. E a UE tem sido um parceiro crucial para o País e continua, ainda hoje, a ser um dos principais parceiros comerciais e um mercado significativo para as exportações moçambicanas. “A Europa sempre teve grande interesse em Moçambique e hoje podemos dizer que somos os maiores investidores. O sector da energia é dos mais destacados, quer pelo número de empresas que estão a investir, quer pelo número de operadores presentes. Além disso, a maior parte das empresas que estão a fazer a gestão logística dos portos são europeias”, concluiu o presidente www.economiaemercado.co.mz | Novembro 2023
O COMÉRCIO UE - MOÇAMBIQUE A UE quer ampliar tanto o crescimento, como o volume de comércio bilateral.
2 895
milhões de euros Volume de exportações de Moçambique para a UE:
868
milhões de euros Volume de importações da UE:
3 763
milhões de euros Valor da balança comercial entre os dois mercados FONTE Comissão Europeia - Directorate-General for Trade
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da Associação dos Empresários Europeus em Moçambique (EUROCAM), Simone Santi. O Global Gateway Lançada em Dezembro de 2021 pela Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, o marco inaugural do Global Gateway foi o Pacote de Investimento África-Europa com aproximadamente 150 mil milhões de euros (de um bolo global de 300 mil milhões) de investimento dedicado a estimular a cooperação com parceiros Africanos, dentre os quais Moçambique, uma iniciativa estratégica da UE para impulsionar ligações sustentáveis em todo o mundo e a sua oferta para fomentar investimentos e parcerias que visam enfrentar os principais desafios globais como as alterações climáticas, a segurança sanitária mundial, o desenvolvimento sustentável e o fortalecimento das cadeias de abastecimento. “Vamos ter encontros entre privados e de privados com o Governo. Será uma grande oportunidade. Na abertura do fórum, teremos a participação do Presidente da Re-
pública, Filipe Nyusi, e da comissária para a energia da UE, Kadri Simson”, assinala o embaixador da UE. Organizado pelo Ministério da Indústria e Comércio de Moçambique, UE e EUROCAM, Fórum de Investimento Global Gateway vai reunir investidores moçambicanos e europeus e intervenientes públicos e privados para discutir oportunidades, em sectores de actividade como a agricultura e agro-negócio, indústria, transportes e logística, digitalização, economia azul, turismo baseado na natureza e transição climática e energética. “Sendo a UE o maior parceiro de comércio e investimento, as expectativas são enormes tendo em conta a dimensão do mercado comum. Isso permitirá às empresas moçambicanas utilizar e beneficiar melhor das oportunidades associadas às economias de escala e diminuir os seus custos de produção, com efeitos positivos de produtividade, competitividade e estabelecimento de parcerias”, concluiu o ministro das Indústria e Comércio, Silvino Moreno.
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M&F | DIGITALIZAÇÃO
“Queremos Apostar na Digitalização Acelerada das PME” O processo de digitalização é exigente e inevitável, o que se torna ainda mais desafiador numa PME com fracos conhecimentos em gestão e frágil capacidade financeira. Esta vulnerabilidade é a oportunidade encontrada pela Cegid para prover serviços no mercado moçambicano Texto Hermenegildo Langa • Fotografia D.R
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Cegid, sigla francesa para “Empresa Europeia de Gestão por Computação Descentralizada”, é uma empresa especializada em software de gestão para profissionais de contabilidade, finanças e fiscalidade, folhas de pagamento, recursos humanos e retalho. Foi criada em 1983 por Jean-Michel Aulas, que a dirigiu como presidente até 2017. No dia 26 de Julho de 2022, a Cegid anunciou a sua intenção de adquirir o Grupo Primavera e confirmou, recentemente, a finalização da compra. A nova entidade conta mais de 4400 colaboradores espalhados por 22 países, 500 mil clientes em 130 países, 8000 parceiros em todo o mundo e 791 milhões de euros em volume de negócios, no ano passado. A fusão da Cegid com o Grupo Primavera (que está em Moçambique há aproximadamente 20 anos) permitiu acelerar o seu crescimento ao nível internacional, com sólidas perspectivas de desenvolvimento. Aqui, segundo a head of business development da Unidade de Negócio da Cegid em Moçambique, Eliana Araújo, a empresa quer investir em soluções digitais para empresas de todas as dimensões, incluindo as microempresas, para que possam enfrentar os grandes desafios da competitividade e do desenvolvimento. Ao trabalhar com as PME moçambicanas, conhecem as dificuldades que estas encontram para crescerem e se tornarem competitivas? A grande lacuna que existe é, por um lado, a capacitação dos próprios gestores, que devem perceber que têm de fazer o
seu próprio negócio através da transformação digital para melhorar e projectar o seu próprio crescimento. As PME em Moçambique têm uma grande evolução pela frente. Existem já muitas boas empresas a trabalhar, mas existem outros espaços a ser explorados na sua estratégia de actuação para poderem dar saltos qualitativos e quantitativos. O nosso papel, aqui em Moçambique, é mesmo esse: mostrar às PME que ainda não conseguiram dar esse passo que estamos cá e temos produtos orientados para as ajudar. Não há argumentos para não adoptarem soluções e respostas a esta evolução tecnológica que queremos que aconteça. E de que soluções está a falar? Temos um novo produto, designado ERP Evolution. É um pacote de soluções pré-definido, que se ajusta à realidade das empresas de Moçambique, em função da dimensão do seu próprio negócio. Estamos a trabalhar de forma que os clientes tenham acesso a mais módulos. As empresas em Moçambique têm tendência a fazer aquisições ou implementações muito isoladas e, com isso, só se conseguem resolver pequenos problemas. Mas nós estamos a trabalhar com elas e a ouvir os clientes, também, a apresentar soluções mais integradas de forma que se possa ter a informação toda disponível, em qualquer momento, e não apenas quando precisar. Qual é o alcance desta intervenção, precisamente em que níveis da actividade empresarial? Estamos a falar de uma solução de gestão completa, um pacote que tem vá-
“Trabalhar com o papel tem de deixar de ser uma prática comum. Não é competitivo, nem ajuda Moçambique a sê-lo. Temos de passar pela transição tecnológica e nós queremos reforçar a nossa função”
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rias soluções incorporadas, não só na parte transaccional, da execução de tarefas, mas também no que diz respeito à análise de dados. É importante que as empresas percebam que, a determinado momento, têm de começar a reflectir sobre os seus dados para poder delinear as suas estratégias. Não estamos focados só nos dados, mas também em capacitar as pessoas e implementar ferramentas que os apresentem, lado a lado, com o resultado das operações. A ideia é fazer com que as empresas usem meios mais adequados para a gestão de dados e de informação, abandonando o papel. Estamos a propor uma transformação digital em que as empresas começam a adoptar a tecnologia. Moçambique é um país que tem uma grande quantidade de jovens que saem das universidades integrados no meio digital. Já usam a tecnologia no seu dia-a-dia, portanto, o ideal é que encontrem essa digitalização no seu posto de trabalho. Isto não é só um desafio para o mercado em si, enquanto negócio, mas também para o futuro da própria juventude em Moçambique. É importante que essa evolução tecnológica aconteça nas empresas. Como subscrever esses serviços? Como funcionam? Na Cegid, acompanhamos de forma muito próxima o mercado de Moçambique, em conjunto com os nossos parceiros de negócio e, desta forma, conseguimos ter uma percepção clara, tanto das dificuldades financeiras, como das limitações tecnológicas. Para dar respostas a estes desafios e aproveitar todo o conhecimento existente, desenvolvemos um novo produto – o software ERP Evolution – com um novo tipo de instalação e licenciamento (o modelo de subscrição). Por outro lado, para os clientes que, estrategicamente, optem por não investir em infra-estruturas (servidores), também disponibilizamos um serviço de aluguer do software e infra-estrutura (SaaS V10). Com estas novas modalidades de licenwww.economiaemercado.co.mz | Novembro 2023
ciamento, os nossos clientes deixam de adquirir a solução e passam a subscrever o uso, o que, financeiramente, se torna muito mais vantajoso para as empresas. Como é que as próprias PME, que é o vosso mercado, podem conhecer os produtos e requisitos para os subscrever? Em conjunto com os nossos parceiros, temos trabalhado de mãos dadas na divulgação. O lançamento foi reforçado com a nossa a presença na Feira Internacional de Maputo (FACIM), em Agosto. Além disso, temos toda a informação sobre este novo produto no nosso site (www.primavera.co.mz), para que qualquer pessoa possa consultar a qualquer momento. Quanto aos requisitos, a vantagem deste tipo de produtos em modelo de subscrição é que, apesar de estarem agrupados num conjunto de áreas, existem vários planos de adesão e as empresas podem avançar à medida que o seu negócio cresce. Ou seja, podem começar por adquirir um plano mais básiwww.economiaemercado.co.mz | Novembro 2023
co e evoluir. Se, por um lado, as empresas estão, naturalmente, a optar por este tipo de investimento, por outro, todas as nossas decisões e orientações passam por este modelo. Queremos demonstrar estas vantagens, não só ao mercado, mas também a todos os nossos clientes, incluindo aos que utilizam outros modelos de licenciamento. Existe algum mecanismo para acompanhar o grau de eficácia do ERP Evolution? Antes de medirmos o grau de eficácia, precisávamos de saber quantas empresas poderiam efectivamente adquirir este produto, através de estudos de mercado actuais e fidedignos. Do nosso lado, temos toda a informação quanto às novas adesões e quanto ao crescente interesse pelo software ERP Evolution em cada sector de actividade. Posso acrescentar ainda que estamos muito satisfeitos com o nível de adesão do mercado a este novo produto, desde o dia em que o lançámos.
Quanto custa a digitalização de uma PME, à luz do ERP Evolution? Além de permitir digitalizar os processos de uma empresa, esta solução transforma o próprio negócio. Ao proporcionar um conjunto de novas possibilidades – como descobrir oportunidades de negócio, alcançar maior produtividade, melhoria da relação com os clientes, ter maior controlo operacional e financeiro dos processos –, este investimento acaba por ter um grande retorno. Existem vários planos de subscrição disponíveis para que as empresas possam escolher o mais ajustado às suas preferências e pagar à medida que usam. Desta forma, as empresas não têm de desembolsar por funcionalidades que não utilizam. Esta solução garante que as empresas estão sempre em conformidade com a legislação vigente, através de actualizações automáticas e contínuas do sistema. No ERP Evolution, as empresas têm todo o suporte necessário para gerir internamente a contabilidade do seu negócio, desde a criação do exercício, orçamen-
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“Vai chegar o momento em que a administração tributária vai implementar o conceito de impostos digitais, o que vai aumentar a pressão sobre as empresas” to, planos de contas, lançamentos ou importação de documentos a partir do sistema e-factura. Esta integração automática a partir das compras, vendas, inventário e bancos garante uma maior produtividade e rigor dos dados. O software ERP Evolution apresenta-se, assim, como um grande aliado para apoiar as PME a transformar os seus processos, os seus modelos de negócio, para que consigam evoluir e tornar-se mais competitivas no mercado. Os resultados da digitalização trazem benefícios também ao nível da transparência da gestão? Claro. No fundo, tudo isto vai integrar informação de forma automática em todos os sistemas, o que confere transparência para todos os intervenientes na empresa e para a própria organização. É uma estratégia que traz uma nova dinâmica e representa um vector do conhecimento. Há a componente das fer-
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ramentas, que têm um papel muito importante, mas que precisam de pessoas capacitadas para as usar. Portanto, isto é um processo que tem de começar e que vai continuar. Claramente, vai chegar o momento em que a administração tributária vai implementar o conceito de impostos digitais, o que vai aumentar a pressão sobre as empresas. Por isso queremos, antecipadamente, com tempo, preparar este mercado e o seu caminho de forma que as empresas possam organizar-se, melhorando os seus serviços perante os clientes, perante o Governo e a administração tributária. Em que ponto se encontra a transição digital das empresas? Estará em condições de ombrear com outros países da região? Moçambique está como outros países: tem de se preparar. Nenhum país está a postos para algo desta dimensão, tudo tem um princípio. Agora, depende da
pressão que for colocada pelo Governo, que pode ser mais rápida ou não. Trabalhar com o papel, ter toda a informação baseada em papel tem de deixar de uma prática comum. Não é competitivo, nem ajuda Moçambique a sê-lo. Temos de passar pela transição tecnológica e nós queremos, aqui, reforçar a nossa função neste processo, implementando produtos adequados em Moçambique, que respondam a esta mesma questão. E qual é a diferença entre as vossas ferramentas e as que são oferecidas por outros fornecedores de soluções similares? Temos um produto com dois novos conceitos. Primeiro: não tem de comprar, apenas alugar. E não tem de fazer um grande investimento para ter uma solução digital. Segundo: temos uma solução que tem vários módulos incluídos, como a componente de análise de dados, para um empresário perceber e melhorar os serviços que presta ao mercado e apresenta às entidades fiscais. E qual é o objectivo da Cegid a curto e médio prazo, trabalhando com as PME? Queremos, no fundo, reforçar o nosso papel de liderança. Somos líderes de mercado e queremos reforçar essa posição. www.economiaemercado.co.mz | Novembro 2023
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OPINIÃO
João Gomes • Partner @BlueBiz
V
em este artigo a propósito de uma objecção negocial1 muito frequente no mercado moçambicano, e à qual não escapam os meus clientes do Curso Avançado de Negociação, que para ela buscam uma solução: “Não vemos valor acrescentado na sua proposta… que justifique o alto preço pedido!”. Neste artigo, convido o meu leitor/a a responder à pergunta: Como identificar os sinais de que o meu serviço e/ou produto estão a ficar Comoditizados (Parte 1)? Vejamos, sucessivamente, sobre Comoditização: - Definição. - Exemplos. - Causas. - Efeitos. - Conclusão. Por ser um tema complexo e de grande interesse2, este artigo terá continuidade:3 Prometo aos meus leitores/as desenvolver, em próximas edições, os seguintes tópicos: - Estratégias de sucesso para a (Des) Comoditização, e de combate à (Re)Comoditização. - Efeitos da (Des)Comoditização. - Plano de Acção Concreta para a (Des)Comoditização. - Riscos e desafios da (Des)Comoditização. - Políticas públicas de apoio à (Des) Comoditização. - Estatísticas sobre (Des)Comoditização em África. A. Definição de Comoditização Na minha opinião4, a Comoditização de serviços e produtos pode ser analisada através das seguintes lentes e consiste: - No facto de produtos e serviços não possuírem características distintivas (i.e., sem diferenciação).
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A Armadilha da “Comoditização” (Parte 1) - E que, por isso, em termos de percepção dos clientes, são percebidos como permutáveis (i.e., facilmente substituíveis por outros produtos e serviços semelhantes). - Em consequência, a estratégia competitiva principal é baseada em preços baixos (i.e., “Guerra de Preços”). - [Commodities] que, em termos de dinâmica de mercado, estão expostas a maior concorrência, a riscos mais elevados e mais susceptíveis a frequentes choques de mercado. - Em consequência, os preços são muito voláteis. - Sendo que a precificação está fora do controlo de quem cria produtos
Não podemos mais ficar reféns da Comoditização. Devemos redefinir os nossos serviços e produtos, trazendo-lhes um valor inegável que transcenda os preços e serviços comoditizados. - O impacto na rentabilidade sente-se por via das margens de lucro muito reduzidas. - Sendo o principal objectivo dos gestores minimizar custos, maximizar o volume e a eficiência. - O “efeito de tesoura” resultante da combinação fatal entre [alta permutabilidade + alta concorrência + margens estreitas + altos volumes + alta volatilidade do preço] coloca grandes desafios de viabilidade de longo prazo a estes negócios. B. Exemplos de Comoditização Vejamos exemplos práticos africanos da armadilha da Comoditização.
Telecomunicações: Em África, várias empresas de telecomunicações oferecem serviços semelhantes, como chamadas e acesso à internet. A competição frequentemente resume-se a planos de tarifas mais baixos, levando à comoditização. Transporte por Aplicativos: empresas de transporte por aplicativos, como a Uber e a Bolt, estão presentes em muitas cidades africanas. No entanto, a falta de diferenciação entre essas plataformas resulta frequentemente em competição de preços, tornando os serviços mais comoditizados. B. Causas da Comoditização Exploremos agora as causas dessa armadilha, a partir de perspectivas distintas, acompanhadas de exemplos práticos. 1. Perspectiva cultural: Valorização do Preço - Exemplo: Turismo no Quénia. No sector de turismo, os viajantes optam frequentemente por pacotes de menor custo, priorizando o preço em detrimento da experiência única que os destinos africanos podem oferecer. 2. Tecnológica: Automação - Exemplo: Bancos Digitais na Nigéria. A automação de serviços bancários reduziu a necessidade de agências físicas, tornando os serviços bancários mais eficientes, mas menos diferenciados. 3. Política: Regulação de Preços - Exemplo: Energia no Gana. A intervenção governamental para controlar preços resulta, muitas vezes, em serviços padronizados e na falta de incentivos para a inovação. C- Efeitos da Comoditização Atentemos nos efeitos positivos e negativos da Comoditização de serviços e produtos, com breves explicações e exemplos. www.economiaemercado.co.mz | Novembro 2023
As commodities garantem divisas, mas a dependência delas pode levar à instabilidade política
Efeitos Positivos da Comoditização 1. Geração de Receitas para Exportação - Explicação: a produção de commodities gera receitas significativas através das exportações, contribuindo para a balança comercial e as reservas de divisas. - Exemplo: a exportação de petróleo da Nigéria é uma fonte vital de receita para o país, impulsionando a sua economia. 2. Desenvolvimento de Infra-estruturas - Explicação: sectores de commodities exigem, muitas vezes, infra-estruturas, como estradas, portos e instalações de armazenamento, o que pode beneficiar o desenvolvimento económico. - Exemplo: a mineração na África do Sul levou ao desenvolvimento de infra-estruturas de transporte e logística importantes. 3. Criação de Empregos - Explicação: a produção de commodities geralmente emprega um grande número de pessoas, proporcionando oportunidades de emprego em áreas rurais e urbanas. - Exemplo: a agricultura, incluindo a produção de café, emprega milhões de pessoas em países como a Tanzânia5, Etiópia e Uganda. Efeitos Negativos da Comoditização 1. Monocultura Económica - Explicação: Dependência excessiva de commodities pode criar uma monowww.economiaemercado.co.mz | Novembro 2023
cultura económica, tornando o país vulnerável a choques económicos. - Exemplo: Angola enfrenta desafios de diversificação económica devido à sua dependência do petróleo. 2. Impactos Ambientais - Explicação: a exploração de commodities pode ter impactos ambientais negativos, incluindo a degradação do solo e a poluição. - Exemplo: a mineração de ouro no Gana enfrentou preocupações ambientais devido à utilização de mercúrio. 3. Instabilidade Política - Explicação: a dependência de commodities pode levar à instabilidade política, à medida que grupos disputam o controlo dos recursos. - Exemplo: o conflito nos Grandes Lagos foi alimentado pela disputa pelos recursos minerais na região. D - Conclusões Nesta reflexão sobre “A Armadilha da Comoditização (Parte 1)” revelei importantes aspectos relacionados com a Comoditização de serviços e produtos, desde a sua definição até aos efeitos avassaladores que pode ter nas economias africanas. 1. Definição de Comoditização: no artigo, adianto uma definição de comoditização, destacando que se refere a produtos e serviços sem características distintivas, frequentemente percebidos como permutáveis, o que leva a uma competição baseada principalmente em preço. 2. Exemplos africanos: no artigo, ilustro
a comoditização com exemplos africanos, como o turismo no Quénia e as instituições de microcrédito em África. 3. Causas da Comoditização: no artigo exploro as várias causas da comoditização, incluindo factores económicos, culturais, tecnológicos, políticos, competição global e cadeia de abastecimento. E demonstrei como essas causas se manifestam em diferentes sectores. 4. Efeitos positivos: no artigo, identifico os efeitos positivos da comoditização, como a geração de receitas para exportação, desenvolvimento de infra-estruturas, criação de empregos. 5. Efeitos negativos: no artigo, também destaco os efeitos negativos da comoditização, incluindo a monocultura económica, desigualdades sociais, impactos ambientais e instabilidade política. 6. Compromisso futuro: no artigo, prometi explorar futuramente tópicos relacionados com a comoditização, incluindo estratégias de (Des)comoditização, planos de acção concreta, riscos e desafios, políticas públicas de apoio à (Des)Comoditização. Não podemos mais ficar reféns da Comoditização. Devemos redefinir os nossos serviços e produtos, trazendo-lhes um valor inegável que transcenda os preços. A (Des)comoditização é a chave para o sucesso. O futuro é (Des)comoditizado! Nas próximas edições, venha descobrir como (Des)comoditizar os seus serviços e produtos e conquistar uma vantagem competitiva sustentável.
Objecção negocial é um termo utilizado no contexto das negociações e transacções comerciais, referindo-se a uma manifestação contrária ou resistência apresentada por uma das partes envolvidas durante o processo de negociação. Essa objecção pode estar relacionada com diversos aspectos, como preço, condições contratuais, prazos de pagamento, diferenciação, qualidade do produto ou serviço, entre outros. 2 Outros autores relevantes nesta matéria: RICHARDS, Thomas, “The Commodity Culture of Victorian England: Advertising and Spectacle, 18511914”, ISBN: 978-0198173352 (1990); YOUNG, Laurie et. All, “From Products to Services: Insights and experience from companies which have embraced the service economy”, ISBN: 978-0367331452 (2019). 3 Este artigo terá continuidade: serão publicadas na revista Economia & Mercado e, bem assim, no jornal Diário Económico e na plataforma 360.com. 4 Complementarmente, vide SEBASTIANY, Guilherme, “Descomoditização: Repensando modelos de negócios”, ISBN: 978-8576086155 (2014). 5 UMSCHEID, Marc, “De-commoditization of Differentiated Products: The case of the Tanzanian coffee sector”, ISBN: 978-3659651615 (2016)./ 1
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CEO TALKS | SAMIR SALÉ
Novas Centrais Eléctricas Alimentam Optimismo da Globeleq O que é preciso para aproveitarmos da melhor maneira as oportunidades na área das energias? A resposta é de Samir Salé, Country Director da Globeleq, dinamizadora da geração de energia eléctrica em vários pontos de África e parceira da EDM. À E&M, fala da participação da empresa na estratégia de expansão da rede a partir de fontes renováveis Texto Pedro Cativelos • Fotografia D.R.
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Globeleq é hoje uma empresa incontornável no sector energético nacional, com intervenção nos mais importantes projectos de expansão da rede. Recentemente, encabeçou o projecto da Central Solar de Tetereane, em Cuamba, no Niassa, numa parceria público-privada com a Source Energia e a Electricidade de Moçambique (EDM), orçada em cerca de 36 milhões de dólares. A empresa está também em vias de adquirir a Central Solar de Mocuba, na Zambézia, além de liderar o projecto da maior central eléctrica pós-independência, a Central Térmica de Temane, alimentada pelo gás natural a ser explorado pela EHN e a Sasol, em Inhambane. Participada maioritariamente pela British International Investment (BII) – uma instituição financeira de desenvolvimento do Governo do Reino Unido e pela Nortfund – Fundo Soberano do Reino da Noruega –, a Globeleq prevê participar activamente no cumprimento da visão do Executivo moçambicano de assegurar o acesso universal à electricidade até 2030. Samir Salé, Country Director da Globeleq, detalha a estratégia que inclui uma incursão pioneira no campo da energia eólica no País. Qual é a importância da Central de Tetereane, em Cuamba, que acaba de entrar em funcionamento? A central em operação comercial e há uma série de parâmetros de produção nos quais temos de nos enquadrar. Estamos a finalizar o processo, mas a central, com uma capacidade de 15 megawatts, já está a produzir desde finais de Junho. Para quem não tem a noção do que este núme-
ro significa, é um valor pequeno, mas estamos a falar de abastecimento em energia a cerca de 20 mil agregados familiares. Uma vez disse que esta era uma central modelo, que podia ser facilmente replicada noutros pontos do País, pela sua pequena dimensão e investimento relativamente baixo. É mesmo assim? Sim, embora tal dependa, também, de como a EDM planeia a evolução da rede. Acredito que a questão não é tanto o tamanho em si, mas o modelo. Este projecto tem produção intermitente, típica de fontes renováveis, e depois tem uma bateria para modular essas oscilações. Ou seja, pegamos nos picos de intensidade solar – geralmente por volta do meio-dia – para carregar a bateria e descarregá-la nas horas de maior procura, geralmente durante a noite. É um projecto modelo, em termos da configuração, não do tamanho. É o nosso primeiro projecto construído em Moçambique, desde a base, em parceria com a Source Energia e a EDM. Passámos por todo o ciclo de aprendizagem em termos da operação em Moçambique. Foi o primeiro projecto em que introduzimos baterias à escala da rede e isso cria uma série de novas oportunidades, tanto para nós, enquanto empresa, como para o tomador de electricidade – a EDM. Só o benefício de podermos dosear a quantidade de energia que despachamos para a rede, em alinhamento com o nosso cliente, já cria um valor enorme. Cuamba tem as condições adequadas para esse cenário? Tem, sim. Aliás, a selecção do local foi influenciada por essas características. O
Estamos aqui para as próximas décadas, sejam 25, 30 ou 40 anos, e o que queremos é ter uma relação de reforço mútuo com a EDM e, por extensão, com o Governo de Moçambique
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Governo de Moçambique, em conjunto com a EDM e outras entidades, fez um estudo e desenvolveu um atlas de potencial energético renovável. Foram identificadas várias áreas indicadas para centrais solares, eólicas e hídricas. Nós considerámos essa informação e tentámos capitalizá-la.
Esta central vai ser importante na região? A central não poderá alimentar toda a província, mas já reduz a quantidade de electricidade que a nossa parceira EDM tem de reservar para o Niassa a partir de outros pontos. Por outro lado, também reduz as perdas de energia na rede. Para nós, a parceria com a EDM é um ponto muito importante. Nós estamos aqui para a ajudar a resolver os seus próprios desafios. Estamos aqui para as próximas décadas, sejam 25, 30 ou 40 anos, e o que queremos é ter uma relação de reforço mútuo com a EDM e, por extensão, com o Governo de Moçambique. Por isso, o maior simbolismo da central de Cuamba é termos conseguido entregá-la, embora com um pouco de atraso, mas dentro daquilo que se esperava e que começámos a criar, com benefícios, tanto para a EDM, como para o Executivo. A Globeleq tem outras centrais deste género planeadas? A EDM está a prosseguir, em conjunto com o Ministério dos Recursos Minerais e Energia, com um programa de leilões de renováveis. Nós vamos continuar a considerar essas oportunidades quando elas aparecerem. Haverá, de certeza, espaço para centrais solares dentro desse processo. Mas, do nosso lado, estamos a tentar consolidar o nosso posicionamento em Moçambique. Felizmente, os proprietários da Central de Mocuba anunciaram que estão a finalizar uma transacção de venda desta infra-estrutura e nós vamos comprar uma posição. Já iniciámos o prowww.economiaemercado.co.mz | Novembro 2023
cesso de aquisição. Ainda não está confirmado, porque há uma série de aprovações e outros processos administrativos que têm de acontecer, a vários níveis, incluindo por parte da entidade reguladora. Mas porque é que optaram por essa aquisição? Porque Moçambique continua a centrar atenções com dois grandes vectores de oportunidade. O primeiro é a taxa de electrificação ainda abaixo dos 50%. Significa que há uma grande procura por satisfazer, à qual podemos responder como produtores de electricidade em parceria com a EDM. O segundo vector de oportunidade é que também estamos numa região pouco servida em termos de produção. Temos a África do Sul a enfrentar uma crise energética com cortes programados, uma situação que, provavelmente, não vai melhorar tão depressa. Outros países da região, como o Zimbabué, Zâmbia, Essuatíni e Botsuana, vêm bater à porta da EDM para comprar www.economiaemercado.co.mz | Novembro 2023
electricidade. Moçambique e a EDM já estão a posicionar-se como produtores de energia limpa para a região. Qual a estratégia para o vosso portefólio de projectos e de actuação a curto e médio prazo? Depois de terminarmos a instalação e testes em Cuamba, o que está para breve, e terminarmos a aquisição de Mocuba, temos outros dois grandes projectos em desenvolvimento. O primeiro é o da Central de Temane (450 Mw), a maior central térmica [alimentada a gás natural] do País no pós-independência, em que a construção está a correr bem. Prevemos que entre em operação até ao início de 2025. Estamos ainda a tentar desenvolver um projecto eólico em parceria com a EDM e vamos continuar a considerar outras oportunidades. Acreditamos que há potencial para crescer, em larga escala. Por exemplo, o posicionamento na Namaacha [projecto eólico] está ligado, essencialmente, ao mercado
B Samir Salé Com uma passagem pela petrolífera sul-africana Sasol, onde desempenhou funções como Vice-presidente em dois pelouros na Unidade de Negócios de Energia, entre outros cargos, Samir Salé juntouse à Globeleq como Country Director para Moçambique, em Abril de 2021. O seu foco principal passa por estabelecer a presença da empresa no País e fornecer supervisão e apoio aos activos da empresa, à construção e operação, bem como identificar e dinamizar oportunidades adicionais para o crescimento do portefólio.
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de exportação. Naquela zona temos as interligações com o mercado sul-africano, que podem ser exploradas pela EDM. O vento é daquelas tecnologias que se ajusta aos picos de procura, sem precisar de baterias. Mas também depende muito do perfil de vento do local. Tipicamente, fontes eólicas e solares complementam-se. A médio prazo, o que pretendemos é tentar replicar Temane, tanto quanto possível, com uma série de outros projectos renováveis. Ou seja, para um projecto da escala de Temane, queremos fazer três a quatro projectos de renováveis para obter um equilíbrio. A vossa actividade aqui no País está totalmente enquadrada com o paradigma de energias limpas e transição energética? Sim, mas será sempre necessária capacidade de balanceamento, por causa da intermitência das fontes re-
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nováveis. As centrais hídricas funcionam como baterias gigantes. As centrais a gás são similares: se se quer gerar mais energia, abre-se mais a válvula. Mas, por exemplo, com a energia solar já não é assim. É que não há como guardar a energia sem uma bateria, e estas são caras. Está optimista em relação aos próximos tempos? Sim, estou. Mas há muita coisa por fazer. Por exemplo, nós sofremos bastante nos nossos projectos com o ciclone Freddy [entre Fevereiro e Março de 2023]. Essa é a grande preocupação: os eventos que não conseguimos controlar. Temos de ver como é que conseguimos gerir estas situações e ajustar-nos, lembrando que, além do projecto de Temane, a EDM está a construir uma linha de transmissão de 565 km, que está ligada ao projecto, e que também está exposta a factores climáticos extremos. www.economiaemercado.co.mz | Novembro 2023
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especial inovações daqui 66
TECNOLOGIAS DE EDUCAÇÃO
A covid-19 veio pôr à prova as metodologias tradicionais de educação e mudar por completo o paradigma, ao acelerar a adopção de meios tecnológicos no processo de ensino e aprendizagem. Muita coisa mudou e muita vai ainda evoluir.
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FIRST EDUCATION
A plataforma digital que permite aos estudantes realizar o sonho de se formarem em universidades estrangeiras
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PANORAMA
As notícias da inovação em Moçambique, África e no Mundo.
E-LEARNING
Como Inovar para Resgatar um Ensino ‘Devastado’ pela Covid-19? Às dificuldades impostas pela pandemia, o mundo responde com soluções tecnológicas, especialmente em África. Organizações como o Banco Mundial e a UNICEF mostram como a inovação pode ajudar os países a restaurar a estabilidade e instalar sistemas de educação mais inclusivos e de alta qualidade TEXTO Ana Mangana • FOTOGRAFIA Jay Garrido & D.R.
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pandemia da Covid-19 teve um impacto significativo na educação em todo o mundo. Para conter a propagação do vírus, muitos países decidiram encerrar temporariamente as escolas, promovendo o ensino à distância como forma de manter os estudantes activos, sem perder cada ano lectivo. Mas os resultados ficaram aquém do esperado. Apesar de ter ajudado a conter o vírus, a suspensão das aulas afectou milhões de estudantes, tornando visíveis desigualdades no acesso a plataformas digitais e na preparação dos próprios
A situação de Moçambique Internamente, a qualidade do ensino sofreu danos que podem ser irreversíveis, de acordo com o Instituto Nacional de Estatística (INE) e o Banco Mundial, que realizaram um inquérito sobre o impacto da pandemia nas famílias urbanas. Os resultados foram publicados em 2021 e, no geral, confirmaram que a qualidade da educação terá sido muito afectada no ano 2020, mesmo para aqueles que puderam participar nalgum tipo de actividade. “Esta aprendizagem perdida pode ser difícil ou mesmo impossível
“Como passo imediato para reverter o subinvestimento nos sistemas educativos, os governos devem aumentar a despesa anual com a educação para atingir 20% do orçamento até 2025” educadores. O encerramento de escolas foi desastroso para o processo de aprendizagem. Estudos vários concluem que alunos em todo o globo lutam hoje para recuperar os níveis pré-pandemia de leitura ou cálculo para as respectivas idades. Um relatório apresentado pelo Banco Mundial, em Fevereiro, intitulado “Colapso e Recuperação”, revelou que a Covid-19 colocou em risco o desenvolvimento de milhões de crianças e jovens em países de baixo e médio rendimento, que não conseguiram implementar políticas eficazes de aprendizagem à distância, só possíveis com um grande contributo da inovação tecnológica.
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de recuperar para algumas crianças depois da pandemia, ou após a retoma das aulas presenciais para todas as classes”, detalha o documento. As respostas das famílias mostram “disparidades regionais significativas”. Na primeira fase do inquérito, em Junho de 2020, 50% a 59% dos agregados familiares das urbes de Cabo Delgado e Nampula (no norte do País) declararam que as crianças e jovens se envolveram em actividades de aprendizagem à distância. Nas províncias de Inhambane, Maputo, Cidade de Maputo, Niassa, Tete, Sofala e Manica, a proporção foi superior a 90%. Houve ainda “um decréscimo evidente” na participação em actiwww.economiaemercado.co.mz | Novembro 2023
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E-LEARNING vidades de aprendizagem alternativas à medida que os meses foram passando: era superior a 80% em Junho, mas no final de Novembro já estava na casa dos 70%. Uma solução inovadora para África Em Junho, através da iniciativa “Inovar a Educação”, a União Africana (UA) lançou um concurso com um propósito claro: “propor inovações práticas ao nível da educação com potencial de sustentabilidade, escalabilidade e replicação em larga escala”. Por outras palavras, encontrar uma fórmula de sucesso em que todos os países se possam inspirar. Em África, onde os orçamentos públicos para a educação já eram reduzidos, o impacto da pandemia foi maior. Daí a necessidade de procurar inovações – até porque a pandemia estimulou a experimentação com novas ferramentas e essa é uma vertente que diversos autores defendem que deve continuar a ser explorada, desde que haja infra-estruturas (rede eléctrica, Internet…) que a suportem. A inovação foi estimulada, mas agora é preciso que os orçamentos públicos dêem mais verbas para o sector da educação e para as infra-estruturas digitais. “Como passo imediato para reverter o subinvestimento nos sistemas educativos e tendências de declínio das despesas, todos os governos devem aumentar progressivamente a despesa anual com a educação para atingir 20% do orçamento até 2025”, refere um estudo do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) sobre o impacto da pandemia em África. A UNICEF recomenda ainda reforçar a credibilidade e a execução dos orçamentos da educação, defender um maior apoio externo, investir mais no fortalecimento da força de trabalho da educação, bem como melhorar a transparência, a responsabilização e a participação pública no planeamento e orçamentação para transformar o sistema educacional. “Se estas medidas foram implementadas rapidamente, podem impedir que a actual crise de aprendizagem se transforme numa catástrofe”, revela o estudo. Mas “se as acções forem adiadas ou assumidas sem entusiasmo, a base de capital humano continuará a deteriorar-se juntamente com o crescimento económico, a par da perda de potencial de desenvolvimento do continente”, avisa a UNICEF. Embora o défice educativo em África seja grande, “foram feitos progressos na última década”, destaca a UA nos estudos sobre o sector. O apelo, ago-
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ra, é para que a maré de inovações não pare e para que a prioridade ao investimento na educação não seja esquecida. Depois da pandemia, “tudo mudou” O Banco Mundial não tem dúvidas: depois da pandemia da Covid-19, tudo mudou, e os países em desenvolvimento “precisam de dinamizar os seus sistemas educativos para mitigar o abrandamento, adaptando as práticas de ensino e os currículos. É pouco provável que uma abordagem de ‘business-as-usual’ (abordagem tradicional), que simplesmente retoma o ensino pré-pandemia, responda às necessidades dos alunos após a reabertura das escolas”, destaca. Em vez disso, defende “um enfoque concertado na aprendizagem correctiva, orientada para o novo nível de aprendizagem dos alunos”. E estas são medidas a serem tomadas urgentemen-
adaptação nem sempre fácil para todas as partes envolvidas. Instituições e sistemas de ensino em todo o mundo recorreram a novas ferramentas. Moodle, Blackboard, Zoom, Google Classroom, Google Meet, Skype - tudo serviu para tentar manter as escolas em funcionamento. Mas o custo da internet, dos dispositivos de acesso e a falta de capacidade de utilizar as tecnologias foram os principais obstáculos ao uso do e-learning, sobretudo nas universidades. A utilização de plataformas de videoconferência cresceu exponencialmente, ajudada pelo facto de muitas tecnológicas terem disponibilizado acesso gratuito aos seus produtos e serviços. Tudo isto resultou numa experiência global das tecnologias da educação a uma escala sem precedentes. O actual contexto acabou por acelerar uma ten-
A Covid-19 trouxe problemas, mas também inspirou a adopção acelerada de tecnologias do sector da educação e provocou reflexões sobre a forma como se pode evoluir te, “se os países quiserem restaurar as trajectórias de aprendizagem”. Para o Banco Mundial, apesar da devastação causada no ensino, existe uma enorme oportunidade para “reconstruir melhor” a educação, com inovação. Mas, para isso, deve haver uma resposta favorável do lado dos orçamentos, incluindo ajuda externa (financeira ou sob a forma de assistência técnica), “que poderá ser mais importante do que nunca”, concluiu. O poder da tecnologia A Covid-19 trouxe problemas, mas também inspirou a adopção acelerada de tecnologias do sector da educação e provocou reflexões sobre a forma como se pode evoluir. Estima-se que, logo na primeira vaga da pandemia, mais de 1,7 mil milhões de estudantes em todo o mundo – ou cerca de 90% do total – tenham ficado impedidos de frequentar instituições de ensino, desde a creche à universidade. Durante esse período, as tecnologias digitais foram o substituto de algo até então considerado insubstituível: a educação presencial. Com as escolas encerradas, o computador e o smartphone substituíram a sala de aula e “transferiram” professores e formadores para uma das divisões da casa, numa www.economiaemercado.co.mz | Novembro 2023
dência positiva a que já se assistia, mais timidamente, de recurso ao e-learning. Especificamente na área empresarial, na qual se tem vindo a adoptar uma cultura de aprendizagem como factor de competitividade face à concorrência, a formação à distância assente no digital está a emergir como uma subárea de alto crescimento no mercado. As vantagens que impulsionam a adopção do e-learning na área académica e na corporativa incluem a versatilidade e flexibilidade, pois o padrão de aprendizagem pode ser personalizado para atender a todas as necessidades. De acordo com a consultora americana Global Market Insights, o mercado global de e-learning estava avaliado em cerca de 101 mil milhões de dólares em 2019, valor que deverá chegar aos 375 mil milhões de dólares em 2026. Os benefícios estendem-se à possibilidade de recurso a ferramentas multimédia, que permitem uma melhor retenção de conhecimento, ao maior grau de cobertura de todos os assuntos, assim como de acesso aos conteúdos sempre que se pretenda, por um número ilimitado de vezes. Junte-se a isto a redução de custos, ao eliminar a necessidade de investimento em infra-estrutura físicas, viagens e outras despesas relacionadas.
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STARTUP
FIRST EDUCATION
Uma Plataforma Para Quem Ambiciona Estudar Lá Fora Estudar fora é uma experiência enriquecedora que oferece a oportunidade de obter uma educação de alta qualidade, assim como de mergulhar numa nova cultura e desenvolver competências valiosas. Uma nova plataforma quer aproximar os jovens moçambicanos deste sonho TEXTO Ana Mangana • FOTOGRAFIA D.R.
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ompletar uma das mais importantes etapas educacionais da vida no estrangeiro abre portas a experiências enriquecedoras, nomeadamente para o currículo profissional. Mas conseguir obter bolsas de estudo e entrar em universidades internacionais pode ser um desafio. A competição é alta e os recursos financeiros para lá chegar podem ser limitados. Foi com este cenário que Allen Macuácua se inspirou: o jovem moçambicano decidiu desenvolver uma plataforma que simplifique o processo. A First Education é uma plataforma de apoio a estudantes moçambicanos no processo de candidatura a universidades no exterior. Oferece quatro tipos de serviço: candidatura a bolsas de estudos, participação em aulas online, preparação para o acesso ao ensino superior e apoio ao autofinanciamento. “A First Education ajuda os estudantes a adquirir bolsas completas ou parciais para alguns países com os quais temos parceria”, com um acompanhamento integral, “desde a disponibilização de informação até à aceitação do candidato pela instituição”. Os cursos realizados através de aulas online são um dos atractivos, lado a lado com outros, como o designado “Ano de Fundação”. Este dedica-se à preparação dos candidatos que não tenham a qualificação exigida para aderir ao programa que pretendem, seja por notas inferiores à média, seja por falta de domínio das disciplinas exigidas.
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Depois deste ano de preparação, o estudante deverá estar apto e “pode fazer o ensino online ou ter uma bolsa para o país que deseja”, explica o CEO da First Education. “Por último, temos o autofinanciamento, um serviço em que o candidato ou o seu encarregado de educação apresenta o valor que tem disponível para custear o curso e nós procuramos por instituições alinhadas com essas capacidades financeiras e qualificações”. A plataforma está no mercado há quase três anos e já apoiou cerca de 1360 alunos a ingressarem no ensino superior fora do País, bem como em cursos online. “O nosso objectivo é continuar a apoiar o maior número de estudantes possível e realizar este sonho, ano após ano, com um impacto cada vez maior a nível nacional e internacional”, conta Allen Macuácua. Mais do que garantir o acesso ao ensino superior, a plataforma é uma forma de fechar a lacuna da desinformação que muitas vezes leva os jovens a desistirem. “As pessoas acreditam que, para ter bolsas de estudo ou fazer o ensino superior fora do País, precisam de muito dinheiro, acabando por desistir. Mas isso não constitui verdade”, explicou. Desde a sua criação, a First Education já conseguiu enviar estudantes para países como a Malásia, Portugal, Espanha, China, Índia e Chipre. Para aceder aos serviços da plataforma, basta aceder ao website através do endereço https://firsteducation.edu.mz/ ou das redes sociais como o Facebook ou Instagram
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PLATAFORMA First Education WEBSITE firsteducation.edu.mz ANO DA FUNDAÇÃO 2020 COLABORADORES 5 FUNDADOR Allen Macuácua
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PANORAMA
Digitalização
Ministério dos Transportes e Comunicações passa a emitir licenças digitais
PME africanas
Flutterwave anuncia parceria com a Microsoft para promover pagamentos digitais em África A Flutterware, empresa líder de pagamentos em África, sediada na Nigéria, estabeleceu uma colaboração tecnológica de cinco anos com a Microsoft. O objectivo é acelerar a inovação nos pagamentos e o crescimento das pequenas empresas no continente. Desde a sua criação, a Flutterwave tem promovido a democratização dos pagamentos no continente, através de vários modelos, com recurso a cartões e carteiras móveis. Ao estabelecer uma parceria com a Microsoft, a marca tem como objectivo revolucionar ainda mais os pagamentos comerciais em toda a África. “A missão da Flutterwave alinha-se com a prioridade da Microsoft de capacitar digitalmente as PME africanas”, anuncia. Ao fazer a transição para a plataforma Azure da Microsoft, a Flutterwave pode processar, de forma segura, pagamentos de grande escala e de elevado volume. O Azure OpenAI também permite expandir as ofertas para milhões de comerciantes globais. O fundador e CEO da Flutterwave, Olugbenga Agboola, expressou o seu “entusiasmo” pelo facto de a Microsoft acreditar na capacidade da empresa para criar uma África digital inclusiva. A presidente da Microsoft África, Lillian Barnard, afirmou que o incremento do acesso à tecnologia e à inovação é um factor-chave para a prosperidade das empresas locais e para o fortalecimento das economias africanas.
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O Ministério dos Transportes e Comunicações passou a emitir licenças para o transporte rodoviário de passageiros e mercadorias em formato digital, com o objectivo de simplificar os procedimentos e facilitar o acesso aos serviços prestados pela instituição. O director nacional de Transportes e Segurança diz que o novo serviço vai conferir mais celeridade ao processo de emissão de documentos, reduzindo o tempo de espera de sete dias para 24 horas.
Segundo Fernando Ouana, o serviço digital permite ao público aceder virtualmente aos requisitos para o licenciamento da actividade de transporte rodoviário, incluindo à submissão da documentação, sendo que o cidadão só precisará de deslocar-se à instituição para levantamento da licença. Fernando Ouana explicou que, para conferir fiabilidade ao processo de inscrição virtual, o subscritor ganha acesso a um código de barras para verificação da sua autenticidade.
Conectividade
World Mobile lança o seu primeiro balão de Internet em Moçambique A World Mobile, empresa de Internet móvel do Reino Unido, lançou, no distrito de Massingir, província de Gaza, a primeira plataforma aérea de Internet em Moçambique, através de um balão, que visa expandir a conectividade à rede móvel no País. “O aeróstato (balão de Internet) vai ligar zonas, até agora sem cobertura, na área rural”, cobrindo uma distância de 72 a 130 quilómetros, disse o chefe de plataformas aéreas do grupo World Mobile, Gregory Gottlieb. Os balões da World Mobile distribuem sinal depois de colocados a uma altura de 300 metros, presos ao solo. Os utentes podem ligar-se directamente, como se o balão se tratasse de uma torre tradicional de operadores móveis. “O lançamento do nosso primeiro aeróstato comercial em Moçambique é um marco histórico para a empresa”, afirmou o presidente da em-
presa, Micky Watkins, acrescentando: “a nossa visão é ligar todos os habitantes, incluindo em áreas remotas, enquanto facilitamos actividades de criação de rendimento. Com os aeróstatos podemos levar a Internet, de forma lucrativa, a milhões de pessoas, que foram deixadas para trás pela inclusão digital”.
Cibersegurança
Descobertas mais de 21 mil redes de cibercrime em África A Organização Internacional de Polícia Criminal (Interpol) e a Afripol (Mecanismo da União Africana para a Cooperação Policial) identificaram, numa operação conjunta, mais de 21 mil redes cibernéticas suspeitas, ligadas a perdas financeiras de 40 milhões de euros (cerca de 2,6 mil milhões de meticais). A informação foi revelada pelo oficial de alta patente dos Emirados Árabes Unidos e presidente da Interpol, Ahmed Naser Al-Raisi, durante a 26.ª Conferência Regional Africana da Interpol, em Luanda, Angola.
Naser Al-Raisi indicou que, nos anos mais recentes, África assistiu a um aumento de crimes em várias áreas, em especial cibercrime, que coloca desafios sérios aos governos e aos cidadãos. “Os ataques são cada vez mais complexos e frequentes, com os criminosos a usarem novos métodos para acederem a dados confidenciais e informações sensíveis”. A 26.ª Conferência Regional Africana da organização decorreu no início de Outubro e reuniu mais de 200 delegados de vários países com o objectivo de avaliar a estratégia regional da organização em África. www.economiaemercado.co.mz | Novembro 2023
ócio
(neg)ócio s.m. do latim negação do ócio
cc_luc_viatour
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Marrocos Segunda parte de uma viagem introspectiva a Marraquexe
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78 GOURMET
Chef Jaime Uma nova forma de unir língua e paladar em pratos tradicionais
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ADEGA
ARTES
VOLANTE
O vinho heróico da ilha do Fogo Chã Branco, de Cabo Verde, premiado em Itália
Álvaro Vasconcelos Um livro contra amnésias sobre o tempo colonial
Kia EV4 Um conceito eléctrico novo e com promessa de sustentabilidade
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Marrocos
Vou Continuar a Procurar(II) João Tamura nasceu em Lisboa, nos anos 1990. É músico, poeta e fotógrafo. Partiu, em Setembro de 2022, numa viagem sem data de regresso ou destino definido. Tem documentado a sua jornada através de crónicas, numa simbiose entre as suas linguagens predilectas - a prosa e a fotografia analógica - que tentam ao máximo transportar o leitor para os longínquos lugares pisados pelo autor.
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Segunda parte de uma homenagem do autor a António Variações, no entrelaçar da vida com as vias labirínticas de Marraquexe. O calor obriga-nos ao refúgio. Qualquer peça de roupa parece-nos excessiva e desnecessária. Tentamos aumentar a potência da ventoinha, mas rapidamente nos resignamos ao insucesso e aceitamos os pingos de suor que escorrem pele abaixo e atingem o colchão. Chegámos a Marraquexe há dois dias, e de imediato percebemos que se não queremos derreter em plena medina, é proibitivo sairmos do riad entre as onze da manhã e as sete da tarde. Deitados sobre os desarrumados lençóis, rendidos à inércia e ao cansaço, pousamos os olhos sobre o tecto do quarto, rachado pelo tempo, enquanto aguardamos a chegada de Morfeu. O riad está em silêncio e momentos antes de ser tomado pelo sono, sou bruscamente trazido de volta ao mundo terreno: “Achas que devíamos tentar ter um filho?”. É uma pergunta retórica, sei-o. Esta não exige resposta, mas sim reflexão. Esporadicamente, retornamos a esta questão, ora sou eu a levantá-la, ora a Sara. A resposta tende a ser: “Não sei, amor. E tu? Que
achas?”, desejosos de passar a “batata quente” ao outro e de voltar ao conforto da indecisão e do adiamento. Existe um ritual do qual não nos desviamos. Pesamos os prós e os contras, analisamos as inevitáveis mudanças que um filho traria ao nosso estilo de vida e permanecemos na indecisão, até um de nós mudar o rumo da conversa. Apesar de sermos ambos cautelosos face à palavra “destino”, costumamos culpá-lo pelo nosso encontro. Eu sei, eu sei, “almas gémeas” é um termo tão cliché como piroso, mas, à falta de melhor termo, fazer o quê? Eu e a Sara partilhamos os mesmos sonhos e objectivos, inseguranças e indecisões - portanto, se de nós depender, adiaremos esta decisão até mais não podermos. Desta vez, ao contrário de tantas outras, quebramos o estabelecido ritual, e o debate arrasta-se: “Será que está na hora de voltarmos? De assentarmos? De pararmos com isto? Não deveria um terceiro elemento acompanhar-nos?”, questiona a Sara. “Pois, talvez… Como o Trio Ternura! Ou o Bom, o Mau e o Vilão! Ou até mesmo a Team Rocket”, atiro. “Estava mais a pensar nas Powerpuff Girls”, confessa a Sara. Sei o que deu origem a este novelo de lã: felicitei o meu amigo Fili-
pe, há algumas horas, pelo nascimento do seu primeiro filho. Vemos, por um minúsculo ecrã, os nossos amigos a avançarem na trajectória expectável da vida a dois. Celebram casamentos, nascimentos e primeiros dias de escola; mudam-se para uma casa maior, nos arredores da cidade, após a notícia da promoção no trabalho que há tanto tempo desejavam. Criam o lugar onde, juntos, enfrentarão a velhice. Sentimos que vamos ficando para trás, que os nossos desejos e ambições deviam ter sido moldados e maturados pela passagem do tempo, mas que, por alguma razão, permaneceram intocados, irresponsáveis e imaturos. Viagens, lugares, fotografias, experiências… será o coleccionar destas coisas algo assim tão importante? Não estaremos a gastar precioso e irrecuperável tempo? “Olha, e irmos jantar, não? Não dá para tomar grandes decisões de estômago vazio”. Leste-me o pensamento. Obrigado, Sara. O sol esconde-se e a temperatura baixa. Voltamos a conseguir respirar com leveza. Parece que toda a cidade se dirige a Jemaa el-Fna, a praça mais popular e concorrida de Marraquexe, sobretudo depois do pôr-do-sol. Juntamo-nos à multidão e iniciamos o percurso. Estamos na parte norte da medina e demoramos 15 minutos a pé, entre labirínticas ruas e vielas, a chegar à praça. Lá estão centenas de bancas de vendedores de promessas: o melhor tagine de Marrocos, o melhor sumo de laranja do hemisfério norte, encantadores de serpentes, tatuadoras de henna, vendedores de tapetes… o universo inteiro, com todos os seus sons e aromas, parece caber nestes 20 mil metros quadrados. Paramos num restaurante menos concorrido, afastado do caótico centro da praça, e pedimos dois tagines de frango e dois sumos de laranja. O melhor sumo de laranja do hemisfério norte? É bem possível! São tão bons que repetimos a dose de vitamina C, não vá o tempo www.economiaemercado.co.mz | Novembro 2023
arrefecer de repente e apanhar-nos desprevenidos - quem nos dera. O retorno ao riad lembra-nos a cena em Tânger de Only Lovers Left Alive, filme de Jim Jarmusch, que recomendo. As ruas, labirínticas, quase inteiramente banhadas pelo breu, somente interrompido pelas tímidas luzes azuladas que iluminam o interior das poucas lojas e restaurantes ainda abertos, são tão misteriosas como belas - quase místicas, arrisco. A medina, quando à luz da lua, parece-nos um lugar que já não cabe no moderno; um lugar da ficção, escrito pelas mãos de um poeta - ou um lugar de um passado distante, somente possível nos livros de História. Caminhar do riad até à praça é fácil: basta seguirmos a multidão, o som, as luzes. O retorno ao riad é mais traiçoeiro. As ruas baralham-nos, de tão similares, o breu intimida-nos e a localização que o Google Maps nos apresenta é tudo menos fidedigna. Após longos minutos, damos finalmente com o nosso destino. Com o passar dos dias, o caminho torna-se mais natural e intuitivo - até o conhecermos por completo, como conhecemos a palma da nossa mão. O tempo e o hábito moldam a nossa percepção da medina, permitindo conforto em caminhos outrora estranhos e intimidantes e o mesmo acontece com a vida. Caminhos que outrora nos pareciam ameaçadores, como os desta vida itinerante, são agora saborosos e reconfortantes. Portanto, ficaremos assim por mais uns tempos, neste recém-achado conforto. Saltando de fuso em fuso horário, de cidade em cidade, a viver para viajar e a viajar para viver na busca do prazer, da novidade e da descoberta, enquanto podemos, até nos fartarmos - e claro, adiando as mais difíceis e fulcrais decisões da vida, enquanto tal nos for possível.
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O tempo e o hábito moldam a nossa percepção da medina, permitindo conforto em caminhos outrora estranhos e intimidantes e o mesmo acontece com a vida
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Texto João Tamura www.economiaemercado.co.mz | Novembro 2023
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CHEF JAIME
O ‘chef’ Jaime é a nova atracção da culinária tradicional do Sul do País nas redes sociais, ao publicar receitas em xichangana
g as palavras que estão na ponta da língua do ‘chef’ Jaime têm vários sabores, porque são receitas que o deliciam desde criança, com a avó. Mas tal como cada pessoa tem o seu paladar, a língua falada também pode ser diferente – e factor de identidade. É neste cruzamento de paladar e linguística que entra o ‘chef’ Jaime: está a ganhar notoriedade na Internet ao narrar e divulgar receitas em línguas locais moçambicanas, como forma de promover a cultura e tradição da culinária, em particular da zona Sul. Jaime Langa é um jovem moçambicano de 28 anos, formado em Informática e Telecomunicações. Começou a cozinhar por causa do convívio com a avó e os pratos que ela preparava quando era pequeno. Actualmente, é um verdadeiro influencer em Moçambique, a ganhar seguidores nas redes sociais com uma marca muito própria e que o torna
‘Chef’ Jaime e a Outra Forma único: publica vídeos de receitas em xichangana, língua falada no sul de Moçambique. ‘Chef’ Jaime, como é conhecido, já tinha um histórico com a culinária. Em 2018 e 2019 trabalhou no ramo da fast food. Não tinha um endereço físico, mas fazia entregas e já contava com uma boa carteira de clientes fidelizados. A aventura na Internet começa depois, aos poucos, ao publicar vídeos curtos e fotografias dos seus pratos mais vistosos. Durante a pandemia de covid-19, Jaime avançou para vídeos com narrações em português. A ideia surgiu como um hobby e como uma forma de investir o tempo que passou a ter de sobra, fazendo aquilo de que gostava. A primeira narração em xichangana aconteceu como uma brincadeira, mas a visibilidade que ganhou nas redes sociais, com muitas parti-
Uma grande marca do ‘chef’ Jaime é a lealdade aos ingredientes e utensílios que usa para preservar a tradição da culinária moçambicana
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de Unir Língua e Paladar lhas e pedidos na mesma língua, obrigou-o a reflectir. Um tempo depois, Jaime já estava comprometido com o público e passou a ter uma agenda definida de publicações, com dias e horas marcados, para responder à pressão dos seguidores. Além da língua usada para narrar as receitas, outra grande marca do ‘chef’ Jaime é a originalidade e o facto de ser leal aos ingredientes e utensílios usados na confecção dos pratos, aspectos que diz proteger como forma de promoção da cultura e tradição da culinária moçambicana, em particular da zona sul. “Somos muito poucos, nós, que ainda fazemos os pratos tradicionais, da maneira tradicional. Por isso, faço questão de usar os instrumentos originais: um alguidar, uma peneira, um pilão para o amendoim, entre outros. Para mim, não é só fazer o prato. Mais do que isso, é manter a essência”, explicou. Por causa dos seus traços únicos, o ‘chef’ Jaime tem sido
requisitado para dar aulas particulares de culinária tradicional, para cozinhar em eventos e para individualidades. Sonha abrir um restaurante que sirva apenas pratos moçambicanos. O novo fenómeno online da culinária moçambicana guarda ainda outros planos para o médio prazo: lançar, pelo menos, um e-book de receitas em xichangana e promover a nutrição infantil em zonas recônditas. “Nós temos muitas zonas que produzem milho, batata-doce, mandioca, cenoura e outras culturas, mas as crianças enfrentam deficiências nutricionais porque se desconhecem as opções de combinação para bons pratos”, concluiu. Para Jaime Langa, se os profissionais da culinária e gastronomia nacional apostassem mais nos pratos locais, seria possível produzir marcas moçambicanas com espaço privilegiado além-fronteiras. Texto Filomena Bande Fotografia D.R. www.economiaemercado.co.mz | Novembro 2023
O vinho Chã Branco nasce na ilha do Fogo, cujo vulcão ficou em erupção durante 77 dias em 2014, destruindo a adega. Tal como a ilha, é um testemunho de resistência, bravura e recomeço. A variedade assemelha-se ao moscatel branco, que só era conhecido nas Ilhas Canárias.
De Cabo Verde para o Mundo. Medalha de Ouro para Chã Branco
O vinho Chã Branco, colheita de 2021, da Adega Cooperativa de Chã das Caldeiras foi distinguido com uma medalha de ouro no concurso internacional dedicado aos vinhos “heróicos”, realizado nos dias 29 e 30 de Setembro em Itália. É produzido em Cabo Verde, na ilha do Fogo, em Chã das Caldeiras, aldeia onde se encontrava a adega da cooperativa, levada pela erupção vulcânica de 2014/2015, a 27.ª da história da ilha desde o ano 1500. Chã Branco foi distinguido numa prova com a participação de mais de 800 tipos de vinho de diferentes países, logo na primeira vez que a Adega Cooperativa de Chã das Caldeiras participou num concurso internacional. Chã Branco é produzido a partir de 1500 hectares de vinhas de plantações rasteiras, a 2200 metros de altitude, em plena encosta do pico principal do vulcão do Fogo, numa grande cratera onde está inserida a aldeia de Chã das Caldeiras. Ali, mais de 100 pequenos produtores lutam contra a seca e as erupções para garantir as uvas necessárias para um dos mais conhecidos vinhos de Cabo Verde. Detentora de uma história distinta e portadora de uma tradição duradoura, a região abriga paisagens valiosas e únicas, apostando sobretudo no cultivo de castas locais. Estes verdadeiros “santuários vitivinícolas” podem correr o risco de desaparecer devido aos seus custos de produção consideráveis, dez vezes superiores aos das vinhas de planície. A variedade usada no Chã Branco assemelha-se à do moscatel branco, que só era conhecido nas Ilhas Canárias. De cor amarelo cítrico, tem aroma doce e suave de pêssego maduro, mel e citrinos. Na boca é bastante doce, mas bem cítrico, com notas de casca de laranja e excelente acidez. Tem um final mineral e como um fumo muito leve a mostrar o solo vulcânico. O concurso, no qual Chã Branco obteve uma medalha, selecciona os melhores vinhos www.economiaemercado.co.mz | Novembro 2023
provenientes de viticultura extrema, com o objectivo de defender e premiar a produção de pequenas áreas vitícolas e realçar as características únicas destes produtos. Serve também para sensibilizar os consumidores para os aspectos culturais da produção de montanha, com um valioso trabalho de viticultores a salvaguardar o território e o ambiente. O representante da Adega Cooperativa de Chã das Caldeiras afirmou, ao receber a distinção, que “a atribuição da medalha de ouro é um reconhecimento que demonstra estarmos a fazer um bom trabalho. É um estímulo para continuar a melhorar o vinho produzido”, referiu Rosando Monteiro. O concurso mundial de vinhos extremos é organizado pela CERVIM, organização internacional, sob o patrocínio da Organização Internacional dos Vinhos e da Vinha (OIV) e autorizado pelo Ministério das Políticas Agrícolas, Alimentares e Florestais de Itália. A entrega dos prémios desta edição está programada para o dia 3 de Dezembro em Turim. TEXTO Filomena Bande FOTOGRAFIA D.R
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LITERATURA
A Editorial Fundza lançou a 3 de Outubro no Camões – Centro Cultural Português, em Maputo, o livro “Memórias em Tempos de Amnésia, volume I: Uma Campa em África”, de Álvaro Vasconcelos. O autor português viveu em Moçambique durante vários anos, particularmente no período colonial, e partilhou com os moçambicanos parte das vivências da época. No seu ensaio “Memórias em Tempos de Amnésia”, conta histórias e revive memórias do drama colonial que viveu na cidade da Beira, em Sofala, onde residia. O “Tempo de amnésia” referido no título, explica o autor, “é o momento em que vivemos, em que as pessoas tendem a esquecer, por razões diversas, as tragédias do passado, as violações de direitos que tenham sofrido ou presenciado e transformam o passado numa utopia, numa coisa belíssima, por-
“Memórias em Tempos de Amnésia”. que têm enormes preocupações com o presente e acham que o futuro é muito incerto”. O livro resulta de um sentimento de dever à memória, de expressar as experiências que viveu e que viu outros viverem. A outra parte do título, “Uma Campa em África”, tem dois significados, detalha Álvaro Vasconcelos. “Por um lado, a campa da minha avó, que é a única coisa da minha família que resta na cidade da Beira”. Por outro, “as campas todas que ficaram em África, de soldados portugueses, de colonos, de africanos que foram mortos pelo colonialismo e pela guerra”, explicou. O ensaio sobre as memórias vividas na Beira é o primeiro dos três livros do autor. O segundo volume, já lançado, aborda os anos de exílio político que Vasconcelos vi-
Álvaro Vasconcelos apresentou em Maputo o livro que surge como um dever à memória do tempo colonial, povoado de experiências trágicas. www.economiaemercado.co.mz |Novembro 2023
Um Olhar Sobre o Passado veu na Bélgica e em França. O terceiro volume é uma reflexão sobre os últimos 50 anos e um vislumbre sobre o futuro de África. A essência de África “está presente nos outros dois livros”, refere. “No segundo, está presente na questão da resistência, da solidariedade anticolonial, dos movimentos desertores e refractários e em tudo o que havia depois dos movimentos de libertação. No terceiro, está nas perspectivas do amanhã, “porque África faz parte do futuro”. Na cerimónia de lançamento do primeiro volume, José Castiano, filósofo moçambicano, abordou a pertinência do livro, apontando-o como especialmente pertinente “para o pú-
blico português, em particular para aqueles que viveram em Moçambique e que, por várias razões, tiveram de regressar a Portugal. “Portugal ainda não trabalhou esse tempo colonial, como deve de ser. Então, esse pú-
blico português é, em primeiro lugar, o que deve ter mais interesse num exame de consciência. Para nós, moçambicanos, é um acréscimo ao que já sabemos que o colonialismo foi - opressor, segregacionista”, frisou. Álvaro Manuel Ribeiro Garcia de Vasconcelos nasceu no Porto, em 1944. Fundou o Instituto de Estudos Estratégicos e Internacionais de Lisboa (IEEI), do qual é, desde a criação (1981), director do conselho gestor e director-geral. Exerceu funções como Conselheiro Especial de Defesa e Relações Internas para o Governo português e tem numerosas publicações sobre política internacional e europeia. É o autor e co-editor de diversos livros e artigos, nomeadamente nas áreas de política de segurança e ordem mundial. TEXTO Filomena Bande FOTOGRAFIA D.R.
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KIA
Também apresentado no EV Day da Kia, o EV3 é um SUV e junta-se ao EV5, que está mais próximo da produção e, provavelmente, será o primeiro dos três a ser colocado à venda
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Novo Conceito Eléctrico Com EIS UM NOVO PROTÓTIPO DA KIA,
lançado a 12 de Outubro. O desenho desafia convenções e, por dentro, há inovação no uso de fibras naturais como o micélio (raízes de cogumelo) na consola central, fibra de cânhamo no painel de instrumentos e algodão 100% reciclável nos assentos. A Kia Motors surpreendeu com uma apresentação de alto impacto no evento Kia EV Day, a 12 de Outubro, na Coreia do Sul, revelando novos modelos eléctricos. O Kia EV4 foi um dos destaques, um ‘concept car’ (protótipo) com um desenho inovador e um interior ecológico. Tudo em linha com o evento que serviu também de palco para discussões, palestras e debates sobre processos de produção sustentáveis. O Kia EV4 Concept é um elegante sedã de quatro portas que mantém a tradição do Kia Stinger em termos de desempenho e elegância. A parte frontal do modelo distingue-se pelo con-
Promessa de Sustentabilidade junto óptico vertical, enquanto a inclinação acentuada do capô cria uma transição suave para o pára-brisas. Amplas molduras pretas nas rodas conferem uma aparência mais ao estilo dos SUV. Por dentro, o modelo também inova, principalmente pelo uso de fibras naturais e materiais recicláveis. Há micélio (raízes de cogumelo) entre as matérias-primas da consola central, fibra de cânhamo no painel de instrumentos e bancos de algodão 100% reciclável. Embora a silhueta do EV4 seja diferente e invulgar, existem algumas influências herdadas do EV6, outro modelo da Kia, que segue uma ténue linha entre hatchback e crossover. No EV4, um nariz longo e inclinado, juntamente com um forte declive do pára-brisas, parecem querer cortar o ar na perfeição. A traseira é complexa. Parecendo o filho amoroso de um EV6 e de um Cadillac
CT4, o vidro traseiro inicia a sua progressão descendente, alinhado com a roda traseira, terminando num spoiler integrado de formato familiar. O painel do EV4 é feito a partir das fibras de cânhamo, uma variante da cannabis sativa que tem como vantagem o cultivo rápido e barato. No interior, o motorista pode ainda alternar entre diferentes modos de iluminação e padrões de ventilação. Embora as vendas de sedans estejam a diminuir em todo o mundo, a Kia acredita que ainda existe procura por estes veículos, desde que ofereçam espaço adequado à conveniência, com uma grande porta traseira - algo igualmente prático para o transporte de bagagem. Os novos sedans da marca são todos eléctricos e a Kia tem um projecto de vendas ambicioso, com a meta de chegar a um milhão de unidades vendidas até 2026, chegando à produção anual de 1,6 milhões até 2030.
Embora as vendas de sedans estejam a diminuir em todo o mundo, a Kia acredita que ainda existe procura por estes veículos, desde que ofereçam espaço adequado à conveniência